I - Os pressupostos dos pedidos de reforma têm de ser analisados, não em função de documentos novos, mas em função de documentos já existentes no processo e que impliquem necessariamente uma decisão diversa. Pelo que é manifesto que nesta fase processual não pode ser junto ao processo qualquer documento.
II - Não se considera quebrada a dupla conformidade, se a invocação do art. 662.º do CPC no recurso de revista surge como uma alegação meramente formal para abrir a porta ao recurso de revista, sem qualquer relação com os termos em que a Relação analisou o caso sub iudice.
III - A figura da autoridade do caso julgado apenas prescinde da identidade objetiva (identidade atinente aos pedidos e causas de pedir entre as duas causas), não abdicando, todavia, para fazer operar o seu efeito de vinculação do tribunal posterior à decisão proferida pelo tribunal anterior, da identidade subjetiva entre as duas causas.
IV - Não sendo o ora autor “parte” na referida ação (proc. n.º 2766/03), nem titular de uma posição dependente da definida na decisão transitada no citado processo, antes se apresentando como um terceiro titular de uma relação independente, não poderá aproveitar-se da eficácia reflexa do caso julgado.
V - Não padece o acórdão do Supremo de qualquer nulidade por omissão de pronúncia, nem nulidade por falta de fundamentação de facto, num contexto em que o Supremo tem poderes cognitivos limitados quanto à matéria de facto e não pode transpor juízos probatórios oriundos de outros processos para o processo sub judice, ao abrigo da autoridade do caso julgado.
Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de Justiça
I – Relatório
1. AA e mulher BB, notificados do Acórdão deste Supremo Tribunal, de 27 de maio de 2025, que decidiu não admitir o recurso de revista em relação ao segmento do acórdão recorrido que negar a revista e confirmar o acórdão recorrido, veio
1º) Apresentar requerimento em 16-06-2025, em que juntaram cópia de acórdão proferido neste Supremo Tribunal, no processo n.º 3967/06.1TBPTM, e requereram certidão judicial daquela decisão, cuja admissibilidade vieram pedir em requerimento datado de 09-07-2025;
2.º) Solicitar a reforma do acórdão, ao abrigo dos artigos 613.º, n.º 2, e 616.º, n.º 2, ambos do CPC, nos termos e com os fundamentos expostos em extensas alegações/conclusões de 143 páginas, que aqui se consideram integralmente transcritas, requerendo, a final, o seguinte:
«1) Que, após reanálise dos argumentos ora apresentados, e, dada a sua complexidade em face da sua extensão da prova documental, o incidente de reforma do acórdão seja julgado procedente, quanto às questões acima apresentadas, com as legais consequências que será seguramente apuramento da verdade material e o de dar a cada uma das partes em litigio, o que merece em face da prova que os autos revelam.
2) Admitindo-se a reforma do R, acórdão porquanto, no entendimento dos recorrentes, verificados se encontram todos os requisitos legais para o efeito.
3) Tendo em vista que o incidente é apresentado no prazo a que alude o artigo 139º, do C.P.C, os autores juntam a guia da respetiva multa.
4) Requerem ainda a junção de um documento ao abrigo do disposto no artigo 651º, interpretado analogicamente dado que a decisão deste Vdº, tribunal não se encontra publicada».
2. Os reclamantes suscitaram, em síntese, as seguintes questões:
- Junção de documento
- Admissibilidade do recurso de revista, na parte relativa à alegada violação do caso julgado formado no processo 2766/03 e à contradição de acórdãos (artigos 629.º, n.º 2, al. d), do CPC), bem como à aplicabilidade do artigo 662.º do CPCcomo causa de quebra da dupla conformidade;
- Fixação de matéria de facto com base em prova vinculada (confissão judicial e extrajudicial oriunda de documentos de outros processos) e transposição de factos provados e não provados provenientes de outros processos;
- Nulidades do acórdão reclamado, por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação de facto;
- Do caso julgado por força da preclusão do direito de reconvenção da Ré.
II – Fundamentação
1. Os recorrentes juntaram, no dia 9 de julho de 2025, um documento novo ao processo, a saber, certidão judicial de um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, transitado em julgado em 17 de junho de 2010, proferido no processo n.º 3967/06.1TBPTM, em que o Supremo concedeu um pedido de reforma em relação a um acórdão por si proferido, no qual revogara um acórdão da Relação que tinha decretado a execução específica contra os agora réus, referente a metade de outra fração do mesmo empreendimento, num processo em que foi autor outro adquirente.
Nos termos do artigo 651.º, n.º 2, do CPC, «As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão». Tem-se entendido, na jurisprudência, que, no Supremo Tribunal de Justiça, podem ser entregues pareceres de jurisconsultos com as alegações de recurso (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-10-2011, proc. 6/10).
No presente caso foi junto um acórdão, solicitando os recorrentes que seja aplicado o artigo 651.º do CPC por analogia – depreende-se que se referem ao n.º 2 do preceito – considerando o acórdão equivalente a um parecer.
Esta tese tem dois problemas.
O primeiro é que um acórdão não pode ser considerado um parecer doutrinário, falecendo a aplicação analógica do artigo 651.º, n.º 2, do CPC, invocada pelos recorrentes.
O segundo é que já há muito que se ultrapassou o prazo para a entrega de pareceres no Supremo Tribunal. Nos presentes autos, estamos numa fase em que o Acórdão já foi proferido e em que já se esgotou o poder jurisdicional do Supremo para conhecer questões de facto e de direito, ou para corrigir erros de julgamento, salvo as situações previstas no artigo 616.º, n.º 2 do CPC. Ora, os pressupostos dos pedidos de reforma têm de ser analisados, não em função de documentos novos, mas em função de documentos já existentes no processo e que impliquem necessariamente uma decisão diversa. Pelo que é manifesto que nesta fase processual não pode ser junto ao processo qualquer documento novo, seja um parecer, seja uma decisão judicial.
Acresce que a junção dos documentos tem como primeiro pressuposto que se trate de documentos supervenientes. A superveniência dos documentos, como decorre do artigo 452.º do CPC, verifica-se quando a apresentação não tenha sido possível até ser proferida a decisão do tribunal de 1.ª instância, seja porque os documentos não existiam ainda àquele momento, ou, porque existindo, a parte apresentante desconhecia justificadamente essa existência.
Na presente situação, os documentos – certidão judicial – existiam muito antes de ter sido proposta a presente ação, pelo que a sua apresentação tão tardia tem de se considerar extemporânea, cabendo ao recorrente o ónus da prova da justificação do desconhecimento do citado documento, que este não logrou provar, nem sequer alegar.
Assim, também por este motivo falece o pedido de junção de documento.
Deve dizer-se também que este acórdão junto com o pedido de reforma foi proferido num contexto processual em que o Supremo conheceu do mérito, sem que se colocasse qualquer questão de caso julgado que impedisse a procedência do pedido do autor do processo n.º 3967/06.1TBPTM e sem que se colocasse qualquer problema de admissibilidade do recurso de revista, dado que a regra da dupla conformidade não era aplicável aos processos instaurados antes da entrada em vigor da reforma de 2007 ao Código de Processo Civil. Pelo que sempre seria impertinente para a apreciação, quer do recurso de revista, quer da presente reclamação.
2. Sustentam os recorrentes, para contestar a decisão de não admissibilidade do recurso de revista, que o acórdão reclamado não admitiu o recurso com o argumento de que os recorrentes não haviam sido parte no processo no seio do qual se formou o caso julgado invocado (processo n.º 2666/03), sem ter em conta o efeito reflexo do caso julgado em relação a terceiros e o interesse específico e concreto dos autores naquela decisão, que lhes é favorável. Sustentam a sua tese na factualidade provada no outro processo e nos elementos de prova nele constantes, que pesam a favor dos interesses invocados nesta ação, alegando que noutros casos análogos este Supremo já admitiu o recurso de revista. Concluem que a admissibilidade do presente recurso seria exigível à luz do artigo 8º, n.º 3 do Código Civil, conjugado com as normas do artigo 580º, e 581º, do C.P.C. Só assim, na perspetiva dos recorrentes seria possível obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito e preservar o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.
3. A pretensão essencial formulada pelos Autores integra um pedido de execução específica nos termos da qual pedem que seja declarada por sentença a transmissão de metade da fração “E” do prédio urbano situado naLocalização 1, freguesia de Lagoa, inscrito na matriz urbana da freguesia de Lagoa sob o artigo ..43 e descrita na conservatória do Registo Predial sob o Nº. ..53 de Lagoa.
Tendo sido este pedido de execução específica negado por ambas as instâncias (absolvição de instância por aplicação da exceção do caso julgado) com fundamentação semelhante e sem voto de vencido, formou-se dupla conformidade que os recorrentes não conseguiram contraditar, após serem ouvidos ao abrigo do artigo 655.º, n.º 1, do CPC.
