RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
EXTEMPORANEIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
REENVIO PREJUDICIAL
PRESSUPOSTOS
ADMISSIBILIDADE
NULIDADE DE DESPACHO
ININTELIGIBILIDADE
OBSCURIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
JUSTO IMPEDIMENTO
ATO PROCESSUAL
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário


I. Não existe qualquer impedimento, nem do relator, nem da conferência para decidir da admissão liminar do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência nem qualquer inconstitucionalidade.
II. A jurisprudência do TJUE desde o Acórdão Cilfit (Acórdão do TJUE de 6/10/1982, Proc. C-283/81), tem admitido de forma consistente a dispensa da obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação, por insusceptibilidade de recurso, nas seguintes situações:
- Sempre que a questão de direito da UE suscitada for impertinente ou desnecessária para a resolução do litígio concreto;
- Quando o TJUE já se tenha pronunciado, de forma firme, sobre a questão a reenviar em caso análogo, em sede de reenvio ou outro meio processual, atento o efeito erga omnes das suas decisões;
- Sempre que o tribunal nacional considere que as normas da UE aplicáveis não suscitam dúvidas interpretativas, ou sejam suficientemente claras e determinadas, aptas para serem aplicadas imediatamente, sendo que a clareza das normas aplicáveis deve resultar da sua interpretação teleológica e sistemática e da referência ao contexto histórico, social e económico em que foram adotadas (teoria do ato claro).
III. Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado.
Só existirá obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exato não pode alcançar-se.
IV. A figura do justo impedimento legitima a prática de um ato depois de decorrido o prazo respetivo. Daqui decorre necessariamente que a utilidade do reconhecimento de uma situação de justo impedimento pressupõe, como é evidente, que tenha decorrido o prazo para a prática de um determinado ato processual da responsabilidade de uma das partes e que tal ocorreu porque a parte estava absolutamente impedida de o praticar, por causa que não lhe era imputável.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA veio interpor recurso extraordinário para uniformização de Jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 688.º do Código de Processo Civil, por apenso ao processo n.º15129/15.2T8PRT.P1.S1.

2. O Relator proferiu despacho a não admitir o recurso, por o mesmo ser manifestamente extemporâneo.

3. Notificada deste despacho veio a Recorrente apresentar reclamação para a Conferência, ao abrigo do disposto no n.º2 do artigo 692º do Código de Processo Civil, referindo que:

- o Acórdão recorrido (de 20-04-2021) foi objeto de recurso para o Tribunal Constitucional (a par com outro recurso congénere, endereçado ao Tribunal da Relação), interposto em 20/08/2021 e admitido por despacho de 7/09/2022);

- no Tribunal Constitucional foi esse recurso autuado no Processo n.º 85/23 e teve por último julgamento o Acórdão n.º 465/2024, notificado em 25/06/2024 e transitado em julgado em 4-07-2024, tendo o TC devolvido o processo ao Supremo Tribunal a quo em 15-07-2024;

- entretanto, porém, a Recorrente, logo em 28-06-2024 requerera no TC a baixa dos autos ao Tribunal da relação do Porto, sem êxito, reapresentou em 8-07-2024 ao TRP o recurso de inconstitucionalidade pendente de admissão desde 20-08-2021, através do requerimento que seria dali remetido a esse Supremo no dia seguinte, sobre despacho da mesma data a justificar tal mandado pelo facto de que “o processo foi remetido ao STJ, onde até à data se mantém”;

- por despacho de 22-07-2024, foi nesse STJ ordenada a baixa dos autos ao TRP, “dado que o requerimento se mostra endereçado a esse Tribunal”, onde foi em 19-09-2024 proferido despacho sobre o pendente requerimento de recurso para o TC, aresto esse impugnado por reclamação de 24/09/2024 da Recorrente para o Supremo Tribunal ad quem;

- de novo os autos perante o TC, foi a reclamação em pauta, ali autuada no Processo n.º 948/24, julgada pelo Acórdão n.º 912/2024, notificado por ofício expedido em 18-12-2024;

- Por consequência, terá este último julgado transitado em 16-01-2025, e, com ele, também, definitivamente, os Acórdãos do TRP e desse STJ impugnados pelo recurso duplo de 20-08-2021.

4. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto

A reclamante veio manifestar a sua discordância do despacho do Relator que não admitiu o Recurso extraordinário para Uniformização de Jurisprudência, suscitando as seguintes questões:

i) da inconstitucionalidade material do artigo 692.º, n.ºs 2 a 4, do Código de Processo Civil, por violar o princípio fundamental da imparcialidade e independência do Tribunal, ao permitir que o relator que proferiu o despacho de rejeição do recurso e os dois adjuntos do acórdão recorrido possam fazer parte da conferência;

ii) da contrariedade da norma contida no artigo 692.º, n.ºs 1 a 4, do Código de Processo Civil com o direito da União Europeia, que consagra o direito pessoal a um tribunal independente e imparcial e a um processo equitativo – sendo invocadas as disposições do parágrafo segundo do artigo 47.º, do artigo 20.º e do n.º 6 do artigo 52.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como o n.º 2, in principio, do artigo 3.º e o n.º 3 do artigo 5.º do Tratado da União Europeia e o artigo 8.º do correlativo Protocolo n.º 2, e o n.º 5 do artigo 2.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia;

iii) do reenvio prejudicial para aferir da conformidade do artigo 692.º do Código de Processo Civil com os normativos de direito europeu invocados;

iv) da nulidade do despacho reclamado por ininteligibilidade e obscuridade (artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil) e por omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Pro0cesso Civil);

v) do justo impedimento na interposição do pendente recurso, considerando que o processo físico havia baixado ao Tribunal da Relação, para envio ao Tribunal Constitucional.

vi) da tempestividade do recurso extraordinário para Uniformização de Jurisprudência, considerando a data do trânsito do acórdão do TC n.º 921/2024;

III. Fundamentação

Considerando a prolixidade do argumentário constante da reclamação que ora se analisa e a natureza comunicante das várias questões suscitadas a título prévio, procuraremos apreciar cada uma delas de acordo com o juízo mais aproximado de prejudicialidade e logicidade decisória, razão pela qual iniciaremos o exame da problemática relativa às inconstitucionalidades invocadas e à contrariedade do direito interno com o direito da União Europeia, passando para a apreciação do requerido reenvio prejudicial, só após o que analisaremos as nulidades invocadas a propósito do despacho reclamado.

1. Das inconstitucionalidades invocadas e contrariedade com o direito da União Europeia

Como questões prévias, a Reclamante começa por invocar a inconstitucionalidade material do artigo 692.º, n.ºs 2 a 4, do Código de Processo Civil, por entender que este normativo viola o princípio fundamental da imparcialidade e independência do Tribunal, ao permitir que o relator que proferiu o despacho de rejeição do recurso e os dois adjuntos do acórdão recorrido possam fazer parte da conferência; a Reclamante defende ainda a contrariedade da norma contida no artigo 692.º, n.ºs 1 a 4, do Código de Processo Civil com o direito da União Europeia, que, nos seus instrumentos normativos, consagra o direito pessoal a um tribunal independente e imparcial e a um processo equitativo. A este propósito, invoca expressamente as disposições do parágrafo segundo do artigo 47.º, do artigo 20.º e do n.º 6 do artigo 52.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como o n.º 2, in principio, do artigo 3.º e o n.º 3 do artigo 5.º do Tratado da União Europeia e o artigo 8.º do correlativo Protocolo n.º 2, e o n.º 5 do artigo 2.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia;

Não se ignorando que tais questões são problematizadas pela Recorrente de forma antecipada, porquanto se entende que as mesmas, a serem suscitadas, deveriam sê-lo após prolação do acórdão para conferência e caso se verificassem os pressupostos de que parte a Recorrente (de que o relator e adjuntos são os mesmos que proferiram o acórdão recorrido), não deixaremos, de todo o modo, de as analisar.

