I - O credor só incorre em mora por não aceitar uma prestação desde que a prestação lhe tenha sido oferecida nos termos legais e que o credor não tenha motivo justificado para a recusa.
II - O lesado que considera legitimamente ter direito a uma indemnização superior àquela que lhe é proposta por uma seguradora tem um motivo justificado para se recusar a levantar os cheques por que a indemnização proposta lhe seria paga sempre que a seguradora condicione o levantamento à declaração de que o lesado nada mais tem a reclamar.
PROCESSO N.º 6450/21.1T8LRS.L1.S1
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recorrente: Condomínio do Prédio sito na Rua 1, …, Alenquer
Recorridos: AA e BB
I. — RELATÓRIO
1. AA e BB propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, contra Condomínio do Prédio sito na Rua 1, …, Alenquer, pedindo a condenação do Réu no pagamento das seguintes quantias:
I. — € 36.347,83 a título de danos emergentes, por via do instituto da responsabilidade civil e, subsidiariamente, por via do instituto do enriquecimento sem causa;
II. — € 41.000,00 a título de lucros cessantes, por via do instituto da responsabilidade civil e, subsidiariamente, por via do instituto do enriquecimento sem causa
IV. — acrescidos, em qualquer caso, de juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, contados da data da citação até integral pagamento e de sanção pecuniária compulsória, fixada de acordo com o n.º 4 do artigo 829.º-A, do Código Civil.
2. O Réu contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção.
3. Invocou as excepções dilatórias de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade processual passiva, “alegando que os Autores aceitaram que a responsabilidade pela reparação dos danos pertencia a cada um dos condóminos na proporção das respectivas permilagens”, e a excepção peremptória de prescrição.
4. Os Autores responderam às excepções, pugnando pela respectiva improcedência.
5. Em despacho saneador, o Tribunal de 1.ª instência:
I. — julgou improcedentes as excepções dilatórias de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade processual passiva;
II. — julgou improcedente a excepção peremptória de prescrição.
6. Os Autores requereram a ampliação do pedido, para que o Réu fosse condenado:
I. — a pagar-lhes a quantia de € 63.332,57 a título de danos emergentes;
II. — a pagar-lhes a quantia de € 41.000,00 a título de lucros cessantes, acrescida de € 1.000,00 mensais desde a data da propositura da acção até integral reparação dos danos emergentes;
“tudo acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, contados da data da citação até integral pagamento, e, ainda, da sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4, do artigo 829.º-A, do Código Civil”.
7. Foi admitida a ampliação do pedido requerida pelos Autores.
8. O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção parcialmente procedente.
9. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância é do seguinte teor:
Pelo exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência,
I. condena-se o réu “Condomínio do Prédio sito na rua 1, …, Alenquer” a pagar aos autores AA e BB as seguintes quantias:
a. € 45.998,66 (quarenta e cinco mil novecentos e noventa e oito euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até efetivo e integral pagamento, quantia que será objeto de atualização de acordo com o valor da inflação ocorrida entre outubro de 2018 e abril de 2024, e relativa ao custo de mão de obra e ao valor dos materiais de construção e dos bens a fornecer (constantes do orçamento que constitui o documento n.º 34 junto com a p. i.), a liquidar em execução de sentença e
b. € 1.217,70 (mil duzentos e dezassete euros e setenta cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até efetivo e integral pagamento,
II. absolvendo-se o réu do demais peticionado.
10. Inconformado, o Réu interpôs recurso de apelação.
11. Os Autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
12. O Tribunal da Relação julgou o recurso parcialmente procedente.
13. O dispositivo do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação é do seguinte teor:
Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, alteram a sentença sob impugnação e condenam o réu a pagar aos autores a quantia correspondente ao valor/custo dos materiais e mão de obra necessários à reparação da fracção, discriminados nos pontos 7 e 15 dos factos provados, actualizados de acordo com a inflação entre Outubro de 2018 e Abril de 2024, a liquidar posteriormente, até ao limite de 63 332,57€, descontando os valores de: i)- 10 065,85€ já recebido pelos autores e, ii)- o valor correspondente à permilagem de 17%ºº a suportar pelos autores.
14. Inconformado, o Réu interpôs recurso de revista.
15. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:
1 – Em sede de retificação de erro material requerida pelos Autores, o valor a considerar para efeitos de dedução na condenação do Réu, a título de quantias recebidas pelos Autores, deverá ser de 12.985,33€ e não de 10.065,85€, enfermando o valor constante das decisões proferidas de manifesto erro de cálculo, valor esse que deverá descontado sobre o valor apurado até ao limite da ampliação do pedido efetuado pelos Autores, ou seja até ao valor de 63.332,57€.