4. Vejamos o que disse o acórdão impugnado a este propósito:
«b) Questão prévia da admissibilidade do recurso e delimitação do seu objeto
2. Relativamente à questão de admissibilidade do recurso quanto aos pedidos formulados sob os n.ºs 1. e 1.2. referentes à execução específica do contrato promessa, afigura-se que se verifica dupla conformidade decisória, já que ambas as instâncias decidiram a absolvição da instância dos réus com base na exceção de caso julgado.
A circunstância de o tribunal de 1.ª instância em relação ao pedido 2.a) relativo ao pagamento de indemnizações ter baseado a sua decisão na autoridade do caso julgado, enquanto o Tribunal da Relação o baseou na exceção do caso julgado, não quebrou a dupla conformidade decisória, pois a decisão em ambos os casos foi a de absolvição de instância, conforme decorre do seguinte excerto do saneador-sentença:
«Assim, julga-se verificada a existência da exceção de caso julgado quanto ao pedido de execução específica e pedidos do mesmo dependentes e, em particular, quanto ao pedido de indemnização, fica a apreciação do mesmo precludida em virtude da existência de autoridade de caso julgado.
Termos em que, ao abrigo do disposto nos art.ºs 576.º, n.º 2 e 577.º, ambos do Código de Processo Civil, se decide absolver os réus da instância quanto a estes pedidos».
Do mesmo modo, entende-se não ter sido descaraterizada a dupla conformidade de fundamentação, uma vez que a exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado constituem duas faces do mesmo instituto, não se revestindo esta diferença na fundamentação de natureza essencial.
2.1. Invocam os recorrentes que a dupla conforme se encontra descaraterizada já que imputam à Relação a violação das normas ínsitas nos artigos 662.º do CPC e 607.º, n.º 4, do CPC.
Todavia, no caso dos autos não se desenha nem configura qualquer ofensa de regras processuais em matéria de modificabilidade da decisão de facto, nos termos em que vem disciplinada no referido artigo 662.º do CPC. Ou seja, não está em causa, como escreve Abrantes Geraldes (in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, p. 823 e ss). qualquer elemento fornecido pelo processo que possa determinar uma decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas, como sucede quando a decisão recorrida não respeitou documento, confissão, ou acordo das partes com força probatória plena, ou quando foi considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente, sendo em situações deste tipo que a Relação, no âmbito da reapreciação da decisão recorrida, deve agir oficiosamente mediante a aplicação das regras vinculativas extraídas do direito probatório material, modificando a decisão da matéria de facto advinda da primeira instância. Muito menos se configura, no caso em análise, qualquer hipótese subsumível nos n.ºs 2 e 3 da referida norma, suscetível de fundamentar a sua alegada violação pelo tribunal recorrido.
Aliás, a prova vinculada a que os recorrentes se referem remete para factos dados como provados nos processos n.º 632/16 e n.º 490/10, e, sem prejuízo do valor extraprocessual das provas, enquanto possibilidade de consideração da prova produzida noutro processo ao abrigo do disposto no artigo 421.º do CPC, tal significa apenas que estas podem ser invocadas noutro processo contra a mesma parte, aí sendo sujeitas a nova apreciação judicial.
2.2 Invocam ainda os recorrentes como fundamento do recurso o artigo 629.º n.º 2 alínea d), entendendo que o acórdão recorrido está frontalmente contra a decisão proferida pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 7808/19 de 23.2.2023, sobre a mesma questão fundamental de direito, no âmbito da mesma legislação. Para além de não ter sido cumprido o ónus a cargo do recorrente de demonstrar a identidade fáctica entre os dois acórdãos, o artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, apenas abrange acórdãos da Relação que, independentemente da matéria sobre que incidam ou do seu resultado (finais ou interlocutórias, de direito material ao adjetivo), estejam em contradição com outro acórdão da Relação, mas relativamente aos quais o recurso de revista esteja afastado ou condicionado por disposição legal não atinente ao valor da causa (p. ex em matéria de procedimentos cautelares atento o artigo 370.º, n.º 2, do CPC), o que não é de todo o caso.
A contradição com acórdão do Supremo devia ter sido invocada como revista excecional ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, al. c), o que o recorrente não fez, o que sempre faleceria em virtude de o recorrente não ter cumprido o ónus de alegação exigido no n.º 2 do artigo 672.º do CPC.
2.3. Os recorrentes invocam que o acórdão recorrido, no segmento que agora se aprecia, viola o caso julgado formado nas decisões proferidas nos processos 490/10 e 2766/03, por ter sido decidido no primeiro processo que ao autor apenas falecia legitimidade substantiva, o que, no entender dos recorrentes, ficou suprido com a alegação, feita nesta ação, de que o Réu CC cedeu ao Autor marido a sua posição no contrato promessa celebrado com a família DD, de que a Ré EE é agora a única herdeira, tendo-se afirmado em ambos os processos que esta nenhum interesse legítimo mantinha no negócio,
Nos termos da leitura conjugada dos artigos 671.º, n.º3, e 629.º, n.º2, a), in fine, ambos do CPC, resulta que, mesmo verificada a dupla conformidade, o recurso é sempre admissível quando alegado que a decisão recorrida negou ou desrespeitou a força ou a autoridade de caso julgado, emergente de uma decisão proferida noutra ação vinculativa para os mesmos sujeitos. Neste sentido, Abrantes Geraldes (in Recursos em Processo Civil, 8.ª Ed. Atualizada, 2024, pp. 61 e ss) sublinha que, se o recurso tiver por fundamento a ofensa de caso julgado, a revista será de admitir fora do condicionalismo geral, ainda que porventura se verifique uma situação de dupla conforme (artigo 671.º, n.º 3, do CPC) ou se trate de acórdão que não reúna as condições previstas no n.º 1 do artigo 671.º do CPC.
2.4. Tem sido entendimento comum neste Supremo Tribunal, que a norma que amplia a recorribilidade apenas pode servir para confrontar o tribunal superior com a discussão da alegada ofensa de caso julgado, excluindo-se outras questões cuja impugnação fica submetida às regras gerais (cfr., entre outros, Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 22-11-2018, Proc.408/16.0T8CTB.C1.S1).
Saliente-se, antes de mais, que tais regras visam apenas a questão prévia da admissibilidade do recurso, não a respetiva procedência, bastando-se, em princípio, com a alegação da ofensa pelo recorrente e constituindo o tribunal ad quem no dever de apreciação do alegado, ou seja, de análise posterior da sua consistência e viabilidade, a menos que resulte evidente dos elementos apresentados a não verificação dos pressupostos acima referenciados. Ora, é precisamente o que se verifica relativamente à alegação da ofensa do caso julgado formado no processo n.º 2766/03, desde logo porque nenhum dos autores, ora recorrentes, nele foi parte. Ou seja, a identificada ação foi instaurada por Marinha Limited contra FF, EE e DD, não se verificando, pois, a identidade dos sujeitos que ocupam a posição processual de autores.
Assim sendo, apesar de estarmos perante um pedido de execução específica incidente sobre outra fração, a fração “F”, do mesmo empreendimento em que o autor detém metade indivisa da fração, a diversidade das partes em ambas as ações obsta, quer à procedência da exceção de caso julgado, quer à invocação da ofensa de caso julgado, como fundamento da admissibilidade do recurso interposto por quem na ação transitada em julgado não foi parte. E, mesmo a considerar-se que os aqui autores/recorrentes são titulares de uma relação paralela à definida pelo caso julgado alheio, ainda assim o caso julgado formado por aquela decisão não seria vinculativo nesta, não sendo assim de admitir a invocação da ofensa de caso julgado como causa de admissibilidade do recurso ao abrigo do artigo 629.º, n.º 1, al. a), última parte.
Assim sendo, não se admite a alegada e pretensa violação do caso julgado invocada em relação à decisão proferida no processo n.º 2766/03».