Antecipando a resposta a estas questões prévias, dir-se-á que as considerações da Recorrente carecem manifestamente de fundamentação legal.

Como determina o artigo 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o recurso para uniformização de jurisprudência corre por apenso, sendo o relator do acórdão recorrido quem, como resulta do artigo 692.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, deve efetuar o exame preliminar, não para se debruçar novamente sobre o mérito do acórdão recorrido, mas apenas para apreciar liminarmente sobre se estão reunidos os pressupostos processuais para o recurso extraordinário, podendo o recorrente reclamar da decisão do relator para a Conferência.

A Recorrente convoca, nas suas alegações, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 281/2011, 162/2016 (querendo, por certo, referir-se ao n.º 162/2018, já que o mencionado não aborda a temática sob escrutínio) e 386/2016, reconhecendo, porém, que nunca a inconstitucionalidade de normativo algum dos mencionados foi declarada por violação do princípio da independência e imparcialidade judicial.

E, com efeito, conforme salienta Abrantes Geraldes, “foi suscitada a inconstitucionalidade do preceito, a qual foi negada pelos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 386/2019 e n.º 162/2018, enquanto no Acórdão do STJ de 19-12-2018, 10864/15, www.dgsi.pt, se concluíra pela inexistência do impedimento previsto no art. 115.º, n.º 1, al. c).” (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3a edição, Almedina, Coimbra, 2016, p. 442 e ss )

Assim é, efetivamente. Já por diversas vezes, o Tribunal Constitucional, analisando explicitamente a questão da indicada inconstitucionalidade, não a julgou verificada.

Atente-se que no Acórdão do TC n.º 162/2018 foi decidido expressamente:

c) Indeferir a presente reclamação e, em consequência, não julgar inconstitucional a norma do artigo 692.º, n.os 1, 2 e 3, do Código de Processo Civil, segundo a qual, interposto recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do n.º 1 do artigo 688.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a apreciação dos respetivos pressupostos e requisitos, incluindo a existência ou não da contradição de julgados prevista em tal preceito, cabe ao relator do acórdão recorrido, através de decisão reclamável para a conferência, composta pelos mesmos juízes que proferiram o acórdão recorrido.”

Seguindo idêntico entendimento, também o Acórdão do TC n.º 386/2019 decidiu:

a) não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 692.º, n.os 1 a 4, do Código de Processo Civil, interpretados no sentido em que se determina que a rejeição do recurso para uniformização de jurisprudência, após exame preliminar, incumbe ao relator do processo em que foi proferido o acórdão impugnado, sendo o acórdão que confirme tal rejeição proferido em conferência, constituída pelo mesmo relator e por dois adjuntos, que, em regra, coincidirão com os subscritores do acórdão recorrido , definitivo nas instâncias; e, consequentemente,

b) julgar improcedente procedente o recurso.”

Na sua fundamentação, o referido Acórdão n.º 386/2019 faz alusão à circunstância de não ser a primeira vez que o Tribunal Constitucional se depara com a questão da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 692.º do Código de Processo Civil e convoca, nesse conspecto, vários arestos, cuja transcrição surge como pertinente:

Recentemente, no Acórdão n.º 162/2018 envolvendo o ora Recorrente , decidiu-se não julgar inconstitucional a norma do artigo 692.º, n.os 1, 2 e 3, do Código de Processo Civil, segundo a qual, interposto recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do n.º 1 do artigo 688.º do Código de Processo Civil, a apreciação dos respetivos pressupostos e requisitos, incluindo a existência ou não da contradição de julgados prevista em tal preceito, cabe ao relator do acórdão recorrido, através de decisão reclamável para a conferência, composta pelos mesmos juízes que proferiram o acórdão recorrido, assim confirmando a Decisão Sumária n.º 12/2018, acolhendo, em conferência, os respetivos fundamentos que, no que respeita à referida questão (…)”.

“No Acórdão n.º 403/2008, decidiu-se não julgar inconstitucional a norma contida no n.º 5 do artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na dimensão segundo a qual se atribui ao relator no tribunal recorrido a competência para averiguar se existe oposição de julgados, para efeito de ordenar o prosseguimento do recurso, ou desde logo julgar o recurso findo quando conclua que se não verificam os requisitos de que depende a admissão do recurso.

(…) Posteriormente, no Acórdão n.º 281/2011, decidiu-se pela não inconstitucionalidade da norma contida no artigo 23.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de novembro, quando interpretado no sentido de que, na formação do tribunal que julga os recursos por oposição de julgados, possa haver intervenção dos juízes que intervieram no acórdão-recorrido ou no acórdão-fundamento.

“(…)

Outra jurisprudência anterior do Tribunal já havia traçado uma parte deste percurso argumentativo. Com efeito, como se assinalou no Acórdão n.º 20/2007:

É incontestável que a imparcialidade dos juízes é um princípio constitucional, quer se conceba como uma dimensão da independência dos tribunais (artigo 203.º da CRP), quer como elemento da garantia do processo equitativo (n.º 4 do artigo 20.º da CRP). Importa que o juiz que julga o faça com isenção e imparcialidade e, bem assim, que o seu julgamento, ou o julgamento para que contribui, surja aos olhos do público como um julgamento objetivo e imparcial. E também é certo que a intervenção decisória sucessiva do mesmo juiz integra o universo das hipóteses abstratamente suscetíveis de lesar esse princípio e, por isso, de configurar um impedimento objetivo.

Não é, porém, qualquer intervenção decisória anterior que pode objetivamente pôr em crise a confiança numa decisão imparcial. Como se salientou no acórdão n.º 324/2006:

Em diversos casos a lei de processo civil prevê que se peça essa nova ponderação ao juiz que decidiu. Assim sucede, por exemplo, quando se admitem reclamações, em geral; ou, em particular, quando se arguem nulidades perante o tribunal que julgou, quando se requer a reforma da decisão, ou quando se interpõe recurso de agravo. Em todos estes casos a lei quer essa reponderação, considerada vantajosa por comparação com a hipótese de ser um juiz alheio ao processo a tomar a nova decisão.

Por um lado, pretende-se que seja o mesmo juiz porque é ele que conhece globalmente o processo, o que beneficia, quer a adequação da decisão sobre a questão parcelar, quer a celeridade processual; por outro lado, não se considera que o juiz possa ser determinado na sua nova decisão por pré-juízos formados quando proferiu a primeira, já que não há mudança de qualidade na intervenção que possa fazer duvidar da independência na segunda intervenção.

Não há manifestamente razão para lançar sobre os juízes a dúvida sobre a sua imparcialidade quando são chamados a reponderar uma decisão.

