MULTA
TAXA DE JUSTIÇA
PAGAMENTO
VALOR
PRAZO
PRECLUSÃO
ADMISSIBILIDADE
REJEIÇÃO
RECURSO DE REVISTA
NULIDADE
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário


I. Tal como no tocante à taxa de justiça, em que a junção de documento comprovativo do seu pagamento em valor inferior ao devido equivale a falta de junção – art.º 145.º n.º 2 do CPC – também no que concerne ao pagamento de uma multa, prevista no art.º 139.º do CPC, em valor inferior ao devido, se deverá entender que equivale a falta de pagamento.
II. Não tendo a recorrente pago – no prazo fixado - a multa devida pela interposição tardia da revista, isto é, não tendo pago o valor da multa que lhe foi fixada nos termos conjugados dos números 5, alínea c) e 6 do art.º 139.º do CPC – tendo pago um valor inferior ao fixado - aplica-se a cominação prevista no proémio do mencionado n.º 5, isto é, a interposição da revista não tem validade.
III. O prazo de pagamento referido em II é preclusivo, pelo que é irrelevante o pagamento da diferença em falta em momento ulterior ao termo do prazo, nomeadamente em simultâneo com a reclamação para a conferência da decisão singular de rejeição da reclamação prevista no art.º 643.º do CPC.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. Inconformada com a sentença condenatória proferida no processo especial com vista à tutela de personalidade instaurada por AA e BB contra Sociedade Filarmónica Incrível Almadense e Alma Danada Associação Criativa, dela apelou esta última.

2. Por acórdão proferido em conferência, datado de 19.12.2024, a Relação de Lisboa rejeitou o recurso, por extemporaneidade, assim confirmando a decisão singular do relator.

3. Notificada do dito acórdão em 23.12.2024, a apelante dela interpôs recurso de revista, em 10.01.2025 (pelas 23h, 55m e 34 s).

4. No requerimento de interposição do recurso a recorrente requereu que, nos termos do n.º 8 do art.º 139.º do CPC, fosse dispensada do pagamento da multa processual a que se refere a alínea c) do n.º 5 do mesmo artigo, por considerar o respetivo montante manifestamente desproporcionado.

5. Além de comprovativo do pagamento da taxa de justiça, a recorrente juntou DUC para pagamento da multa processual, no valor de € 122,40, a ter em consideração caso o tribunal entendesse que a multa era devida.

6. A secção notificou a recorrente para pagar a multa prevista no art.º 139.º n.º 6 do CPC, no valor total de € 153,00, emitindo guia para o efeito, com data de limite de pagamento o dia 30.01.2025.

7. Em 30.01.2025 a recorrente apresentou reclamação contra “despacho de secretaria” e “emissão de guias de pagamento”, arguindo a nulidade decorrente de a dita guia ter sido emitida pela secretaria sem que o requerimento de dispensa de pagamento da multa tivesse sido levado à apreciação do juiz ou juízes da Relação.

8. Em 03.02.2025 o relator (na Relação) proferiu despacho em que, após constatar que a recorrente havia apresentado o recurso de revista no terceiro dia útil após o termo do prazo legal, que a recorrente havia requerido a dispensa do pagamento da multa respetiva, que a secção havia notificado a recorrente para proceder ao pagamento da multa prevista no n.º 6 do art.º 139.º do CPC e que a recorrente havia reclamado dessa notificação efetuada pela secção, passou a apreciar o dito requerimento de dispensa do pagamento da multa, indeferindo-o, por considerar que essa pretensão da recorrente não tinha qualquer fundamento. O aludido despacho culminou com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, indefere se a requerida dispensa de pagamento da multa.

*

Emitam-se novas guias para pagamento, pela ré, da multa devida nos termos do art. 139.º, n.ºs 5, al. c) e 6, do CPC.

*

Notifique a recorrente Associação Alma Danada - Associação Criativa do teor do presente despacho”.

9. Em 06.02.2025 a secção notificou a recorrente do despacho referido em 8 e para, em 10 dias, pagar a multa prevista no n.º 5 do art.º 139.º do CPC, acrescida de uma penalização de 25%, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, sob pena de não se considerar válido o ato processual extemporaneamente praticado. Em anexo a secção enviou à recorrente uma guia para pagamento da aludida multa, no valor de € 153,00, com data limite de pagamento o dia 17.02.2025.