5.Tem sido vasta, neste Supremo Tribunal de Justiça, a tese segundo a qual a violação do caso julgado exige a identidade subjetiva entre os dois processos em causa. Como se entendeu no de 16-01-2025 (proc. n.º 809/21.1T8VRL-B.G1.S1) «Na aferição da ofensa do caso julgado, enquanto fundamento da admissão do recurso, há que verificar se a decisão transitada em julgado foi ofendida, e se aquela face à decisão recorrida e concorrente, assume valor de caso julgado a observar, i.e, a tríplice identidade a que alude o artigo 581º do CPC». No mesmo sentido, no Acórdão de 19-09-2024 (Proc. n.º 3042/21.9T8PRT.S2), se sumariou que «O caso julgado poderá ser perspectivado segundo uma óptica disjuntiva que se encontra ligada ao cumprimento de duas funções: i) uma função negativa, operada através da excepção (dilatória) do caso julgado, que pressupõe a verificação cumulativa da tríplice identidade de sujeitos, pedidos e causas de pedir (ut art. 581.º do CPC) ; e ii) uma função positiva, que radica na figura da autoridade do caso julgado, equiparável a uma excepção peremptória, e que pressupõe que a decisão de determinada questão – proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda – não possa voltar a ser discutida. A figura da autoridade do caso julgado apenas prescinde da identidade objectiva (identidade atinente aos pedidos e causas de pedir entre as duas causas), não abdicando, todavia, para fazer operar o seu efeito de vinculação do tribunal posterior à decisão proferida pelo tribunal anterior, da identidade subjectiva entre as duas causas» - realce nosso. No mesmo sentido, se reconhece no Acórdão de 22-06-2021, proferido no proc. n.º 1600/17.5T8PTM.E1.S1, que, «De acordo com a jurisprudência deste STJ é de considerar que a autoridade do caso julgado, ainda que possa dispensar a verificação da tríplice identidade requerida para a procedência da exceção dilatória, não dispensa, a identidade subjetiva». Assim, não sendo as partes do processo as mesmas é consensual que o autor da presente ação não se encontra abrangido por qualquer norma legal que lhe permita beneficiar do caso julgado formado no processo n.º 2766/03, não se podendo, portanto, entender ter havido qualquer violação do caso julgado, que abrisse a porta a um recurso extraordinário com base na al. a), in fine, do n.º 2 do artigo 629.º do CPC.
A jurisprudência, nalguns casos em que se discute a violação do caso julgado, tem dispensado a identidade dos elementos objetivos, que é substituída pela relação de prejudicialidade entre objetos processuais, que, porém, só se verifica quando a apreciação de um objeto – o prejudicial – constitui o pressuposto do julgamento de um outro – o dependente, sem dispensar, todavia, o requisito da identidade subjetiva (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-07-2024, proc. n.º 12524/18.9T8LSB.L1.S1, e 02-03-2023, proc. n.º 6055/18.4T8ALM.L1.S1).
A jurisprudência que prescinde da identidade subjetiva tem um cariz casuístico e muito restrito, delimitado a casos em que no processo posterior há uma mudança de sujeitos em função de fenómeno sucessório ou do casamento ou divórcio de uma das partes, aqui não relevante, apesar do segundo casamento do autor, já que não foi parte da ação do processo anterior (processo n.º 2766/03), nem solteiro, nem casado com a sua primeira mulher. O que os reclamantes referem em relação ao processo n.º 490/10 sobre o segundo casamento do autor aqui não releva, pois nessa sede foi admitido o recurso por violação do caso julgado em virtude de se verificar identidade subjetiva, diferentemente do que sucede em relação ao processo n.º 2766/03, em que a autora foi uma sociedade comercial Marinha Limited, e nem o autor, nem o seu cônjuge ou ex-cônjuge surgem como partes [(irrelevante pois o afirmado nas conclusões c) a m)]. Não releva que o Supremo tenha aderido aos fundamentos expostos pelo acórdão da Relação (conclusões n), o), p), que, aliás, se encontram em linha com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal, como acima se demonstrou. O Supremo também não tinha, para além da verificação da identidade decisória e de fundamentação, de analisar a prova ou os factos provados e não provados pelas instâncias para decidir uma questão de inadmissibilidade do recurso de revista por dupla conformidade ou por violação do caso julgado, conforme, erradamente, sustentam os reclamantes na alínea q) das conclusões da reclamação, cuja improcedência se declara.
6. Quanto ao alegado efeito do caso julgado em relação a terceiros, importa distinguir, conforme jurisprudência sedimentada (cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de 13-09-2028 (proc. n.º 687/17.5T8PNF.S1), os seguintes casos:
«i) – os terceiros juridicamente indiferentes, a quem a decisão não produz nenhum prejuízo jurídico, porque não interfere com a existência e validade do seu direito, mas pode afetar a sua consistência prática ou económica, ficando, por isso, abrangidos pela eficácia do caso julgado;
ii) – os terceiros juridicamente prejudicados, titulares de uma relação jurídica independente e incompatível com a das partes ( definida pela sentença), os quais não são atingidos pelo caso julgado alheio;
iii) – os terceiros titulares de uma relação ou posição dependente da definida entre as partes por decisão transitada, a quem se tem reconhecido a eficácia reflexa do caso julgado;
iv) – os terceiros titulares de relações paralelas à definida pelo caso julgado alheio ou com ela concorrentes, considerando-se, quanto às primeiras, que o caso julgado só se estende às partes e, quanto às segundas que, se a lei não exigir a intervenção de todos os interessados, só lhes aproveita o caso julgado favorável.
7. Os recorrentes invocam que estão na posição de terceiros de uma relação ou posição dependente da decidida por decisão transitada à qual se reconheceria uma eficácia reflexa independentemente da identidade dos autores de ambas as ações.
Todavia, entendemos que, in casu o autor seria apenas titular de uma relação paralela à definida no caso julgado alheio, o que implica que, não tendo o ora autor intervindo na ação anterior, intentada por uma sociedade comercial contra os mesmos réus, a decisão nela proferida e transitada em julgado não tem força nem autoridade de caso julgado na ação posterior, proposta agora pelo autor contra os mesmos réus. Assim, não sendo o ora autor “parte” na referida ação (processo n.º 2766/03), nem titular de uma posição dependente da definida na decisão transitada no citado processo, antes se apresentando como um terceiro titular de uma relação independente, não poderá aproveitar-se da eficácia reflexa do caso julgado. Esta eficácia reflexa surge, por exemplo, nas situação de solidariedade entre devedores, de solidariedade entre credores e de pluralidade de credores de prestação indivisível, respetivamente nos termos dos artigo 522.º, 2.ª parte, 531.º, 2.ª parte, e 538.º, n.º 2, do Código Civil. Como se afirma no Acórdão de 28-03-2019 (proc. n.º 6659/08.3TBCSC.L1.S1), «(…) ao devedor solidário aproveitará o caso julgado favorável constituído em relação a um seu co-devedor com fundamento não respeitante pessoalmente a este (art.º 522.º, 2.ª parte, do CC), como também aproveitará ao credor solidário o caso julgado favorável a um seu co-credor, sem prejuízo das exceções pessoais que o devedor tenha o direito de invocar em relação a cada um deles (art.º 531.º, 2.ª parte, do CC). E no âmbito de pluralidade de credores de prestação indivisível, o caso julgado favorável a um dos credores aproveita aos demais co-credores, se o devedor não tiver, contra estes, meios específicos de defesa (art.º 538.º, n.º 2, do CC)».
Ora, tal interdependência não sucede na situação dos autos, em que está em causa a interpretação de documentos de forma a configurar um contrato promessa suscetível de execução específica, documentos que já foram apreciados no processo n.º490/10, que considerou improcedente o pedido do autor, não podendo essa decisão ser contrariada em virtude da autoridade do caso julgado. Não existe, assim, qualquer relação de solidariedade entre os vários autores de ações de execução específica, mesmo que o promitente vendedor seja o mesmo, havendo necessariamente especificidades nas situações de facto e de direito, em relação a cada um dos promitentes compradores, que tornam autónomos os juízos sobre o pedido de cada um deles.
8. Por outro lado, os juízos probatórios positivos ou negativos retirados pelo julgador dos documentos juntos no processo anterior – aqui se incluindo declarações classificadas como confissão judicial ou extrajudicial e outros documentos autênticos ou particulares – que constituem a base da argumentação dos recorrentes para fundamentarem a eficácia reflexa do caso julgado em relação a si, consubstanciam a chamada “decisão de facto”, podendo constituir prova de livre apreciação ou prova vinculada consoante o seu contexto e interpretação. Assim, estes meios de prova não se revestem, em si mesmos, da natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram. Neste sentido se tem orientado a jurisprudência do Supremo (cfr. Acórdãos de 08-11-2018, proc. n.º 478/08.4TBASL.E1.S1, de 09-05-2024, proc. n.º 497/19.5BEPNF.P1.S1, e de 19-09-2024, proc. n.º 3042/21.9T8PRT.S2), onde também se concluiu a este propósito, «embora tais juízos probatórios relevem como limites objectivos do caso julgado material nos termos do artigo 621.º do CPC, sobre eles não se forma qualquer efeito de caso julgado autónomo, mormente que lhes confira, enquanto factos provados ou não provados, autoridade de caso julgado no âmbito de outro processo» (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal, de 19-09-2024, proc. n.º 3042/21) - realce nosso
No mesmo sentido, no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 25-03-2021, proc. n.º12191/18.0T8LSB.L1.S1, entendeu-se que «No que se refere à eficácia do caso julgado na sua vertente positiva (autoridade do caso julgado), importa ter presente que a jurisprudência do STJ vem admitindo – em requerida para a procedência da exceção dilatória, sem dispensar, porém, a identidade subjectiva; significando que tal dispensa se reporta apenas à identidade objectiva, a qual é substituída pela exigência de que exista uma relação de prejudicialidade entre o objecto da segunda acção e o objecto da primeira. Não sendo as partes nas acções anteriores as mesmas dos presentes autos, e não se encontrando a recorrente abrangida por qualquer norma legal que lhe permita beneficiar do caso julgado formado nessas acções, forçoso é concluir que também não se mostram preenchidos os pressupostos de que dependeria a ofensa do efeito de autoridade do caso julgado» - realce nosso.