2 - O acórdão recorrido enferma, desde logo, de vício que o torna parcialmente nulo, nos termos do disposto no artigo 615º, alínea d), por remissão do artigo 674º, nº 1, alínea c) do CPC, por omissão de pronúncia sobre questões que deveria conhecer.
3 - O Tribunal recorrido, para além das quantias efectivamente recebidas pelos Autores, não levou em consideração as quantias que foram disponibilizadas aos Autores por parte de várias seguradoras, nomeadamente da Companhia de Seguros Fidelidade, SA, através de envio de recibos de quitação, em data anterior à propositura da ação judicial.
4 – Tais valores foram disponibilizados aos Autores, conforme consta da matéria de facto dada como provada nos pontos 24 e 25, não tendo estes procedido ao recebimento das referidas quantias por tal implicar a assinatura de recibo de quitação, o que não pretendiam fazer por não concordarem com o orçamento global considerado para tais pagamentos.
5 – Estes valores encontram-se discriminados pelos Autores na tabela que constitui o documento nº 37 da petição inicial, somando o valor de 5.971,96€ (cinco mil, novecentos e setenta e um euros, noventa e seis cêntimos).
6– O Tribunal recorrido é, porém, totalmente omisso quanto à disponibilização destes valores aos Autores, dada como provada, o que constitui uma nulidade do acórdão recorrido que expressamente se invoca, nos termos do disposto no artigo 615º alínea d) por remissão do disposto no artigo 674º nº 1 c) do CPC.
7 – O acórdão recorrido enferma, ainda, de erro na decisão proferida ao condenar apenas no pagamento do valor / custo dos materiais e mão de obra necessários à reparação, atualizados de acordo com a inflação a partir de Outubro de 2018, sem indicar qual o valor à data de Outubro de 2018.
8 - O acórdão veio condenar apenas no pagamento do valor /custo de materiais e mão de obra, atualizados de acordo com a inflação desde Outubro de 2018 a Abril de 2024, não discriminando, porém, que o valor que decide atualizar com efeitos a partir de Outubro de 2018 corresponde ao valor do orçamento apresentado exatamente na data de Outubro de 2018.
9 – Ora, o único modo de obter o valor / custo dos materiais e mão de obra à data de Outubro de 2018, data da sua atualização de acordo com a inflação, será o de considerar o orçamento junto aos autos sob doc. nº 34, no valor de 45.998,66€.
10 – Enfermando assim, o acórdão de manifesto erro de raciocínio que importa corrigir.
11 - Por outro lado, o acórdão recorrido enferma de erro quanto ao valor efectivamente recebido pelos Autores, uma vez que estes receberam das seguradoras de várias frações que constituem o condomínio o valor total de 12.985,33€ e não de 10.065,85€.
12 – Os Autores confessaram o recebimento da quantia de 10.065,85€, juntando como prova, um documento (tabela) por si elaborado, do qual constam os valores recebidos e a permilagem de cada fração do prédio. (Documento 37 junto com a petição inicial).
13 – No entanto, tal documento enferma, ele sim, de manifesto erro na transposição dos valores da primeira parte para a segunda parte do documento, nomeadamente no que respeita aos valores recebidos quanto às frações C, F, H, AC, AG, e AM, tendo os Autores recebido o valor de 2.919,48€ para além de 10.065,85€ por si confessados.
14 – Acresce que, para além das quantias efetivamente recebidas pelos Autores, outras quantias existem que foram disponibilizadas aos Autores por parte da Companhia de Seguros Fidelidade, SA, em data anterior à propositura da ação judicial, e que os Autores não receberam por tal recebimento implicar a assinatura de recibo de quitação, mas que se encontram na sua disponibilidade, pelo que deverão ser igualmente consideradas para efeitos de dedução ao valor da condenação do Réu.
15 – O acórdão recorrido é totalmente omisso quanto a estes valores, no montante de € 5.971,96, não se tendo pronunciado sobre a existência de pagamentos que foram remetidos pela companhia de Seguros Fidelidade, SA, através do envio de recibos de quitação, que os Autores mantêm na sua posse e que, como tal, devem ser considerados como valores recebidos pelos Autores.
16 - Nos termos do disposto no artigo 767º do Código Civil, o pagamento pode ser feito tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação.