Salienta-se, ainda, no Acórdão n.º 147/2011, que concluiu pela não inconstitucionalidade da norma da alínea d) do artigo 40.º do Código de Processo Penal (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, e alterado, por último, pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, retificada, por último, pela Declaração de Retificação n.º 105/2007, de 9 de novembro), quando interpretada no sentido de que o juiz que tenha participado em acórdão que conheceu do mérito do recurso, mas declarado nulo por inobservância de regra processual, não fica impedido de intervir na audiência destinada a julgar o mérito desse recurso:

(…)

Importa, essencialmente, relembrar a jurisprudência deste Tribunal que, a propósito de outras dimensões normativas do artigo 40.º do CPP, versa sobre a possibilidade de um juiz, que participou em julgamento ou decisão que apreciou o mérito da causa e posteriormente foi declarada nula ou anulada, vir a intervir no julgamento ou decisão que houver que realizar na sequência dessa invalidação.”.

Após destacar uma multiplicidade de outros arestos em que a questão suscitada foi apreciada na perspetiva de outros panoramas normativos, como o do penal, o Acórdão do TC n.º 386/2019 densifica a análise da questão também sob a perspetiva das exigências impostas pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos (com realce nosso):

“(…) compreende-se que alguns argumentos permitam problematizar interrogativamente a compatibilidade da norma em causa com as exigências de imparcialidade impostas pela Constituição e/ou pela CEDH, porque (1) a averiguação da (in)existência de contradição jurisprudencial poderá apresentar alguma conexão com temática atinente ao mérito da causa, podendo sugerir-se, então, a (2) existência de algum tipo de perigo de o tribunal enviesar a sua apreciação sobre a verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso, designadamente quando (3) o relator e os adjuntos não propuseram antecipadamente o julgamento ampliado de revista, nos termos do artigo 686.º, n.º 3, do CPC, por anteverem oposição da decisão a jurisprudência uniformizada, num quadro de (4) definitividade da decisão.

Estas dúvidas sobre as quais o Recorrente constrói o seu argumentário de desconfiança da imparcialidade do julgador (cfr. conclusões XXVII, XXXI e XLI, transcritas no item 1.4.2., supra) , apresentam, todavia a qualquer luz , uma assinalável componente especulativa, pouco consistente com um juízo que se queira estritamente objetivo [recorda-se que o TEDH entende, sublinhando-o em todas as decisões deste tipo de situações, que a imparcialidade pessoal de um magistrado se presume, até prova do contrário v., p. ex., Padovani c. Itália], ponto 49 do Acórdão Pereira da Silva]. Decorre esse caráter (especulativo), da referenciação, enquanto argumento, do que poderá estar no subconsciente dos juízes intervenientes (fala o Recorrente do foro íntimo e intelectual (mesmo na mente inconsciente), como elemento indutor de um sentido previamente anunciado da decisão sobre os pressupostos do recurso de uniformização de jurisprudência, esquecendo a força antagonista (de tentações espúrias) inerente à dimensão deontológica do ato de julgar.

No entanto, e desde logo, se se trata de especular com motivações psicológicas do ato de julgar, existem mais motivações abstratamente convocáveis, além da defesa à outrance de uma decisão anterior, evitando, contra o poder de dados objetivos, a sindicância desta.

Seja como for, estamos perante construções argumentais cuja projeção decisória parece mais adequada a um tipo de julgamento (próprio de um amparo) alargado à ponderação das concretas incidências de facto da causa, como fatores determinantes do sentido da decisão. Ora, este tipo de abordagem judicial, correspondendo claramente ao sentido decisório dos pronunciamentos do TEDH [cfr. os elementos indutores da dimensão fáctica do julgamento deste, presentes nos artigos 46.º (b), 54.º, n.º 2, alínea a), 58.º e 59.º, n.ºs 1, e 74.º, n.º 1, alínea f), do Regulamento do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos], não se adapta à natureza normativa do controlo incidental exercido pelo Tribunal Constitucional, que gera pronunciamentos de incompatibilidade com a Constituição que fulminam, no controlo concreto, normas e interpretações normativas operantes numa determinada causa, em todas as suas potencialidades e fora de um quadro causalmente modelado pelas incidência de elementos factuais casuísticos [veja-se, evidenciando esta asserção de dissemelhança de abordagens entre o TEDH e o Tribunal Constitucional, a expressão do sentido decisório presente nos pontos 45 e 46 do Acórdão, de 16/01/2007, do TEDH (queixa n.º 2065/03) proferido no caso Warsicka c. Polónia, referido ao mesmo tipo de problemática aqui em causa].”

Este Supremo Tribunal de Justiça também já teve oportunidade de analisar e decidir a questão ora suscitada, designadamente nos Acórdãos de 19/12/2018 (processo n.º 10864/15.8T8LSB.L1.S1-A), de 17/11/2020 (processo n.º 7413/14.8TBVNG.P1.S1), de 8/02/2024 (processo n.º 1901/21.8TSSRE-AC1-A.S1-B) e de 19/06/2024 (processo n.º 2529/21.8T8MTS.P1.S1-A).

Em todos os referidos arestos foi considerado não existir qualquer impedimento, nem do relator, nem da conferência para decidir da admissão liminar do recurso extraordinário, nem, ainda, a invocada inconstitucionalidade.

Atente-se no sumário do Acórdão do STJ de 8/02/2024, em que se deixa escrito:

I. Impondo a Constituição da República Portuguesa uma hierarquia dos Tribunais judiciais, com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional, terá de admitir-se que se é inquestionável que o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os Tribunais de recurso e os próprios recursos, já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos, respetivos procedimentos adjetivos e a recorribilidade das decisões.

II. Compete ao primitivo relator a quem o recurso para uniformização de jurisprudência é distribuído, decidir da admissibilidade ou não do recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos do n.º 2 do art.º 692º do Código de Processo Civil, sendo destituído de sentido invocar o respetivo impedimento, uma vez que está salvaguardado o princípio da constitucionalidade da imparcialidade dos juízes, enquanto dimensão da independência dos tribunais, e garantia do processo equitativo.”.

Sufragamos a sustentação contida na respetiva fundamentação, bem assim como nos demais arestos que acima deixámos citados.

Acrescentamos que, constituindo inequivocamente a imparcialidade e independência do juiz corolários do direito a um processo equitativo, não se vislumbra que, in casu, se verifiquem quaisquer das inconstitucionalidades ou incompatibilidades com o direito da União Europeia que a Reclamante suscitou.

Refira-se que, em particular, quanto à formação da conferência, não se vê como como podem aqueles princípios fundamentais saírem beliscados, considerando que não pode ser apenas o facto de já ter havido uma decisão do relator que fira a decisão da conferência de parcialidade e falta de isenção. Não podemos ignorar que, sendo a formação constituída por três juízes, a decisão é colegial e tomada por maioria, nos termos do artigo 659.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Por outro lado, é importante salientar que nesta fase procedimental aquilo que está em causa é tão só a aferição acerca da verificação (ou não) dos requisitos de admissibilidade do recurso, que constituem elementos de aferição objetiva (como é o caso, para o que ora releva, da apreciação da tempestividade do recurso).