10. Em 17.02.2025 (às 23h, 53m e 57s) a recorrente apresentou nos autos um requerimento de recurso de apelação, respeitante a um processo de execução, em nome de “CC”. A acompanhar o dito requerimento constava o documento de DUC suprarreferido em 5 e, bem assim, comprovativo do pagamento, em 17.02.2025, da multa de € 122,40, respeitante a esse DUC.

11. Em 19.02.2025 o relator (na Relação) proferiu despacho em que, após considerar que o requerimento referido em 10 parecia ter sido remetido àqueles autos por engano, pois o seu teor nada parecia ter a ver com o processo, salvo, segundo se lhe afigurava, os dois documentos com ele juntos, determinou que se notificasse o ilustre advogado seu subscritor para que dissesse ou esclarecesse o que tivesse por conveniente.

12. Em 21.02.2025 a recorrente respondeu ao despacho referido em 11, pela seguinte forma:

1) Efectivamente o ora mandatário verificou o lapso, quando na verdade queria enviar um requerimento gravado no dia 17 de Fevereiro de 2025 às 23h44, em word, que depois na conversão para PDF (output em PDF) foi gravado com o nome de outro ficheiro que o ora mandatário estava a trabalhar há altura sobre um outro cliente seu.

2) Pelo lapso, as minhas desculpas, mas podem verificar que o pagamento da custa foi feita também pela mesma hora do mesmo dia 17 de Fevereiro pela mesma hora, sensivelmente.

Termos em que se remete o original do requerimento de 17 de Fevereiro, convertido hoje para o correcto ficheiro em PDF.

Se dúvidas subsistirem pode o ora mandatário remeter o ficheiro original em word para a secretaria aferir da data, basta para isso que o notifiquem.

ED…”

13. A acompanhar a resposta referida em 12 a recorrente juntou um requerimento com a seguinte redação:

Exmos. Srs. Drs. Juizes-Desembargadores

junto do Tribunal da Relação de Lisboa

Processo: 3894/22.5T8ALM.L1

Secção: 7.ª (cível)

ASSOCIAÇÃO ALMA DANADA - ASSOCIAÇÃO CRIATIVA, associação cultural, pessoa coletiva n.º 510357970, com sede na Rua Capitão Leitão, n.º 1, 2800-135 Almada, doravante designada por “Ré” ou “R”, “2.ª Ré”, “2R”, “Recorrente” ou “Apelante”, notificada do V. último despacho de secretaria que a condena a pagar uma multa nos termos do art.º 139.º n.º5 alínea d) e 6 e dele frontalmente discordando, vem apresentar nos termos dos artigos 154.º, 194.º e 199.º todos do CPC, nva

RECLAMAÇÃO SOBRE DESPACHO E EMISSÃO DE GUIAS DE PAGAMENTO

o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

1: Apesar de discordar de todas as razões despendidas por parte do Mmo. Relator quanto às considerações sobre a legitimidade para a Ré pedir a dispensa de multa, junta-se comprovativo em anexo do pagamento da multa nos termos do art. 139.º n.º 5 e n.º 6 do CPC, cujo DUC já se tinha junto aquando do pedido da dispensa--quando se remeteu o requerimento de Recurso ealegações;

2: Ou seja, quando se fez o pedido ao Mmo. Relator nos termos do art.º 135.º n.º 8 do CPC-- Que só foi respondido porque o ora mandatário reclamou de um despacho da secretaria, esta, que mais uma vez incorreu numa nulidade processual, ao não remeter o pedido de dispensa ao Juiz Relator---Juntou DUC com o valor certo de EUR: 122,40 (Cento e vinte e dois euros e quarenta cêntimos) para só ser pago se o pedido fosse negado.

3:Nesse mesmo requerimento, pediu a Ré que no caso em concreto (E depois, na sua reclamação pediu o mesmo) que fosse apenas condenada a pagar a multa em singelo, facto que não ocorreu, uma vez que agravou no último despacho a multa do art.º 139.º n.º 5 alínea c) e art. 139.º n.º 6 do CPC para um guia com 25% do Multa.