17 – No caso em apreço, esse terceiro corresponde às seguradoras das várias frações autónomas que constituem o condomínio, as quais cumpriram a obrigação, pela parte que lhes competia no valor total dos danos, tendo por base o valor resultante da peritagem por si efetuada (vide pontos 19 e 20 dos factos assentes), ressarcindo os Autores da parte proporcional às respetivas frações seguradas.
18 - Não tendo os Autores recebido tais valores (com exceção do acima referido valor de € 12.985,33), os mesmos incorreram em mora perante o devedor, nos termos do artigo 768º, nº 1 do Código Civil, devendo o Tribunal recorrido fixar a existência dessa mora e dela extrair as consequências legais estatuídas nos artigos 813º e seguintes do Código Civil quanto a estes valores.
19- Consequentemente, os valores a deduzir no valor da condenação do Réu serão:
a) A quantia de € 12.985,33 efetivamente já paga aos Autores pelas várias seguradoras de algumas frações que constituem o condomínio;
b) A quantia de € 5.971,96, respeitante às quantias disponibilizadas aos Autores por parte da Companhia de Seguros Fidelidade SA, na qualidade de seguradora de outras frações,
c) O valor respeitante à permilagem da fração dos Autores (fração A), correspondente a 17%ºº da quantia correspondente ao valor total do custo dos materiais e mão de obra necessários à reparação da fração, atualizado de acordo com a inflação entre Outubro de 2018 e Abril de 2024, a liquidar em execução de sentença.
20 – Pelo que, por todos os fundamentos supra expostos, se impõe decisão diversa da proferida pelo acórdão recorrido quanto ao valor da condenação do Réu e aos valores a descontar, o que se requer.
Como é de Lei e de Justiça.
16. Os Autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
17. Finalizaram a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:
A. O Recorrente identificou o objeto do presente recurso como sendo a condenação do mesmo “a pagar aos autores a quantia correspondente ao valor/custo dos materiais e mão de obra necessários à reparação da fracção, discriminados nos pontos 7 e 15 dos factos provados, actualizados de acordo coma inflação, entre Outubro de 2018 e Abril de 2024, a liquidar posteriormente, até ao limite de 63 332,57€, descontando os valores de: i)- 10 065,85€ já recebido pelos autores; e, ii)- o valor correspondente à permilagem de 17%00 a suportar pelos autores.”
B. No passado dia 6 de fevereiro, os Autores, ora Recorridos, submeteram, via CITIUS, requerimento para retificação de erro material, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2, do art. 613º. e art. 614º., ambos do C.P.C., o qual aqui mantêm, na íntegra, com os seguintes fundamentos:
C. Considerou este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, e, diga-se, bem, que a sentença proferida pelo Tribunal a quo “(….) omitiu a dedução dos 10 065,85€ que os próprios autores afirmam já terem recebido, bem como omitiu o valor correspondente à permilagem de 17%00 que lhes cabe suportar.”
D. Estas considerações levaram à seguinte decisão final: “Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, alteram a sentença sob impugnação e condenam o réu a pagar aos autores a quantia correspondente ao valor/custo dos materiais e mão de obra necessários à reparação da fracção, discriminados nos pontos 7 e 15 dos factos provados, actualizados de acordo com a inflação entre outubro de 2018 e abril de 2024, a liquidar posteriormente, até ao limite de 63 332,57€, descontando os valores de: i)- 10 065,85€ já recebido pelos autores e, ii)- o valor correspondente à permilagem de 17%00 a suportar pelos autores.”
E. Desde já se deixa claro que os Autores, ora Recorridos estão perfeitamente de acordo com o princípio deste raciocínio aplicado pelo Tribunal, no sentido de descontar os valores de € 10.065,85, que já receberam e o valor correspondente à permilagem de 17%00 da sua responsabilidade ao valor atualizado do valor/custo dos materiais e mão de obra necessários à reparação da fração, que vier a ser encontrado, em sede de liquidação. Acontece que,
F. No valor da ampliação do pedido apresentado pelos Autores, ora Recorridos, no âmbito dos presentes autos, ou seja, no tal valor encontrado de € 63.332,57, como se pode constatar pelo teor dos pontos 10. a 14. desse mesmo articulado de ampliação do pedido, os Autores trataram logo de descontar os tais dois valores de € 10.065,85, que já receberam e o valor correspondente à permilagem de 17%00 da sua responsabilidade.
