RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
REINCIDÊNCIA
CONFISSÃO
Sumário


I. Apesar de não se terem apurado circunstâncias que agravem a ilicitude, não se pode considerar consideravelmente diminuída a ilicitude da detenção de pouco mais de 1Kg de canábis, mesmo ponderados os graus de pureza de 8,6% e de 9,5% (THC), atendendo à quantidade de estupefaciente, ao seu valor de mercado, às actuais evidências científicas da perniciosidade do canábis e à situação pessoal e contexto sócio-económico do arguido, incongruente com a detenção de tal quantidade daquele produto.
II. Em caso de reincidência homótropa, com sequência de condenações, cumprimentos de penas e cometimento de novos crimes da mesma natureza, não há automaticidade na aplicação do instituto da reincidência e fica demonstrada a verificação do requisito material exigido pela lei, quando o tribunal, com base nas regras da lógica e da experiência, considera que as condenações anteriores não serviram de advertência contra o crime, denotando indiferença perante o bens jurídicos protegidos, não descortinando a intervenção de circunstâncias que possam excluir a conexão entre os crimes.
III. A confissão, enquanto meio de prova, deve ser valorada nos termos do art. 127º do Código de Processo Penal, na razão directa da sua relevância, desde a confissão muito relevante, que permite ultrapassar dúvidas ou considerar provados factos para os quais não existe mais prova, até à confissão pouco ou nada relevante, como a confissão de factos já manifestamente provados, designadamente, a confissão do óbvio, quando tiver havido prisão em flagrante delito.

Texto Integral

Acordam – em conferência – na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo, os arguidos AA, solteiro, carpinteiro, filho de BB e de CC, nascido a D.M.1973, natural da freguesia de ..., concelho de Vila Real, titular cartão de cidadão nºIDP0001, residente na Avenida 1, atualmente em Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica, DD, solteiro, ..., filho de EE e de FF, nascido a D.M.1989, natural da freguesia de ..., concelho do Porto, titular cartão de cidadão nº IDP0002, residente na Rua 2, foram julgados e a final condenados por acórdão de 25.2.2025:

o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido no artigo 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C anexa àquele diploma legal, na pena de cinco anos e dois meses de prisão efetiva.

o arguido DD pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido no artigo 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C anexa àquele diploma legal, com a agravante da reincidência, nos termos dos artigos 75º e 76º do Código Penal, na pena de cinco anos e oito meses de prisão efetiva.

O arguido não recorrente GG foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido no artigo 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C anexa àquele diploma legal, na pena de 6 anos e 2 meses de prisão efetiva.


*


Inconformados, os arguidos AA e DD recorreram, apresentando as seguintes sínteses conclusivas:

AA

1 - A determinação da medida da pena parte do postulado de que as finalidades de aplicação das penas são, em primeiro lugar, a tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, constituindo a medida da culpa o limite inultrapassável da medida da pena.

2 - Na determinação concreta da medida da pena, o julgador atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (art 71 do C.P.), ou seja, as circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a prevenção e para a culpa.

3 - Ponderada a globalidade da matéria factual provada, a medida da pena encontrada para o arguido é excessiva.

4- As razões que fundamentam a posição ora assumida, encontram-se vertidas na motivação do recurso ora interposto, Item A- pontos 5 a 13 que aqui se dão por reproduzidas para os efeitos legais.

5 - Em súmula enuncia o conjunto de circunstâncias mitigadoras do grau de ilicitude dos factos e da culpa, bem como das exigências da prevenção geral e especial que o caso impõe e que no modesto entendimento do recorrente, o tribunal não valorou suficientemente:

6.1 - O grau da sua participação circunscrita ao transporte e entrega ao destinatário do produto estupefaciente.

6.2 - O arguido AA, não conhecia o arguido GG, não actuou em conjugação de esforços com este, no sentido de levar a cabo a actividade de tráfico de estupefacientes

6.3 – Até á data da detenção, o arguido não tem qualquer relação com a actividade de tráfico que já vinha sendo a ser desenvolvida pelo arguido GG

6.4 – o arguido não era o destinatário do produto estupefaciente que transportou, não sendo dessa forma o beneficiário dos lucros que se iriam obter com a sua comercialização

6.5 - Como contrapartida iria obter a quantia de € 750,00, dos quais recebeu efectivamente, 350€

6.6 - A droga apreendida, pese embora a quantidade, é Haxixe, cujos efeitos do consumo, são menos nocivos para a saúde pública do que aqueles que são gerados pelo consumo de drogas “duras”, heroína e cocaína, que provocam uma maior dependência e até degradação do ser humano. Sendo também menos nocivo do das drogas sintéticas e alucinógenos, com consequências muito nefastas para quem consome este tipo de substâncias. Sem esquecer, que independentemente da quantidade transportada, efectivamente, não era o arguido o seu proprietário.

6-7- Ademais, os lucros que proporcionados com a sua comercialização, são incomensuravelmente menores daqueles que são gerados pela comercialização e transporte das chamadas ”drogas duras”

6.8 – Acresce ainda que o produto estupefaciente não foi disseminado, ainda que por força da intervenção policial, e também por via disso, não criado perigo para a saúde pública.

6.9 - A actividade de tráfico de estupefacientes levada a cabo pelo recorrente, subsumiu-se ao transporte e detenção para entrega do produto estupefaciente, no dia da detenção.

6.10 – A conduta ilícita, constituiu um acto isolado no percurso de vida do recorrente.

6.11 - O arguido AA admitiu a prática dos factos que se vieram a comprovar e declarou-se arrependido por assim ter procedido. Depoimento prestado no dia 13-01-2025- início 15:39 e fim 15:46, 00:06:29. Ao minuto 0:25 a 0:49. Assunção desde o 1ª interrogatório judicial.

6.12 - O arguido beneficia de enquadramento familiar, tendo mantido ao longo dos anos hábitos de trabalho na área da construção civil, tendo a conduta ilícita ocorrido num período de desemprego.

6.13- Se restituído à liberdade tem possibilidade de integração laboral rápida atento à conjuntura nacional que se atravessa, em que são escassos os meios de trabalho na área da construção civil, actividade que o mesmo exerceu ao longo da sua vida.

6.14 - Não regista antecedentes criminais

6.15 - Assumiu um comportamento ajustado, sem registo de qualquer incumprimento no âmbito da medida de coacção de OPHVE, a que tem estado sujeito

6.16 - Beneficia de apoio familiar estruturado, por parte do filho, atleta profissional, na área do desporto motorizado, bem como da filha que o tenha acompanhado, durante a execução da medida de coacção imposta.

7 - Pese embora sejam elevadas as necessidades de prevenção geral e especial ínsitas ao crime de tráfico de substâncias estupefacientes, dado o perigo que o mesmo representa para a saúde pública e os efeitos sociais perniciosos que lhe estão associados, acentuados pela quantidade de produto estupefaciente, cuja detenção e transporte se apurou, os factores supra mencionados atenuam tais exigências desde logo, porque as necessidades de prevenção especial, estão atenuadas face à confissão e juízo critico que o arguido apresenta. período de detenção sofrido, enquadramento familiar e laboral que dispõe.

8- Na comunidade, inexistem sentimentos de rejeição à sua pessoa, circunstância que permite antecipar que não se verificam constrangimentos ao seu eventual regresso.

9 - Face aos critérios legais (arts. 40º, 70º e 71º do C.P) o recorrente deveria ser punido atento as razões aduzidas na motivação do recurso ora interposto, em pena não superior a 5 anos de prisão.

10 - A decisão recorrida violou, nessa parte, os arts. 70º e 71, do C. P.

11 - Em face do quantum da pena ora sugerida, coloca-se a questão de saber se não deverá a mesma ser suspensa na sua execução.

12 - Pois que a ser deferida a pretensão do recorrente, no caso dos autos, está verificado o pressuposto formal da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, já que a medida da pena concreta sugerida ao arguido não deverá ser superior a cinco anos.

13 - O recorrente entende estar também verificado o pressuposto material dessa mesma aplicação, atento às razões aduzidas nos pontos 4 a 19 do Item- B da motivação de recurso, que aqui se dão por reproduzidos.

14 - Da análise da matéria de facto, ressalta que a actuação do arguido AA se subsumiu a um único acto, na modalidade de transporte e detenção para entrega ao destinatário do produto estupefaciente que veio a ser apreendido.

Tal conduta, face ao seu percurso de vida, constitui um acto isolado, potenciado, pela situação de inactividade laboral, que vivenciou à data dos factos.

15- Pese embora as elevadas exigências de prevenção geral e o grau de culpa do arguido, agiu com dolo directo. Todavia, além de não lhe serem conhecidos antecedentes criminais (na data dos factos contava 51 anos de idade), parece-nos, no caso, ser de valorar positivamente a seu favor a postura de auto-responsabilização perante o tribunal que assumiu, de imediato em sede de 1ª interrogatório judicial e reiterou em audiência, esclarecendo, de modo livre e espontâneo, os factos por cuja prática assumia a responsabilidade, e que, efectivamente se vieram a comprovar, declarando-se arrependido por assim ter procedido.

16 - Conjugando o supra descrito, como o seu percurso de vida marcado por hábitos de trabalho e apoio familiar de que dispõe, perfilhamos o entendimento, que pese embora as prementes exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir, atenta a natureza do crime, não serão de molde a obstar que a pena imposta ao arguido AA, seja suspensa na sua execução, pois o seu percurso de vida aponta para estarmos perante um episódio isolado, o que aliado à sua postura em audiência permite fazer um juízo de prognose favorável no sentido de que a suspensão da execução da pena será suficiente para o manter afastado da criminalidade, ainda que sujeito ás condições elencadas no ponto 14 do item B- da motivação de recurso, afigurando-se que durante o período probatório e o cumprimento das mesmas irão, de certo, assegurar o necessário acompanhamento a fim de evitar que situações como a presente se repitam.

17 - A decisão recorrida violou, nessa parte, os arts 50, 51, 52, 53, 54 do C. P.

Sem prescindir:

Vem arguir a inconstitucionalidade da interpretação que foi dada à norma do artigo 344 do C.P.P, quando conjugada com os artigos 22 e 32 da CRP, na interpretação que foi acolhida pelo Tribunal, no sentido de desvalorização da confissão do arguido, atento ao facto de não ter identificado, a pessoa que lhe efectou a entrega do produto estupefaciente que veio a transportar.

Termos em que, pelos fundamentos supra expostos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser alterada a decisão recorrida.

Fazendo-se assim a habitual e sã justiça.

DD

1- O arguido DD foi sujeito a julgamento em processo comum com intervenção do tribunal coletivo, onde lhe foi imputada a prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime de trafico de estupefacientes agravado, previsto e punido, pelos artigos 21º, nº 1 e 24º, alíneas b) e c), ambos do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal, sendo o arguido DD como reincidente, nos termos do disposto nos artigos 75º, nºs 1 e 2 e 76º, nº 1, ambos do Código Penal

2- Realizado o julgamento, foi o mesmo condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.e.p. pelo artigo 21º nº1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro por referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal, com a agravante da reincidência na pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão, não se conformando com a decisão proferida, interpõe o presente recurso,

3- O arguido é consumidor de estupefaciente, este crime reveste um circunstancialismo próprio, em nada coincidente com as anteriores condenações, não basta a verificação dos pressupostos para a determinação automática da condenação como reincidente

4- Entende-se que é materialmente inconstitucional a interpretação efetuada da norma constante no artigo 75º do C.P. em conjugação com o disposto no artigo 18º nº2 da C.R.P., de que basta o mero cometimento de crime definido pelo artigo 75º do C.P. para a verificação da reincidência com as consequências daí decorrentes

5- Termos em que não deve operar a figura da reincidência.

6- Por força da alteração legislativa da Lei 55/2023 de 8 de Setembro, a detenção de substâncias que exceda o normal consumo não determina necessariamente a verificação do crime

7- O arguido era consumidor há longa data

8- A substância apreendida tinha um grau de pureza baixo 8.6.

9- Trata se de erva substância vegetal natural, cujos efeitos perniciosos para a saúde publica de acordo com estudos vários são similares ao tabaco e até menos nocivos que bebidas brancas!

10- É certo que o julgador pune mas teremos que analisar à luz da sua condição e na justa medida do apurada.

11- O tribunal limita-se a concluir pelas regras da experiência comum (!) quando afinal se trata de cerca de 800 g (atento o grau de pureza!) que os valores em termos quantitativos não são compatíveis com o consumo, contundo nenhuma prova se fez que permitisse derrogar a possibilidade de ser efetivamente para o consumo do arguido, e sobretudo não se fez qualquer prova ou intenção de venda ate pela própria localização onde se encontrava pela ausência de balanças, sacos, substancias relacionadas, logística apontamentos, escalpelizada a sua vida os seus contactos e ate sujeito a vigilância, nada restou em seu desabono apenas o apreendido que desde sempre assumiu e colaborou com o opc termos em que deve ser absolvido do crime imputado,

12- O arguido prestou declarações no início do julgamento, deu a sua versão confessou a detenção que não foi infirmada por qualquer outra prova produzida

sem prejuízo

13- O recorrente refuta a qualificação jurídica que lhe foi imputada, o libelo factual dado como assente não é suscetível de enquadrar a conduta prevista e punida pelo artigo 21º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, mas sim quanto muito o crime p. e p. pelo artigo 25º do mesmo diploma uma vez que dos factos assentes apenas resulta a mera detenção de haxixe cerca de 900 g de peso liquido, com um grau de pureza de 8,6%, droga essa guardada numa garagem do próprio, em que o arguido confessou a detenção e explicou ao tribunal que era consumidor de haxixe o que ficou demonstrado.

14- Neste sentido, veja-se o decidido pelo Acórdão proferido relativo ao processo nº 10/17.9PEPRT que correu termos no Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 3, em que numa situação de detenção de estupefaciente muito similar foi decidido o enquadramento jurídico no crime do artigo 25º do DL 15/93 de 22 de Janeiro ( detenção de cerca de 980 gramas com um THC muito superior e um número de doses muito superior

15- Ou ainda o decidido pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal – Juiz 4 relativo ao processo nº 391/20.7GDGDM em que foi enquadrado também como sendo um crime de tráfico de menor gravidade a detenção de quantidade superior de estupefaciente (1,3kg) e parafernália associada ao manuseamento/doseamento da mesma.

16- Deve ser convolado o crime de tráfico de estupefacientes p.e.p. pelo artigo 21º num crime de tráfico de menor gravidade p.e.p. pelo artigo 25º, retirando-se daí as consequências legais que se impõe, mormente a diminuição do quantum da pena

17- Tem forte apoio familiar

18- O arguido encontra-se inserido social e profissionalmente

19- O arguido denota espírito crítico e interiorização do desvalor da conduta

20- O arguido nas declarações que prestou aceitou submeter-se a tratamento à sua adição e/ou acompanhemnto psicológico.

21- O relatório social do arguido revela forte integração na comunidade e adesão a um espírito normativo

22- A medida da pena cominada é excessiva e desproporcional face aos factos concretamente praticados, devendo ser diminuída no seu quantum, e sobretudo em obediência a critérios de adequação e proporcionalidade basta atentar se às quantidades detidas e vendidas pelos co arguidos , para que desde logo se faça uma distinção de condutas que terão que traduzir na qualificação jurídica e na dosimetria da pena sob pena de se criar injustiça pois a pena é o resultada da concreta culpa do seu autor

23- Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso proceder e retirarem-se as devidas ilações legais.

24- Suspender se a pena na sua execução ainda que com um regime probatório apertado , medidas de tratamento e exercício profissional, ao abrigo do disposto no art.º 50, ao não se entender ser para consumo e por mera cautela processual a pena deveria situar se próxima do meio da moldura mas suspensa por um período superior.

25- Normas jurídicas violadas: artigo 21º nº1 do Dl 15/93 de 22 de Janeiro, artigo 25º do Dl 15/93 de 22 de Janeiro, 18º da C.R.P., 75º do C.P. art 13 da crp

O recurso foi admitido.

Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, concluindo pela improcedência do recurso, concluindo:

Ao recurso do arguido AA:

I. Ora, nestes autos foi o arguido AA condenado pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do DL nº15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C anexa àquele diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão efetiva;

II. De acordo com o disposto no art. 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22/01, pela prática do crime tráfico de estupefacientes é abstratamente aplicável aos arguidos uma pena de prisão 4 a 12 anos;

III. Atento o disposto nos arts. 40º e 71.º do Código Penal, consideramos que foram bem analisadas todas as circunstâncias que levariam a uma escolha ponderada das penas a aplicar, designadamente: - as elevadas necessidades de prevenção geral que se fazem sentir em relação ao crime de tráfico de estupefacientes; o dolo direto com que o arguido atuou, ao representar e querer os resultados obtidos; a elevada culpa (desvalor da conduta) e ilicitude (desvalor do resultado); a detenção e transporte de uma elevada quantidade de estupefaciente - 65.333,362 gramas de canábis, com um grau de pureza de €26,9%, que corresponde a 351 493 doses, e que permite a sua distribuição por um número muito elevado de consumidores; a não integração profissional do arguido na data dos factos; a motivação do arguido, de obtenção de uma remuneração fácil e vantajosa com a sua atividade, uma vez que não é consumidor de produtos estupefacientes; a sua situação pessoal, social e económica, a sua idade de 51 anos e o seu grau de escolaridade; a ausência de antecedentes criminais do arguido; a confissão integral e sem reservas dos factos que resultaram provados quanto à sua pessoa, no que respeita à detenção e transporte do estupefaciente, os quais foram também presenciados pelos senhores agentes da PSP.