Nesta medida, na senda do que tem sido decidido pelo Tribunal Constitucional e por este Supremo Tribunal de Justiça, afigura-se não existir a violação de quaisquer das normas e dos princípios constitucionais que a Reclamante invoca, nem qualquer incompatibilidade com os princípios e normativos do direito da União Europeia também elencados na reclamação sob escrutínio, que são, além do mais, normativos replicados na nossa Constituição.

Improcedem, assim, nesta parte, os argumentos e as questões suscitadas pela Reclamante.

2. Do reenvio prejudicial com o objeto definido nos pontos 16 e 17 das alegações da reclamação:

Considerando que a Reclamante suscita a necessidade de proceder ao reenvio prejudicial, importa, como questão prévia, analisar em que circunstâncias concretas tal reenvio se mostra necessário e obrigatório.

Em concreto, a reclamante formula a seguinte questão prejudicial a colocar ao TJUE:

Devem as disposições conjugadas do parágrafo segundo do artigo 47.º, do artigo 20.º e do n.º 6 do artigo 52.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como o n.º 2, in principio, do artigo 3.º e o n.º 3 do artigo 5.º do Tratado da União Europeia e o artigo 8.º do correlativo Protocolo n.º 2, Relativo à Aplicação dos Princípios da Subsidiariedade e da Proporcionalidade, e o n.º 5 do artigo 2.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, estando em causa os princípios do efeito directo, da aplicação uniforme e do primado estruturantes do direito da União relativamente ao direito processual fundamental a um tribunal independente e imparcial e, bem assim, as limitações ao princípio da subsidiariedade na salvaguarda dos direitos fundamentais, ser interpretada no sentido de que SE OPÕE a um normativo como o do artigo 629.º, n.os 1 a 4, do Código de Processo Civil português, o qual — em flagrante contraste com o regime legal vigente na tramitação dos recursos homólogos previstos quer no artigo 439.º, n.º 2, do Código de Processo Penal quer no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos — estabelece que no recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência é ao relator do acórdão recorrido que compete proceder ao exame preliminar sobre a admissibilidade do novo recurso, sendo a sua eventual decisão de rejeição deste passível de reclamação para a conferência, a qual decide da verificação dos pressupostos do recurso através de acórdão irrecorrível se a decisão monocrática de rejeição for confirmada?”.

A jurisprudência do TJUE desde o Acórdão Cilfit (Acórdão do TJUE de 6/10/1982, Proc. C-283/81), tem admitido de forma consistente a dispensa da obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação, por insusceptibilidade de recurso, nas seguintes situações:

- Sempre que a questão de direito da UE suscitada for impertinente ou desnecessária para a resolução do litígio concreto;

- Quando o TJUE já se tenha pronunciado, de forma firme, sobre a questão a reenviar em caso análogo, em sede de reenvio ou outro meio processual, atento o efeito erga omnes das suas decisões;

- Sempre que o tribunal nacional considere que as normas da UE aplicáveis não suscitam dúvidas interpretativas, ou sejam suficientemente claras e determinadas, aptas para serem aplicadas imediatamente, sendo que a clareza das normas aplicáveis deve resultar da sua interpretação teleológica e sistemática e da referência ao contexto histórico, social e económico em que foram adotadas (teoria do ato claro).

Esta jurisprudência tem sido reafirmada pelo TJUE em sucessivos acórdãos – de 18 de outubro de 2011 (Processos apensos C‑128/09 a C‑131/09, C‑134/09 e C‑135/09), de 9 de setembro de 2015 (Processo C‑160/14), de 1 de outubro de 2015 (Processo C‑452/14), de 28 de julho de 2016 (Processo C‑379/15), de 4 de outubro de 2018 (processo C‑416/17) e de 30 de janeiro de 2019 (Processo C‑587/17 P).

Também nos pontos 5 e 6 das Recomendações emitidas pelo TJUE à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (publicadas no Jornal Oficial da União Europeia C 257/1 de 20/07/2018), é esclarecido que: “5.Os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros podem submeter uma questão ao Tribunal de Justiça sobre a interpretação ou a validade do direito da União se considerarem que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa (ver artigo 267.º, segundo parágrafo, do TFUE). Um reenvio prejudicial pode revelar-se particularmente útil nomeadamente quando for suscitada perante o órgão jurisdicional nacional uma questão de interpretação nova que tenha um interesse geral para a aplicação uniforme do direito da União ou quando a jurisprudência existente não dê o necessário esclarecimento num quadro jurídico ou factual inédito. 6.Quando for suscitada uma questão no âmbito de um processo pendente perante um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão jurisdicional é no entanto obrigado a submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça (ver artigo 267.º, terceiro parágrafo, do TFUE), exceto quando já existir uma jurisprudência bem assente na matéria ou quando a forma correta de interpretar a regra de direito em causa não dê origem a nenhuma dúvida razoável.”

A jurisprudência do TJUE acima referida sobre a dispensa da obrigação de suscitar a questão prejudicial tem sido aplicada de forma reiterada pelo STJ – acórdãos de 10/07/2008 (Revista n.º 2944/07), de 29/04/2010 (Revista n.º 622/08.1TVPRT.P1.S1), de 14/03/2017 (Revista n.º 736/14.9TVLSB.L1.S1), de 5/12/2017 (Revista n.º 11256/16.7T8LSB.L1.S2-A), de 2/02/2016 (Revista n.º 326-C/2002.E1.S1), de 4/02/2016 (Revista n.º 536/14.6TVLSB.L1.S1), de 17/03/2016 (Revista n.º 588/13.6TVPRT.P1.S1) de 30/09/2014 (Revista n.º 1020/13.0TBCHV-D.P1.S1), de 16/10/2014 (Revista n.º 1279/06.0TVPRT-C.P1.S1), de 18/12/2002 (Revista n.º 3956/02), e de 29/09/2015 (Revista n.º 1740/12.7TBPVZ.P1.S1).

No caso concreto dos autos, a Reclamante entende que a questão a analisar no caso sob apreciação pressupõe o esclarecimento interpretativo do segundo parágrafo do artigo 47.º, do artigo 20.º e do n.º 6 do artigo 52.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Dispõem os artigos em questão:

Artigo 20.º: Todas as pessoas são iguais perante a lei.

Artigo 47.º, parágrafo segundo: Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.

Artigo 52.º, n.º 6: As legislações e práticas nacionais devem ser plenamente tidas em conta tal como precisado na presente Carta.), bem como o n.º 2, in princípio, do artigo 3.º e o n.º 3 do artigo 5.º do Tratado da União Europeia (Dispõem os artigos em questão:

Artigo 3º, n.º 2, parte inicial: A União proporciona aos seus cidadãos um espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas (…)

Artigo 5.º, n.º 3: Em virtude do princípio da subsidiariedade, nos domínios que não sejam da sua competência exclusiva, a União intervém apenas se e na medida em que os objetivos da ação considerada não possam ser suficientemente alcançados pelos Estados-Membros, tanto ao nível central como ao nível regional e local, podendo contudo, devido às dimensões ou aos efeitos da ação considerada, ser mais bem alcançados ao nível da União) e o artigo 8.º do correlativo Protocolo n.º 2, Relativo à Aplicação dos Princípios da Subsidiariedade e da Proporcionalidade (Que dispõe: “O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para conhecer dos recursos com fundamento em violação do princípio da subsidiariedade por um acto legislativo que sejam interpostos nos termos do artigo 263.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia por um Estado-Membro, ou por ele transmitidos, em conformidade com o seu ordenamento jurídico interno, em nome do seu Parlamento nacional ou de uma câmara desse Parlamento.”), e o n.º 5 do artigo 2.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (Que dispõe: “Em determinados domínios e nas condições previstas pelos Tratados, a União dispõe de competência para desenvolver ações destinadas a apoiar, a coordenar ou a completar a ação dos Estados-Membros, sem substituir a competência destes nesses domínios.”).