9. Acresce que, quanto a decisões que formaram dupla conformidade, em relação às quais é invocada a ofensa de caso julgado como causa de admissibilidade do recurso ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, al. a), in fine, do CPC, não compete a este Supremo analisar em pormenor os documentos do outro processo e os juízos probatórios nele feitos, pois isso seria já sair da questão prévia da admissibilidade do recurso por ofensa de caso julgado e conhecer de uma questão cujo conhecimento competia às instâncias e que está vedada ao Supremo quando aprecia os pressupostos de admissibilidade do recurso, um prius em relação ao conhecimento do mérito.
10. Assim, conclui-se que não se verifica a ofensa do caso julgado nem da sua autoridade, como causa extraordinária da admissibilidade de um recurso de revista, ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, se entre a decisão transitada e a decisão subsequente não ocorre a identidade dos elementos subjetivos da instância. Não estão os recorrentes, pois, abrangidos por qualquer norma legal que lhes permita beneficiar do caso julgado formado na ação anterior.
11. Alegam os recorrentes para justificar a admissibilidade do recurso a quebra da dupla conformidade, invocando nas conclusões elencadas no ponto A, em relação à dupla conformidade e ao caso julgado, transcrições jurisprudenciais irrelevantes para o caso e sem qualquer contextualização, e que entendem poder configurar contradição de julgados suscetível de abrir o recurso ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC.
Todavia, a jurisprudência tem entendido que a admissão de um recurso extraordinário ao abrigo do n.º 2, al. d), do artigo 629.º do CPC, exige a prova dos requisitos de oposição de julgados em termos rigorosos e semelhantes ao recurso de revista excecional (artigos 672.º, n.º 2, al. c) e 688.º do CPC). Como se afirmou no acórdão reclamado, os recorrentes não alegaram a identidade do núcleo fáctico-jurídico dos acórdãos invocados como acórdãos fundamento, como lhes competia, sendo insuficiente, como tem entendido a jurisprudência deste Supremo Tribunal, transcrever os sumários dos acórdãos. Veja-se o Acórdão de 25-02-2025 (proc. n.º 32041/16.0T8LSB-C.L1.S1) onde se definiu esta orientação, a propósito dos requisitos da al. d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC: «Porém, a revista deve ser liminarmente rejeitada se a recorrente, além de citar mais do que um acórdão-fundamento e de não juntar cópia de nenhum deles, com certificação do seu trânsito em julgado, se limita a transcrever o respetivo sumário, alegadamente constante na base de dados www.dgsi.pt, sem evidenciar ou concretizar as circunstâncias do caso que fundariam a existência de contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão das Relações». No mesmo sentido reportando-se a um recurso para uniformização de jurisprudência, veja-se o Acórdão de 13/05/2025, proc. n.º 3231/16.8T8AVR.PL.A.S1-A), que entende que, «(…) para se concluir que existe uma oposição frontal de entendimentos jurisprudenciais sobre a mesma questão jurídica, não basta que dois acórdãos apresentem um sentido decisório divergente. Tem de estar em causa uma óbvia clivagem jurisprudencial sobre a aplicação das mesmas normas, num quadro factual tipologicamente equiparável, para justificar a intervenção orientadora do Pleno do STJ. Não conseguindo o recorrente demonstrar o claro preenchimento desses requisitos legais, o recurso não é admissível».
O Tribunal Constitucional não reconhece qualquer direito ao recurso em processo civil e a Constituição, como tem reiteradamente afirmado aquele Tribunal, permite ao legislador ordinário liberdade de conformação para regular o direito ao recurso em processo civil, não sendo constitucionalmente exigível a garantia de um segundo grau de recurso ou de um terceiro grau de jurisdição.
Veja-se a este propósito o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 657/2013, proferido no processo n.º 272/12, que resume a orientação quanto à questão dos recursos em processo civil:
«(em linha do que já tem sido afirmado por este Tribunal, o direito ao recurso em processo civil e, em concreto, o direito ao recurso para uniformização de jurisprudência não encontram expressa previsão no artigo 20.º da CRP, no sentido de se poderem considerar uma imposição constitucional ao legislador em matéria processual. Tem sido, ao invés, nesta sede, reconhecido dispor o legislador infraconstitucional de uma ampla margem de conformação na escolha e configuração dos meios processuais (civis) adequados à garantia do direito de acesso ao direito e aos tribunais pelos cidadãos. Como se ponderou no Acórdão nº 415/2001, reiterando anterior jurisprudência deste Tribunal (designadamente a constante do Acórdão nº 202/99, aprovado em plenário):
«O artigo 20º, nº 1, da Constituição assegura a todos ‘o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos’. Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos. Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de jurisdição?
A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de setembro), passou a incluir, no artigo 32º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32º».- realce nosso.
Assim a revista também não seria admissível com este fundamento da contradição de jurisprudência, por falta de observância do ónus de alegação da identidade entre os núcleos fáctico-jurídicos dos casos em confronto, o que não constitui qualquer violação do direito de acesso à justiça, nos termos do artigo 20.º da CRP, conforme jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Improcedem as conclusões descritas em XI: i) a xi)
12. Alegam ainda que, na resposta ao despacho proferido pela Relatora ao abrigo do artigo 655.º do CPC, invocaram que a Relação não conheceu da matéria de facto ao abrigo do artigo 662.º e 607.º, n.º 4, do CPC, estando quebrada a dupla conformidade, sendo, por isso, o recurso de revista sempre admissível. É certo que a jurisprudência do Supremo entende, de forma unânime, que a invocação do artigo 662.º do CPC permite a admissão do recurso de revista. Todavia, não é, na verdade, essa a questão em causa. O que se verifica é que a Relação decidiu, em face dos processos anteriores, absolver os réus da instância relativamente ao pedido de execução específica do contrato promessa, por aplicação da exceção perentória do caso julgado, tendo indicado os factos relevantes e suficientes para a apreciação e decisão da exceção do caso julgado. Não tinha, para o efeito, de transpor todos os factos dos outros processos para o caso sub judice, mas apenas os pertinentes para aferir da exceção perentória do caso julgado. Logo não cometeu qualquer nulidade por omissão de pronúncia nem incumpriu os deveres previstos nos artigos 662.º e 607.º. n.º 4, do CPC. Por outro lado, compulsadas as conclusões do recurso de apelação, verifica-se que os recorrentes não suscitaram uma questão de modificação da matéria de facto nos termos e com os requisitos dos artigos 640.º e 662.º do CPC. A modificação da matéria de facto também não foi elencada, pelo Tribunal da Relação, nas questões objeto do recurso e que integram o thema decidendum. Assim, a invocação do artigo 662.º no recurso de revista surge como uma alegação meramente formal para abrir a porta ao recurso de revista sem qualquer relação com os termos em que a Relação analisou o caso sub iudice.
Improcedem, pois, as conclusões elencadas em B).
13. Em consequência, confirma-se a decisão de não admissibilidade do recurso de revista, não constituindo esta decisão qualquer discriminação dos recorrentes proibida pelo artigo 13.º da CRP. Desde logo, em processo civil não existe sequer um direito fundamental ao recurso. Por outro lado, foi adotada, para fundamentar a decisão de não admissibilidade do recurso, jurisprudência sobre a violação do caso julgado aqui aplicável em virtude da semelhança entre os casos, pelo que inexiste qualquer discriminação, não se configurando assim qualquer violação do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, nem do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP.
14. Não se conhecendo a questão da execução específica do contrato promessa, perdeu utilidade prática o recurso dos recorrentes, como os próprios reconhecem.