IV. Uma vez que foram consideradas todas as circunstâncias acima referidas, considera-se justa e adequada a pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão aplicada ao arguido, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22/01.

V. Estabelece o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal que “O tribunal suspende a execução da pena aplicada em medida não superior a cinco anos de prisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”.

VI. Ora, nos nossos autos, tendo sido a pena aplicada e que consideramos adequada, superior a 5 anos de prisão, não poderá ser, desde logo, suspensa.

VII. Por outro lado e se tivesse sido fixada em montante inferior, seria necessário que o julgador, no caso concreto, formulasse um juízo de prognose favorável relativamente ao agente dos factos no sentido de que aquele, em face da simples censura dos mesmos e a ameaça da prisão, seria afastado da prática de novos factos delituosos e que dessa forma se realizava de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

VIII. Volvendo ao caso concreto, não consideramos que, no caso dos autos, a suspensão da execução das penas, a ser possível, satisfaça as exigências de prevenção geral.

IX. Pelo exposto, entendemos que também não assiste razão ao recorrente na pretendida suspensão da execução da pena.

Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que o recurso do arguido não merece provimento em qualquer uma das suas vertentes, pelo que deverá manter-se o douto acórdão recorrido.

(…)

Ao recurso do arguido DD:

I. Ora, nestes autos foi o arguido DD condenado pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido no artigo 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C anexa àquele diploma legal, com a agravante da reincidência, nos termos dos artigos 75º e 76º do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão efetiva;

II. O arguido recorrente considera, ainda, que a factualidade dada como assente se enquadra, não no crime de tráfico de estupefacientes, previsto pelo artigo 21º do DL 15/93, de 22 de janeiro, mas antes no crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º do mesmo diploma.

III. Ora, vem sendo entendimento do STJ que o crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um “minus” relativamente ao crime matricial, ou seja, ao crime do art. 21º, do citado DL 15/93.

IV. Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude do facto, redução que o legislador impõe que seja considerável, indicando como fatores aferidores de menorização da ilicitude do facto, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”.

V. No caso sub judice resultou provado que no dia 27.02.2024 o arguido DD tinha na garagem – BOX, de sua casa, dois sacos de plástico contendo diversos pedaços de Canábis, com o peso líquido de 949,388gr, com um grau de pureza de 8,6%, (THC), equivalente a 1.632 doses e o outro saco com o peso líquido de 57,226gr, com um grau de pureza de 9,5% (THC), equivalente a 108 doses;

VI. Tendo em conta a elevada quantidade apreendida, não permite que se proceda a qualquer diminuição de ilicitude relativamente ao crime imputado ao arguido.

VII. Assim sendo, e concordando-se com o douto acórdão recorrido, considera-se que não se demonstrou ser a ilicitude do facto consideravelmente diminuída como o exige o art. 25º do DL 15/93, para integrar um crime de “Tráfico de menor gravidade”, pelo que deverá improceder, nesta parte, o recurso apresentado, mantendo-se a qualificação efetuada.

VIII. De acordo com o disposto no art. 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22/01, ao crime de tráfico de estupefacientes é abstratamente aplicável uma pena de prisão de 4 a 12 anos.

IX. Atento o disposto nos arts. 40º e 71.º do Código Penal, consideramos que foram bem analisadas todas as circunstâncias que levariam a uma escolha ponderada das penas a aplicar, designadamente: - as elevadas necessidades de prevenção geral que se fazem sentir em relação ao crime de tráfico de estupefacientes; o dolo direto com que o arguido atuou, ao representar e querer os resultados obtidos; a elevada culpa (desvalor da conduta) e ilicitude (desvalor do resultado); a detenção, na garagem de sua casa, de uma quantidade considerável de estupefaciente: canábis (folhas/sumidades) - 949,388 gramas, com o grau de pureza de 8,6%, que corresponde a 1632 doses, e 57,226 gramas, com um grau de pureza de 9,5%, que corresponde a 108 doses; as muito elevadas exigências de prevenção especial, dado o percurso e passado criminal do arguido, o qual conta, à data da prática destes factos, com 9 condenações, pela prática 9 crimes: 6 de condução sem habilitação legal (sendo que em 3 deles foi condenado em pena de multa, 1 numa pena de prisão suspensa na sua execução, 1 numa pena de prisão substituída por multa, e 1 pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade), 1 de tráfico de estupefacientes agravado (condenado numa pena de prisão efetiva); 1 de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade (condenado numa pena de prisão efetiva), sendo que foi efetuado o cúmulo dessas duas penas, sendo-lhe aplicada uma pena de 6 anos e 3 meses de prisão efetiva, que veio a cumpriu; e de 1 trafico de quantidades diminutas e menor gravidade na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, que também veio a cumprir; o arguido praticou os factos dos presentes autos depois de já ter sido condenado em três penas de prisão efetiva pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes (agravado e de menor gravidade), sendo que relativamente à última condenação e pena, que cumpriu, aplicou-se o instituto da reincidência.

X. Analisadas as circunstâncias descritas, considera-se adequada, proporcional e justa a condenação do arguido na pena fixada de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22/01.

XI. O arguido recorrente praticou os factos em causa nos presentes autos depois de já ter sido condenado em três penas de prisão efetiva pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes (agravado e de menor gravidade), tendo sido a última condenação por acórdão proferido a 11.04.2019, transitado a 20.05.2019, no âmbito do Processo Comum Coletivo nº19/18.5SFPRT, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva, pela prática, em fevereiro e março de 2018, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido, pelo artigo 25º, alínea a) do DL 15/93, de 22/01, por referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal.

XII. Verifica-se, assim, que em relação à última condenação estão preenchidos todos os requisitos formais necessários para a verificação da reincidência: - o arguido foi condenado nestes autos pela prática de um crime doloso, em pena de prisão superior a 6 meses - pena concreta de 4 anos e 4 meses de prisão; - foi anteriormente condenado em pena de prisão efetiva superior a 6 meses; - desde a data da prática daquele crime (fevereiro e março de 2018) até à data da prática do crime em causa nestes autos (27 fevereiro de 2024), descontado o tempo em que o arguido esteve a cumprir prisão preventiva e pena de prisão (de 3 de março de 2018 a 25 de outubro de 2018 e depois de 9 de junho de 2019 a 17 de abril de 2021), não passaram mais de 5 anos;

XIII. Uma vez que a condenação anterior foi pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, ainda que de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º do DL nº 15/93, de 22/01, afigura-se-nos que o seu comportamento deve ser alvo de maior censura, uma vez que a condenação anterior não lhe serviu de advertência contra o crime, denotando a conduta do arguido uma indiferença perante os bens jurídicos protegidos.

XIV. Dispõe o artigo 76.º, nº 1, do Código Penal, que em caso de reincidência o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e que o limite máximo permanece inalterado.

XV. Pelo que, tendo o crime de tráfico de estupefacientes, previsto pelo art. 21º, nº 1, do DL nº15/93, de 22/01 uma pena abstrata de 4 a 12 anos de prisão, com a punição como reincidente passa a ter uma pena abstrata de 5 anos e 4 meses a 12 anos de prisão.

XVI. Daí que se considere adequada a pena concreta aplicada, de 5 (anos) e 8 (oito) meses de prisão.

XVII. Pelo que, nos nossos autos, tendo sido a pena aplicada e que consideramos adequada, superior a 5 anos de prisão, não poderá ser, desde logo, suspensa, nos termos do disposto no art. 50.º do Código Penal.

Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que o recurso do arguido não merece provimento em qualquer uma das suas vertentes, pelo que deverá manter-se o douto acórdão recorrido.

(…)


*


Remetidos os autos para o Tribunal da Relação do Porto, o Ministério Público emitiu parecer, defendendo não merecer provimento qualquer dos recursos, e, outrossim, dever ser mantida nos seus exactos termos a decisão recorrida.

Por Decisão Sumária de 3.7.2025, do Tribunal da Relação do Porto, foi declarado não ser esse tribunal o competente para o conhecimento dos recursos, mas antes este Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido ordenada a remessa dos autos em conformidade.

Nesta instância, foi cumprido o disposto no art. 417º nº 1 do Código de Processo Penal.

O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que pugna pela total improcedência dos recursos, nos seguintes termos:

«7 – Objecto dos recursos são, como decorre das conclusões acima transcritas, a qualificação jurídica dos factos e a reincidência, questionadas pelo recorrente DD, e a medida e a natureza das penas, contra as quais se insurgem ambos os recorrentes.

7.1 – Da qualificação jurídica dos factos.

Sobre a problemática suscitada pelo recorrente DD, de a sua conduta delituosa integrar tão só a prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e não o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, desse diploma legal, há que dizer que a distinção entre o tipo fundamental “tráfico e outras atividades ilícitas” p. e p. no art. 21.º e o tipo privilegiado de tráfico de menor gravidade” assenta na verificação, para o segundo, de uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, aferida em função de um conjunto de itens de natureza objetiva que se revelem no concreto. Nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade do produto, a quantidade detida ou cedida, o espaço temporal em que se levou a cabo a atividade, o espaço geográfico onde se desenrolou e o número de vendas 1.

Devendo a avaliação da menor gravidade do tráfico resultar de um juízo global e abrangente sobre a conduta ilícita prosseguida pelo agente, em que o desvalor da acção é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental do tráfico de estupefacientes (o do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro), importa atender ao circunstancialismo concreto do caso em presença para aquilatar se pode ser considerado como tráfico de menor gravidade o que se apurou ter sido a conduta prosseguida pelo arguido/recorrente DD.

Resultou provado que, no dia 27.02.2024, o arguido/recorrente DD tinha na garagem – BOX, de sua casa, pertencendo-lhe, dois sacos de plástico contendo diversos pedaços de Canábis (Folhas/Sumidades), um dos sacos com o peso líquido de 949,388 gramas, com um grau de pureza de 8,6%, (THC), equivalente a 1.632 doses, e o outro saco, com o peso líquido de 57,226 gramas, com um grau de pureza de 9,5% (THC), equivalente a 108 doses, sendo certo também que conhecia a natureza e características estupefacientes desse produto e os efeitos nefastos que provoca nos seus consumidores.

Mais se apurou que este mesmo arguido, à semelhança dos demais, actuou sabendo que aquela quantidade de produto estupefaciente que detinha se destinava (ou podia destinar) a ser difundida por um número significativo de pessoas e, apesar disso, manteve-se insensível aos danos que originava (ou podia originar) na saúde de múltiplos consumidores finais, apesar de estar ciente que com isso prejudicava, de forma precoce e irreversível, a saúde física e psicológica de tais consumidores, o que representou e concretizou.

A quantidade de produto estupefaciente detido pelo arguido/recorrente DD, mais de um quilograma (1.000,614 gramas, mais exactamente), correspondendo a 1.740 doses, só por si, não permite, parece claro, que se possa ter por consideravelmente diminuída a ilicitude do facto, sem o que não se poderá ter por verificado o tipo privilegiado do tráfico de estupefacientes.

Nenhuma censura suscita, pois, o enquadramento jurídico-penal dos factos operado pelo Tribunal a quo.

7.2 – Da reincidência.

O arguido/recorrente DD questiona ainda a sua condenação como reincidente, dizendo, e em síntese, ser (…) consumidor de estupefaciente, este crime reveste um circunstancialismo próprio, em nada coincidente com as anteriores condenações, não basta a verificação dos pressupostos para a determinação automática da condenação como reincidente, acrescentando que (…) é materialmente inconstitucional a interpretação efetuada da norma constante no artigo 75º do C.P. em conjugação com o disposto no artigo 18º nº2 da C.R.P., de que basta o mero cometimento de crime definido pelo artigo 75º do C.P. para a verificação da reincidência com as consequências daí decorrentes, para concluir que (…) não deve operar a figura da reincidência.

Considere-se, a este respeito, o que se refere na decisão recorrida:

(…)

Da requerida punição do arguido DD com a agravante da reincidência

O artigo 75º do Código Penal estipula que:

1 - É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

2 - O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

3 - As condenações proferidas por tribunais estrangeiros contam para a reincidência nos termos dos números anteriores, desde que o facto constitua crime segundo a lei portuguesa.

4 - A prescrição da pena, a amnistia, o perdão genérico e o indulto, não obstam à verificação da reincidência.

A reincidência é uma circunstância modificativa comum que altera a medida abstrata da pena, agravando-a, com fundamento no mais elevado grau de censura de que o delinquente se tornou passível, uma vez que o novo facto demonstra que a anterior ou anteriores condenações não lhe serviram de prevenção contra o crime. Há uma maior censura, uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente por desrespeito pela advertência do sancionamento anterior, revelando perigosidade associada à persistência em delinquir, em voltar a cometer outros crimes.

A reincidência é específica, própria ou homótropa quando comete crimes da mesma espécie ou é genérica, imprópria ou polítropa, quando comete crimes de espécie diferente.

Neste sentido, o Prof. Figueiredo Dias (in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, 377), esclarece que “é no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. É nele, por conseguinte, que reside o lídimo pressuposto material – no sentido de “substancial”, mas também no sentido de pressuposto de funcionamento “não automático”- da reincidência.”

Os pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, “por si só ou sob qualquer forma de participação”, são os seguintes:

1º - o crime agora cometido seja um crime doloso;

2º - este crime, sem a incidência da reincidência, deva ser punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses;

3º - o arguido tenha antes sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efetiva superior a 6 meses, por outro crime doloso;

4º - que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos, prazo este que se suspende durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coação, de pena ou de medida de segurança.

Além dos enunciados pressupostos formais, a verificação da reincidência exige um pressuposto material: o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

No caso em concreto relativamente à última condenação elencadas pelo Ministério Público na acusação pública, para fundamentar o seu pedido de condenação do arguido DD como reincidente, que consta no ponto 35) alínea d) dos factos provados, estão preenchidos todos os requisitos formais suprarreferidos. Por um lado, o arguido será condenado nestes autos no crime que lhe é imputado, que é doloso, em pena de prisão superior a 6 meses, como supra se pode verificar (uma pena concreta de 4 anos e 4 meses de prisão). E, por outro lado, no referido processo que resultou provado no ponto 35) alínea d) a pena ali aplicada ao condenado foi de prisão efetiva superior a 6 meses, e desde a data da prática daquele crime (fevereiro e março de 2018) até à data da prática do crime em causa nestes autos (27 fevereiro de 2024), descontado o tempo em que o arguido esteve a cumprir prisão preventiva e pena de prisão (de 3 de março de 2018 a 25 de outubro de 2018 e depois de 9 de junho de 2019 a 17 de abril de 2021), não passaram mais de 5 anos.

Quanto ao pressuposto material, o regime da reincidência estipula que a punição agravada pela reincidência só tem lugar se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

Com vista à análise sobre o preenchimento deste pressuposto, socorremo-nos, uma vez mais, dos ensinamentos do Professor Figueiredo Dias, (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 268), cuja doutrina tem obtido acolhimento uniforme na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que nos esclarece que “…o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa [homogénea ou específica], exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (…) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza [reincidência polítropa, genérica ou heterogénea] será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, …, é… a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel”

Voltando ao caso concreto, tendo em consideração que a condenação constante no ponto 35) alínea d) dos factos provados que foi indicada pelo Ministério Público para fundamentar a reincidência, foi pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, inda que de menor gravidade p. e p. no art. 25º do DL nº15/93, de 22/01, afigura-se-nos que o seu comportamento deve ser alvo de maior censura uma vez que a condenação anteriores não lhe serviram de advertência contra o crime, denotando a conduta do arguido uma indiferença perante o bens jurídicos protegidos, pelo que está também verificado o requisito material exigido pela lei para a ocorrência de reincidência.

Em face do exposto, verifica-se que estão preenchidos todos os pressupostos da punição do arguido DD como reincidente relativamente ao crime pelo qual vai condenado nestes autos, o que constitui fundamento bastante para o funcionamento da agravante da reincidência.

(...)

Na consideração da matéria de facto provada, mormente no que respeita ao passado criminal deste arguido, poderá oferecer alguma dúvida o bem fundado da decisão recorrida, de condenar o arguido/recorrente DD, como reincidente, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro?

A resposta é inequivocamente negativa, como também não oferece qualquer dúvida, quanto a não ter sido de forma automática, como se vê, e contrariamente ao pretendido pelo recorrente, que teve lugar a sua condenação como reincidente, não tendo sido interpretada a norma do artigo 75.º do Código Penal em desconformidade com a Constituição da República Portuguesa.

7.3 – Da medida e natureza das penas.