G. O valor total da atualização encontrado e apontado na ampliação do pedido apresentado pelos Autores, ora Recorridos, é de € 74.201,10, ao qual foram depois descontados aos supra referidos dois valores, de onde resultou o tal pedido de ampliação no valor de € 63.332,57.
H. Por todo o supra exposto, deverá ser retificado o erro material indicado, dado tratar-se de lapso manifesto de interpretação da ampliação do pedido, tudo como prescrevem os arts. 613º., n.º 2 e 614º., ambos do C.P.C., no sentido de substituir, na parte decisória do Acórdão, o valor de “63 332,73€” pelo valor “74 201,10€”, devendo a parte decisória do Acórdão passar a ter a seguinte redação: “Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, alteram a sentença sob impugnação e condenam o réu a pagar aos autores a quantia correspondente ao valor/custo dos materiais e mão de obra necessários à reparação da fracção, discriminados nos pontos 7 e 15 dos factos provados, actualizados de acordo com a inflação entre outubro de 2018 e abril de 2024, a liquidar posteriormente, até ao limite de 74 201,10€, descontando os valores de: i)- 10 065,85€ já recebido pelos autores e, ii)- o valor correspondente à permilagem de 17%00 a suportar pelos autores.”
I. Quanto àquilo que é invocado pelo Recorrente, neste ponto, dir-se-á que não corresponde à verdade que o documento n.º 37 junto pelos Recorridos com a P.I. enferme de qualquer erro de cálculo,
J. Desde logo, porque se trata de um documento elaborado através de fórmulas de excel, pelo que, os cálculos não foram feitos manualmente, pelos Recorridos.
K. A isso acresce que os valores constantes do referido documento basearam-se num outro conjunto de documentos que lhe serviram de suporte, nomeadamente, os documentos juntos com a P.I., sob n.º 39 a 74.
L. Documentos esses nunca postos em causa antes pelo Recorrente, nem na 1ª. instância, nem no recurso que interpuseram para o Tribunal da Relação de Lisboa. Mais,
M. O valor efetivamente recebido pelos Recorridos por parte das Seguradoras, consta do ponto 24. dos factos provados, ponto esse não impugnado pelo Recorrente, no seu recurso de apelação,
N. Vem o Recorrente invocar que o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa é nulo, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615º., alínea d), por remissão do art. 674º., n.º 1, alínea c), ambos do C.P.C.,
O. Alega, pois, que o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre a questão relativa às quantias que foram disponibilizadas aos Autores, ora Recorridos, por parte de várias Seguradoras, “(…)os quais continuam na disponibilidade de recebimento por parte dos Autores.” Ora,
P. Consta do acervo dos factos provados, no seu ponto 25. que: “Os autores não procederam ao levantamento dos cheques que lhes foram enviados pelas referidas seguradoras porque era necessário a assinatura de recibo de quitação, com a declaração de nada mais terem a reclamar no que ao sinistro descrito em 4. e 5. diz respeito.”
Q. Este ponto não foi objeto de impugnação por parte do Recorrente, no seu recurso de apelação.
R. Até porque não corresponde à verdade que esses valores “continuem na disponibilidade de recebimento por parte dos Autores.”
S. Por esse motivo, a 1ª. Instância ao referir-se aos indicados valores não os somou, embora os documentos comprovativos dos mesmos tenham sido juntos aos autos pelos Recorridos, com a sua P.I..
T. Pelo exposto, o Tribunal da Relação não incorreu em qualquer omissão de pronúncia, precisamente, porque o Recorrente não logrou provar que as quantias a que a sentença alude no ponto 25. dos factos provados ainda se encontrem disponíveis.
U. Alega, igualmente, o Recorrente que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa violou a lei substantiva ao condenar, apenas, no pagamento do valor/custo dos materiais e mão-de-obra necessários à reparação, atualizados de acordo com a inflação a partir de outubro de 2018, sem discriminar que tal valor corresponde à quantia de € 45.998,66, à data de outubro de 2018.
V. Entendem, porém, os Recorridos que esteve bem o Tribunal da Relação no raciocínio, embora com a retificação de cálculo já requerida e fundamentada, até porque o valor a ser atendido, neste momento, deverá ser o valor indicado na ampliação do pedido que foi apresentada pelos Recorridos e admitida nos autos.
W. O que deverá ser retificado deverá ser o que já supra se expôs, ou seja, o tal valor limite não deverá ser o de € 63.332,57, mas sim, o inicialmente encontrado e resultante da soma do orçamento de valor mais baixo considerado na ampliação do pedido, no valor de € 72.983,40, e do valor pedido para reparação dos móveis, no valor de € 1.217,70, tudo perfazendo um valor total de € 74.201,10.