Ainda assim, deve dizer-se que, na reclamação apresentada, estão largamente ultrapassados os limites de um pedido de reforma, mais se assemelhando o teor da reclamação a um 4.º grau de recurso em que se procura que o Supremo conheça novamente das questões objeto do recurso de revista no sentido favorável aos recorrentes, que assim pretendem obter a decisão de mérito sobre uma questão de direito que não foi sequer conhecida no acórdão reclamado, por não ter sido admitido esse segmento do recurso de revista. Mais: procuram os recorrentes nesta reclamação obter algo que está fora das competências do Supremo no recurso de revista e por maioria de razão numa reclamação: um novo elenco de factos provados e não provados com base em documentos oriundos de outros processos, pedido inviável em face das reduzidas competências cognitivas deste Supremo. Mesmo que se admitisse o recurso há que dizer que o efeito do caso julgado não se estende aos factos provados noutros processos, como se esclareceu no Acórdão reclamado.
Na verdade, o que os recorrentes pretendem, através do pedido de reforma, é que o Supremo funcione como um tribunal de 1.ª instância apreciando a prova e dando como provados novos factos, o que não podem deixar de saber não ser possível.
A questão da alegada confissão judicial e extrajudicial de uma das rés não pode ser apreciada pelo Supremo, que não admitiu o recurso por violação de caso julgado. Ademais, os juízos probatórios feitos a propósito desses documentos, como já se afirmou, não podem ser transpostos para este processo, ao abrigo da autoridade do caso julgado, por tal instituto não incluir essa possibilidade, conforme jurisprudência atrás citada. Acresce que os documentos e meios de prova que invocam como base do pedido de reforma não reúnem manifestamente os requisitos do artigo 616.º, n.º 2, al. b), do CPC, isto é, não implicam, por si só necessariamente decisão diversa da proferida. Sempre teriam de ser apreciados em conjunto com outros documentos e sobre eles recair a qualificação jurídica pretendida pelos recorrentes, o que implica juízos probatórios e decisões de direito que não encontram uma resposta única, que seja, necessariamente, como exige a lei, a pretendida pelos recorrentes.
Indeferida, pois, a conclusão t) da reclamação apresentada e ponto 1. e 2. da parte final das conclusões.
15. Importa conhecer das nulidades imputadas, pelos recorrentes, ao acórdão reclamado.
15.1. - Nulidade por omissão de pronúncia
A omissão de pronúncia constitui uma nulidade da decisão judicial prevista no art. 615°, n.º1, al. d, do CPC, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar (artigo 608°, n.º 2, do CPC)
A omissão de pronúncia está relacionada com o comando contido no artigo 608º, n.º 2, do CPC, exigindo ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cujas decisões estejam prejudicadas pela solução dada a outras.
São coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte.
Importa não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido. «As questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio» (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-04-2024, proc. n.º 1610/19.8T8VNG.P1.S1).
a) Enumeram os reclamantes um conjunto vasto de alegadas questões que não teriam sido respondidas pelo acórdão recorrido, que teria assim incorrido em omissão de pronúncia. Todavia, há que ter em conta o que decorre da jurisprudência e da doutrina processualista a este propósito e que consiste na distinção entre questões e argumentos, sendo que, em relação a este últimos, se o tribunal não responde a todos eles, o que pode suceder, desde logo, quando as conclusões dos recursos são excessivamente longas e pouco claras na sua formulação, como foi o caso destes autos, não incorre em qualquer nulidade por omissão de pronúncia. Como se afirmou no Acórdão deste Supremo de 4-05-2021 (proc.n.º1052/09.3TBAMD-C.L1.S1), «As razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que a recorrente funda a sua posição, não têm de ser objeto de pronuncia individualizada». Tem sido jurisprudência dominante que «A omissão de pronúncia só é causa de nulidade da sentença quando o juiz não conhece questão que devia conhecer, e não quando apenas não tem em conta alguns dos argumentos aduzidos pela parte» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01-02-2023, proc. n.º 252/19.2T8OAZ.P1.S1).
Por outro lado, há questões que o reclamante entende não terem sido respondidas e sobre as quais incidiu pronúncia deste Supremo.
b) Sobre o valor probatório da confissão da ré EE que os recorrentes baseiam em documentos oriundos de outros processos e sobre violação do artigo 662.º do CPC pelo Tribunal da Relação, entendeu o Supremo, no acórdão reclamado, que tais documentos não tinham força probatória plena para o presente processo e que o Tribunal da Relação não violou os artigo 662.º e 607.º, n.º 4, ambos do CPC, no que se reporta à fixação da matéria de facto, exarando que «no caso dos autos não se desenha nem configura qualquer ofensa de regras processuais em matéria de modificabilidade da decisão de facto, nos termos em que vem disciplinada no referido artigo 662.º do CPC. Ou seja, não está em causa, como escreve Abrantes Geraldes (in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, p. 823 e ss). qualquer elemento fornecido pelo processo que possa determinar uma decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas, como sucede quando a decisão recorrida não respeitou documento, confissão, ou acordo das partes com força probatória plena, ou quando foi considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente, sendo em situações deste tipo que a Relação, no âmbito da reapreciação da decisão recorrida, deve agir oficiosamente mediante a aplicação das regras vinculativas extraídas do direito probatório material, modificando a decisão da matéria de facto advinda da primeira instância. Muito menos se configura, no caso em análise, qualquer hipótese subsumível nos n.ºs 2 e 3 da referida norma, suscetível de fundamentar a sua alegada violação pelo tribunal recorrido.
Aliás, a prova vinculada a que os recorrentes se referem remete para factos dados como provados nos processos n.º 632/16 e n.º 490/10, e, sem prejuízo do valor extraprocessual das provas, enquanto possibilidade de consideração da prova produzida noutro processo ao abrigo do disposto no artigo 421.º do CPC, tal significa apenas que estas podem ser invocadas noutro processo contra a mesma parte, aí sendo sujeitas a nova apreciação judicial».
c) Ademais não constitui qualquer omissão de pronúncia o não estabelecimento de factos provados e não provados pelo Supremo Tribunal. Desde logo porque essa é a decisão coerente com a não admissibilidade do recurso e com a negação da revista por impossibilidade de transpor factos de outros processos ao abrigo do instituto da autoridade do caso julgado. Acresce que não é admissível o recurso de revista em termos gerais em que o recorrente se limita a discordar da apreciação da prova realizada pelas instâncias. O disposto no artigo 674.º n.º 3 veda ao Supremo a reapreciação da matéria de facto, a não ser nas circunstâncias referidas “in fine”, de prova vinculada que só por si implique a prova de um facto, o que aqui não se verifica, pois se pretende transportar matéria de facto provada noutros processos e juízos probatórios feitos noutros processos.
Improcedem as conclusões p), q), r) e s) da reclamação apresentada.
d) Quanto à alegadas questões de constitucionalidade que o Supremo não decidiu, importa referir que segundo jurisprudência do Tribunal Constitucional (cfr., por todos, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º107/99 e n.º141/2018; Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, 2010, Almedina, Coimbra, pp. 34-35), os tribunais comuns só estão vinculados a conhecer de tais questões, quando é cumprido o requisito da suscitação prévia e de modo processualmente adequado de uma questão de constitucionalidade normativa, isto é, quando a questão é suscitada, junto do tribunal comum, in casu, o Supremo, em termos destacados das particularidades do caso concreto, impugnando uma interpretação normativa definida em termos gerais e abstratos e suscetível de aplicação potencial a um número indeterminado de casos semelhantes. Ora, os recorrentes não observaram este requisito na medida em que imputaram diretamente a violação de normas constitucionais a um ato judicial e não a uma norma ou um padrão valorativo com uma vocação de generalidade e abstração.
Neste sentido se orientou também o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, datado de 23-01-2024 (proc. n.º 7962/21.2T8VNG.P1.S1), que definiu no sumário a seguinte orientação: « Não tendo sido suscitada previamente e de modo processualmente adequado, a propósito da al. b) do artigo 62.º do CPC, qualquer questão de constitucionalidade de natureza normativa, o thema decidendum do recurso de revista também não a abrangeu, em termos que vinculassem este Supremo Tribunal a decidi-la, pelo que não se verifica qualquer nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC».
Os recorrentes nas conclusões do recurso de revista formularam as pretensas questões de constitucionalidade, alegando que a decisão judicial do Tribunal da Relação violou as seguintes normas da Constituição:
«- Artigo 2º, quanto ao princípio constitucional do respeito pelo caso julgado constituído pelas decisões anteriores produzidas nos autos com o Nº.2766/03 do STJ e 490/10 de 3.10.2010 e 632/16 de 24.2.2022, quanto à preclusão do direito de reconvir que, no caso, opera por exceção dilatória do caso julgado em face do disposto no artigo 580º, nº.1 e 581, nº.1 e 619º, do C.P.C., princípio esse que se entende ter sido claramente violado.