Qualquer dos recorrentes tem por excessiva a pena a que foi condenado, reclamando o arguido/recorrente AA uma pena não superior a 5 anos de prisão, ademais suspensa na sua execução, com regime de prova, e outras condições, enquanto que o arguido/recorrente DD pugna também por uma diminuição da pena, sem que a quantifique, decorrente da alteração da qualificação jurídica dos factos e do afastamento da reincidência por que se bate, e, portanto, necessariamente não superior a 5 anos de prisão, também ela suspensa na sua execução e sujeita a regime probatório apertado, medidas de tratamento e exercício profissional.

Perspectivado o objecto dos recursos, nesta parte, atente-se, então, nos fundamentos concretos que, na decisão recorrida, presidiram à escolha da medida das penas aplicadas:

(…)

De acordo com o disposto no art. 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22/01, pela prática do crime tráfico de estupefacientes é abstratamente aplicável aos arguidos uma pena de prisão 4 a 12 anos.

O legislador não impôs a necessidade prévia de proceder à escolha da pena aplicável relativamente a qualquer um destes crimes, entendendo, desde logo, que a pena de multa não configura uma alternativa quando em causa estejam em prática de tais crimes.

Dentro das molduras abstratas acima definidas para os crimes praticados pelos arguidos cabe agora encontrar as penas concretamente aplicáveis considerando as circunstâncias que, não fazendo parte dos tipos de crimes deponham contra ou a favor dos arguidos.

Os critérios de determinação da medida concreta das penas encontram-se exemplificativamente enumerados no art. 71º do Código Penal. As penas serão delimitadas pela inultrapassável medida da culpa dos arguidos, determinando-se os seus quantitativos tendo em atenção essa mesma culpa e as exigências de prevenção.

A prevenção geral, no seu entendimento mais atual, como prevenção geral positiva ou de integração, é um momento irrenunciável que não pode deixar de relevar decisivamente para a medida das penas a aplicar – a ideia de que só razões ligadas à inarredável necessidade de reafirmar as expectativas comunitárias na validade e vigência das normas jurídicas violadas, abaladas pela prática dos crimes, podem justificar as reações mais gravosas por parte do direito penal.

Como circunstâncias que, não fazendo parte do tipo do crime que lhes é imputado e se associam diretamente à sua prática ou às motivações que lhes deram origem, haverá a considerar:

- existem elevadas razões de prevenção geral atenta a enorme incidência de tráfico de estupefacientes, e as consequências nefastas que advêm do mesmo para a saúde pública e bem ainda a perniciosidade dos efeitos do consumo de estupefacientes, que é facilitado por estes agentes, com maior ou menor grau de organização, e isto muito embora se trate de canabis;

- é que, muito embora seja considerada uma “droga leve” no contexto atual o seu tráfico e distribuição tem uma grande relevância, pois que a disponibilidade de canábis tem vindo a aumentar muito no espaço europeu, com o correspondente aumento do número de consumidores

- de facto, a Organização das Nações Unidas [www.unodc.org/res/WDR- 2023/Special_Points_WDR2023_web_DP.pdf] reconhece que a canábis é a droga ilícita mais consumida a nível mundial, com cerca de 219 milhões de consumidores, correspondendo a cerca de 4% da população global adulta, e de acordo com as estatísticas da ONU, o número de consumidores aumentou cerca de 21% na última década, com especial enfoque no aumento diretamente ligado aos confinamentos durante o período de pandemia por Covid-19, sendo que, em 2019, cerca de 41% dos problemas de saúde relacionados com o consumo de estupefacientes estavam ligados à canábis.

- é que a canábis é uma substância que, sem prescrição médica, oferece perigos muito relevantes para a saúde, contribuindo para o desencadear ou agravar de perturbação mental e deterioração psicossocial. Os efeitos psicoativos dos canabinoides no sistema nervoso central dão-se inicialmente ao nível dos respetivos recetores neuronais (CB1 e CB2), com complexas repercussões em vários sistemas de neurotransmissores e áreas encefálicas que se refletem efetivamente ao nível de: euforia, irritabilidade ou depressão; exagero ou embotamento; ilusões ou alucinações; ideias hipervalorizadas, desorganizadas ou delírios; agressividade ou síndrome de adinamia; défices de memória e raciocínio; descoordenação. E quando consumidos em doses elevadas, por períodos prolongados e/ou na forma de produtos altamente concentrados, os canabinóides podem contribuir para o aparecimento ou agravamento de várias perturbações mentais como: Depressão; Esquizofrenia; Toxicodependência; Perturbação de pânico; Psicose tóxica canábica; Perturbação afectiva bipolar; Perturbação de personalidade.

- ademais é consabido que o consumo de canábis, por ser considerada “droga leve e reacreativa” acaba por funcionar como uma porta de entrada para o abuso e/ou dependência de outras drogas extremamente prejudiciais - álcool, nicotina, anfetamina, cocaína, quetamina, fenciclidina, heroína (entre outras) - aumentando o risco de deterioração psicossocial.

- E como tem vindo a tornar-se cada vez mais comum e fácil de obter este tipo de estupefaciente, sobretudo por parte de jovens e jovens adultos, é premente a exigência social de uma reação por parte do julgador por forma a repor a confiança na vigência da norma violada, atento o alarme social que o trafico destas substancias causa na comunidade.

(…)

relativamente ao arguido AA:

- agiu com a modalidade mais forte de culpa, atuando com dolo direto, representando e querendo os resultados obtidos;

- a culpa (desvalor da conduta) e a ilicitude (desvalor do resultado) situam-se num patamar elevado.

- é certo que o arguido está implicado apenas num transporte do estupefaciente da área da grande Lisboa para Vila Nova de Gaia, contudo trata-se de uma detenção e transporte de uma elevada quantidade de estupefaciente: 65.333,362 gramas de canábis, com um grau de pureza de €26,9%, que correspondem a 351 493 doses, e permite uma distribuição por um número muito elevado de consumidores;

- á data dos factos não se encontrava integrado profissionalmente, apresentando fragilidade ocupacional e permeabilidade aos contactos com pares criminosos como aconteceu no caso concreto;

- dado que não lhe são conhecidos hábitos aditivos, não estava motivado pelo consumo, visando exclusivamente a remuneração fácil e vantajosa que receberia com a sua atividade;

- ainda que a sua atividade de tráfico se resuma ao transporte, a verdade é que o seu lugar na cadeia de distribuição da droga que lhe foi entregue é fundamental para a fluidez da mesma pelas várias regiões do país, tendo um papel essencial na sua disseminação no território;

- a idade do arguido 51 anos;

- a sua situação pessoal, social e económica; o seu grau de escolaridade,

- não se conhecem antecedentes criminais ao arguido;

- tem cumprido de forma adequada a medida de coação aplicada no presente processo, manifestando capacidade ao nível do cumprimento das regras e obrigações a que está sujeito.

- confessou de forma integral e sem reservas os factos que resultaram provados quanto à sua pessoa, no que respeita à detenção e transporte do estupefaciente, contudo, tendo em consideração que o transporte do produto estupefaciente foi constatado pelos senhores agentes da PSP, a assunção dos factos, no contexto em que surgiu, porque quase inevitável face à abundância da prova produzida existente a esse respeito, não tem a mesma força e valoração, até porque se tratam de factos objetivos e irrefutáveis, sendo que a sua colaboração com a justiça se resume a admiti-los, nada revelando acerca de como obteve aquela quantidade de estupefaciente e a mando de quem fazia o transporte;

quanto ao arguido DD:

- agiu com a modalidade mais forte de culpa, atuando com dolo direto, representando e querendo os resultados obtidos;

- a culpa (desvalor da conduta) e a ilicitude (desvalor do resultado) situam-se num patamar elevado.

- o arguido detinha na garagem de sua casa uma quantidade considerável de estupefaciente: canábis (folhas/sumidades) 949,388 gramas, com o grau de pureza de 8,6%, que correspondem a 1632 doses, e 57,226 gramas, com um grau de pureza de 9,5%, que corresponde a 108 doses.

- as muito elevadas exigências de prevenção especial, dado o percurso e passado criminal do arguido, o qual conta, à data da prática destes factos, com 9 condenações, pela prática 9 crimes: 6 de condução sem habilitação legal (sendo que em 3 deles foi condenado em pena de multa, 1 numa pena de prisão suspensa na sua execução, 1 numa pena de prisão substituída por multa, e 1 pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade), 1 de tráfico de estupefacientes agravado (condenado numa pena de prisão efetiva); 1 de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade (condenado numa pena de prisão efetiva), sendo que foi efetuado o cúmulo dessas duas penas, sendo-lhe aplicada uma pena de 6 anos e 3 meses de prisão efetiva, que veio a cumpriu; e de 1 trafico de quantidades diminutas e menor gravidade na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, que também veio a cumprir;

- arguido nunca sentiu verdadeiramente a gravidade do seu comportamento, nem a solenidade das sucessivas censuras que lhe foram sendo dirigidas, como demonstra o facto de ter continuado a cometer crimes designadamente crimes de tráfico de estupefaciente;

- o arguido praticou os factos dos presentes depois de já ter sido condenado em três penas de prisão efetiva pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes (agravado e de menor gravidade) a que supra se aludiu, sendo que relativamente à última condenação e pena, que cumpriu, se ponderará no âmbito da reincidência, não podendo, no entanto, deixar de se expressar a já sua anterior indiferença às normas que vem violando e às condenações que sofreu;

- a sua atividade de “tráfico” que resultou provada é aquisição (compra) e detenção, não se tendo feito prova de outras atividades com fins lucrativos (designadamente venda, guarda para terceiros, transporte, ou cedência a terceiros…) mas também não se provando que toda aquela quantidade de canábis se destinava ao seu consumo exclusivo

- a idade do arguido 36 anos;

- a sua situação pessoal, social e económica; o seu grau de escolaridade que resultaram provadas

- à data dos factos, o arguido residia com a companheira, com quem mantém relacionamento estável e coeso há mais de 10 anos, segundo um modelo que descreve de partilha e entreajuda que valoriza para o seu crescimento pessoal e estabilização emocional, e com o filho mais velho do casal, vivendo numa habitação, inscrita num espaço comunitário suburbano sem problemáticas sociais, com boas condições de habitabilidade, sendo que no momento diz vivenciar dinâmica familiar positiva e gratificante com todos os elementos da sua matriz familiar,

- contudo nem este enquadramento familiar estável com a companheira, que exerce funções como educadora de infância há vários anos, nem a atividade profissional que diz exercer, desde 2022, no setor do comércio automóvel, por conta própria, tiveram a capacidade de o fazer afastar-se da prática do crime aqui em causa, conformando o seu comportamento com a normatividade, nem de deixar de ter um consumo regular de canabinóides, e isto apesar de em tempos ter sido encaminhado para avaliação em unidade de saúde especializada, nomeadamente o Centro de Respostas Integradas (CRI) Porto Ocidental, pois não se mobilizou para aderir a qualquer tipo de proposta de tratamento;

Consideradas em conjunto as circunstâncias descritas, o tribunal coletivo entende como adequadas, proporcionais e justas:

(…)

- para o arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22/01 uma pena concreta que se fixa em 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão;

- para o arguido DD, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22/01 uma pena concreta que se fixa em 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

(…)

E, na consideração da reincidência, julgada verificada nos termos acima expostos,

(…)

Em face do exposto, verifica-se que estão preenchidos todos os pressupostos da punição do arguido DD como reincidente relativamente ao crime pelo qual vai condenado nestes autos, o que constitui fundamento bastante para o funcionamento da agravante da reincidência.

O artigo 76.º, nº 1, do Código Penal estabelece que em caso de reincidência o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado.

Assim, com referência à moldura penal para o crime já anteriormente referida, importa agora aplicar as regras deste artigo 76º, nº1, do Código Penal.

Desta forma tendo o crime de tráfico de estupefacientes previsto pelo art. 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22/01 uma pena abstrata de 4 a 12 anos de prisão, com a punição como reincidente passa a ter uma pena abstrata a aplicar ao arguido DD de 5 anos e 4 meses a 12 anos de prisão.

Tendo em consideração todos os fatores já anteriormente referidos e que relevam para a determinação da medida concreta da pena e ainda a agravação da sua culpa por se tratar de arguido reincidente, o tribunal entende como adequada e proporcional para o arguido DD uma pena concreta pela prática do crime de tráfico de estupefaciente aqui em causa, que se fixa em 5 (anos) e 8 (oito) meses de prisão.

(…)

Resulta claro da decisão recorrida que o Tribunal a quo ponderou e valorou todos os elementos a que se deveria atender: a culpa do agente, a ilicitude do facto, as circunstâncias que rodearam a sua prática e as suas consequências, o condicionalismo pessoal e familiar dos recorrentes e o que mais se apurou a seu favor e em seu desabono, sem que, como se vê, tivesse descurado as circunstâncias agora invocadas por qualquer dos recorrentes, e, por fim, as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.

Não é demais lembrar que nos crimes de tráfico de estupefacientes, as exigências de prevenção geral são muito elevadas, consideradas a sua frequência e as suas nefastas consequências para a comunidade, pondo em causa uma pluralidade de bens jurídicos como a vida, a integridade física, a liberdade dos consumidores de estupefacientes e a saúde pública, para além de que este tipo de crime potencia outro tipo de ilícitos, como sejam crimes de furto e roubo, causando alarme social, ocorrendo uma efectiva necessidade de desincentivar de forma eficaz estas condutas, de modo a consciencializar a comunidade em geral para o desvalor das mesmas.

Como se escreveu no acórdão de 05.02.2016, proferido no processo n.º 426/15.5JAPRT, da 3ª Secção, Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos: “O Supremo Tribunal de Justiça tem sublinhado que na fixação da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade. De facto, estamos perante um crime de perigo abstracto e pluriofensivo que põe em causa, como se lê no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 8 de Novembro de 1991, uma pluralidade de bens jurídicos: «a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes», afectando, «a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos», protegendo, enfim, «uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública»”

Por outro lado, as necessidades de prevenção especial determinam a necessidade de uma resposta punitiva que previna a prática de comportamentos da mesma natureza por parte dos arguidos/recorrentes, com um particular reflexo, por razões óbvias, em DD.

E o que se impõe concluir é que, contrariamente ao pretendido, as penas de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão, aplicada ao arguido/recorrente AA, de uma moldura penal abstracta de 4 a 12 anos de prisão, e de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão, fixada para o arguido/recorrente DD, esta escolhida de uma moldura penal abstracta de 5 anos e 4 meses a 12 anos de prisão - qualquer delas, e particularmente esta última, assaz próxima do respectivo limite mínimo - se configuram justas, por adequadas e proporcionais à gravidade dos factos e à personalidade do agente, e conformes aos critérios definidores dos artigos 40.º, n.º 1 e 2, e 71º, do Código Penal, não merecendo censura.

Pena, qualquer delas, que, pelo seu quantum, resulta insusceptível de suspensão na sua execução, vedando-a a norma do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.

8 – Resta por dizer que, contrariamente ao pretendido pelo arguido/recorrente AA, o Tribunal a quo não desvalorizou a sua confissão por não ter identificado a pessoa que lhe entregou o produto estupefaciente que veio a transportar, com o que, na perspectiva daquele, teria incorrido numa interpretação inconstitucional da norma do artigo 344.º do C.P.P., na conjugação com os artigos 22.º e 32.º da Constituição da República.

Com efeito, e como decorre da decisão recorrida, com meridiana clareza, o que o Tribunal a quo apreciou e valorou, e bem, face à realidade patenteada, foi que a confissão integral e sem reservas dos factos que resultaram provados quanto a esse arguido/recorrente, no que respeita à detenção e transporte do estupefaciente, não tem a força e valoração que teria, se acaso esse transporte não tivesse sido constatado, como foi, pelas testemunhas agentes da PSP, já que sempre se chegaria a tal conclusão por força desta prova externa à sua vontade, sem deixar de registar que a sua colaboração com a justiça havia assim ficado circunscrita a essa admissão dos factos, o que não tem, de forma alguma, o alcance que lhe é conferido por este arguido/recorrente.

9 – Nestes termos, na linha da tomada de posição do Ministério Público nas instâncias, emite-se parecer no sentido de deverem ser julgados improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA e DD.».


*


Em resposta ao parecer o arguido AA deu por reproduzida a sua motivação de recurso; o arguido DD não apresentou resposta ao parecer.

Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso (art.s 417º nº 9, 418º e 419º, nºs. 1, 2 e 3, al. c) do Código de Processo Penal).

II – FUNDAMENTAÇÃO

O Supremo Tribunal de Justiça tem competência para conhecer de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos dos nºs 2 e 3 do art 410º do Código de Processo Penal (art. 432º nº 1 al. c) do Código de Processo Penal). Está, aliás, fixada jurisprudência no sentido de que: «A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.»2

Como decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, na decisão sumária de 3.7.2025, verificam-se as condições para o conhecimento do recurso directamente pelo Supremo Tribunal de Justiça porquanto as penas aplicadas a ambos os Recorrentes são superiores a 5 anos e as suas pretensões, claramente expressa nas conclusões, limitam-se à verificação da reincidência e dos requisitos subjectivos do tipo, à qualificação jurídica, à medida da pena aplicada e sua suspensão, suscitando, a propósito inconstitucionalidades.

É jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art.s 379º nº 2 e 410º nº 2 do Código de Processo Penal).