4: Ora a aplicação destes 25% é manifestamente ilegal ao abrigo do art.º 139.º n.º 6 uma vez que não houve qualquer falta de pagamento do DUC, mas tão só a submissão de de um requerimento de dispensa de multa e toda esta situação foi explicada e requerida em conformidade legal.

5. Sendo essa cominação nula ao abrigo do art.º 154.º, 194.º e 199.º do CPC

Termos em que, nestes e nos demais termos em Direito que V.Exa. Entenda suprir,

A) Deverá a presente arguição de nulidade ser admitida e em consequência,

B) Deverá ser admitido o pagamento da multa junta em anexo.

Junta: DUC já junto e pagamento da multa ao abrigo do art.º 139.º n.º 5 alínea d) do CPC.

14. Em 26.02.2025 o relator (na Relação) proferiu despacho em que, após considerar impercetível o teor do expediente referido em 13, determinou se notificasse, de novo, a recorrente, “para, de uma forma clarividente, esclarecer, qual a concreta nulidade cometida contra a qual pretende reclamar, sendo certo que as secretarias não proferem despachos”.

15. Em 13.3.2025 a recorrente veio expor que “A recorrente no seu último requerimento juntou requerimento correto que impugnava o ato de secretaria anterior (emissão de guia para pagamento de uma multa ao abrigo do artigo 139 número 5 e número 6 do cpc agravada de 25% sobre a taxa original)”, após o que transcreveu o teor do aludido “requerimento correcto”, acrescentando o seguinte (transcrevendo-se o que para aqui releva):

2) Apesar deste requerimento ser explícito quanto ao regime da nulidade do acto de secretaria--Que não sendo um despacho judicial é um acto judicial ou um acto de uma secretaria judicial que se repercute na esfera da Recorrente e do processado----Se reitera: O acto da secretaria é nulo nos termos do art.º 195.º do CPP, conjugado com o art.º 199.º do CPP e com o art.º 154. do CPP--Falta de fundamentação material e legal.

3) Um acto de secretaria pode ser nulo e não apenas um despacho ou sentença--E muitas nulidades nos Despachos e Acórdão proferidos pela Relação nestes autos, foram suscitadas e não só no curso do processo, como agora perante o STJ--Que aguarda a remessa dos Autos que já tarda no meio de um fluxo processual cheio de equívocos, errada aplicação ou falta de aplicação da lei e ausência da administração da Justiça.

(…)

Reiterando:

Termos em que, nestes e nos demais termos em Direito que V. Exa. entenda suprir:

C) Deverá a presente arguição de nulidade ser admitida e, em consequência,

D) Deverá ser admitido o pagamento da multa junta em anexo - Que já foi integralmente paga.”

16. Em 22.3.2025 o relator (na Relação) proferiu despacho em que se concluiu pela seguinte forma:

Perante o exposto, e sem mais delongas:

Primeiro:

- não foi praticado qualquer ato não admitido por lei;

- não foi omitida a prática de qualquer ato ou de uma qualquer formalidade que a lei prescreva,

e muito menos suscetível de influir no exame ou na decisão da causa (art. 195.º, n.º 1, do CPC).

Por conseguinte: não se vislumbrando a ocorrência de qualquer nulidade, indefere-se o requerimento apresentado pela ré no dia 13 de março de 2025 (Ref.ª ......68).

Segundo:

Por falta de pagamento da multa prevista no art. 139.º, n.º 5, al. c), do CPC), acrescida da penalização de 25% imposta pelo n.º 6 do mesmo artigo, não é válido o ato de interposição, no dia 11 de janeiro de 2025, do recurso de revista.

Assim, nos termos das citadas disposições legais, conjugadas com o disposto no art. 641.º, n.º 2, al. b), não admito o recurso de revista interposto pela ré ASSOCIAÇÃO ALMA DANADA - ASSOCIAÇÃO CRIATIVA, no dia 11 de janeiro de 2025.

*

Custas a cargo da referida ré, cujo quantitativo fixo em 2 Ucs.

17. A recorrente reclamou deste despacho, ao abrigo do disposto no art.º 643.º do CPC, peticionando a declaração de nulidade do despacho reclamado e a admissão do recurso.