- Artigo 202º, e 205º, quanto à violação do dever de fundamentação não respeitado na decisão judicial na questão da admissão da reconvenção, infundamentada e bem assim o artigo 20º, na omissão da tutela jurisdicional efetiva dos autores que ficaria sem tutela».
Ora, não constitui uma suscitação adequada de questão de constitucionalidade normativa a mera indicação dos preceitos legais, omitindo os recorrentes a definição, em termos claros e precisos, da interpretação normativa aplicada pelo tribunal recorrido que se pretende impugnar. A referência às normas ou princípios constitucionais supostamente violados pela decisão recorrida - os artigos 2.º, 202.º e 205.º da CRP – é insuficiente, em face da citada jurisprudência do Tribunal Constitucional, para constituir uma questão de constitucionalidade que vincule o Supremo a uma pronúncia. Trata-se, pois, de meros argumentos que não carecem de pronúncia autónoma das questões que foram decididas.
Assim sendo, o Supremo não estava vinculado a conhecer qualquer questão de constitucionalidade, na medida em que esta não foi corretamente invocada, pelo que não incorreu em omissão de pronúncia.
Conclui-se, pois que todas as questões suscitadas na revista foram conhecidas e improcedem, assim, as conclusões p), q), r), s), u)
16. Nulidade por falta de fundamentação
16.1. Entende o recorrente que o acórdão é nulo por falta de especificação dos factos provados e não provados.
Vejamos.
A Relação fixou os seguintes factos, transcritos no Acórdão do Supremo:
«1. Correu termos no então Tribunal Judicial da Comarca de Portimão ação declarativa constitutiva instaurada pelo aqui autor e seu então cônjuge, GG, contra FF, DD e EE, na qual os AA pediram:
“1. Que a presente acção seja julgada procedente, por provada, e, em consequência seja proferida decisão que supra os efeitos da declaração negocial em falta e que seja declarada por Sentença a transmissão para os autores da metade da fracção autónoma identificada pela letra “E”, do prédio urbano situado no lugar da Localização 2, freguesia de Lagoa, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo ..38 “E”, descrito na conservatória do registo predial de Lagoa sob o numero ..53 E” registada ainda em nome dos três primeiros Réus, sem determinação de parte ou direito pela inscrição correspondente à apresentação Nº.1 de 2002/03/27,para a esfera jurídica dos Autores;
2. Com o subsequente cancelamento do registo de propriedade daquela metade da fracção “E”, na conservatória predial ;
3. Que, tal como se reconheceu já na decisão judicial e no acórdão do “TRE” referido em 31 e 56, numa acção de execução específica relativa a outra fracção, se reconheça agora, que os RR, receberam todo o preço contratual devido pela venda da metade da fracção, “E”, no valor de € 35.142,59,conforme confessam, aliás em documentos emitidos pelos RR.
OU,
4. Por mera cautela de patrocínio, na eventualidade de se reconhecer aos RR o direito a receberem o valor que reclamam de €50.000,00, que o mesmo seja fixado na parte proporcional dos AA, em 4.545,45€ (cf. art.º 67.º), notificando-se, neste caso, os AA, para os termos do n.º 5 do art.º 830.º do C. Civil;
OU,
5. Na eventualidade de se entender, e, por mero dever de patrocínio, que os RR têm a receber dos AA, o valor que referem como, supostamente em divida pelo CC, dos tais € 50.000,00, supostamente em divida, que os AA sejam notificados nos termos do n.º 5 do art.º 830.º do C. Civil”
2. Na ação identificada em 1. os AA alegaram, em síntese, que os então RR prometeram vender a metade indivisa das 11 fracções de que eram titulares, incluindo a fracção designada pela letra “E”, a CC ou a quem este indicasse, tendo recebido o preço fixado. O promitente comprador indicou como comprador, nos termos do contrato, o autor marido, mediante carta enviada ao Il. Mandatário que o representava, indicação de que deu conhecimento aos RR, sendo que estes se recusaram e recusam a celebrar o contrato prometido.
3. Na aludida ação os RR apresentaram contestação, tendo arguido a falta de legitimidade (substantiva) do autor marido, por não ser parte no contrato promessa celebrado com CC, tendo ainda invocado excepção do não cumprimento por se ter este envolvido “… em contratos com terceiros que forçaram os réus a terem que se defender em várias acções judiciais…nem pagando relativamente ao prédio contribuições a que esteve concretamente obrigado…causando aos réus prejuízos … de €100 000,00 tendo até hoje pago apenas metade dessa quantia (…)”
4. Por acórdão do STJ proferido em 27/11/2012, transitado em julgado, foi julgada procedente a revista interposta pelos RR, com a consequente revogação do acórdão proferido por este TRE em 31 de maio de 2012, e absolvição dos RR do pedido.
5. No acórdão proferido o STJ alicerçou a decisão na seguinte fundamentação:
“(…)
Começando a nossa análise pela questão relativa à invocada excepção do não cumprimento, acompanhamos sem qualquer reserva e nos respectivos fundamentos o que se decidiu no acórdão recorrido, ou seja, que a mesma não tem condições legais para proceder.
“(…)
Não procede este segmento do recurso.
Analisemos agora a questão (que qualificamos de essencial ou nuclear) relativa à existência ou não de legitimidade substantiva por parte dos AA para pedirem a execução específica, igualmente se analisando a existência ou não de fundamentos legais para esse pedido de execução específica.
Nos termos do disposto no art.º 830.º n. 1 do CCivil, “ Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida “.
O recurso à execução específica de contrato promessa pressupõe, em conformidade com a respectiva disciplina legal, a verificação de uma não incompatibilidade entre a substituição da declaração negocial e a natureza da obrigação assumida, de uma inexistência de convenção em contrário e de uma situação de incumprimento por parte do demandado. Relativamente a estes pressupostos condicionantes da possibilidade de execução específica as dúvidas que podem subsistir e subsistem refere-se à existência ou não de incumprimento da parte dos aqui RR para com o A.
Apreciando a questão de uma forma geral e tendo, sobretudo, por referência a celebração e desenvolvimento do contrato promessa (primitivamente celebrado entre os RR e o CC) decorre, como sublinha o acórdão recorrido, da leitura da factualidade inserta sob as alíneas A) a D) da matéria dada como assente, que entre os aqui recorrentes (RR na acção) e CC foi celebrado, em 9 de Março de 2002, contrato/promessa de compra e venda de ½ de onze fracções do imóvel identificado no art. 1.º da petição inicial, nas quais estava incluída a fracção objecto da presente lide, tendo sido liquidado o preço devido.
A questão que agora cumpre analisar com vista à tomada de decisão tem a ver com a posição jurídica dos AA no negócio jurídico em discussão, uma vez que os mesmos não foram os promitentes/compradores em tal negócio, invocando nos autos, e em sustentação da posição jurídica que assumem, a aquisição dessa posição por via de um contrato para pessoa a nomear (art. 452.º n.º 1 do CCivil) - contrato pelo qual uma das partes se reserva a faculdade de designar uma outra pessoa para que assuma a sua posição na relação contratual, como se o contrato tivesse sido celebrado com esta última.
Afirmam os recorrentes no seu argumentário que o Tribunal errou ao ver na declaração de fls. 80 a nomeação do A para, nos termos do contrato, assumir a posição contratual do promitente comprador na celebração do contrato prometido uma vez que ali está nomeado um tal HH.
Para esclarecimento desta questão devemos atender, como aliás se atendeu no acórdão recorrido, que na cláusula 2.ª do contrato promessa celebrado entre os RR e o FF se refere expressamente que “pelo presente contrato os primeiros outorgantes prometem vender, um meio de todas as identificadas fracções autónomas e prometem, também, ceder o falado crédito ao segundo outorgante que promete comprar e aceitar a cedência, tudo para si ou para quem indicar “.
Ora, ao contrário da argumentação (por vezes confusa ou mesmo contraditória) expendida pelos recorrentes, a pessoa nomeada para substituir o mencionado CC (originário promitente comprador) foi precisamente o A (recorrido) AA, como evidenciam a documentação junta a fls. 79 a 83 e as alíneas L) e Q) dos factos assentes, sendo importante referir que, nos termos cláusula 2.ª do contrato promessa, o CC não tinha sequer que colher qualquer autorização dos RR para efectuar essa nomeação.
Tendo como certo que o A foi efectivamente a pessoa nomeada para (como adquirente) celebrar com os RR o contrato prometido, entendeu-se no acórdão recorrido que na parte final do primeiro parágrafo da cláusula 2ª do contrato se prevê a possibilidade de uma situação enquadrável na previsão normativa do artigo 452º nº 1 CC (contrato para pessoa a nomear).
Discordamos, de todo, desse entendimento.