X. A este propósito, alega o Recorrente que, nos termos do disposto no art. 767º., do Código Civil (doravante, C.C.) “(…) o pagamento pode ser feito tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação.”
Y. Concluindo que “Não tendo os Autores recebido alguns desses valores (…), os mesmo incorreram em mora perante o devedor, nos termos do artigo 768º., n.º 1, do Código Civil, devendo o tribunal recorrido fixar a existência dessa mora e dela extrair as consequências legais estatuídas nos artigos 813º. e seguintes do Código Civil quanto a estes valores.” Ora,
Z. Efetivamente, dispõe o n.º 1, do art. 767º., do C.C., que “A prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação.”
AA. No entanto, por outro lado, o n.º 2, da mesma disposição legal, estatui que “O credor não pode, todavia, ser constrangido a receber de terceiro a prestação, quando se tenha acordado expressamente em que esta deve ser feita pelo devedor, ou quando a substituição o prejudique. ”
BB. E é precisamente esta a situação dos presentes autos, ou seja,
CC.O aceitar e ter depositado aqueles cheques, a que alude o ponto 25. dos factos provados, obrigaria os Recorridos a assinar recibos de quitação de valores com os quais não concordavam,
DD. Impedindo-os inclusivamente de virem reclamar judicialmente, através dos presentes autos, o valor que entendem ser o justo e suficiente para repararem os danos que sofreram.
EE. Pois, se não bastasse o que já se expôs, sempre se diria que seria de aplicar, aqui o disposto na primeira parte do n.º 2, da referida disposição legal a qual refere que: “É, porém, lícito ao credor recusá-la, desde que o devedor se oponha ao cumprimento e o terceiro não possa ficar sub-rogado nos termos do artigo 592.º; (…)”,
FF. Pois, a verdade é que, o Recorrente, verdadeiro devedor, ainda nada pagou aos Recorridos, sempre se recusou a fazê-lo, pois, de outra forma, não estaríamos aqui.
GG. Por tudo o que já aqui se expôs, é manifesto que não tem aqui qualquer aplicação legal o disposto no art. 813º. e ss. do C.C..
HH. Em conclusão, não merce qualquer censura a decisão do douto Tribunal da Relação de Lisboa, a não ser relativamente à já requerida retificação do erro material, o qual consiste, apenas, em substituir o valor de “63 332,73€” pelo valor “74 201,10€”, na parte decisória do Acórdão.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, julgando, assim, totalmente improcedente o presente Recurso, nos termos e pelos motivos ora expostos, e julgando procedente o pedido de retificação de erro material apresentado pelos Recorridos, conforme aqui se conclui, farão V. Exas. JUSTIÇA!
18. Em conferência, o Tribunal da Relação decidiu:
a)- Indeferir a rectificação de “erro material” solicitada pelos autores e condená-los no pagamento de taxa de justiça de 2 Uc;
b)- Indeferir a rectificação do “erro material” solicitada pelo recorrente e condená-lo no pagamento de taxa de justiça de 2 Uc;
c)- Indeferir a arguida nulidade do acórdão e condenar o recorrente no pagamento de taxa de justiça de 2 Uc.
19. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigo 608.º, n.º 2, por remissão do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:
I. — se o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia sobre se as quantias referidas nos factos dados como provados sob os n.ºs 24 e 25 deviam ser deduzidas à indemnização dos Autores, agora Recorridos;
II. — se o acórdão recorrido incorreu em erro na aplicação da lei, ao condenar no pagamento da “quantia correspondente ao valor/custo dos materiais e mão de obra necessários à reparação da fracção, discriminados nos pontos 7 e 15 dos factos provados, actualizados de acordo com a inflação entre Outubro de 2018 e Abril de 2024”, sem especificar que o valor a actualizar corresponde á quantia de 45.998,66 euros;
III. — se os Autores, agora Recorridos, incorreram em mora do credor, por não terem recebido as quantias referidas no facto dado como provado sob o n.º 25;
IV. — se as quantias referidas no facto dado como provado sob o n.º 25 devem ser deduzidas à indemnização dos Autores, agora Recorridos.
II. — FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
20. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:
1. Os autores são donos e legítimos proprietários da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao R/c direito do Bloco 1, para Serviços, pertencente ao prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., da Freguesia de Santo Estêvão, concelho de Alenquer, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Alenquer sob o número ...16, e inscrito na respetiva matriz predial, da sobredita freguesia, sob o artigo 28, com a licença de utilização número 44, emitida pela Câmara Municipal de Alenquer, em 21/02/2005.