*


As questões a decidir são:

1. Qualificação jurídica;

2. Reincidência;

3. A medida das penas e a possibilidade de suspensão da sua execução.

Nos pontos 2 e 3 abordar-se-ão as inconstitucionalidades invocadas.


***


Na decisão sob recurso é a seguinte a matéria fáctica:

1. FACTOS PROVADOS

Com relevância para a decisão da causa, excluindo-se matéria de direito e factos conclusivos ou irrelevantes, da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:

Da acusação pública:

1. O arguido GG dedicou-se, desde julho de 2023, à compra, detenção, venda, distribuição, e cedência de produtos estupefacientes, quer a consumidores que para esse efeito o procuravam, quer a indivíduos que o contactavam e que para si revendiam, de substâncias estupefacientes, mormente canábis sativa e canábis resina.

2. Na prossecução do objetivo por si delineado, o arguido GG, atuando de forma concertada, acordou manter contatos com indivíduos residentes na zona de Lisboa e que conhecia e sabia que tinham acesso a grandes quantidades de estupefacientes

3. Assim, no interesse e na prossecução dos seus fins, o arguido GG, efetuava os primeiros contatos com os fornecedores e angariava quantias monetárias para adquirir a esses mesmos indivíduos, na zona de Lisboa, grandes quantidades de estupefacientes.

4. Para tanto, o arguido GG deslocava-se desde a área metropolitana do Porto até à área metropolitana de Lisboa, utilizando para o efeito o veículo automóvel Opel Astra de sua propriedade, com a matrícula V1, confirmando, previamente, a disponibilização de produtos estupefacientes e negociando quantidades e preços, onde ali vinha a adquirir elevadas quantidades de tais produtos.

5. Após obter confirmação, era então por si desencadeada a operação de aquisição e transporte do estupefaciente desde o local onde o obtinha até à área metropolitana do Porto, depositando o estupefaciente em residências e/ou garagens associadas a familiares e conhecidos seus, nomeadamente na Rua 3, na Rua 4, na Rua 5, assim se furtando a eventuais diligências de buscas nas suas residências e ser encontrado esse estupefaciente.

6. De entre outros, o arguido GG, assegurava fornecimento de grandes quantidades de produtos estupefacientes canábis resina, como veio a ocorrer no dia 27 de fevereiro de 2024, através do também arguido AA.

7. O arguido GG procedia ainda, à venda de produto por si adquirido a outros compradores que, por sua vez, vendiam a terceiros e/ou consumidores.

8. Na concretização do plano gizado, o arguido GG criou, ainda, um grupo no Telegram, onde anunciava através de publicitação de fotogramas e preços o produto estupefaciente que destinava à venda.

9. De igual forma, estabelecia contactos com diversos fornecedores e compradores de produtos estupefacientes, através de aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas, chamadas de voz e vídeos, instaladas em telemóveis de entre as quais o - Signal, Telegram, TeleGuard, WhatsApp, e ainda através das redes sociais como Instagram, Messenger, de entre outros, para acertarem os preços e as quantidades de produto estupefaciente a transacionar através de linguagem codificada, como veio a acontecer com HH, e II, entre outros.

10. Nestes sistemas encriptados o arguido GG e seus utilizadores usavam nicknames maioritariamente alfanuméricos para identificação, mantendo o seu anonimato e, dessa forma, o arguido (utilizando entre os outros, os nicknames“JJ”, “KK”) contactava com diversos fornecedores e compradores a quem disponibilizava/vendia/traficava a outros compradores e consumidores.

11. O arguido GG determinava os moldes em que os procedimentos de aquisição, processamento e venda direta dos produtos estupefacientes eram efetuados.

12. Para tanto, utilizava o veículo automóvel Opel Astra, registado em seu nome, com a matrícula V1 que conduzia à medida das necessidades da atividade ilícita por si desenvolvida, nomeadamente para o transporte dos produtos estupefacientes, deslocações junto dos vários pontos de venda e encontros com outros compradores.

13. Da monitorização e vigilâncias efetuadas ao arguido GG, resultou que:

a. no dia 18 de outubro de 2023, os veículos automóveis de marca Mercedes, com a matrícula V2, e marca Opel, com a matrícula V1, ambos registados em nome do arguido GG, estavam estacionados, respetivamente, na Rua 3 e na Rua 6, (cfr. Relatório Diligência Externa de fls. 14 a 16 do Volume I);

b. no dia 24 de outubro de 2023, o veículo automóvel de marca Volkswagen com a matrícula V3, registado em nome de LL, estava estacionado na Rua 6, onde residia o referido LL e o arguido GG (cfr. Relatório de Diligência Externa de fls. 17 a 18 do Volume I);

c. no dia 25 de outubro de 2023, o arguido GG conduziu, desacompanhado, o veículo automóvel de marca Opel, com a matrícula V1 na Rua 5, e acedendo ao “pátio” de acesso às garagens - fração CC – imobilizou o referido veículo em frente do portão de acesso às ditas garagens, sendo que volvidos breves instantes, abandonou aquele local (cfr. Relatório de Vigilância de fls. 19 a 20 do Volume I);

d. no dia 02 de novembro de 2023, o arguido GG conduziu o veículo automóvel de marca Opel, com a matrícula V1 na Avenida 7 (cfr. Relatório de Vigilância de fls. 37 a 38 do Volume I)

e. no mesmo dia 02 de novembro de 2023, o arguido GG, conduzindo o veículo automóvel de marca Opel, com a matrícula V1, acedeu junto de umas garagens na Rua 2 (cfr. Relatório de Vigilância e Seguimento de fls. 39 a 41 do Volume I);

f. no dia 13 de novembro de 2023, o arguido GG, conduzia o veículo automóvel de marca Mercedes, com a matrícula V2, estando acompanhado pela sua companheira MM e por uma criança, na Rua 6, junto do n.º 123, Vila Nova de Gaia (cfr. Relatório de Vigilância de fls. 42 a 44 do Volume I);

g. no dia 29 de novembro de 2023, o arguido DD, também conhecido pelo epíteto “NN”, foi visto a sair da entrada de acesso ao nº563 da Rua 3, residência alvo de monitorização, e a deslocar e entrar para o veículo automóvel de marca BMW, com a matrícula V4, que se encontrava estacionado do lado oposto à residência alvo de monitorização, para o lugar do condutor e a iniciar de imediato a marcha, virando, de seguida, à esquerda para a Rua 8. No local estava estacionado o veículo automóvel de marca Mercedes, com a matrícula V2, do arguido GG. Após parar o veículo, o arguido DD, transportando um saco plástico de cor branca na mão, encostado ao tronco, deslocou-se em passo acelerado, olhando em todas as direções e mantendo uma postura vigilante. (cfr. Relatório de Vigilância de fls. 45 a 47 do Volume I);

h. no dia 05 de janeiro de 2024, o arguido GG conduzia o veículo automóvel de marca Opel, com a matrícula V1, vindo do Posto de Abastecimento de Combustíveis da Repsol – ..., sito na Rua 9, e, abandonando tal PAC da Repsol, acedeu ao nó de acesso da Autoestrada A29 (sentido ponte do Freixo) e, de seguida, ao nó de acesso da Autoestrada A20/A1 sentido Sul/Lisboa, onde continuou a circular, tendo sido dado por terminado o seguimento por motivos operacionais, no Nó de Grijó, Carvalhos, continuando o arguido a seguir viagem na A1 em direção a Lisboa. (cfr. Relatório de Vigilância e Seguimento de fls. 49 a 50 do Volume I);

i. nesse mesmo dia 05 de janeiro de 2024, o arguido GG estacionou o veículo automóvel de marca Opel, com a matrícula V1, que conduzia, na Rua 3, e contactou com dois indivíduos que anteriormente ali haviam chegado, no veículo automóvel de marca Opel, com a matrícula V5, e, após abrir a mala do veículo automóvel que utiliza, o arguido retirou do seu interior dois sacos em plástico reutilizável, de cor verde, normalmente usados para compras de hipermercado, e entregou-os a um dos referidos indivíduos (INI 1), retirando de seguida outros 2 sacos idênticos. O arguido GG e o INI 1 transportaram de seguida os quatro sacos anteriormente visualizados para o interior da residência acima identificada, seguindo o arguido GG à frente do INI 1. (cfr. Relatório de Vigilância de fls. 51 a 52 do Volume I);

j. no dia 12 de fevereiro de 2024, o arguido GG saiu da entrada da residência alvo de monitorização na Rua 3, transportando um saco de cor castanha e deslocou-se para o veículo automóvel de marca Opel, com a matrícula V1. O referido veículo percorreu várias artérias de Vila Nova de Gaia, seguindo em direção à cidade do Porto através da Ponte da Arrábida até se imobilizar na Rua 10), Porto. Aí, o arguido GG saiu do interior da viatura e encontrou-se com três (3) indivíduos não identificados. A dado momento, o arguido GG abriu a porta traseira do lado do condutor do veículo e retirou algo que, de imediato, entregou a um dos indivíduos que se encontrava junto dele, tendo de seguida regressado ao seu veículo e iniciado a marcha da mesma. Neste momento os três (3) indivíduos não concretamente identificados afastaram-se do local acedendo através de umas arcadas ali existentes ao interior do Localização 11. Momentos mais tarde, o veículo automóvel com a matrícula V1, estava estacionada num parque de estacionamento existente na Rua 12, no Porto, junto do Localização 13, Porto, e o arguido GG encontrava-se dentro do mesmo em conversação com um indivíduo não identificado, que aparentava ter cerca de vinte anos de idade. A dado momento o referido indivíduo não identificado saiu do lugar do passageiro da frente do veículo automóvel com a matrícula V1, transportando um saco, com as mesmas características do anteriormente visionado e deslocou-se, apeado, através de umas escadarias para o interior do Localização 13, Porto, enquanto o arguido GG iniciou a marcha no seu veículo automóvel para parte incerta (cfr. Relatório de Vigilância de fls. 181 a 186 do Volume I);

k. no dia 13 de fevereiro de 2024, o veículo automóvel com a matrícula V1 estava estacionado junto da residência sita na Rua 6 residência do arguido GG e depois iniciou marcha, percorrendo diversas artérias de Vila Nova de Gaia, seguindo em direção à residência utilizada pelo arguido GG, sita na Rua 3, onde imobilizou a marcha. Volvidos alguns momentos, o arguido GG abandonou a residência, sita na Rua 3, transportando debaixo do braço direito um embrulho de cor cinza e, de imediato, deslocou-se ao posto de abastecimento de combustível da Repsol de ..., e ao posto de abastecimento de combustível da Galp - ..., para efetuar entregas de estupefacientes a indivíduos que previamente o haviam contactado (cfr., Relatório de Vigilância, constante de fls. 187 a 194 do Volume I);

l. no mesmo dia 13 de fevereiro de 2024, o veículo automóvel com a matrícula V1, que se encontrava estacionado junto da residência sita na Rua 4, residência dos progenitores do arguido GG, iniciou a sua marcha, percorreu diversas artérias de Matosinhos, Porto e Vila Nova de Gaia, e seguiu depois em direção à residência sita na Rua 3, onde parou, e o arguido deslocou-se para o interior daquela habitação. Momentos depois, o mesmo abandonou a referida residência, transportando na mão esquerda um saco de cor amarela, contendo no seu interior um volume de forma quadrangular e deslocou-se novamente para a cidade de Matosinhos, onde, na Rua 14, nas traseiras do bloco residencial efetuou a entrega de estupefacientes a INI (indivíduo não identificado) que previamente o havia contactado (cfr. Relatório de Vigilância de fls. 195 a 201 do Volume I);

m. no dia 17 de fevereiro de 2024, o arguido GG, abasteceu, em quantidade concretamente não apurada, de produto estupefaciente (canábis - resina), por preço não concretamente apurado a INI (Individuo Não Identificado) que, para o efeito se deslocou à Rua 3 (onde o arguido GG se encontrava), no exercício da condução do veículo automóvel com n.º de matrícula V6, com registo de propriedade em nome de OO, com residência na Rua 15 (cfr. Relatório de Vigilância de fls. 206 a 211 do Volume I);

n. no mesmo dia 17 de fevereiro de 2024, o arguido GG saiu da sua residência, sita na Rua 6 e deslocou-se para a residência (casa de recuo) sita na Rua 3, onde recolheu um saco de compras contendo produto estupefaciente que veio a entregar a INI (Individuo Não Identificado), na Rua 16 (cfr. Relatório de Vigilância de fls. 212 a 217 do Volume I);

o. no dia 22 de fevereiro de 2024, o arguido GG saiu da residência sita na Rua 3, transportando um saco e acedeu ao interior do veículo automóvel com a matrícula V1. De seguida, iniciou a marcha e, após percorrer várias artérias da cidade de Vila Nova de Gaia, imobilizou-se na Rua 6, não sem antes se dirigir ao estabelecimento/café denominado “Café ...”, sito na Rua 17, onde efetuou uma entrega de produto estupefaciente a INI (Individuo Não Identificado) que ali se encontrava. (cfr. Relatório de Vigilância de fls. 230 a 234 do Volume I);

p. no dia 27 de fevereiro de 2024, verifica-se a circular na Rua 3, o veículo automóvel com a matrícula V1 e, imediatamente atrás, circula o veículo automóvel com a matrícula V7. Este último imobiliza e estaciona na referida artéria, por baixo de um viaduto ali existente, sendo secundado pelo veículo automóvel com a matrícula V1. De imediato, o condutor do veículo automóvel com a matrícula V7, sai do mesmo e desloca-se para junto do veículo automóvel com a matrícula V1, onde entra para o lugar do passageiro da frente, encontrando-se ao volante do mesmo, o arguido GG. De seguida, reinicia a marcha circulando até ao estabelecimento denominado McDonald’s - ..., localizado na Avenida 18, regressando à Rua 3, aí imobilizando o mesmo, por baixo do referido viaduto e junto ao veículo automóvel com a matrícula V7. Após, os arguidos GG e AA abrem o porta-bagagem dos respetivos veículos tendo o arguido AA, de imediato, retirado do interior do veículo (V7) que conduziu até aquele local, duas embalagens em forma geométrica retangular, envoltos em saco de serapilheira com letras AA, vulgo fardos, que introduziu, um de cada vez, no interior da mala do veículo automóvel com a matrícula V1 conduzida pelo arguido GG. De imediato, foram acionados os elementos policiais que efetuaram a abordagem dos ora arguidos GG e AA e, bem assim, aos referidos veículos automóveis. (cfr. Relatório de Vigilância e Monitorização GPS de fls. 235 a 240 do Volume I);

14. No dia 27 de fevereiro de 2024, na sequência da operação policial desencadeada, foi apreendido ao arguido GG (cfr. auto de apreensão pessoal de fls. 242, 248, 257, 263 e 264 do Volume I):

a. o Veículo automóvel de marca Mercedes, com a matrícula V2, com respetivas chaves e documento único;

b. o Veículo automóvel de marca Peugeot, com a matrícula V8 (do qual foi nomeado fiel depositário);

c. o Veículo automóvel de marca e modelo Opel Astra com a matrícula V1, com respetiva chave e documento único;

d. a quantia monetária de €605,00 (seiscentos e cinco euros), em notas e moedas do BCE

e. o Telemóvel de marca e modelo Apple Iphone X (A1901) com IMEI1 .............61 com o cartão Nano SIM da Operadora LycaMobile com o n.º .................19 (Artigo 3.0).