Na situação em apreço estamos perante um contrato promessa celebrado entre os aqui RR (recorrentes) e o já referido CC, contrato no qual os contraentes não contrataram qualquer direito de nomeação de outra pessoa para nesse contrato intervir por eles ou em vez deles tendo sido somente reservado o direito de nomeação de outra pessoa para o contrato de compra e venda prometido, motivo pelo qual são inaplicáveis as regras respeitantes ao contrato previsto no artigo 452 CC.
Como vem sendo entendimento reiterado deste STJ (vide neste sentido e entre outros os acórdãos de 23/1/1986 – BMJ 353/429 – de 16/10/90 – BMJ 400/612 – de 26/2/91 e de 1/4/2008, estes em www.dgsi.pt, o contrato promessa que apenas insere no seu clausulado a faculdade a que se reserva o promitente comprador de designar outra pessoa que outorgue, na posição de comprador, o contrato de compra e venda prometido não se identifica com o contrato para pessoa a nomear; para que se verifique um contrato para pessoa a nomear tornar-se-ia necessário que no clausulado relativo à celebração da promessa o promitente comprador se reservasse a faculdade de designar uma outra pessoa para assumir a sua posição no contrato promessa como se com essa pessoa ele tivesse sido celebrado.
Só nesta hipótese que, no caso, está completamente afastada é que nos termos do artigo 452º nº 1 CC o designado assumiria integralmente a posição do promitente-comprador e poderia nos termos do artigo 830º CC, desde que reunidos os pressupostos legais ali previstos, requerer a execução especifica.
Uma vez que, nos termos do que fica exposto, o A não é parte no contrato promessa, não assumiu nem poderia assumir, de acordo com a factualidade assente, a posição do promitente-comprador não pode obviamente recorrer à norma contida no n.º 1 do referido artigo 830º, continuando a radicar esse direito na esfera jurídica do promitente comprador CC.
Entendemos que a acção estaria desde início votada à improcedência.
Mas mesmo que assim não fosse, e colocamos esta hipótese em tese para conhecimento integral das questões suscitadas, verificamos a existência de uma manifesta solução da continuidade no raciocínio sustentador da decisão adoptada no acórdão da relação que, no errado pressuposto de se estar perante um contrato para pessoa a nomear, conclui estarem reunidos todos os requisitos indispensáveis à execução específica do contrato/promessa.
Mesmo que assim fosse deve ter-se presente que a disciplina do contrato para pessoa a nomear se não reduz, como parece transparecer do acórdão recorrido, a um caso ou situação de mera representação de um dominus a designar posteriormente, devendo simultaneamente estar preenchidas as formalidades de nomeação e ratificação constantes dos artigos 453º e 454º CC.
No caso em apreço não resulta da factualidade provada que a nomeação, apesar do que consta do ponto L) tenha, quanto ao prazo, sido efectuada nos termos previstos no artigo 453.º n.º 1 ocorrendo, ainda, não se demonstrar que a declaração de nomeação tenha sido acompanhada de instrumento de ratificação, conforme determina (sob pena de ineficácia) o nº 2 da mesma disposição legal.
Não tendo sido feita prova que a nomeação tivesse sido feita de acordo com o estabelecido no artigo 453º (o ónus da prova cabia aos AA por se tratar de facto constitutivo do direito invocado), não é a mesma válida, não podendo, nestes termos, o contrato ser tido como celebrado com o nomeado com os efeitos previstos no nº 1 do artigo 455º.
Igualmente nestes termos, e ainda que abstractamente pudesse haver lugar a execução específica por não haver incumprimento definitivo, não podiam nem podem os AA, por falta de legitimidade substantiva, traduzida na ausência da qualidade jurídica a que se arrogam, pedir a execução específica do contrato promessa o qual, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 455º CC, continua a produzir efeitos relativamente ao promitente comprador originário.
(…)”.
6. O aqui autor instaurou posteriormente contra os RR FF, DD e EE, entretanto habilitada como herdeira dos primeiros, ambos falecidos na pendência da causa, ação declarativa que corre termos sob o n.º 632/16.5T8FAR.E1.S2, pedindo a final:
a) que fosse declarado ser ele, autor, o proprietário da metade da fração “E”, registada em nome dos RR, por tê-la adquirido por usucapião, que expressamente invocou,
ou, assim não sendo entendido,
b) que se reconhecesse ser o autor o proprietário da aludida fração, por a ter adquirido por acessão imobiliária, nos termos do disposto nos artigos 1316.º e 1325.º do CC;
c) que, tendo em vista o exposto, se considerasse que o preço da metade dos RR se encontrava já liquidado, conforme consta das decisões dos Tribunais Superiores que juntou;
d) que em face da terceira questão se considerasse que a quota parte dos RR na fração em causa correspondia a 3,565% da mesma;
e) que, em consequência, fossem os RR condenados a pagar ao A. o valor de €5 16925 correspondente ao valor das benfeitorias introduzidas na coisa comum; ou
f) na eventualidade de não ser atendido o pedido formulado em d), fossem os RR condenados a pagar ao A. o valor de €72 500,00 correspondente a metade do valor por este despendido nas benfeitorias introduzidas na coisa, da qual não podem ser removidas e que a valorizaram tal como se encontra, sem prejuízo da sua actualização – se fosse o caso, em face a da prova a produzir (…)
7. Os RR contestaram e deduziram pedido reconvencional, pedindo:
a) Que fosse fixado, para cada ano, um período de 6 meses para os réus usarem a fracção, com exclusão do autor e seus familiares, decidindo-se que no ano de 2017 (a contestação dera entrada em juízo em 01.09.2016) os reconvintes poderiam usá-la entre 01 de Julho e 31 de Dezembro e no ano seguinte entre 01 de Janeiro e 30 de Junho e assim sucessivamente, ficando o autor com o direito de usá-la no outro semestre de cada ano;
b) sem prejuízo da fixação desse regime para o futuro, a condenação do autor a pagar-lhes uma indemnização pelo dano decorrente do facto de ter impedido os reconvintes de usarem a fracção entre Julho de 2003 e 31 de Dezembro de 2016, dano esse medido pelo valor locativo mensal da fracção, por cada mês que estiveram impedidos de usá-la.
8. Por acórdão do STJ proferido em 24/2/2022, foi negada a revista, confirmando-se o acórdão recorrido que, por seu turno, confirmara a decisão da 1.ª instância, a qual decretara a total improcedência da ação, com a consequente absolvição dos RR de todos os pedidos formulados, e a parcial procedência do pedido reconvencional, condenando o autor/reconvindo a pagar aos reconvintes a quantia total de €46 800,00 pela privação do uso da fração entre Julho de 2003 e 01.09.2016, à razão de €600,00 por cada mês.
9. A improcedência quanto ao pedido reconvencional formulado em a) teve como fundamento não poder o Tribunal “(…) como pretendem os réus, criar através desta sentença um direito real de habitação periódica. A solução, no caso concreto, será obtida através da ação de divisão de coisa comum.”.
10. Na ação 632 foram julgados provados, para além do mais, os seguintes factos:
x. Os RR. (Família DD) não querem vender a fracção “E” ao autor.
kk. CC, prometeu vender a fração “E”, na sua totalidade, pelo valor de 175.000,00€ e recebeu as importâncias de 90.000,00€.
11. Encontra-se pendente acção de divisão de coisa comum, a qual corre termos sob o n.º 751/16.8T8PTM, instaurada contra o aqui A por FF, DD e EE, esta última entretanto habilitada como sucessora de seu pai, II, que por sua vez fora habilitado como sucessor de seu filhos, DD, visando a divisão da fração E.
12. Na ação identificada em 11. o aqui A. formulou pedido nos seguintes termos:
“3) Que, tendo em vista o exposto na 6ª questão, se declare que os Requerentes no caso dos autos não têm interesse em agir por não terem nenhum direito digno ou carecido de tutela ou que a sua intervenção integra o abuso do direito a que se refere o artigo 334º do CC […]”.
16.2. A nulidade invocada contende, não só com a limitação dos poderes do Supremo na fixação da matéria de facto, como também com a decisão de não admissibilidade de recurso de revista. Ou seja, não conhecendo da exceção perentória do caso julgado que determinou a absolvição da instância dos réus e da questão de direito relativa à execução específica, está vedado ao Supremo reenviar o processo para a Relação proceder a aditamento de factos novos. Este pedido não aparece secundado em nenhum documento que implique necessariamente decisão diversa da proferida, nem foi alegado um manifesto lapso na qualificação jurídica dos factos cometido pelo Supremo. Assim sendo, o pedido feito pelos reclamantes é extemporâneo numa fase processual em que já se esgotou o poder jurisdicional do Supremo e na qual não tem de emitir segunda pronúncia sobre questões já decididas, nem de debater alegados erros de direito.