Compulsadas as normas comunitárias sob as quais impendem as dúvidas interpretativas da Reclamante, entende-se, por um lado, que as questões de direito suscitadas na presente fase procedimental de apreciação liminar dos pressupostos de admissibilidade do presente recurso extraordinário se afiguram, nos precisos termos em que surgem colocadas, manifestamente desnecessárias para a resolução que é, no fundo, contestada e que tem a ver com a tempestividade do recurso extraordinário e, por outro lado, que as normas em causa, nomeadamente as que se mostram replicadas na ordem jurídica constitucional no que concerne às garantias de um processo equitativo, julgado por juízes isentos e imparciais, não suscitam dúvidas de interpretação, por serem suficientemente claras e inequívocas quanto ao seu âmbito de aplicação e alcance, tendo sido, ademais, como vimos, por diversas vezes analisadas sob a perspetiva constitucional. Acresce que as demais normas sobre a aplicação do princípio da subsidiariedade, nos domínios que não sejam da competência exclusiva da União estão longe de suscitarem de algum modo alguma dúvida de interpretação quanto ao seu sentido hermenêutico.

Por outro lado, tanto o TJUE, como o TEDH, tem jurisprudência abundante e consistente sobre a importância dos princípios invocados pela Reclamante para a proteção dos direitos fundamentais no âmbito do direito da União, designadamente no que respeita à garantia de um processo equitativo, não servindo minimamente de comparação o caso invocado pela reclamante (caso Pereira da Silva vs Portugal – processo n.º 77050/11), que sendo, por um lado, um caso julgado pelo TEDH, não é manifestamente transponível para a problemática sob análise no caso concreto, não só porque é diferente todo o figurino processual e factual em causa, como não está em causa a aplicação do mesmo quadro normativo.

A referida jurisprudência tem deixado claro que o direito a um processo equitativo “ocupa um lugar proeminente numa sociedade democrática”, pelo que não são admissíveis interpretações restritivas deste direito (A título de exemplo, veja-se o Acórdão do TEDH Perez v. França de 12.02.2004, par. 64, consultável em http://www.echr.coe.int.). No entanto, esse normativo tem uma orientação de obrigações de resultado, no sentido de que o que releva é que os tribunais nacionais sejam capazes de cumprir com proficiência os ditames de um processo equitativo, sendo que o modo como levam a cabo essa tarefa tem uma importância secundária (A título de exemplo, veja-se o Acórdão do TEDH Schenk v. Suíça de 12.07.1988, pars. 39-51, consultável em http://www.echr.coe.int.). Por este motivo, pode considerar-se que o direito da União confere aos Estados uma ampla margem de apreciação quanto ao seu funcionamento concreto.

Ponderadas, a esta luz, a funcionalidade e teleologia das normas comunitárias invocadas e o direito nacional aplicável, não subsiste qualquer dúvida razoável quanto à suficiência dos normativos a aplicar à presente fase procedimental em curso e à sua interpretação que, conforme referido acima, se entende conforme com as exigências constitucionais e com o direito da União Europeia invocado pela Reclamante.

Soçobram, assim, as alegações da Reclamante também nesta parte.

3. Das nulidades invocadas

Ainda sob a égide das questões prévias, a Reclamante invoca a nulidade do despacho reclamado por ininteligibilidade ou obscuridade na parte em que alega não compreender “o argumento, absolutamente decisivo, segundo o qual, para efeito de interposição de recurso para uniformização de jurisprudência “o que releva é o trânsito em julgado do acórdão do STJ que se quer impugnar”, quanto em pauta está, patentemente, a interposição prévia dum recurso de inconstitucionalidade que suspendera o acórdão revidendo…”.

Mais invoca a nulidade do despacho reclamado por omissão de pronúncia, uma vez que o Supremo Tribunal julgou extemporânea a interposição de um RUJ quando o próprio Tribunal tinha “mandado baixar os autos em via de recurso parajudicial à instância competente para o aprovar e sem que estes houvessem entretanto sido devolvidos, encontrando-se, assim, quer o Supremo Tribunal judicante impedido de reanalisar o aresto recorrido por impossibilidade legal de acesso ao respetivo processo, quer também, por consequência inultrapassável, a recorrente em situação de justo impedimento para a interposição desse recurso, circunstância essa dispensando alegação no requerimento através do qual o mesmo, quando oportuno, fosse efetivamente interposto.”

Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil que “é nula a sentença quando: (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado.

Só existirá obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exato não pode alcançar-se.

Ora, no caso, a Reclamante alega (no ponto 56. da reclamação) que não compreende o argumento utilizado pelo Tribunal segundo o qual “o que releva é o trânsito em julgado do acórdão do STJ que se quer impugnar”.

Contudo, das suas alegações resulta evidente que a Reclamante compreendeu a fundamentação e o sentido da decisão, mas que não concorda com os mesmos, o que vale por dizer que não ocorrem a obscuridade ou a ambiguidade invocadas.

Com efeito, a Reclamante, a coberto da existência de obscuridade ou ambiguidade da decisão, mais não faz do que se rebelar contra a mesma, por entender que se decidiu mal, de forma incorreta, em sentido contrário ao preconizado por si, aproveitando para tentar colocar a problemática em causa num outro plano. Mas tal não se confunde com o juízo de nulidade invocado.

Pelo exposto, improcede a arguição de nulidade do despacho reclamado, com fundamento na previsão do artigo 615.º, n.º 1 al. c), do Código de Processo Civil.

Invocam ainda a Recorrente a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, asseverando que a mesma, devendo tê-lo feito, não atendeu às circunstâncias de facto que impediram a interposição do recurso extraordinário, como seja a remessa do processo físico ao Tribunal da Relação, condicionante que era do conhecimento oficioso do Tribunal. É, pelo menos isso, que se apreende do texto do ponto 13.º das conclusões da reclamação.

A nulidade por omissão de pronúncia reconduz-se a um vício formal, em sentido lato, traduzido em “error in procedendo” ou erro de atividade que afeta a validade da decisão. Esta nulidade está diretamente relacionada com o artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

Como é, de modo reiterado, afirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “a nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2020, processo n.º12131/18.6T8LSB.L1.S1).

A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa, sendo que “tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual”. (Cf. Acórdão do STJ de 15/12/2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1).

Efetivamente, a nulidade sob escrutínio só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, sendo que, no caso do despacho reclamado, o objeto da decisão aí a proferir incidia sobre os pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário interposto.

O Tribunal não deixou de se pronunciar sobre as questões que, a essa luz, lhe competia apreciar, tendo concluído pela intempestividade do recurso interposto.

A construção levada a cabo pela Reclamante é, por um lado, incompreensível, por contraditória com todo o argumentário essencial em que se baseia a reclamação apresentada e, por outro lado, manifestamente infundada.