15. No interior do veículo automóvel, de marca e modelo Opel Astra com a matrícula V1, foi encontrado e apreendido (cfr. auto de apreensão de fls. 244 a 247 do Volume I):

a. um Bloco de Notas com capa cor vermelha, com apontamentos referentes à contabilidade da atividade de tráfico de produto estupefaciente;

b. o Documento Único Automóvel n.º ........ 4, referente ao veículo automóvel de marca e modelo Opel Astra com a matrícula V1, propriedade do arguido GG;

c. uma (1) chave do veículo automóvel de marca e modelo Opel Astra com a matrícula V1;

d. a quantia monetária de €515,00 (quinhentos e quinze euros), em notas e moedas do BCE;

e. os seguintes cartões, na maioria de crédito:

1. Cetelem Black Plus, n.º ..............32;

2. Bankintercard, n.º ..............99;

3. Millennium BCP (de crédito e débito), n.º ..............11;

4. Millennium BCP, n.º ..............91;

5. Millennium BCP, n.º ..............37;

6. Wizink, n.º ..............91;

7. Cartão de débito Novo Banco, n.º ..............12;

8. Universo, n.º ..............91;

9. Oney, n.º .................51;

10. Cetelem Mediamarkt, n.º ..............54;

11. Cetelem Fnac, n.º ..............23;

12. Cetelem Rádio Popular, n.º ..............76;

13. Cartão de débito Edenred Euroticket Refeição, n.º ..............62;

f. o Telemóvel de marca e modelo Apple Iphone 13 Pro Max (A2643) com IMEI..............40 e IMEI2 .............54 com o cartão Nano SIM de operadora Desconhecida (Artigo 4.0);

g. o Telemóvel de marca e modelo Xiaomi 12, com IMEI1 .............71 e IMEI2 .............89, com o cartão Nano SIM da operadora Vodafone com n.º ..........04 (Artigo 5.0);

h. o Tablet da marca e modelo Samsung SM-T280 sem IMEI, com o N.º de Série R52J20HERDZ (Artigo 6.0);

16. Nesse mesmo dia 27 de fevereiro de 2024, foi encontrado e apreendido no interior da residência na Rua 3, utilizada pelo arguido GG, (cfr. auto de busca e apreensão de fls., 281 a 283 do Volume I):

a. Em cima do sofá – (no interior de uma bolsa castanha) – a quantia monetária de €1.060,00 (mil e sessenta euros), em notas e moedas do BCE;

b. No hall de entrada:

1.- diversos pedaços de um produto vegetal, de cor esverdeado, que veio a confirmar-se ser – canábis sativa (liamba), com o PBTA de 990,00 e o peso líquido de 955,983gr, com um grau de pureza de 1,3% (THC), equivalente a 248 doses;

2.- produto de cor esbranquiçada, que veio a confirmar-se ser Fenacetina, produto habitualmente utilizado para o corte/mistura de produtos estupefacientes, com o PBTA de 1015,00 e o peso líquido de 993,380gr;

3.- duas (2) balanças de precisão, de cor preta;

c. No anexo:

1.- um (1) saco de ráfia reutilizável, que continha no interior 129 (cento e vinte e nove) placas de um produto vegetal prensado, de cor acastanhada, que veio a confirmar-se ser Canábis (resina), vulgo Haxixe, com o PBTA de 13.225,00 e o peso líquido de 12.750,00gr, com um grau de pureza de 22,4% (THC), equivalente a 57.120 doses;

2.- um (1) saco de plástico de cor preta, que continha no interior diversas embalagens em forma geométrica retangular, envoltos em saco de serapilheira, vulgo fardos vazios.

17. No dia 27 de fevereiro de 2024, foi encontrado e apreendido no interior da residência sita na Rua 6, (cfr. auto de busca e apreensão de fls. 296 e 297 do Volume I):

a. no quarto do arguido GG (no interior da cómoda): diversos pedaços de um produto vegetal prensado, de cor castanha, que veio a confirmar-se ser Canábis (resina), vulgo Haxixe, com o PBTA de 48,10 e o peso líquido de 46,129gr, com um grau de pureza de 27,2% (THC), equivalente a 250 doses;

b. (no interior de um maço de tabaco) - diversos pedaços de um produto vegetal, de cor castanha, que veio a confirmar-se ser Canábis (Folhas/Sumidades), com o PBTA de 1,65 e o peso líquido de 1,557gr, com um grau de pureza de 12,9% (THC), equivalente a 4 doses.

18. Ainda no dia 27 de fevereiro de 2024, foi encontrado e apreendido no interior da residência sita na Rua 4, da progenitora do arguido GG, (cfr. auto de busca e apreensão de fls. 301 a 303 do Volume I):

a. 430 (quatrocentos e trinta) placas de um produto vegetal prensado, de cor castanha, que veio a confirmar-se ser Canábis (resina), vulgo Haxixe, com o PBTA de 44.150,00 e o peso líquido de 43.024,951gr, com um grau de pureza de 26,9% (THC), equivalente a 231 474 doses;

b. um noteiro - dispositivo destinado à recolha ou contagem de notas, sem marca, modelo Y5518;

c. um (1) saco de tecido de cor preta, que continha no interior diversas embalagens em forma geométrica retangular, envoltos em fita adesiva de cor castanha próprias para acondicionar dez (10) placas de produto estupefaciente canábis resina.

19. No dia 27 de fevereiro de 2024, ao arguido AA, foi encontrado na sua posse e apreendido (cfr. auto de apreensão de fls. 271 a 272 e 276 do Volume I):

a. duas (2) embalagens em forma geométrica retangular, envoltos em saco de serapilheira com letras AA, vulgo fardos, os quais continham um total de 660 (seiscentos e sessenta) placas, de um produto vegetal prensado, de cor acastanhada, que veio a confirmar-se ser Canábis (resina), vulgo Haxixe, com o PBTA de 68.610 e com o peso líquido de 65.333,362gr, com um grau de pureza de 26,9% (THC), equivalente a 351 493 doses;

b. o Veículo automóvel de marca Mercedes com a matrícula V7, com respetiva chave e documento único.

20. No interior do veículo automóvel de marca Mercedes, com matrícula V7, foi encontrado e apreendido (cfr. auto de apreensão de fls. 275 do Volume I):

a. a quantia monetária de €314,00 (trezentos e catorze euros), em notas e moedas do BCE;

b. o Telemóvel de marca e modelo Apple, modelo Iphone XR, com o IMEI .............39 e respetivo cartão micro, da rede operadora USO (Artigo 1.0);

21. No dia 27 de fevereiro de 2024, no interior da residência sita na Rua 2, do arguido DD, foi encontrado e apreendido (cfr. auto de busca e apreensão de fls. 313 a 315 do Volume I):

a. no quarto do arguido DD (no interior porta-moedas): a quantia monetária de €185,00 (cento e oitenta e cinco euros), em notas e moedas do BCE;

b. na sala (em cima do aparador): a quantia monetária de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), em notas e moedas do BCE;

c. na garagem – BOX: dois sacos de plástico contendo diversos pedaços de um produto vegetal, de cor esverdeado, que veio a confirmar-se ser Canábis (Folhas/Sumidades), com o PBTA de 1.054,00, um dos sacos com o peso líquido de 949,388gr, com um grau de pureza de 8,6%, (THC), equivalente a 1632 doses e o outro saco com o peso líquido de 57,226gr, com um grau de pureza de 9,5% (THC), equivalente a 108 doses.

22. No dia 27 de fevereiro de 2024, na residência sita na Rua 3, onde se encontrava o progenitor do arguido GG, PP, foi encontrado e apreendido (cfr. Auto de Apreensão de fls. 293 e 294 do Volume I):

a. a quantia monetária de €90,00 (noventa euros), em notas e moedas do BCE;

b. o Telemóvel de marca e modelo Apple modelo Iphone 11 Pro Max, com o IMEI .............75 e respetivo cartão micro, da rede operadora NOS (Artigo 2.0).

23. O arguido Rui Paulo tinha redobrados cuidados no desenvolvimento da atividade ilícita, comunicando através de programas de envio e recebimento de mensagens instantâneas associados ou não a redes sociais encriptadas e de eliminação automática, para estabelecer e receber comunicações telefónicas, na tentativa de se furtar à sua monotorização e por forma a evitar ainda a sua associação à atividade delituosa.

24. O produto estupefaciente apreendido – canábis (sativa, resina e folhas/sumidades) – referido em 16) a 19) pertencia ao arguido GG.

25. Sendo que o produto estupefaciente referido em 19) lhe foi trazido e entregue pelo arguido AA, que o transportou desde a zona de Lisboa, por conta de terceiros que o venderam, até ao local onde foi apreendido.

26. O produto estupefaciente apreendido – canábis (folhas/sumidades) – referido em 21) pertencia ao arguido DD, e foi por este comprado a terceiros não identificados.

27. O arguido GG conhecia a natureza e características dos produtos que detinha referido em 24), que destinava à venda/cedência a terceiros, bem assim como os efeitos nefastos que os mesmos provocam os seus consumidores, sendo que o mesmo após ser adquirido no estado mais puro a fornecedores, cuja identidade não foi possível apurar, era preparado/doseado/manuseado com as respetivas substâncias de corte, tais como a fenacetina, multiplicando assim, em várias vezes a quantidade de produto final a ser comercializado, exponenciando, fortemente, os lucros obtidos, na fase de venda direta ao consumidor

28. O arguido AA conhecia a natureza e as características estupefacientes do produto que deteve, transportou, e entregou ao arguido GG referido em 25) bem assim como os efeitos nefastos que o mesmo provoca nos seus consumidores.

29. O arguido DD conhecia a natureza e as características estupefacientes do produto que comprou, detinha e guardava na sua garagem referido em 26), bem assim como os efeitos nefastos que o mesmo provoca nos seus consumidores.

30. Os telemóveis apreendidos ao arguido GG (Apple Iphone X, Apple Iphone 13 Pro Max, Xiaomi 12, e Apple Iphone 11 Pro Max) eram utilizados por este para concertar, com outros, a sua atividade de comercialização de produtos estupefacientes, e para combinar contactos com os indivíduos a quem vendia tais substâncias, ou para quem faziam o transporte, no caso do arguido AA, assim efetuando as transações dessas substâncias.

31. O telemóvel apreendido ao arguido AA (Apple Iphone XR) era utilizado por si para concertar a sua atividade de transporte de produtos estupefacientes, e para combinar contactos com os indivíduos para quem fazia o transporte, assim facilitando as transações dessas substâncias.

32. O veículo automóvel Opel Astra, com a matrícula V1, pertença do arguido GG, e demais equipamentos que lhe foram apreendidos eram utilizados por este no desenvolvimento da sua atividade de tráfico de estupefacientes, designadamente como forma de estabelecer contactos com terceiros.

33. Os demais utensílios e parafernália detidos pelo arguido GG eram pelo mesmo utilizados no acondicionamento e doseamento dos produtos estupefacientes.

34. O dinheiro apreendido ao arguido GG, suprarreferido (no total de €2.270,00), era proveniente de vendas de produto estupefaciente, pelo mesmo, anteriormente, realizadas.

35. O dinheiro apreendido ao arguido AA suprarreferido (€314,00) era proveniente do pagamento da sua atividade de transporte do produto referido em 25).

36. Os arguidos atuaram sabendo que a quantidade de produto estupefaciente por cada um deles detida e/ou posta à venda, cedida, recebida, vendida, adquirida, guardada, transportada e distribuída nas circunstâncias acima descritas, se destinava (ou podia destinar) a ser difundida por um número significativo de pessoas e, apesar disso, mantiveram-se insensíveis aos danos que originava (ou podia originar) na saúde de múltiplos consumidores finais, apesar de estarem cientes que com isso prejudicavam, de forma precoce e irreversível, a saúde física e psicológica de tais consumidores, o que representaram e concretizaram.

37. Com a sua atuação os arguidos GG e AA visaram angariar quantias de dinheiro e, assim, dispor de capital próprio, não obstante não exercerem qualquer atividade profissional lícita ou exercer atividade com rendimentos não compatíveis com o nível de vida que pretendiam manter, assegurando os seus gastos diários com os proveitos decorrentes da referida atividade.

38. Sabiam, ainda, todos os arguidos que não lhes era lícita a detenção daquelas substâncias, cuja natureza e características conheciam, nem vender, comprar, receber, ceder, guardar, adquirir, transportar ou distribuir aqueles produtos, com as quais os arguidos GG e AA procuraram obter proventos económicos (com as atividades que cada um deles praticou) que sabiam serem ilícitos.

39. Os arguidos GG e o arguido AA agiram com o único propósito de obterem vantagens patrimoniais com a atividade de tráfico de estupefacientes desiderato que lograram alcançar, sendo o arguido GG como parte integrante de uma organização destinada a ceder produtos estupefacientes entre uns e outros, em escala descendente até ao consumidor final.

40. Agiram todos os arguidos sempre de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas

41. O arguido DD foi já anteriormente condenado pela prática dos seguintes crimes dolosos, em pena de prisão superior a seis meses, que cumpriu:

a. por acórdão proferido a 09.12.2009, confirmado pelo Tribunal da Relação do Porto por acórdão proferido a 02.06.2010, transitado a 18.07.2010, no âmbito do Processo Comum Coletivo nº31/07.0 PCPRT, do J12 do Juízo Central Criminal do Porto, foi condenado na pena de 5 anos e 9 meses de prisão, pela prática em 26.02.2008, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido, pelos artigos 21º, nº1 e 24º, alíneas b) e j) do DL 15/93, de 22/01.

b. por acórdão proferido a 24.02.2011, transitado a 16.03.2011, no âmbito do Processo Comum Coletivo nº129/09.0 PEPRT do J5 do Juízo Central Criminal do Porto, foi condenado na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, pela prática em 11.10.2009, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido, pelo artigo 25º, alínea a) do DL 15/93, de 22/01.

c. por acórdão cumulatório proferido a 29.06.2011, transitado a 05.09.2011 no âmbito do Processo Comum Coletivo nº129/09.0 PEPRT referido em b), que englobou as penas referidas em a) e b), foi condenado na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão efetiva.

d. por acórdão proferido a 11.04.2019, transitado a 20.05.2019, no âmbito do Processo Comum Coletivo nº19/18.5SFPRT do J8 do Juízo Central Criminal do Porto, foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva, pela prática em fevereiro e março de 2018, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido, pelo artigo 25º, alínea a) do DL 15/93, de 22/01, por referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal.

42. O arguido DD esteve preso desde 19 de agosto de 2010 até 20 de outubro de 2015, no âmbito do processo referido em 41) c) data em que foi libertado condicionalmente aos 5/6 da pena, cujo termo ocorreu a 15 de novembro de 2016.

43. Foi detido a 3 de março de 2018, no âmbito do processo referido em 41) d) tendo nessa data ficado em prisão preventiva, vindo a ser restituído à liberdade a 25 de outubro de 2018.

44. A 9 de junho de 2019 iniciou o cumprimento da pena referida em 41) d), até 17 de abril de 2021 (após desconto dos 7 meses e 22 dias de prisão preventiva), data em que foi restituído à liberdade.

45. As anteriores condenações sofridas pelo arguido DD, e mais concretamente a referida em 41) d) e cumprimento da pena dela decorrente não constituiu suficiente advertência contra o crime aqui em causa, não se mostrando concretamente capaz de o fazer levar a abandonar a atividade criminosa e a adotar uma conduta conforme ao direito.

Da contestação do arguido GG:

46. Durante o seu percurso de vida, o arguido GG teve hábitos de trabalho: trabalhou inicialmente na ..., posteriormente como técnico informático na empresa C..., e depois como prestador de serviços, através da empresa Ar..., para a D....

47. À data dos factos, vivia com a companheira e dois filhos, ambos menores, um da companheira e outro da relação que mantém há 7 anos com esta.

48. Mantém o apoio familiar, da companheira dos progenitores e irmãos, que o visitam regularmente no E.P

49. Na comunidade não existem sinais de rejeição.

50. Se restituído à liberdade tem quem lhe ofereça trabalho.

51. O veículo automóvel Mercedes, com a matrícula V2 referido em 14) alínea a) foi adquirido pelo arguido GG com dinheiro proveniente de uma indemnização recebida pelo progenitor daquele.

52. O arguido tem um comportamento ajustado no estabelecimento prisional em que se encontra, não registando qualquer infração.

53. Ali, desenvolve atividade laboral, inicialmente no bar e atualmente na escola.

Da contestação do arguido AA:

54. O arguido AA procedeu à detenção e transporte, por conta de terceiros, do produto estupefaciente que entregou ao arguido GG no dia 27.02.2024, e que veio a ser apreendido.

55. O que fez com vista a receber uma contrapartida monetária de €750,00.

56. Sendo que até àquela data inexistem registos de qualquer intervenção ou contacto deste arguido com o arguido GG.

57. O veículo automóvel de marca Mercedes, com matrícula V7 referido em 13) p), 20) e 21), é propriedade de QQ, filho do arguido AA, que desconhecia por completo que o seu progenitor, a quem o emprestou, o usou para transportar o estupefaciente referido em 19) e 25), que veio a ser apreendido.

58. Ao longo da sua vida, o arguido AA teve hábitos regulares de trabalho.

59. Após a sua sujeição a 1ª interrogatório judicial cumpriu as medidas de coacção que lhe foram impostas.

60. Tem apoio familiar, designadamente do filho, que está integrado profissionalmente.

61. Na comunidade onde se insere não existem sinais de rejeição.

Mais se provou que:

62. Não se conhecem antecedentes criminais aos arguidos GG e AA.

63. No certificado do registo criminal do arguido DD constam as seguintes condenações:

1. Por sentença proferida a 20.07.2006, transitada a 04.09.2006, no âmbito do processo sumário nº379/06.0PHPRT do 1º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática, a 19.09.2006, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. no art. 3º do DL nº2/98, de 03/01, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de €2,00, num total global de €100,00, a qual já se encontra extinta pelo pagamento.

2. Por sentença proferida a 18.10.2006, transitada a 02.11.2006, no âmbito do processo sumário nº694/06.3PPPRT do 3º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática, a 14.10.2006, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. no art. 3º, nº1, do DL nº2/98, de 03/01, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de €3,00, num total global de €150,00, a qual já se encontra extinta pelo pagamento.

3. Por sentença proferida a 08.03.2007, transitada a 23.03.2007, no âmbito do processo sumário nº302/07.5PTPRT do 2º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática, a 01.03.2007, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. no art. 3º, nº2, do DL nº2/98, de 03/01, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €3,00, num total global de €360,00, a qual já se encontra extinta pelo pagamento.

4. Por sentença proferida a 20.09.2007, transitada a 10.10.2007, no âmbito do processo sumário nº525/07.7PUPRT do 3º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática, a 12.09.2007, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. no art. 3º, nº1, do DL nº2/98, de 03/01, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, a qual já se encontra extinta nos termos do art. 57º do Código Penal.