16.3. Relativamente à admissibilidade da reconvenção da ré EE, em que os recorrentes pedem a transposição de juízos probatório de outros processos, para demonstrar a falta de interesse em agir da ré, esclareceu-se no acórdão impugnado que não é possível fazer a transposição de factos de uns processos para outros através do instituto do caso julgado.
Pelo que, manifestamente não se verifica qualquer nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto e de especificação de factos provados e não provados, improcedendo as conclusões enumeradas em III) a XII) da reclamação.
Assim, também não se pode considerar violado o artigo 205.º da CRP, pois a fundamentação de facto e de direito foi clara, suficiente e precisa para demonstrar o sentido decisório do acórdão.
17. Do caso julgado por força da preclusão do direito de reconvenção da Ré
A forma como o reclamante suscita esta questão é idêntica às alegações da revista, não imputando qualquer lapso manifesto ao acórdão e não apresentando qualquer documento que, só por si, implicasse necessariamente, decisão diversa, exprimindo apenas a sua discordância, que se respeita e compreende, mas que não é suficiente para deferimento de um pedido de reforma.
Pelo que, entende este Supremo, em Conferência, nada mais dizer para além do decidido no acórdão reclamado que a decidiu nos seguintes termos e fundamentos:
«Inconformados com a decisão, continuam os recorrentes, nas alegações de revista, a invocar que a 1ª. Ré deixou precludir o direito de reconvir, em 3.10.2010, aquando da contestação apresentada no processo n.º 490/10, pedindo que se reconheça não poder a ora reconvinte invocar em sede de reconvenção, factos que deixou precludir naquela data, sob pena de ofensa do caso julgado formado naquele processo.
Vejamos:
Por efeito do ónus de concentração de todos os meios de defesa na contestação, e sob pena de preclusão (artigo 573.º do CPC), obriga-se o réu, em homenagem ao princípio basilar da boa-fé processual, a apresentar na contestação todos os meios de defesa de que disponha nesse momento, sem distinção da sua menor ou maior eficiência. Como salienta Maria José Capelo (“Ónus de Alegar Versus ónus de Concentração: Variações no Direito Processual Civil Português”, Revista Académica da Faculdade de Direito de Recife, p.5 e ss.) esta preclusão repercute-se, nestes termos, no alcance objetivo do caso julgado, que se pode tornar mais amplo do que efetivamente foi decidido (na perspetiva do sujeito que assumiu a posição de réu).
Rejeita-se, porém, a admissibilidade, em geral, de um ónus de reconvir (artigo 266.º, n.º 1, do CPC). A formulação de um pedido reconvencional é, em regra, uma mera faculdade, e não um ónus, significando isto que assiste ao réu a liberdade de optar entre a dedução da reconvenção e a proposição de uma ação autónoma. Como afirma Maria José Capelo (in «Ónus de Alegar Versus ónus de Concentração…», ob. cit.), «A consagração legal de um ónus de reconvir só é tolerável a título muito excecional, pois fere os princípios da disponibilidade da tutela jurisdicional (“liberdade de decisão sobre a instauração do processo”), do contraditório e da igualdade de acesso aos Tribunais». Assinala a autora, que se verifica uma “distância conceitual” entre a reconvenção e a alegação na contestação de causas impeditivas, extintivas ou modificativas do direito do autor (exceções perentórias): com a reconvenção, «(…) o fim pretendido não é a absolvição do pedido formulado pelo autor, mas antes se almeja a satisfação de um direito próprio, sendo que a apreciação judicial (deste) está dependente da procedência do pedido principal. Visando-se, com a apresentação de uma reconvenção, a tutela um direito próprio, é lógico que o sujeito que assume o estatuto de réu não possa ser “pressionado”, em regra, a exercê-lo em juízo. A faculdade de deduzir a reconvenção é um privilégio concedido ao réu em nome do princípio dispositivo». Segundo adverte a autora («Ónus de Alegar Versus ónus de Concentração …», ob.cit.), as posições que têm surgido na doutrina e na jurisprudência no sentido de sufragar um ónus de reconvir, com inspiração na figura norte americana da “compulsory counter claim”, para além de não terem apoio na lei, são questionáveis de um ponto de vista de política legislativa. Entende a autora citada que a configuração de «(…) hipóteses de reconvenção necessária (e não facultativa) enfrentará o risco, de privar o réu “da faculdade de escolher o momento e o local (o tribunal) para realizar a sua pretensão, o que fragiliza o princípio do acesso ao Direito e aos Tribunais, maxime, no que tange à igualdade no acesso à Justiça e aos Tribunais».
E mesmo podendo, como ensina Miguel Mesquita (in Reconvenção e Excepção no Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 439-440), traduzir-se o caso julgado numa forte restrição à tese da reconvenção facultativa, na medida em que, por vezes, após o trânsito em julgado da sentença, o réu fica impedido de exercer, através de ação separada e distinta, o seu direito, não se vê que à recorrida possa, neste conspecto, ser assacado um ónus de reconvir na ação transitada em julgado quanto à indemnização agora invocada, não só porque a decisão proferida foi desfavorável aos autores, como o pedido reconvencional não assenta em razões ou fundamentos que devessem, sob pena de preclusão, ser alegados naquela primeira ação.
Em consequência, improcede a alegação da exceção de preclusão em relação à reconvenção».
Afirmando ainda o reclamante que a interpretação das normas dos artigos 573.º e 619 do CPC, na dimensão com que foram interpretadas no Acórdão violam o princípio constitucional do caso julgado a que se refere a norma do artigo 2.º da CRP, reitera-se que esta remissão genérica para a interpretação seguida pelo tribunal não constitui a suscitação adequada de uma questão de constitucionalidade normativa, que vincule este tribunal a uma decisão. Todavia, reitera-se que a decisão, conforme demonstrado na transcrição acima reproduzida, está fundamentada de forma clara e precisa, baseada na lei, na doutrina e na jurisprudência, não põe em causa a confiança nem a segurança jurídica, não viola direitos liberdade e garantias, nem o Estado de direito democrático não pondo em causa o plasmado no artigo 2.º da Constituição, nem o princípio do caso julgado.
Improcedem as conclusões da reclamação descritas em IV, xii, vi, vii, viii, ix, x, xi e xii.
18. Assim, conclui-se que o Acórdão do Supremo agora reclamado não violou qualquer norma jurídica do Código Civil e do Código de Processo Civil, nem da Constituição e, improcedendo todas as conclusões da reclamação e os pedidos 1) a 4) do requerimento final, confirma-se o Acórdão impugnado nos seus exatos termos.
19. Anexa-se sumário elaborado nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC:
I – Os pressupostos dos pedidos de reforma têm de ser analisados, não em função de documentos novos, mas em função de documentos já existentes no processo e que impliquem necessariamente uma decisão diversa. Pelo que é manifesto que nesta fase processual não pode ser junto ao processo qualquer documento.
II – Não se considera quebrada a dupla conformidade, se a invocação do artigo 662.º do CPC no recurso de revista surge como uma alegação meramente formal para abrir a porta ao recurso de revista, sem qualquer relação com os termos em que a Relação analisou o caso sub iudice.
III – A figura da autoridade do caso julgado apenas prescinde da identidade objetiva (identidade atinente aos pedidos e causas de pedir entre as duas causas), não abdicando, todavia, para fazer operar o seu efeito de vinculação do tribunal posterior à decisão proferida pelo tribunal anterior, da identidade subjetiva entre as duas causas.
IV – Não sendo o ora autor “parte” na referida ação (proc. n.º 2766/03), nem titular de uma posição dependente da definida na decisão transitada no citado processo, antes se apresentando como um terceiro titular de uma relação independente, não poderá aproveitar-se da eficácia reflexa do caso julgado.
V – Não padece o acórdão do Supremo de qualquer nulidade por omissão de pronúncia, nem nulidade por falta de fundamentação de facto, num contexto em que o Supremo tem poderes cognitivos limitados quanto à matéria de facto e não pode transpor juízos probatórios oriundos de outros processos para o processo sub judice, ao abrigo da autoridade do caso julgado.
III – Decisão
Pelo exposto decide-se em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça:
a) Não admitir a junção de documento requerida com o pedido de reforma, ordenando-se o seu desentranhamento e condenando-se os recorrentes em multa, que se fixa em 1 UC (artigo 443.º, n.º 1, do CPC e artigo 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Judiciais);
b) Indeferir a reclamação e confirmar o acórdão reclamado nos seus exatos termos;
c) Custas a cargo do reclamante à taxa de 3 UC’S.
Lisboa, 16 de setembro de 2025
Maria Clara Sottomayor (Relatora)
Nelson Borges Carneiro (1.º Adjunto)
Anabela Luna de Carvalho (2.ª Adjunta)