2. À fração autónoma descrita em 1 foi concedido o alvará de autorização de utilização n.º 16/2011, emitido pela Câmara Municipal de Alenquer em 18 de fevereiro de 2011, para a respetiva de utilização como Clínica de Enfermagem.
3. A par dos administradores eleitos para o exercício das funções decorrentes do disposto no artigo 1435.º, do Código Civil, a sociedade “FRANGEST – Gestão de Condomínios, Unipessoal, Lda” foi nomeada como empresa gestora do Condomínio réu.
4. Em 16 de fevereiro de 2018 a administração do réu detetou uma rotura na prumada de esgotos que passa na parte superior da fração dos autores, ocorrida em data não concretamente apurada, mas que se situa no início daquele mês.
5. Em consequência da mencionada rotura todo o esgoto das casas de banho do lado esquerdo do Bloco 1 passou a ser direcionado diretamente para o teto da fração dos autores, e deste para os dois pisos da mesma fração, inundando-a com dejetos.
6. O sinistro descrito em 4. e 5. causou danos na fração dos autores, designadamente, nos registos de extração, ramais das condutas, filtros e unidades de insuflação, pavimentos, rodapés, paredes, portas, escadas, tetos, divisórias de pladur, janelas, caixilharias, armários, roupeiros, casas de banho, loiças de casa de banho, torneiras, bancadas, espelhos e vidros, calhas técnicas e aparelhagem, unidades interiores de ar condicionado, focos de iluminação e do detetor ótico de fumo, e nos sinalizadores de ação nela existentes.
7. Para reparar tais danos, repondo a fração dos autores no estado em que se encontrava antes do sinistro descrito em 4. e 5., é necessário:
a. desmontar, limpar e desinfetar os registos de extração em toda a fração;
b. limpar os ramais das condutas em toda a fração;
c. substituir os filtros e unidades de insuflação em toda a fração;
d. limpar e desinfetar os pavimentos (exceto o descrito infra, na alínea r.), rodapés (exceto os descritos infra, na alínea n.), paredes, portas (exceto as descritas infra, na alínea h.), escadas, tetos (exceto os descritos infra, na alínea i.), divisórias de pladur (exceto as descritas infra, na alínea k.), janelas, caixilharias, armários, roupeiros, casas de banho, loiças de casa de banho, torneiras, bancadas, espelhos e vidros em toda a fração;
e. remover, limpar e recolocar todas as calhas técnicas e aparelhagem do hall de entrada (piso 0), do corredor de circulação (piso 0), do Gabinete 1 (piso 0), do Gabinete 2 (piso 0), do Gabinete 3 (piso -1), do Gabinete 4 (piso -1) do Gabinete 5 (piso -1) e do Gabinete 6 (piso -1);
f. substituir, se a limpeza não for possível, os rodapés em alumínio do hall de entrada (piso 0), do corredor de circulação (piso 0), do Gabinete 1 (piso 0) e do Gabinete 2 (piso 0);
g. reparar e pintar as paredes do hall de entrada (piso 0), do corredor de circulação (piso 0), do Gabinete 1 (piso 0), do Gabinete 2 (piso 0), da área de circulação (piso -1), do Gabinete 3 (piso -1), do Gabinete 4 (piso -1), do Gabinete 5 (piso -1), do Gabinete 6 (piso -1) e da instalação sanitária do piso -1;
h. substituir quatro portas de madeira de acesso aos gabinetes do corredor de circulação (piso 0) e as portas de madeira de acesso ao Gabinete 3 (piso -1), ao Gabinete 4 (piso -1), ao Gabinete 5 (piso -1), ao Gabinete 6 (piso -1) e à instalação sanitária do piso -1;
i. substituir o teto falso do corredor de circulação (piso 0), do Gabinete 1 (piso 0), do Gabinete 2 (piso 0), da área de circulação (piso -1), do Gabinete 3 (piso -1), do Gabinete 3 (piso -1), do Gabinete 4 (piso -1), do Gabinete 5 (piso -1), do Gabinete 6 (piso -1) e da instalação sanitária do piso -1; j. substituir, se a limpeza não for possível, o lavatório, torneira e acessórios do Gabinete 1 (piso 0);
k. substituir as paredes divisórias em pladur entre os Gabinetes 1 e 2 (piso 0), entre o Gabinete 2 (piso 0) e a escada, entre os Gabinete 3 e 6 (piso -1), entre os Gabinetes 4 e 5 (piso - 1), entre o Gabinete 5 e a área de circulação (piso -1) e entre Gabinete 6 e a área de circulação (piso -1);
l. substituir a unidade interior de ar condicionado do Gabinete 1 (piso 0) e do Gabinete 2 (piso 0);
m. substituir os focos de iluminação e o detetor ótico de fumo do Gabinete 1 (piso 0), do Gabinete 2 (piso 0), da área de circulação (piso -1), do Gabinete 3 (piso -1), do Gabinete 4 (piso -1), do Gabinete 5 (piso -1), do Gabinete 6 (piso -1) e da instalação sanitária do piso -1;