5. Por sentença proferida a 13.05.2008, transitada a 02.06.2008, no âmbito do processo abreviado nº1359/07.4PTPRT do 1º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática, a 30.07.2007, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. no art. 3º do DL nº2/98, de 03/01, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 horas de trabalho gratuito a favor da comunidade, a qual já se encontra extinta pelo cumprimento.

6. Por sentença proferida a 26.09.2008, transitada a 16.10.2008, no âmbito do processo sumário nº1353/08.8PTPRT do 3º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática, a 30.07.2007, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. no art. 3º, nº1 e 2 do DL nº2/98, de 03/01, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 horas de trabalho gratuito a favor da comunidade, a qual já se encontra extinta pelo cumprimento.

7. Por acórdão proferido a 02.05.2010, transitado a 01.07.2010, no âmbito do processo comum coletivo nº31/07.0PCPRT da 1ª Vara Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática, a 26.02.2008, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21º, nº1, 24º, al. b) e j), do DL nº15/93, de 22/01, na pena de 5 anos e 9 meses de prisão efetiva.

8. Por acórdão proferido a 24.02.2011, transitado a 16.03.2011, no âmbito do processo comum coletivo nº129/09.0PEPRT da 3ª Vara Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática, a 11.10.2009, de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade p. e p. no art. 25º do DL nº15/93, de 22/01, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão efetiva.

9. Por acórdão cumulatório proferido a 29.06.2011, transitado em julgado a 05.09.2011, no âmbito do processo comum coletivo nº129/09.0PEPRT referido em 8., foi efetuado o cúmulo jurídico da pena ali aplicada e da pena aplicada no processo nº31/07.0PCPRT referido em 7, tendo sido aplicada ao arguido a pena única de 6 anos e 3 meses de prisão efetiva, a qual já se encontra cumprida e extinta.

10. Por acórdão proferido a 11.04.2019, transitado a 16.03.2011, no âmbito do processo comum coletivo nº19/18.5SFPRT do J8 do Juízo Central Criminal do Porto, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, o arguido foi condenado pela prática, em fevereiro de 2018, de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade p. e p. no art. 25º, al. a) do DL nº15/93, de 22/01, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva, a qual depois de efetuado o desconto de 7 meses e 22 dias da prisão preventiva cumprida, foi executada em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, sem prejuízo das ausências necessárias para o exercício da sua atividade profissional e com a obrigação de o arguido observar as seguintes regras de conduta: manter-se abstinente do consumo de substâncias psicotrópicas e profissionalmente ativo sujeitar-se a acompanhamento periódico pelos serviços da DGRSP, sendo que a mesma já se encontra extinta pelo cumprimento.

64. Do relatório social do arguido GG consta, entre o mais, que:

(…)

65. Do relatório social do arguido AA consta, entre o mais, que:

- AA nasceu em ..., ...e quando tinha cerca de um ano de idade, o agregado veio residir para área metropolitana de Lisboa, tendo fixado residência no bairro da ..., na .../..., bairro de autoconstrução, com problemáticas sociais e criminais, onde decorreu o processo de socialização do arguido.

- O contexto familiar e social foi enquadrado por uma família numerosa (nove filhos) de escassos recursos financeiros, apenas sustentado pelo progenitor, enquanto trabalhador na área da construção civil.

- Em 2005 o agregado foi relojado no Bairro Localização 19. Contudo, atendendo a que o arguido já vivia em união de fato desde os 20 anos de idade, foi concedida, casa própria ao casal, no mesmo bairro (morada dos autos).

- AA separou-se da companheira há cerca de três anos, segundo o arguido, por a mesma manter uma relação extraconjugal, o que o arguido não aceitou. Desta união nasceram três filhos.

- concluiu apenas o 4º ano de escolaridade, tendo deixado a escola aos 13 anos de idade.

- aos 14 anos de idade começou a trabalhar na área da construção civil, atividade em que sempre trabalhou de forma regular, apesar de alguns períodos a título informal.

- à data dos factos o arguido residia junto do filho, QQ, na morada dos autos, e estava desempregado desde dezembro de 2023, com uma situação económica com constrangimentos, uma vez que se encontrava inativo, contando apenas com o apoio financeiro do filho, não gostado de depender monetariamente do mesmo.

- a 27/06/2024 foi-lhe aplicada, no âmbito do presente processo, a medida de coação de Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica - OPHVE, situação em que permanece até ao momento. Continua a morar junto do filho, permanecendo confinado à habitação 24h, dispondo apenas de autorizações judiciais de saída a título excecional para atos processuais.

- O agregado reside num apartamento de tipologia T3, concedido pela Câmara Municipal da ..., descrito como tendo condições de habitabilidade adequadas às necessidades do agregado. O apartamento encontra-se inserido num bairro com problemáticas sociais e marginais.

- atualmente, a sustentabilidade económica do arguido continua garantida, pelo rendimento auferido pelo seu filho, enquanto atleta de alta competição profissional da modalidade desportiva de motociclismo. Deduzem um encargo fixo com o arrendamento da habitação no valor de cerca de 5,09 euros, referindo ainda outras despesas fixas as inerentes às despesas da habitação (água/luz/gás e comunicações).

- face à sua atual situação, AA passa os dias em casa, dedicando-se a ver televisão, a executar as tarefas domésticas e a praticar exercício físico, concretamente andar na passadeira.

- no que diz respeito às relações interpessoais mantém uma relação de proximidade com todos os seus descendentes, sendo que a filha mais velha (30 anos de idade) reside de forma autónoma no concelho de ... e tem ao seu cuidado a irmã mais nova, atualmente com 17 anos de idade, as quais visitam e apoiam o pai com regularidade. O filho passa períodos fora em treinos ou em competição.

- não foram referidos hábitos aditivos, como consumo de estupefacientes ou de bebidas alcoólicas.

- o arguido considera que a presente situação jurídico-penal tem tido repercussões no seu quotidiano, principalmente em termos pessoais, aguardando com acentuada ansiedade e medo o desfecho da mesma, manifestando como principal preocupação a possibilidade de vir a cumprir pena efetiva de prisão.

- não são conhecidos contactos anteriores de AA com o sistema de justiça, e tem cumprido de forma adequada a medida de coação aplicada no presente processo, manifestando capacidade ao nível do cumprimento das regras e obrigações a que está sujeito.

- no contexto de uma medida de execução na comunidade, o arguido mostra-se disponível para cumprir as obrigações judicialmente determinadas.

66. Do relatório social do arguido DD consta, entre o mais, que:

- DD residia à data dos factos com a companheira, com quem mantém relacionamento estável e coeso há mais de 10 anos, segundo um modelo que descreve de partilha e entreajuda que valoriza para o seu crescimento pessoal e estabilização emocional, e com o filho mais velho do casal. O casal adquiriu a residência em que vivem há aproximadamente 5 anos, com a ajuda dos pais da companheira, proprietária da habitação, com vista a melhorar as condições habitacionais da família. A habitação, inscrita num espaço comunitário suburbano sem problemáticas sociais, é descrita pelo arguido como oferecendo boas condições de habitabilidade ao agregado.

- o arguido descreve vivenciar dinâmica familiar positiva e gratificante com todos os elementos da sua matriz familiar, reportando ainda relacionamento de proximidade com a sua progenitora, figura de referência na estruturação do seu projeto de vida, após a morte prematura do seu pai, que se terá suicidado, assumindo a mãe sozinha a liderança da família e dos seis filhos.

- DD afirma mesmo que a progenitora foi particularmente importante na fase da adolescência, período da sua vida que assume como mais conturbado do ponto de vista comportamental, admitindo a permeabilidade ao grupo de pares, bem como a iniciação no consumo de haxixe em contexto grupal e recreativo, por volta dos 16 anos.

- assumindo padrões de consumo regulares, o arguido afirma nunca ter experimentado outro tipo de substâncias para além dos canabinóides, ainda que admita que a problemática aditiva conduziu aos seus primeiros confrontos com o sistema de justiça de menores, já na adolescência. Ainda nesta fase regista confrontos com o sistema de justiça penal, cumprindo por volta dos 21 anos de idade medida privativa de liberdade, por crime da mesma natureza do que subjaz ao presente processo judicial.

- o processo de escolarização do arguido é prosseguido nessa fase da sua vida no estabelecimento prisional, onde investe na vertente académica e vem a concluir o 9º ano de escolaridade, após uma fase no ensino regular pautada por registo comportamental instável, com incidentes disciplinares e elevada taxa de absentismo que conduziram ao abandono escolar aos 15 anos de idade.

- após cumprimento da pena de prisão pelo período de cinco anos, o arguido retoma atividade laboral no mesmo registo que vinha mantendo na fase prévia à reclusão, marcado pela instabilidade e precariedade, sem vínculo contratual e em setores indiferenciados.

- em 2017 consegue pela primeira vez obter um contrato de trabalho com a empresa I..., onde se mantém pelo período de cinco anos, numa progressiva estabilização das suas competências a este nível. Esta época é coincidente com o cumprimento do remanescente de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação, iniciada em 2019 e cessada em 2021.

- em 2022, e também em consequência da pandemia, segundo DD refere, ocorreram alterações na empresa e optou por sair. Refere também vivenciar à época um estado mais depressivo que acabou por condicionar a sua inserção laboral.

- DD admite que nunca deixou de consumir haxixe e que, apesar de em tempos ter sido encaminhado para avaliação em unidade de saúde especializada, nomeadamente o Centro de Respostas Integradas (CRI) Porto Ocidental, não se mobilizou para aderir a qualquer tipo de proposta de tratamento, considerando sempre que seria capaz de controlar esta situação na sua vida, apenas com a ajuda da família. O arguido assume que no momento essa situação poderá ser necessária e uma mais valia para a sua estabilidade pessoal, no que é corroborado pela sua companheira. É referido pelo arguido o recurso a apoio psicológico, no setor privado, que avalia como tendo sido positivo, não beneficiando no momento de qualquer tipo de apoio.

- no momento presente, DD tem um enquadramento familiar estável com a companheira e os dois descendentes do casal, o filho com 10 anos de idade e a filha recém-nascida com 4 meses, descrevendo dinâmica afetivamente significativa e gratificante. Neste momento, a companheira, que exerce funções como educadora de infância há vários anos, encontra-se de licença de maternidade e assume mais diretamente a educação dos dois filhos, estando o filho mais velho do casal integrado no mesmo equipamento escolar onde aquela trabalha.

- o arguido diz exercer, desde 2022, atividade profissional no setor do comércio automóvel, por conta própria e sem registo contratual regularizado, situação que assume desejar alterar num futuro próximo, logo que reunidas condições mais estáveis quanto às receitas. A vertente profissional é muito valorizada pelo arguido, que considera ser esta valência a dimensão que o tem ajudado a reestruturar a sua vida, admitindo que ainda subsistem défices que importa superar. Esta análise é corroborada pela companheira e pela sua mãe.

- a gestão familiar do arguido é assegurada pelo casal, no decurso do exercício laboral de ambos, ainda que a companheira assuma, em função das receitas que aufere como educadora de infância, na ordem dos €1722,58, a manutenção da habitação, de que é proprietária e custos associados, nomeadamente amortização do empréstimo bancário na ordem dos €549, água (€38,32), energia elétrica (€71,46), telecomunicações (€44,99), mensalidade do colégio do filho do casal no valor de €252,50. Como rendimentos são ainda referidas as prestações familiares, na ordem dos €52,09 para o filho e €178,66 para a filha de 4 meses de idade. O arguido refere conseguir um rendimento mensal aproximado, ainda que flutuante, de €600/€700 e avalia a sua situação económica como capaz de fazer face às suas necessidades, segundo um modelo de economia partilhada com a companheira.

- o arguido assume que a família da companheira tem vindo a constituir-se como apoio fundamental para a gestão do seu núcleo familiar.

- não se tratando do seu primeiro confronto com o sistema de justiça penal, adota postura ajustada perante este novo processo. O arguido expressa receios quanto às eventuais consequências judiciais do presente processo e eventual agravamento do seu enquadramento, nomeadamente do seu impacto aos níveis familiar e profissional. Esta consciencialização será reforçada pelo facto de já ter sido sujeito a intervenções anteriores, por parte deste serviço, em medidas executadas, quer em contexto de privação de liberdade, pena de prisão entre 2010 e 2015 e prisão em regime de permanência na habitação entre junho de 2019 e abril de 2021, quer na comunidade, a cujos objetivos foi correspondendo.

- a companheira e a mãe, manifestam preocupações quanto a eventual alteração do atual quadro vivencial do arguido, focado no momento na consolidação do seu projeto profissional e na estabilização da sua trajetória de vida.

- DD refere que em caso de eventual condenação, se ajustará em torno da decisão que venha a ser proferida no decurso do presente processo, à semelhança do que vem ocorrendo no decurso das medidas na comunidade em execução neste serviço, a que se tem vindo a sujeitar e comprometer.

1. FACTOS NÃO PROVADOS

Não resultou provado que:

O arguido GG dedicava-se à compra, detenção, venda, distribuição e cedência, por si ou interposta pessoa, também de heroína e cocaína.

Na prossecução do objetivo referido em 2) o arguido GG manteve contactos também com indivíduos residentes na zona do Algarve e sul de Espanha, que conhecia e sabia que tinham acesso a grandes quantidades de estupefacientes. E, para tanto, deslocou-se também desde a área metropolitana do Porto até sul do território nacional e mesmo Espanha, utilizando para o efeito, veículo automóvel de sua propriedade, como referido em 4), confirmando também ali, previamente, a disponibilização de produtos estupefacientes e negociando quantidades e preços, onde ali também vinha a adquirir elevadas quantidades de tais produtos, sendo que após obter confirmação, era então por si desencadeada a operação de aquisição e transporte do estupefaciente desde o sul de do território nacional e Espanha, até à área metropolitana do Porto.

O arguido GG também depositava o estupefaciente, como referido em 5), na Rua 5.

O arguido GG procedeu à venda de produto por si adquirido ao arguido DD, por diversas vezes que, ora se deslocava ao encontro do arguido GG para adquirir quantia não concretamente apurada de produto estupefaciente e, por valor não concretamente apurado, ora era este último quem se dirigia à residência daquele, sita na cidade da Maia.

O arguido GG estabelecia contactos com o arguido DD através de aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas, chamadas de voz e vídeos, instaladas em telemóveis de entre as quais o - Signal, Telegram, TeleGuard, WhatsApp, e ainda através das redes sociais como Instagram, Messenger, de entre outros, sistemas estes, usados quase em exclusivo por grupos criminosos, para acertarem os preços e as quantidades de produto estupefaciente a transacionar através de linguagem codificada.

Além do veículo Opel Astra, de sua propriedade, com a matrícula V1, referido em 12), o arguido GG utilizava outras várias viaturas automóveis, umas registadas em seu nome, outras em nome de conhecidos seus, que conduzia à medida das necessidades da atividade ilícita por si desenvolvida, nomeadamente para o transporte dos produtos estupefacientes, deslocações junto dos vários pontos de venda e encontros com outros compradores.

Os arguidos AA e DD tinham, também, redobrados cuidados no desenvolvimento da atividade ilícita, comunicando através de programas de envio e recebimento de mensagens instantâneas associados ou não a redes sociais encriptadas e de eliminação automática, para estabelecerem e receberem comunicações telefónicas entre si, na tentativa de se furtarem à sua monotorização e por forma a evitar ainda a sua associação à atividade delituosa.

Todos os telemóveis apreendidos eram pelos arguidos, seus detentores, para concertarem entre si a sua atividade de comercialização de produtos estupefaciente.

Os veículos automóveis com as matrículas V2, V8 eram utilizados no desenvolvimento da atividade de tráfico de estupefacientes, como forma de estabelecerem contactos entre si e com terceiros.

O dinheiro apreendido ao arguido DD era proveniente de vendas de produto estupefaciente, pelo mesmo, anteriormente, realizadas.

Com a sua atuação o arguido DD visou angariar quantias elevadas de dinheiro e, assim, dispor de capital próprio, não obstante não exercer qualquer atividade profissional lícita ou exercer atividade com rendimentos não compatíveis com o nível de vida que pretendiam manter, assegurando os seus gastos diários com os proveitos decorrentes da referida atividade.

O produto estupefaciente adquirido, detido e guardado pelo arguido DD destinava-se exclusivamente ao seu próprio consumo.

A carrinha Peugeot, com a matrícula V8, referida no ponto 14) alínea b) dos factos provados foi adquirida pela cunhada do arguido GG, RR, através de crédito bancário, no âmbito do qual consta como fiadora a progenitora daquela.

1. Qualificação jurídica

O Recorrente DD refuta a qualificação jurídica que lhe foi imputada, considerando que não é suscetível de enquadrar a conduta prevista e punida pelo artigo 21º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, mas sim quanto muito o crime p.e.p. pelo art. 25º do mesmo diploma uma vez que dos factos assentes apenas resulta a mera detenção de haxixe cerca de 900 g de peso liquido) com um grau de pureza de 8,6%, droga essa guardada numa garagem do próprio, em que o arguido confessou a detenção e explicou ao tribunal que era consumidor de haxixe o que ficou demonstrado.