18. Não houve resposta à reclamação.

19. Neste STJ, por despacho do relator datado de 16.6.2025, a reclamação foi julgada improcedente.

20. Deste despacho reclamou a reclamante, para a conferência (no dia 02.7.2025, pelas 23h59m12s).

21. Juntamente com a apresentação da reclamação referida em 20, a reclamante, além do mais, juntou comprovativo do pagamento da quantia de € 30,60 e respetivo DUC, que identificou como sendo “DUC dos 30,60 que faltava para perfazer os 153 EUR”.

22. Não houve resposta à reclamação.

23. Dispensados os vistos, cumpre apreciar a reclamação, em conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da reclamação para a conferência deduzida nos termos dos artigos 643.º n.º 4, parte final, e 652.º, n.º 3, do CPC, avaliar se deve ou não ser mantida a decisão do relator que confirmou o despacho da Relação que rejeitou a revista ordinária deduzida pela reclamante/recorrente.

Na análise dessa questão reiterar-se-á o aduzido na decisão singular pelo relator, que não merece a discordância deste coletivo.

A decisão reclamada rejeitou a revista interposta pela reclamante, em virtude de esta não ter pago a multa prevista pelo n.º 6 do art.º 139.º do CPC.

É nesta perspetiva que iremos averiguar do bem fundado do indeferimento do recurso.

Sendo certo que não cabe, aqui, tecer considerações acerca do mérito da revista rejeitada.

2. O factualismo relevante a levar em consideração é o supra exposto no Relatório (I).

3. O Direito

Na reclamação a recorrente não formulou conclusões (o que não é obrigatório), tendo suscitado, no que aqui releva (não se abarcarão afirmações respeitantes a peripécias processuais passadas, irrelevantes para a apreciação da questão da admissibilidade da revista), as seguintes questões:

- O valor da guia emitida pela secretaria (€ 153,00) estava errado, pois não houve qualquer atraso no pagamento de uma multa para o qual se requereu dispensa;

- Contrariamente ao aduzido no despacho reclamado, a recorrente juntou, em 17.02.2025, documentos comprovativos do pagamento da multa, no valor de € 122,40;

- O despacho reclamado é nulo e ilegal nos termos do art.º 615.º n.º 1 alíneas b) e c) do CPC.

Acresce, na reclamação ora apresentada para a conferência, a circunstância de, simultaneamente com a apresentação desta reclamação, a reclamante ter pago o valor da multa em falta.

Vejamos.

Quanto às nulidades assacadas ao despacho reclamado.

Nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, as sentenças (e, na medida aplicável, os despachos – art.º 613.º n.º 3 do CPC) são nulas se não especificarem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b)) e/ou se os fundamentos estiverem em oposição com a decisão ou ocorrer alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (alínea c)).

A leitura do despacho reclamado permite constatar que nele se faz uma completa explanação das razões, de facto e de direito, que, no entender do julgador, fundamentam a decisão proferida. Não se verifica, assim, a imputada nulidade por falta de fundamentação.

Também no que concerne à invocada oposição entre os fundamentos e a decisão, não se lobriga contraditoriedade: em parte alguma do despacho se deduz, pela leitura dos fundamentos nele explicitados, que o veredito final seria, por um necessário nexo lógico, oposto ou diferente daquele que foi emitido. E, também - nem sequer a recorrente explicita como poderá tal vício manifestar-se no caso concreto – na decisão sub judice não se manifestam ambiguidades ou obscuridades que suscitem dúvidas quanto ao sentido e às razões da decisão proferida, tornando-a ininteligível.

Nesta parte, pois, a reclamação é improcedente.

Passemos, então, à questão da admissibilidade/tempestividade da revista.

Dúvidas não existem quanto à admissibilidade geral da revista, quanto ao seu objeto, valor e sucumbência (artigos 671.º n.º 1 e 629.º n.º 1 do CPC).