n. substituir os rodapés da área de circulação (piso -1), do Gabinete 3 (piso -1), do Gabinete 4 (piso -1), do Gabinete 5 (piso -1) e do Gabinete 6 (piso -1);
o. substituir o sinalizador de ação do Gabinete 3 (piso -1), do Gabinete 4 (piso 1), do Gabinete 5 (piso -1) e Gabinete 6 (piso -1);
p. substituir, se a limpeza não for possível, o lavatório, a torneira e os acessórios da instalação sanitária do piso -1;
q. substituir a base de duche e respetivos acessórios da instalação sanitária do piso -1 e r. substituir o pavimento da instalação sanitária do piso -1.
8. Na sequência do sinistro descrito em 4. e 5., a administração do réu providenciou pela reparação da prumada de esgotos do edifício.
9. Na assembleia geral de condóminos realizada em 2 de março de 2018 a administração do réu informou os condóminos que tinha detetado a rotura descrita em 4. e 5., e procedido à reparação descrita em 8.
10. Mais informou que existiam «danos avultados» na fração dos autores, tendo sido deliberado pelos presentes a marcação de uma assembleia extraordinária para apresentação de orçamentos para as reparações necessárias na mencionada fração.
11. Na assembleia geral de condóminos realizada em 9 de novembro de 2018 foi analisado um orçamento pedido pela “FRANGEST”, cujo valor da reparação era no montante total de € 45.998,66, IVA incluído, e foi deliberado, em relação ao primeiro ponto da ordem de trabalhos («rotura na coluna de esgoto e danos causados na Loja do Bloco 1 – R/C dto»), que «para dar início ao processo deve a proprietária da fração A, lesada, fazer a participação ao seguro da sua fração e mediante a resposta por escrito da Companhia de seguros da lesada, será marcada nova Assembleia para análise do assunto».
12. Apesar de terem votado contra esta deliberação, os autores não a impugnaram judicialmente.
13. À data do sinistro a fração dos autores nunca tinha sido utilizada para qualquer atividade, e tinha no seu interior um sofá de 3 lugares, um sofá individual, um móvel de sala em madeira maciça de pinho mel e um lava-louça em inox.
14. Os quais ficaram, em consequência do sinistro descrito em 4. e 5., totalmente danificados.
15. Para a reparação e estufagem dos mencionados sofás e substituição dos outros do móvel de sala e lava-loiça os autores terão de despender valor total não inferior a € 1.217,70, IVA incluído.
16. Em 16 de fevereiro de 2021 os autores não eram titulares de seguro válido que cobrisse a sua fração autónoma, o que comunicaram, por escrito à sociedade “FRANGEST”, comunicação que foi lida, em voz alta, na assembleia geral extraordinária de condóminos realizada no dia 14 de dezembro de 2018, e transcrita para a respetiva ata nos seguintes termos:
«Antes de 16 de fevereiro de 2018 não tinha seguro válido para a minha fração, assim como muitos condóminos ainda hoje não o têm. No entanto, tal facto, não muda absolutamente em nada a realidade dos factos, porquanto, o seguro que houvesse, nessa altura, apenas cobriria a minha quota parte (calculada com base na minha permilagem) da reparação da conduta e, eventualmente, a minha quota parte (calculada da mesma forma) nos danos que tive no interior da minha fração. Não é essa quota parte que estou a reclamar do Condomínio, pois, como é evidente, essa quota parte cabe-me a mim suportar. Por esse motivo e também porque, ainda que houvesse seguro válido anterior a essa data, os prazos de reclamação já estão mais do que ultrapassados, não posso apresentar qualquer resposta escrita por parte da minha Seguradora. Tais factos não ilibam o Condomínio, ou seja, os restantes condóminos de assumir a responsabilidade de suportar (por si, ou pela respetiva seguradora) a respetiva quota parte nos danos por mim sofridos. Desta forma, aquilo que a Assembleia Geral deverá decidir é se está na disposição de aprovar uma comparticipação extraordinária para suportar o valor dos danos, independentemente de quem tiver seguro e quiser acioná-lo, fazê-lo. Caso a Assembleia Geral não esteja nessa disposição, deverão todos os condóminos serem informados de que intentarei, de imediato, a competente ação judicial, de molde a ser ressarcida de todos os prejuízos que esta situação me causou e continua A causar, sendo incluídos neles os danos emergentes e os lucros cessantes, até integral pagamento.»