Em abono dessa tese alude a duas decisões do Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 3 e Juiz. Salienta que era consumidor há longa data, que a substância apreendida tinha um grau de pureza baixo “cujos efeitos perniciosos para a saúde publica de acordo com estudos vários são similares ao tabaco e até menos nocivos que bebidas brancas” e insurge-se contra a decisão porquanto “o tribunal limita-se a concluir pelas regras da experiência comum (!) quando afinal se trata de cerca de 800 g (atento o grau de pureza!) que os valores em termos quantitativos não são compatíveis com o consumo, contundo nenhuma prova se fez que permitisse derrogar a possibilidade de ser efetivamente para o consumo do arguido, e sobretudo não se fez qualquer prova ou intenção de venda até pela própria localização onde se encontrava pela ausência de balanças, sacos, substâncias relacionadas, logística, apontamentos, escalpelizada a sua vida, os seus contactos e até sujeito a vigilância, nada restou em seu desabono apenas o apreendido que desde sempre assumiu e colaborou com o opc” pugnando ademais pela sua absolvição.

O acórdão recorrido fundamenta a qualificação jurídica dos factos pelos quais o arguido DD foi condenado, afastando a existência de co-autoria entre os arguidos e a qualificação do crime de tráfico como agravado nos termos do art. 24º do Dec- Lei 15/93, de 22.1 e salientando, a propósito, que a conduta de todos os arguidos mas abrangendo claramente o Recorrente DD que a quantidade de canábis detida, mesmo tendo em atenção a sua natureza, não permite ponderar a existência de uma diminuição da ilicitude que permita configurar a prática do crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25º do DL 15/93 de 22.1 (sublinhado do relator):

Voltando ao caso concreto importa esclarecer que apesar da quantidade detida pelos arguidos AA e GG, ser muito considerável, o primeiro com 65.333,362 gr (mais de 65K) de canábis e o segundo esses cerca de 65 quilos e ainda todo o mais estupefaciente que lhe foi apreendido em 3 casas diferentes (Rua 3 + 955,983 gr canábis sativa; + 12.750 gr canábis resina; Rua 6 +46,129 gr canábis resina; +1,557 gr canábis folhas/sumidades; Rua 4 + 43.024,951 de canábis resina) e da detida pelo arguido DD ser também considerável – 949,388 gr + 57,226 gr de canábis folhas/sumidades (não havendo por isso qualquer margem, apesar da natureza do estupefaciente, para se ponderar qualquer diminuição de ilicitude relativamente ao crime para qualquer um dos arguidos).

Pouco há a acrescentar. «O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a convergir no entendimento de que, para que se possa concluir no sentido de haver ilicitude consideravelmente diminuída, o que não se confunde com ilicitude diminuta, há que proceder a uma ponderação global das circunstâncias - factos dignos de consideração, notáveis, importantes - que relevem do ponto de vista da ilicitude e que tornem desproporcionada ou desajustada a punição do agente, no caso concreto, pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º15/93.

Para a “imagem global do facto” concorrem, por exemplo, as quantidades de estupefacientes, nomeadamente as detidas, vendidas, distribuídas, oferecidas ou proporcionadas a outrem; a qualidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, aí se incluindo o potencial grau de danosidade para os bens jurídicos protegidos pela incriminação; a dimensão dos lucros obtidos; a duração, intensidade e persistência no prosseguimento da atividade desenvolvida; a posição do agente no circuito de distribuição dos estupefacientes; o número de consumidores envolvidos; o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com recurso a meios mais ou menos sofisticados»3.

É certo que o tribunal a quo reconhece que:

Quanto ao arguido DD, não se provou a existência de qualquer venda ou cedência concreta que permita concluir quer pela disseminação da droga que tinha por várias pessoas ou que a droga que tinha lhe permitiu ou permitiria retira lucros avultados (mais do que o normal que já é inerente ao tráfico).

E, adiante, ao abordar as consequências jurídicas dos crimes:

-a sua atividade de “tráfico” que resultou provada é aquisição (compra) e detenção, não se tendo feito prova de outras atividades com fins lucrativos (designadamente venda, guarda para terceiros, transporte, ou cedência a terceiros…) mas também não se provando que toda aquela quantidade de canábis se destinava ao seu consumo exclusivo

É jurisprudência constante que se enquadra no art. 25º al. a) do DL 15/93 de 22.1, a conduta do agente que se dedica ao pequeno tráfico, com venda de estupefaciente directamente ao consumidor final, através de contacto directo e de rua, sem a utilização de quaisquer meios sofisticados, em pequenas doses, ainda que de forma regular.

Porém, actualmente não se pode menosprezar a relevância do tráfico de canábis, pelos efeitos perniciosos e pela dependência que reconhecidamente gera4.

O certo é que “para que o tráfico possa integrar o tipo privilegiado previsto no art. 25.º, do DL n.º 15/93, de 22-01, não basta que o desvalor da conduta se situe ao nível inferior do barómetro da ilicitude do crime de tráfico (matricial). É indispensável que a ilicitude se apresente com uma diminuição de tal ordem que deva ter-se por consideravelmente diminuída.

Se assim não se apresentar, o grau mais baixo da ilicitude do tráfico influirá na determinação da medida da pena, naturalmente dentro da moldura penal do crime de tráfico do art. 21º, mas não permite subsumi-lo ao tráfico de menor gravidade”5.

Neste contexto, apesar de não se terem apurado circunstâncias que agravem a ilicitude, não se pode considerar que seja consideravelmente diminuída a ilicitude da detenção de pouco mais de 1Kg de canábis, mesmo ponderados os graus de pureza de 8,6% e de 9,5% (THC), atendendo à quantidade de estupefaciente, ao seu valor de mercado, às actuais evidências científicas da perniciosidade da substância em causa (devidamente salientadas no acórdão recorrido), à situação pessoal e contexto sócio-económico do Recorrente DD, bem definido no facto provado 66, incongruente com a detenção de tal quantidade daquele produto.

Assim, está afastada a possibilidade de considerar diminuída a ilicitude do facto e de integrar a conduta do Recorrente DD na previsão do art. 25º do Decreto-Lei 15/93 de 22.1.


*


Adianta ainda o Recorrente que devia ser considerado consumidor – e que a droga apreendida se destinava exclusivamente a consumo próprio – e absolvido do crime, por força das alterações introduzidas ao art. 40º do Decreto-Lei 15/93 pela Lei 55/2023 de 8.9.

Refira-se em primeiro lugar que nenhum dos argumentos aduzidos abalam a convicção livremente formada pelo tribunal a quo ao considerar não provado “que o produto estupefaciente adquirido, detido e guardado pelo arguido DD destinava-se exclusivamente ao seu próprio consumo”, nem se encontra qualquer fundamento que justifique ponderar a tese do Recorrente de que o produto se destinava a consumo próprio.

Por outro lado, não pode deixar de se assinalar que a alteração introduzida no art. 40º do Decreto-Lei 15/93 pela Lei 55/2023 de 8.9 não consiste numa mudança da filosofia de descriminalização subjacente à redacção do art. 40º, desde a Lei 30/2000 de 29.11. Limitou-se a incluir na descriminalização o cultivo (nº 1), a consignar que a detenção para consumo constitui contra-ordenação (nº 2) e a consignar o que já decorria de alguma prática judiciária – que a posse de quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias constitui apenas um indício (nº 3), sem prejuízo de se poder provar que a detenção de quantidade superior pode ser apenas para consumo próprio (“desde que fique demonstrado que tal aquisição ou detenção se destinam exclusivamente ao consumo próprio”) (nº 4).

Como se viu, não ficou demonstrado que tal detenção se destinava exclusivamente ao consumo próprio.

Consequentemente, também está afastada a possibilidade de considerar que a quantidade detida era para consumo exclusivo do Recorrente e de integrar a sua conduta na previsão do art. 40º do Decreto-Lei 15/93 de 22.1.

2. Reincidência

O Recorrente DD insurge-se contra a sua condenação como reincidente por entender “que é materialmente inconstitucional a interpretação efetuada da norma constante no artigo 75º do C.P. em conjugação com o disposto no artigo 18º nº2 da C.R.P., de que basta o mero cometimento de crime definido pelo artigo 75º do C.P. para a verificação da reincidência com as consequências daí decorrentes”.

Quanto à reincidência, o acórdão recorrido considerou:

Da requerida punição do arguido DD com a agravante da reincidência

O artigo 75º do Código Penal estipula que:

1 - É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

2 - O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

3 - As condenações proferidas por tribunais estrangeiros contam para a reincidência nos termos dos números anteriores, desde que o facto constitua crime segundo a lei portuguesa.

4 - A prescrição da pena, a amnistia, o perdão genérico e o indulto, não obstam à verificação da reincidência.

A reincidência é uma circunstância modificativa comum que altera a medida abstrata da pena, agravando-a, com fundamento no mais elevado grau de censura de que o delinquente se tornou passível, uma vez que o novo facto demonstra que a anterior ou anteriores condenações não lhe serviram de prevenção contra o crime. Há uma maior censura, uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente por desrespeito pela advertência do sancionamento anterior, revelando perigosidade associada à persistência em delinquir, em voltar a cometer outros crimes.

A reincidência é específica, própria ou homótropa quando comete crimes da mesma espécie ou é genérica, imprópria ou polítropa, quando comete crimes de espécie diferente.

Neste sentido, o Prof. Figueiredo Dias (in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, 377), esclarece que “é no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. É nele, por conseguinte, que reside o lídimo pressuposto material – no sentido de “substancial”, mas também no sentido de pressuposto de funcionamento “não automático”- da reincidência.”

Os pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, “por si só ou sob qualquer forma de participação”, são os seguintes:

1º - o crime agora cometido seja um crime doloso;

2º - este crime, sem a incidência da reincidência, deva ser punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses;

3º - o arguido tenha antes sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efetiva superior a 6 meses, por outro crime doloso;

4º - que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos, prazo este que se suspende durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coação, de pena ou de medida de segurança.

Além dos enunciados pressupostos formais, a verificação da reincidência exige um pressuposto material: o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

No caso em concreto relativamente à última condenação elencadas pelo Ministério Público na acusação pública, para fundamentar o seu pedido de condenação do arguido DD como reincidente, que consta no ponto 35) alínea d) dos factos provados, estão preenchidos todos os requisitos formais suprarreferidos. Por um lado, o arguido será condenado nestes autos no crime que lhe é imputado, que é doloso, em pena de prisão superior a 6 meses, como supra se pode verificar (uma pena concreta de 4 anos e 4 meses de prisão). E, por outro lado, no referido processo que resultou provado no ponto 35) alínea d) a pena ali aplicada ao condenado foi de prisão efetiva superior a 6 meses, e desde a data da prática daquele crime (fevereiro e março de 2018) até à data da prática do crime em causa nestes autos (27 fevereiro de 2024), descontado o tempo em que o arguido esteve a cumprir prisão preventiva e pena de prisão (de 3 de março de 2018 a 25 de outubro de 2018 e depois de 9 de junho de 2019 a 17 de abril de 2021), não passaram mais de 5 anos.

Quanto ao pressuposto material, o regime da reincidência estipula que a punição agravada pela reincidência só tem lugar se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

Com vista à análise sobre o preenchimento deste pressuposto, socorremo-nos, uma vez mais, dos ensinamentos do Professor Figueiredo Dias, (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 268), cuja doutrina tem obtido acolhimento uniforme na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que nos esclarece que “…o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa [homogénea ou específica], exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (…) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza [reincidência polítropa, genérica ou heterogénea] será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, …, é… a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel

Voltando ao caso concreto, tendo em consideração que a condenação constante no ponto 35) alínea d) dos factos provados que foi indicada pelo Ministério Público para fundamentar a reincidência, foi pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, inda que de menor gravidade p. e p. no art. 25º do DL nº15/93, de 22/01, afigura-se-nos que o seu comportamento deve ser alvo de maior censura uma vez que a condenação anteriores não lhe serviram de advertência contra o crime, denotando a conduta do arguido uma indiferença perante o bens jurídicos protegidos, pelo que está também verificado o requisito material exigido pela lei para a ocorrência de reincidência.

Em face do exposto, verifica-se que estão preenchidos todos os pressupostos da punição do arguido DD como reincidente relativamente ao crime pelo qual vai condenado nestes autos, o que constitui fundamento bastante para o funcionamento da agravante da reincidência.

O artigo 76.º, nº 1, do Código Penal estabelece que em caso de reincidência o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado.

Assim, com referência à moldura penal para o crime já anteriormente referida, importa agora aplicar as regras deste artigo 76º, nº1, do Código Penal.

Desta forma tendo o crime de tráfico de estupefacientes previsto pelo art. 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22/01 uma pena abstrata de 4 a 12 anos de prisão, com a punição como reincidente passa a ter uma pena abstrata a aplicar ao arguido DD de 5 anos e 4 meses a 12 anos de prisão.

Tendo em consideração todos os fatores já anteriormente referidos e que relevam para a determinação da medida concreta da pena e ainda a agravação da sua culpa por se tratar de arguido reincidente, o tribunal entende como adequada e proporcional para o arguido DD uma pena concreta pela prática do crime de tráfico de estupefaciente aqui em causa, que se fixa em 5 (anos) e 8 (oito) meses de prisão.

Basta a leitura da fundamentação aduzida no acórdão recorrido para logo se percepcionar que o tribunal não interpretou o art. 75º do Código Penal no sentido de que basta o mero cometimento de crime definido pelo art. 75º do Código Penal para a verificação da reincidência com as consequências daí decorrentes.

Houve um juízo de facto prévio no facto provado 45, decorrente da factualidade constante dos factos 41 a 44, no sentido de que as anteriores condenações sofridas, e mais concretamente a condenação por acórdão proferido a 11.4.2019, transitado a 20.5.2019, no âmbito do Processo Comum Coletivo 19/18.5SFPRT do J8 do Juízo Central Criminal do Porto, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva, pela prática em Fevereiro e Março de 2018, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º al. a) do DL 15/93, de 22.1, por referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal, e o cumprimento da pena dela decorrente não constituíram suficiente advertência contra o crime aqui em causa, não se mostrando concretamente capaz de o fazer levar a abandonar a actividade criminosa e a adoptar uma conduta conforme ao direito.

A análise jurídica efectuada também afasta qualquer espécie de automaticidade na aplicação do instituto da reincidência, deixando claro que não se trata de uma mera pluriocasionalidade e, bem pelo contrário, esclarecendo que as condenações anteriores não lhe serviram de advertência contra o crime, denotando a conduta do arguido uma indiferença perante o bens jurídicos protegidos, pelo que está também verificado o requisito material exigido pela lei para a ocorrência de reincidência.

Bastará recordar que se está perante um caso de reincidência homótropa em que perante a sequência de condenações, cumprimentos de penas e cometimento de novos crimes da mesma natureza, estamos perante um caso em que “as regras da lógica e da experiência sustentam plenamente a inferência de que lhe foi indiferente a solene advertência contra o crime contida na condenação antecedente, não se descortinando a intervenção de circunstâncias que possam excluir a conexão entre os crimes – o que fundamenta a verificação do pressuposto material da reincidência”6

Conclui-se que a interpretação e aplicação do art. 75º do Código Penal pelo tribunal não coincide com aquela que o Recorrente considera ser inconstitucional porquanto foi fundamentada na ponderação das circunstâncias concretas atendíveis.

3 Medida das penas e possibilidade de suspensão da sua execução

Ambos os arguidos pugnam pelo abaixamento das penas por excesso e pela suspensão da sua execução.

O Recorrente AA invoca o conjunto de circunstâncias mitigadoras do grau de ilicitude dos factos e da culpa, bem como das exigências da prevenção geral e especial que não foram suficientemente valorados e, sendo fixada uma pena não superior a 5 anos de prisão, pugna pela suspensão da execução da pena.

O Recorrente DD sustenta o apoio familiar, a sua forte integração na comunidade e, comparativamente, as penas aplicadas aos outros arguidos no processo, a quem foram apreendidas quantidades muto superiores.

O acórdão recorrido fundamenta a determinação das penas concretas nos seguintes termos:

De acordo com o disposto no art. 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22/01, pela prática do crime tráfico de estupefacientes é abstratamente aplicável aos arguidos uma pena de prisão 4 a 12 anos.

O legislador não impôs a necessidade prévia de proceder à escolha da pena aplicável relativamente a qualquer um destes crimes, entendendo, desde logo, que a pena de multa não configura uma alternativa quando em causa estejam em prática de tais crimes.


**


Dentro das molduras abstratas acima definidas para os crimes praticados pelos arguidos cabe agora encontrar as penas concretamente aplicáveis considerando as circunstâncias que, não fazendo parte dos tipos de crimes deponham contra ou a favor dos arguidos.

Os critérios de determinação da medida concreta das penas encontram-se exemplificativamente enumerados no art. 71º do Código Penal. As penas serão delimitadas pela inultrapassável medida da culpa dos arguidos, determinando-se os seus quantitativos tendo em atenção essa mesma culpa e as exigências de prevenção.