Dúvidas também não há que, devendo os recursos no processo especial para a tutela da personalidade serem processados como urgentes (art.º 880.º do CPC), o prazo de interposição da revista era de 15 dias (art.º 638.º n.º 1 do CPC). Assim, tendo a R. Alma Danada Associação Criativa sido notificada do acórdão da Relação em 23.12.2024, o prazo para dela recorrer terminava em 07.01.2025 (cfr., também, art.º 138.º n.º 1, parte final, do CPC). A R., porém, socorreu-se do disposto no art.º 139.º, n.º 5, do CPC, apresentando o recurso no 3.º dia útil seguinte ao termo do prazo e requerendo, simultaneamente, a dispensa da multa prevista na alínea c) do n.º 5 (que então não pagou, embora tivesse feito emitir o respetivo DUC), para tal invocando o disposto no n.º 8 do mesmo artigo (cfr. n.ºs 3 a 5 do Relatório supra).

Pese embora o aludido requerimento de dispensa de pagamento da multa, a secção atuou nos termos do disposto no n.º 6 do art.º 139.º do CPC: oficiosamente, notificou a recorrente para pagar a multa em falta, acrescida de uma penalização de 25% - tudo no valor de € 153,00 (n.º 6 do Relatório supra).

A recorrente reagiu contra tal atuação da secção, dela reclamando, tendo então o relator (na Relação), apreciado a referida pretensão de dispensa do pagamento da multa.

Nessa apreciação, o relator entendeu que não se verificavam os pressupostos, previstos no n.º 8 do art.º 139.º do CPC, que justificavam a peticionada dispensa da multa.

E, em remate do assim decidido, o relator, além de indeferir a peticionada dispensa do pagamento da multa prevista na alínea c) do n.º 5 do art.º 139.º do CPC, determinou, como se transcreveu supra no n.º 8 do Relatório, que fossem emitidas novas guias para pagamento, pela R., “da multa devida nos termos do art. 139.º, n.ºs 5, al. c) e 6, do CPC”.

Isto é, entendeu o relator que, tendo sido indeferida a pretendida dispensa da multa, a recorrente deveria pagar não só a multa como, também, o acréscimo referido no n.º 6 do mesmo artigo.

Ora, foi precisamente no respeito do assim decidido que a secção emitiu a guia, conforme descrito no n.º 9 do Relatório supra.

Por isso, não faz sentido a imputação, feita pela R., de nulidade, por falta de fundamentação, da aludida emissão da guia por parte da secção (cfr. o requerimento transcrito no n.º 13 do Relatório supra e, bem assim, o esclarecimento prestado pelo recorrente, transcrito em 15 do Relatório). Com efeito, no requerimento transcrito em 13, que o mandatário da recorrente pretendia enviar à Relação no dia 17.02.2025, mas que, por lapso, apenas enviou em 21.02.2025 - sendo certo que em 17.02.2025 enviou um requerimento respeitante a outro processo e a outra parte (cfr. n.ºs 10 a 13 do Relatório supra) - a R./recorrente imputou à dita atuação da secção o vício da nulidade, por falta de fundamentação, nos termos do art.º 154.º do CPC.

O art.º 154.º do CPC dispõe o seguinte:

1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.

2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.

Esta norma tem por objeto decisões do juiz. É tradução, no direito ordinário, do imperativo enunciado no art.º 205.º n.º 1 da CRP: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Os oficiais de justiça asseguram o expediente e a regular tramitação dos processos, em conformidade com a lei e na dependência funcional do respetivo magistrado (n.º 2 do art.º 18.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário e n.º 1 do art.º 157.º do CPC).

Conforme estipula o n.º 2 do art.º 157.º do CPC, “Incumbe à secretaria a execução dos despachos judiciais e o cumprimento das orientações de serviço emitidas pelo juiz, bem como a prática dos atos que lhe sejam por este delegados, no âmbito dos processos de que é titular e nos termos da lei, cumprindo-lhe realizar oficiosamente as diligências necessárias para que o fim daqueles possa ser prontamente alcançado”.

Sendo certo que “Dos atos dos funcionários da secretaria judicial é sempre admissível reclamação para o juiz de que aquela depende funcionalmente” (n.º 5 do art.º 157.º do CPC).

Ora, tendo a secção, na notificação efetuada à recorrente e na emissão da guia para pagamento de multa no valor total de € 153,00 (e não € 156,00, como por lapso a dado passo se exarou na decisão singular do ora relator – lapso que é referido na presente reclamação para a conferência), se limitado a cumprir o determinado no aludido despacho do relator, a sua atuação não padece de qualquer vício, nomeadamente nulidade. A tramitação levada a cabo pela secção (secretaria judicial) fundou-se na decisão judicial referida.