Incompreensível, na medida em que é a própria Reclamante que entende ter sido tempestiva a interposição do recurso, baseando-se para tanto no argumento de que ainda estaria uma reclamação por decidir no Tribunal Constitucional relativa às inconstitucionalidades invocadas a propósito das decisões do Tribunal da Relação, as quais poderiam ter repercussão sobre o acórdão proferido nestes autos.

Se a posição da Reclamante é esta, afigura-se contraditória a invocação de ter sido a mesma afinal ficado impedida de interpor recurso antes da data em que o fez. Para que tal invocação pudesse ser atendida, necessário seria que a Reclamante alegasse que tentou efetivamente apresentar o recurso extraordinário de fixação para jurisprudência em data anterior, tempestivamente, e que não o conseguiu por circunstâncias não imputáveis a si.

Por outro lado, esta tese apresenta-se como manifestamente infundada por duas ordens de razões óbvias:

- em primeiro lugar, não é ao Tribunal que cabe, por si, conjeturar sobre a impossibilidade da prática de um determinado ato processual dentro do prazo perentório fixado pela lei por parte de um interveniente processual, se este nada alega a esse propósito.

- em segundo lugar, afigura-se axiomático que a circunstância de um processo ter sido deslocalizado fisicamente de um Tribunal para outro não impede a prática de qualquer ato processual por qualquer das partes, razão pela qual também se torna incompreensível a alegação da Reclamante a este propósito. Com efeito, face ao disposto no n.º 1 do artigo 144.º, do Código de Processo Civil, a apresentação a juízo dos atos processuais por parte dos mandatários é feita, obrigatoriamente, através do sistema Citius, por transmissão eletrónica de dados. In casu, não se vê que tenha existido qualquer impedimento para a prática do ato por transmissão eletrónica de dados, o que a ter ocorrido deveria ter sido alegado aquando da tentativa de prática do referido ato, devendo a parte oferecer logo a respetiva prova. Nesse caso, e só nesse caso, teria o Tribunal o dever de se pronunciar sobre uma tal questão.

Concluindo-se, assim, que o Relator não deixou de se pronunciar sobre qualquer questão submetida à sua apreciação no despacho reclamado, a presente nulidade deverá, em nossa leitura, ser julgada igualmente improcedente.

4. Do justo impedimento na interposição do pendente recurso, considerando que o processo físico havia baixado ao Tribunal da Relação

Vindo na sequência do que acaba de se analisar a propósito da invocada nulidade por omissão de pronúncia, antecipa-se desde já a pronúncia sobre a manifesta improcedência do “justo impedimento” invocado pela Reclamante.

O justo impedimento constitui exceção à regra prevista no artigo 139.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, segundo a qual o decurso do prazo perentório extingue o direito de a parte praticar determinado ato processual.

Estatui o artigo 140.º, nº 1, do Código de Processo Civil, que “considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato”.

Por sua vez, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 140.º do Código de Processo Civil, a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova.

Conforme decorre do preceito acabado de citar, a figura do justo impedimento legitima a prática de um ato depois de decorrido o prazo respetivo. Daqui decorre necessariamente que a utilidade do reconhecimento de uma situação de justo impedimento pressupõe, como é evidente, que tenha decorrido o prazo para a prática de um determinado ato processual da responsabilidade de uma das partes e que tal ocorreu porque a parte estava absolutamente impedida de o praticar, por causa que não lhe era imputável.

Ora, in casu, atendendo à cronologia dos atos processuais praticados pela Reclamante, resulta manifesto que a mesma apenas apresentou o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência em 17/01/2025 (por entender ainda não ter decorrido o prazo para o efeito) sem nada alegar a propósito de ter pretendido praticar o ato em data anterior e de não ter conseguido fazê-lo por causa que não lhe era imputável.

Como vimos, em conformidade com o regime que resulta do artigo 140.º do Código de Processo Civil, através do instituto do justo impedimento pretende-se conceder à parte interessada um meio de praticar, de forma válida, determinado ato processual para além do prazo perentório previsto na lei para esse efeito.

Neste contexto, incumbia, antes de mais, à Reclamante o ónus de alegar, além da própria situação de justo impedimento, o decurso integral do prazo perentório para a prática do ato processual em causa (interposição de recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência), o que a mesma não admite ter ocorrido, como o demonstra à saciedade o teor da reclamação sob apreciação.

Por outro lado, conforme se disse acima e se deixa novamente realçado nesta sede apreciativa, é consabido que a circunstância de um processo ter sido deslocalizado fisicamente de um Tribunal para outro não impede, por si, a prática de qualquer ato processual por qualquer das partes.

Com efeito, face ao disposto no n.º 1 do artigo 144.º, do Código de Processo Civil, a apresentação a juízo dos atos processuais por parte dos mandatários é feita, obrigatoriamente, através do sistema Citius, por transmissão eletrónica de dados. In casu, não se vê que tenha existido qualquer impedimento para a prática do ato por transmissão eletrónica de dados, o que a ter ocorrido deveria ter sido alegado aquando da tentativa de prática do referido ato, devendo a parte oferecer logo a respetiva prova (cf. artigo 140.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

Em conclusão, deverá ser julgada improcedente, por manifestamente infundado, a invocação da situação de justo impedimento por parte da Reclamante.

5. Da tempestividade do recurso extraordinário para Uniformização de Jurisprudência

Feita a apreciação das questões que se prefiguravam como prejudiciais face ao conhecimento do mérito do despacho reclamado, eis que chegamos à questão central da reclamação apresentada: saber se andou bem a decisão recorrida ao considerar intempestiva a interposição do Recurso Extraordinário para Uniformização de Jurisprudência.

Atentemos, antes de mais, na cronologia dos atos processuais com relevância para apreciação da reclamação sob escrutínio.

Após prolação de Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nos autos, em 20/04/2021, que indeferiu a reclamação apresentada pela Reclamante AA e manteve o despacho reclamado de não admissão do recurso de revista, veio a mesma, em 17/01/2025, interpor Recurso extraordinário para Uniformização de Jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 688.º do Código de Processo Civil.

Nesse conspecto, a Recorrente alegou, a propósito da tempestividade do recurso, o que reitera na reclamação que ora apresenta, que:

- o Acórdão recorrido (de 20/04/2021) foi objeto de recurso para o Tribunal Constitucional (a par com outro recurso congénere, endereçado ao Tribunal da Relação), interposto em 20/08/2021 e admitido por despacho de 7/09/2022);

- no Tribunal Constitucional foi esse recurso autuado no Processo n.º 85/23 e teve por último julgamento o Acórdão n.º 465/2024, notificado em 25/06/2024 e transitado em julgado em 4/07/2024, tendo o TC devolvido o processo ao Supremo Tribunal a quo em 15/07/2024;

- entretanto, a Recorrente, logo em 28/06/2024 requerera no TC a baixa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto, sem êxito, reapresentou em 8/07/2024 ao TRP o recurso de inconstitucionalidade pendente de admissão desde 20/08/2021, através do requerimento que seria dali remetido a esse Supremo no dia seguinte, sobre despacho da mesma data a justificar tal mandado pelo facto de que “o processo foi remetido ao STJ, onde até à data se mantém”;

- por despacho de 22/07/2024, foi nesse STJ ordenada a baixa dos autos ao TRP, “dado que o requerimento se mostra endereçado a esse Tribunal”, onde foi em 19/09/2024 proferido despacho sobre o pendente requerimento de recurso para o TC, aresto esse impugnado por reclamação de 24/09/2024 da Recorrente para o Supremo Tribunal ad quem;

- de novo os autos perante o TC, foi a reclamação em pauta, ali autuada no Processo n.º 948/24, julgada pelo Acórdão n.º 912/2024, notificado por ofício expedido em 18/12/2024;

- Por consequência, terá este último julgado transitado em 16/01/2025, e, com ele, também, definitivamente, os Acórdãos do TRP e desse STJ impugnados pelo recurso duplo de 20/08/2021.