A prevenção geral, no seu entendimento mais atual, como prevenção geral positiva ou de integração, é um momento irrenunciável que não pode deixar de relevar decisivamente para a medida das penas a aplicar – a ideia de que só razões ligadas à inarredável necessidade de reafirmar as expectativas comunitárias na validade e vigência das normas jurídicas violadas, abaladas pela prática dos crimes, podem justificar as reações mais gravosas por parte do direito penal.

Como circunstâncias que, não fazendo parte do tipo do crime que lhes é imputado e se associam diretamente à sua prática ou às motivações que lhes deram origem, haverá a considerar:

• existem elevadas razões de prevenção geral atenta a enorme incidência de tráfico de estupefacientes, e as consequências nefastas que advêm do mesmo para a saúde pública e bem ainda a perniciosidade dos efeitos do consumo de estupefacientes, que é facilitado por estes agentes, com maior ou menor grau de organização, e isto muito embora se trate de canabis;

• é que, muito embora seja considerada uma “droga leve” no contexto atual o seu tráfico e distribuição tem uma grande relevância, pois que a disponibilidade de canábis tem vindo a aumentar muito no espaço europeu, com o correspondente aumento do número de consumidores

• de facto, a Organização das Nações Unidas [www.unodc.org/res/WDR- 2023/Special_Points_WDR2023_web_DP.pdf] reconhece que a canábis é a droga ilícita mais consumida a nível mundial, com cerca de 219 milhões de consumidores, correspondendo a cerca de 4% da população global adulta, e de acordo com as estatísticas da ONU, o número de consumidores aumentou cerca de 21% na última década, com especial enfoque no aumento diretamente ligado aos confinamentos durante o período de pandemia por Covid-19, sendo que, em 2019, cerca de 41% dos problemas de saúde relacionados com o consumo de estupefacientes estavam ligados à canábis.

• é que a canábis é uma substância que, sem prescrição médica, oferece perigos muito relevantes para a saúde, contribuindo para o desencadear ou agravar de perturbação mental e deterioração psicossocial. Os efeitos psicoativos dos canabinoides no sistema nervoso central dão-se inicialmente ao nível dos respetivos recetores neuronais (CB1 e CB2), com complexas repercussões em vários sistemas de neurotransmissores e áreas encefálicas que se refletem efetivamente ao nível de: euforia, irritabilidade ou depressão; exagero ou embotamento; ilusões ou alucinações; ideias hipervalorizadas, desorganizadas ou delírios; agressividade ou síndrome de adinamia; défices de memória e raciocínio; descoordenação. E quando consumidos em doses elevadas, por períodos prolongados e/ou na forma de produtos altamente concentrados, os canabinóides podem contribuir para o aparecimento ou agravamento de várias perturbações mentais como: Depressão; Esquizofrenia; Toxicodependência; Perturbação de pânico; Psicose tóxica canábica; Perturbação afectiva bipolar; Perturbação de personalidade.

• ademais é consabido que o consumo de canábis, por ser considerada “droga leve e recreativa” acaba por funcionar como uma porta de entrada para o abuso e/ou dependência de outras drogas extremamente prejudiciais - álcool, nicotina, anfetamina, cocaína, quetamina, fenciclidina, heroína (entre outras) - aumentando o risco de deterioração psicossocial.

• E como tem vindo a tornar-se cada vez mais comum e fácil de obter este tipo de estupefaciente, sobretudo por parte de jovens e jovens adultos, é premente a exigência social de uma reação por parte do julgador por forma a repor a confiança na vigência da norma violada, atento o alarme social que o trafico destas substancias causa na comunidade.

quanto ao arguido GG:

(…)

relativamente ao arguido AA:

• agiu com a modalidade mais forte de culpa, atuando com dolo direto, representando e querendo os resultados obtidos;

• a culpa (desvalor da conduta) e a ilicitude (desvalor do resultado) situam-se num patamar elevado.

• é certo que o arguido está implicado apenas num transporte do estupefaciente da área da grande Lisboa para Vila Nova de Gaia, contudo trata-se de uma detenção e transporte de uma elevada quantidade de estupefaciente: 65.333,362 gramas de canábis, com um grau de pureza de €26,9%, que correspondem a 351 493 doses, e permite uma distribuição por um número muito elevado de consumidores;

• á data dos factos não se encontrava integrado profissionalmente, apresentando fragilidade ocupacional e permeabilidade aos contactos com pares criminosos como aconteceu no caso concreto;

• dado que não lhe são conhecidos hábitos aditivos, não estava motivado pelo consumo, visando exclusivamente a remuneração fácil e vantajosa que receberia com a sua atividade;

• ainda que a sua atividade de tráfico se resuma ao transporte, a verdade é que o seu lugar na cadeia de distribuição da droga que lhe foi entregue é fundamental para a fluidez da mesma pelas várias regiões do país, tendo um papel essencial na sua disseminação no território;

• a idade do arguido 51 anos;

• a sua situação pessoal, social e económica; o seu grau de escolaridade,

• não se conhecem antecedentes criminais ao arguido;

• tem cumprido de forma adequada a medida de coação aplicada no presente processo, manifestando capacidade ao nível do cumprimento das regras e obrigações a que está sujeito.

• confessou de forma integral e sem reservas os factos que resultaram provados quanto à sua pessoa, no que respeita à detenção e transporte do estupefaciente, contudo, tendo em consideração que o transporte do produto estupefaciente foi constatado pelos senhores agentes da PSP, a assunção dos factos, no contexto em que surgiu, porque quase inevitável face à abundância da prova produzida existente a esse respeito, não tem a mesma força e valoração, até porque se tratam de factos objetivos e irrefutáveis, sendo que a sua colaboração com a justiça se resume a admiti-los, nada revelando acerca de como obteve aquela quantidade de estupefaciente e a mando de quem fazia o transporte;

quanto ao arguido DD:

• agiu com a modalidade mais forte de culpa, atuando com dolo direto, representando e querendo os resultados obtidos;

• a culpa (desvalor da conduta) e a ilicitude (desvalor do resultado) situam-se num patamar elevado.

• o arguido detinha na garagem de sua casa uma quantidade considerável de estupefaciente: canábis (folhas/sumidades) 949,388 gramas, com o grau de pureza de 8,6%, que correspondem a 1632 doses, e 57,226 gramas, com um grau de pureza de 9,5%, que corresponde a 108 doses.

• as muito elevadas exigências de prevenção especial, dado o percurso e passado criminal do arguido, o qual conta, à data da prática destes factos, com 9 condenações, pela prática 9 crimes: 6 de condução sem habilitação legal (sendo que em 3 deles foi condenado em pena de multa, 1 numa pena de prisão suspensa na sua execução, 1 numa pena de prisão substituída por multa, e 1 pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade), 1 de tráfico de estupefacientes agravado (condenado numa pena de prisão efetiva); 1 de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade (condenado numa pena de prisão efetiva), sendo que foi efetuado o cúmulo dessas duas penas, sendo-lhe aplicada uma pena de 6 anos e 3 meses de prisão efetiva, que veio a cumprir; e de 1 trafico de quantidades diminutas e menor gravidade na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, que também veio a cumprir;

• arguido nunca sentiu verdadeiramente a gravidade do seu comportamento, nem a solenidade das sucessivas censuras que lhe foram sendo dirigidas, como demonstra o facto de ter continuado a cometer crimes designadamente crimes de tráfico de estupefaciente;

• o arguido praticou os factos dos presentes depois de já ter sido condenado em três penas de prisão efetiva pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes (agravado e de menor gravidade) a que supra se aludiu, sendo que relativamente à última condenação e pena, que cumpriu, se ponderará no âmbito da reincidência, não podendo, no entanto, deixar de se expressar a já sua anterior indiferença às normas que vem violando e às condenações que sofreu;

• a sua atividade de “tráfico” que resultou provada é aquisição (compra) e detenção, não se tendo feito prova de outras atividades com fins lucrativos (designadamente venda, guarda para terceiros, transporte, ou cedência a terceiros…) mas também não se provando que toda aquela quantidade de canábis se destinava ao seu consumo exclusivo

• a idade do arguido 36 anos;

• a sua situação pessoal, social e económica; o seu grau de escolaridade que resultaram provadas

• à data dos factos, o arguido residia com a companheira, com quem mantém relacionamento estável e coeso há mais de 10 anos, segundo um modelo que descreve de partilha e entreajuda que valoriza para o seu crescimento pessoal e estabilização emocional, e com o filho mais velho do casal, vivendo numa habitação, inscrita num espaço comunitário suburbano sem problemáticas sociais, com boas condições de habitabilidade, sendo que no momento diz vivenciar dinâmica familiar positiva e gratificante com todos os elementos da sua matriz familiar,

• contudo nem este enquadramento familiar estável com a companheira, que exerce funções como educadora de infância há vários anos, nem a atividade profissional que diz exercer, desde 2022, no setor do comércio automóvel, por conta própria, tiveram a capacidade de o fazer afastar-se da prática do crime aqui em causa, conformando o seu comportamento com a normatividade, nem de deixar de ter um consumo regular de canabinóides, e isto apesar de em tempos ter sido encaminhado para avaliação em unidade de saúde especializada, nomeadamente o Centro de Respostas Integradas (CRI) Porto Ocidental, pois não se mobilizou para aderir a qualquer tipo de proposta de tratamento;

Consideradas em conjunto as circunstâncias descritas, o tribunal coletivo entende como adequadas, proporcionais e justas:

(…)

- para o arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22/01 uma pena concreta que se fixa em 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão;

- para o arguido DD, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22/01 uma pena concreta que se fixa em 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão7.


*


Relativamente ao Recorrente DD, importa afastar desde já a possibilidade de suspensão da execução da pena porquanto, mantendo-se, como se manteve, a reincidência, com o enquadramento legal assim definido, a pena mínima aplicável se fixa, como o acórdão recorrido afirma, em cinco anos e quatro meses.

Deste limite mínimo legal para o crime de tráfico de estupefacientes praticado em reincidência resulta imediatamente a impossibilidade legal de se cogitar sequer a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Recorrente, porquanto o art. 50º nº 1 do Código Penal apenas admite a possibilidade de suspensão quanto a penas de prisão aplicadas em medida não superior a cinco anos.


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A inconstitucionalidade invocada pelo Recorrente AA resultaria da interpretação acolhida pelo Tribunal do art. 344º do Código de Processo Penal, quando conjugado com os art.s 22º e 32º da Constituição da República Portuguesa, no sentido de desvalorização da confissão do arguido, atento ao facto de não ter identificado a pessoa que lhe efectou a entrega do produto estupefaciente que veio a transportar.

Basta reler os fundamentos expostos pelo acórdão recorrido para valorar na sua justa medida essa confissão para compreender que não foi aplicado o disposto no art. 344º do Código de Processo Penal e, aliás, nem tinha de ser.

Uma coisa é o regime processual ínsito no art. 344º do Código de Processo Penal para a confissão que aliás foi respeitado na parte aplicável8, porquanto o arguido foi condenado em taxa de justiça reduzida a metade; outra, mais complexa, é o seu relevo jurídico enquanto meio de prova a ser valorada nos termos do art. 127º do Código de Processo Penal.

Efectivamente é consensual que não é toda e qualquer confissão que releva positivamente para a determinação da medida da pena. Esse valor varia na razão directa da sua relevância, desde a confissão muito relevante, que permite ultrapassar dúvidas ou considerar provados factos para os quais não existe mais prova, até à confissão pouco ou nada relevante, como a confissão de factos já manifestamente provados, designadamente, a confissão do óbvio, quando tiver havido prisão em flagrante delito9.

Assim, inexiste o fundamento alegado pelo Recorrente para invocar a inconstitucionalidade.


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Analisando as pretensões dos Recorrentes, constata-se que o tribunal a quo ponderou todas as circunstâncias referidas pelos Recorrentes que podem e devem ser consideradas na determinação da medida da pena.

Não se pode deixar de salientar que, como decorre do acórdão recorrido, não fosse o Recorrente DD reincidente, seria condenado em pena substancialmente inferior, muito próxima do limite mínimo da pena.

Nos termos supra transcritos, o acórdão recorrido atendeu à culpa como limite superior da pena e às exigências de prevenção geral e especial, ponderando todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, respeitando o disposto nos art.s 40º e 71º do Código Penal.

Fundamentou as razões de prevenção geral para a necessidade de combate ao tráfico de droga, incluindo canábis, de acordo com instrumentos internacionais que refere, atendendo aos especiais problemas de saúde que lhe estão associados e à facilidade de acesso.

Acaba ponderando, em relação a cada um dos arguidos, as “circunstâncias que, não fazendo parte do tipo do crime que lhes é imputado e se associam directamente à sua prática ou às motivações que lhes deram origem”, descriminando exaustivamente as circunstâncias favoráveis, bem como as que militam contra cada um dos arguidos.

Constata-se, assim, que o tribunal a quo respeitou os princípios gerais que presidem à determinação da medida da pena e as operações de determinação impostas por lei, com a indicação e consideração dos factores de medida da pena, tendo sido sopesadas todas as circunstâncias atendíveis.

Quanto ao Recorrente AA, dir-se-á mesmo que só a relevância concedida a factores atenuantes como a idade, a inserção social, familiar e profissional e a confissão, explicam a dosimetria da pena nos cinco anos e dois meses de prisão, apesar das fortes exigências de prevenção geral e do elevado grau de ilicitude, atendendo designadamente à quantidade de estupefaciente em causa; relativamente ao Recorrente DD, a pena muito próxima do limite mínimo, não deixou de reflectir a quantidade (menor em relação aos demais arguidos) e o grau de pureza relativamente baixo da canábis e o enquadramento familiar e profissional actual estável

O recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico também em matéria de pena e a sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas, de acordo com Figueiredo Dias10 não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se “tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”11 reconhecendo-se, assim, uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável se não mesmo impossível de sindicar12.

Resta, então apreciar se a pena definida pelo tribunal a quo é excessiva, como sustentam os Recorrentes, ou se, ao invés, se mostra justa, adequada e proporcional, sendo certo que não sendo caso de manifesta desproporcionalidade13, não se justifica qualquer compressão.

As penas (pouco acima do limite mínimo atendendo à reincidência, para o arguido DD e fixada em cinco anos e seis meses de prisão, abaixo do 1/6 da moldura penal, sendo particularmente significativas as quantidades de estupefaciente detidas, estão em sintonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, face às “fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade” 14.

Consequentemente, as penas estão plenamente fundamentadas, mostrando-se justas – proporcionais, adequadas e necessárias – e conforme aos critérios plasmados no art. 71º do Código Penal, não merecendo qualquer censura, as condenações nas penas fixadas.


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Quanto ao Recorrente AA, face à manutenção da pena concreta em medida superior aos cinco anos de prisão, fica prejudicada a possibilidade de ponderação da suspensão da execução da pena, por inadmissibilidade legal (art. 50º nº 1 do Código Penal).

III – DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos AA e DD e, consequentemente em confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes, fixando-se a taxa de justiça devida por cada um em 6 UC.

Lisboa, 17-09-2025

Jorge Raposo (relator)

Carlos Campos Lobo

Maria Margarida Almeida

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1. Cfr. acórdão de 23-11-2022, do S.T.J., proferido no processo n.º 543/19.2PALGS.E1.S1, 3.ª Secção.

2. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça 5/2017, publicado no Diário da República n.º 120/2017, Série I de 23.6.2017.

3. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2024 no proc. 410/23.5T9RGR.L1.S1; no mesmo sentido cfr. entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17.9.2014 no proc. 56/13.6PFEVR.E1.S1, de 13.3.2024, no proc. 441/22.2T9STB.S1 e de 23.11.2023, no proc. 42/20.0PESTB.S1.

4. Conforme «Relatório Europeu sobre Drogas – 2020», do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA)», que sustenta que “a canábis tem hoje um peso significativo nas admissões a tratamento de toxicodependência”. Cfr. neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.5.2022, no proc. 41/20.1PJCSC.L1.S1.

5. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.4.2021, no proc. 143/17.1GDEVR.E1.

6. Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.1.2024, no proc. 8/21.2GIBJA.S1.

7. Seguiu-se a análise dos pressupostos da reincidência no termo da qual que se fixou a pena em 5 anos e 8 meses de prisão.

8. Recorda-se que, por força do naº 3 do art. 344º nº 3 al. c) do Código de Processo Penal o regime não é aplicável na totalidade em casos como o dos autos em que a pena é superior a 5 anos.

9. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.3.2020, no proc. 71/19.6JDLSB.S1; de 28.4.2016, no proc. 37/15.5GAELV.S1; de 9.12.2010, no proc. 100/10.9JELSB.S1; e, de 5.3.2025, no proc. 82/24.0JELSB.L1.S1.

10. Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 2ª reimpressão, 2009, §255, pg. 197.

11. Neste sentido também os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.10.2008 e 11.7.2024, respectivamente nos proc.s 08P1964 e 491/21.6PDFLSB.L1.S1.

12. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.3.2004, CJ 2004, 1, pg. 220 e de 20.2.2008, proc. 07P4639.

13. “A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos, – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na justa medida, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.12.2020, proc. 565/19.3PBTMR.E1.S1)

14. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.2.2016, proc. 426/15.5JAPRT.