Assim, a reclamação do ato da secretaria apresentada pela recorrente estava votada ao insucesso, como ocorreu.

Note-se que a recorrente não reagiu contra o despacho que indeferiu a dispensa do pagamento da multa devida pela interposição tardia da revista e, concomitantemente, determinou que a recorrente pagasse a multa devida nos termos conjugados da al. c) do n.º 5 e n.º 6 do art.º 139.º do CPC.

Assim, a determinação do dever/ónus de pagamento do montante da multa no valor de € 153,00 transitou em julgado (artigos 613.º n.º 1, 628.º e 620.º n.º 1 do CPC).

Por outro lado, é um facto que, contrariamente ao aduzido no despacho reclamado (onde se afirmou que “Temos agora como evidente que, ao contrário do que fizemos constar do despacho de 19 de fevereiro de 2025 («…salvo, segundo se afigura, os dois documentos com ele juntos.), os dois documentos acabados de identificar, juntos com o expediente apresentado pela ré no dia 18 de fevereiro de 2025, também não se destinavam aos presentes autos, mas, antes, a comprovar o pagamento da taxa de justiça devida pela interposição de um recurso que, afinal, nada tinha a ver com este processo”), a recorrente pagou no processo a que respeita a presente reclamação, conforme decorre do número 10 do Relatório supra, a multa com o valor decorrente do disposto na alínea c) do n.º 5 do art.º 139.º do CPC. Nos termos deste preceito, se o ato processual for praticado no terceiro dia útil posterior ao termo do respetivo prazo perentório, além da taxa de justiça, a parte deve pagar multa no valor equivalente a 40% da taxa de justiça devida, isto é, no caso (como é indisputado nos autos), o montante de € 122,40. Contudo, tal pagamento não foi efetuado pela recorrente aquando da apresentação do requerimento de recurso (ocorrida em 10.01.2025), mas apenas em 17.02.2025, no termo do prazo em que, conforme a recorrente havia sido notificada, deveria ter pago a multa prevista no n.º 6 do art.º 139.º do CPC, isto é, o montante da multa inicialmente devida, acrescida de 25% (in casu, correspondente ao valor total de € 153,00).

Ora, tal como no tocante à taxa de justiça, em que a junção de documento comprovativo do seu pagamento em valor inferior ao devido equivale a falta de junção – art.º 145.º n.º 2 do CPC – também no que concerne ao pagamento de uma multa, prevista no art.º 139.º do CPC, em valor inferior ao devido, se deverá entender que equivale a falta de pagamento (neste sentido, cfr. acórdão da Relação do Porto, de 09.10.2018, processo n.º 1021/16.7T8OAZ-D.P1).

Assim, não tendo a recorrente pago – no momento devido - a multa devida pela interposição tardia da revista, isto é, não tendo pago o valor da multa que lhe foi fixada nos termos conjugados dos números 5, alínea c) e 6 do art.º 139.º do CPC – tendo pago um valor inferior ao fixado - aplica-se a cominação prevista no proémio do mencionado n.º 5, isto é, a interposição da revista no dia 10.01.2025 não tem validade.

Quanto ao pagamento do valor referido em 21 do Relatório.

O pagamento ora efetuado pela reclamante, conforme supra indicado no n.º 21 do Relatório, é irrelevante para a resolução da reclamação – pois é extemporâneo. Com efeito, o prazo que fora fixado à reclamante para o pagamento da multa (n.º 9 do Relatório supra) é, como decorre de tudo o acima exposto, perentório, ficando, uma vez decorrido o prazo, extinto o exercício do direito a que respeitava (art.º 139.º n.º 3 do CPC).

Daí que nada mais resta do que confirmar a rejeição da revista.

Pelo exposto, a reclamação improcede.

III. DECISÃO

Pelo exposto, julga-se a reclamação improcedente e, consequentemente, mantém-se a decisão reclamada.

As custas da reclamação são a cargo da reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (art.º 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais, tabela II) – sem prejuízo do apoio judiciário de que a reclamante beneficie.

Lisboa, 16.9.2025

Jorge Leal (Relator)

Nelson Borges Carneiro

Henrique Antunes