Perante estas circunstâncias processuais, cronologicamente expostas pela reclamante, o relator decidiu nos seguinte termos:

Prescreve o n.º 1 do artigo 869.º do Código de Processo Civil que o recurso para uniformização de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias, contado do trânsito em julgado do acórdão recorrido.

Ora, a Recorrente veio interpor recurso para Uniformização de Jurisprudência, especificando que impugnava o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça 20/04/2021.

Notificado deste Acórdão do STJ, a Recorrente veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional.

O Relator proferiu o seguinte despacho: “A Recorrente AA veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão deste Tribunal de 368/385 e 412/416 do processo físico:

Admite-se o recurso para o Tribunal Constitucional, que tem efeito meramente devolutivo e sobe nos próprios autos.

Notifique”.

Remetidos os autos ao Tribunal Constitucional, vindo a ser proferido Acórdão, que transitou em julgado em 4/07/2024 (cf. certidão de trânsito, constante de fls.662 do processo principal - processo físico).

A Recorrente veio interpor o presente recurso para uniformização de jurisprudência em 17/01/2025 (cf. fls.1 deste processo – processo físico).

Assim, devendo o recurso ser interposto no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido, é manifesta a extemporaneidade do mesmo.

A Recorrente refere ter interposto recurso para o Tribunal Constitucional de decisão do Tribunal da Relação do Porto, que teria reflexos sobre o Acórdão do STJ.

Ora, para este efeito de interposição do recurso para uniformização de jurisprudência, o que releva é o trânsito em julgado do acórdão do STJ, que se quer impugnar.

E este, no caso presente, refere-se de novo, transitou em julgado após a decisão do Tribunal Constitucional, trânsito que ocorreu em 4/07/2024.

Pelo exposto, o recurso para uniformização de jurisprudência interposto é manifestamente extemporâneo.”.

Segundo a posição da Reclamante, o despacho acima transcrito julgou erradamente irrelevante a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do TRP (que julgou a apelação) de que fora interposta a revista e que poderia vir a ter reflexos sobre o acórdão do STJ.

Não assiste, porém, qualquer razão à Reclamante.

Vejamos porquê, com especial incidência no teor das decisões do Tribunal Constitucional face aos recursos apresentados aí pela ora Reclamante.

Nos autos, a Reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20/04/2021 e de 29/11/2022 e dos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 4/11/2019 e 10/02/2020.

Pela Decisão Sumária n.º 705/2023, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento dos objetos dos recursos.

Apresentada reclamação dessa decisão sumária, foi, em 27/02/2024, proferido o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 143/2024 que decidiu:

a) Confirmar a decisão do relator de indeferir o pedido de constituição como assistente formulado pelo recorrente; e

b) Não admitir a reclamação para a conferência incidente sobre a Decisão Sumária n.º 705/2023.

Notificada de tal decisão, a ora Reclamante apresentou aí requerimento com o seguinte teor:

“1. Por requerimento de 9 de novembro transacto, foi pela Recorrente inter­posta reclamação impugnativa da Decisão sumária n.º 705/2023, «na condição de a supramencionada reclamação homóloga subscrita pelo signatário de ambas não ser, em definitivo, admitida a julgamento»;

2. Não foi esta sua reclamação, portanto, admitida ainda a julgamento, pelo que lícito é, de harmonia com a lei, dela desistir.

3. Admitida que seja essa desistência, com o trânsito em julgado do Acórdão n.º 143/2004 transitará também, simul, o recorrido Acórdão de 20-4-2021 do Supremo Tribunal de Justiça, cujo recurso de constitucionalidade fora admitido in limine por Despacho de 7-9-2022;

4. Tal acórdão do S.T.J. julgou o recurso de revista que, na terminologia do artigo 70.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, esgotou «todos os que no caso cabiam» dos Acórdãos de 4-11-2019 e de 10-2-2020 do Tribunal da Rela­ção do Porto;

5. Ambos esses acórdãos foram também objecto do competente recurso de constitucionalidade, no mesmo requerimento da Recorrente deduzido em 20-8-2021 perante o S.T.J., que, patentemente, sobre esse par de decisões não se pronunciou;

6. Avultará, assim, nos presentes autos a permanecente omissão de pronún­cia sobre a admissão dos dois acórdãos do Tribunal da Relação do Porto para esse Tribunal Constitucional.

Termos por que, ao abrigo da lei. REQUER se digne esse supremo Tri­bunal:

I. Aceitar a desistência da reclamação da Recorrente deduzida em 9 de novembro último neste processo constitucional;

II. Ordenar a baixa dos autos ao competente Alto Tribunal a quo, para pronúncia sobre a admissão do recurso de constitucionalidade incidente sobre os acórdãos de 4-11-2019 e de 10-2-2020 do Tribunal da Relação do Porto, interposto em 20-8-2021 perante o Supremo Tribunal de Justiça.”.

Sobre este requerimento, foi proferido em 19/06/2024, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 465/2024, que decidiu:

a) Determinar a retificação do ponto 5. do Acórdão n.º 143/2024, tal que onde se lê «Na mesma data, o mesmo recorrente apresentou segunda reclamação, com o seguinte teor:» deve passar a ler-se «Na mesma data, a recorrente apresentou reclamação, com o seguinte teor:».

b) Não admitir a desistência da reclamação para a conferência formulada pela recorrente A., por a Decisão Sumária n.º 705/2023 já ter transitado em julgado à data da sua formulação.

Este Acórdão do Tribunal Constitucional transitou em julgado em 4/07/2024 (cf. certidão de trânsito, junta a fls. 662 do processo principal – físico).

É certo que a Reclamante apresenta, depois, novo requerimento a 8/07/2024 (a fls. 666), nos termos do qual pede que o recurso por si apresentado para o Tribunal Constitucional dos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto seja admitido.

Mas sobre tal requerimento recai despacho da relatora do Tribunal da Relação do Porto que, de entre o mais, refere expressamente que:

Por Decisão Sumária n.º 705/2023, de 4/09/2023, pronunciando-se sobre as decisões objecto do respectivo recurso da Recorrente, entre as quais se contam os identificados Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 4/11/2019 e de 10/02/2020 (veja-se os pontos 1 e 3 - do I.Relatório e o ponto 5 da II.Fundamentação), ao abrigo do art. 78.º-A, n.º 1, da LTC, o Tribunal Constitucional decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto pela Recorrente AA por não verificação de pressupostos de admissibilidade.

Desta decisão, a Recorrente reclamou para a conferência, que, por acórdão n.º 143/2024, de 27/02/2024, decidiu não admitir a reclamação para a conferência incidente sobre a Decisão Sumária n.º 705/2023.

Verifica-se, pois que a admissibilidade do recurso da Recorrente AA para o Tribunal Constitucional das identificadas decisões de 4/11/2019 e 10/02/2020 do Tribunal da Relação do Porto já foi apreciada pelo próprio Tribunal Constitucional.

Ora, se por força do art. 76.º, n.º 1 da LTC, compete ao Tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respectivo recurso, ao abrigo do n.º 3 do mesmo preceito legal, a respectiva decisão não vincula o Tribunal Constitucional.

De onde, por um lado, estar prejudicado o pedido da Recorrente AA ora apresentado e, por outro, se encontrar esgotado o poder jurisdicional do Tribunal relativamente ao identificado recurso de 20/08/2021, nada mais havendo a conhecer ou a decidir a este respeito, o que expressamente se declara (cfr. art. 613.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).”

Deste despacho, a Recorrente apresenta nova reclamação para o Tribunal Constitucional (em 24/09/2024), recaindo esta sobre a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto.

Sobre tal pretensa reclamação recaiu o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 924/2021, de 17/12/2024.

Nesse mesmo Acórdão se confirma a decisão reclamada, com base na seguinte fundamentação (com realce nosso):

Conhecidos os momentos essenciais do processo, cumpre determinar se a reclamante interpôs um recurso de constitucionalidade apto a ser recebido, tendo presente que pretendeu (pretende) recorrer dos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 04/11/2019 e de 10/02/2020, referidos em 1. e 1.1., supra, recurso esse para o Tribunal Constitucional que não foi admitido, em suma, por a respetiva inadmissibilidade já se encontrar decidida definitivamente pela Decisão Sumária n.º 705/2023.

Como explicitamente decorre dos respetivos fundamentos, a Decisão Sumária n.º 705/2023 apreciou todas as pretensões recursórias contidas no requerimento de interposição do recurso apresentado pela ora reclamante em 20/08/2021, incluindo as que tinham por objeto os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 04/11/2019 e de 10/02/2020. Consequentemente, com o trânsito em julgado da Decisão Sumária n.º 705/2023, ficou definitivamente apreciada a questão da recorribilidade relativamente a todo o requerimento de interposição do recurso.

A reclamante invoca que “o recurso de constitucionalidade de cujo objeto o relator no TC pode decidir não conhecer, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, é, unicamente, o recurso pré-admitido ou não admitido liminarmente pelo tribunal nessa via recorrido, conforme disposto no n.º 1 do artigo 76.º da mesma lei; nesse julgado e nessa medida, portanto, o TC emitiu pronúncia abusiva”. Ora, a possibilidade de discussão de um eventual excesso de pronúncia da Decisão Sumária n.º 705/2023 ficou definitivamente precludida com o respetivo trânsito em julgado, não podendo, agora, reabrir-se, sob pena de a recorrente, ora reclamante, beneficiar de uma segunda oportunidade, não legalmente prevista, nem legalmente consentida, de impugnar aquela decisão, incluindo quanto ao âmbito da sua pronúncia. Uma boa parte da reclamação é, aliás, dedicada a contrariar os fundamentos da Decisão Sumária n.º 705/2023, o que se, por um lado, extravasa o âmbito da reclamação (considerando o fundamento e o objeto do despacho reclamado), por outro, revela que a finalidade do presente incidente é, precisamente, obter o mesmo efeito que se obteria numa reclamação para a conferência da Decisão Sumária n.º 705/2023, que, todavia, não chegou a ser deduzida em prazo.

Tanto basta para confirmar o despacho reclamado, com o consequente indeferimento da reclamação.”.

Em face do exposto, foi decidido confirmar a decisão reclamada, mantendo-se, consequentemente, a decisão não admissão do recurso de constitucionalidade pretendido interpor pela ora Reclamante.

O que esta última reclamação para o Tribunal Constitucional nos revela, com nitidez, é que, por um lado, ela incide sobre uma não decisão – com efeito, o que o despacho da Relatora do Tribunal da Relação do Porto salienta é que a admissibilidade do recurso da Recorrente AA para o Tribunal Constitucional de todas as decisões do Tribunal da Relação do Porto já havia sido apreciada pelo Tribunal Constitucional na Decisão Sumária n.º 705/2023 e que, por isso, nada mais havia a decidir.

E o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 924/2021 não constitui mais do que uma decisão meramente confirmatória dessa mesma conclusão: de que nada mais havia pendente para decidir no Tribunal Constitucional a propósito do recurso aí interposto pela ora Reclamante.

Por outro lado, a reclamação para o Tribunal Constitucional na sequência deste despacho não corresponde à interposição de um qualquer recurso para este Tribunal que pudesse interferir no já decidido quanto ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/04/2021, sendo que, como se alude no Acórdão do TC n.º 924/2021, a Recorrente mais não fez do que utilizar um expediente que não podia ignorar ser manifestamente infundado para tentar, uma vez mais, impugnar novamente a Decisão Sumária n.º705/2023.

Ora, a Reclamante não podia ignorar aquilo que os autos demonstram à exaustão: que a Decisão Sumária n.º 705/2023 apreciou todas as pretensões recursórias contidas no requerimento de interposição do recurso apresentado pela ora Reclamante em 20/08/2021, incluindo as que tinham por objeto os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 4/11/2019 e de 10/02/2020 e que, consequentemente, com o trânsito em julgado da Decisão Sumária n.º705/2023, ficou definitivamente apreciada a questão da recorribilidade relativamente a todo o requerimento de interposição do recurso.

A apresentação sucessiva de requerimentos manifestamente infundados por parte da Recorrente, procurando ignorar de forma reiterada o âmbito de cognoscibilidade daquela decisão sumária e do sentido decisório dos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 143/2024 e 465/2024, que confirmam a Decisão Sumária de forma que não deixa margem para dúvidas, não pode, pois, servir para obstaculizar o trânsito em julgado do Acórdão proferido nos autos em 21/04/2021, após a última decisão do Tribunal Constitucional com reflexo sobre o mesmo (Ac. n.º 465/2024).

O esforço argumentativo da Reclamante não é, pois, suficiente para escamotear a evidência da realidade processual acima elencada: a de que, transitado o aludido Acórdão do TC a 4/07/2024 (que incidiu, afinal, sobre todos os recursos, incluindo os interpostos quanto aos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto), a interposição do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência a 17/01/2025, ultrapassou em muito o prazo de 30 dias a que alude o artigo 689.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sendo, assim, manifestamente intempestivo, como se nos afigura que no despacho reclamado acertadamente se considerou.

Em conclusão, cotejada a decisão singular proferida e confrontada a argumentação esgrimida pela Reclamante à luz das vicissitudes processuais ocorridas em decorrência da interposição dos recursos para o Tribunal Constitucional, não encontramos qualquer fundamento que infirme o dispositivo da decisão singular onde se concluiu pela rejeição do interposto recurso para uniformização de jurisprudência por manifesta extemporaneidade.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se, em conferência, em indeferir a reclamação, mantendo o despacho do Relator.

Custas pela Reclamante (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe tenha sido concedido).

Lisboa, 16 de setembro de 2025

Pedro de Lima Gonçalves

Maria João Tomé

António Magalhães