17. Na referida assembleia foi, de seguida, deliberado que «todos os condóminos têm de fazer a participação ao seguro da sua fração, até ao dia 15 de janeiro de 2019, sendo todos os elementos necessários fornecidos pela “Frangest – Gestão de Condomínios, Unipessoal, L.da”.
18. Para além da fração dos autores, a fração “B”, correspondente ao R/C esquerdo do Bloco 1 também não tinha seguro à data do sinistro descrito em 4. e 5..
19. Após a participação do mencionado sinistro às diversas seguradoras que cobriam os riscos das frações autónomas, e respetiva quota parte das partes comuns do réu, as referidas seguradoras diligenciaram pela averiguação do sinistro e peritagem à fração dos autores, tendo sido elaborado um orçamento de reparação pela “GEP, Gestão de Peritagens, S. A.”, ao serviço da “Companhia de Seguros Fidelidade, S. A.”.
20. Neste orçamento foi atribuído o valor total de € 20.346,39 para se proceder às reparações que se entenderam necessárias levar a cabo na fração dos autores.
21. Na sequência da adesão das demais seguradoras ao orçamento descrito em 19., as seguradoras pagaram, ou disponibilizaram, aos autores a quase totalidade do pagamento da quota parte imputável aos seus segurados.
22. O mencionado orçamento foi comunicado aos autores no âmbito dos processos de regularização do sinistro descrito em 4. e 5..
23. Os autores não concordaram com o teor deste orçamento por entenderem que o mesmo não apresentava formas de intervenção/reparação aptas a repor a sua fração no estado em que se encontrava antes do sinistro descrito em 4. e 5.. Ainda assim,
24. Os autores receberam, dos pagamentos mencionados em 21., efetuados por transferência bancária, o montante total de €10.065,85. No entanto,
25. Os autores não procederam ao levantamento dos cheques que lhes foram enviados pelas referidas seguradoras porque era necessário a assinatura de recibo de quitação, com a declaração de nada mais terem a reclamar no que ao sinistro descrito em 4. e 5. diz respeito.
26. Em outubro de 2018 os autores teriam de despender quantia não inferior a € 45.998,66 (IVA incluído) para procederem às obras necessárias a repor a sua fração no estado em que se encontrava antes do sinistro descrito em 4. e 5.
21. Em contrapartida, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes:
a). que antes da ocorrência da rotura descrita em 4. e 5. dos factos dados como provados a fração dos autores estivesse toda preparada e equipada para o exercício da atividade de uma clínica de enfermagem;
b). que quando ocorreu a inundação que afetou a fração autónoma dos autores, estes estavam a tentar arrendar a mesma para o exercício de atividade Clínica de Enfermagem, tendo tido, inclusivamente, algumas propostas de pessoas interessadas para renda mensal na ordem dos 1.200,00;
c). o valor locativo da fração dos autores e
d). o valor alegado pelos autores para a reparação necessária a repor a sua fração no estado em que se encontrava antes do sinistro descrito em 4. e 5. para além do que ficou provado sob o ponto n.º 26.
O DIREITO
22. Os Autores e o Réu requereram a rectificação do dispositivo do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação.
23. Os Autores requereram a sua rectificação na parte em que fixou como limite da indemnização a quantia de 63332,57 euros.
I. — O dispositivo do acórdão recorrido diz:
“… condenam o réu a pagar aos autores a quantia correspondente ao valor/custo dos materiais e mão de obra necessários à reparação da fracção, discriminados nos pontos 7 e 15 dos factos provados, actualizados de acordo com a inflação entre Outubro de 2018 e Abril de 2024, a liquidar posteriormente, até ao limite de 63 332,57 euros”
II. — Os Autores, agora Recorridos, pretendem que seja alterado para que diga:
“… condenam o réu a pagar aos autores a quantia correspondente ao valor/custo dos materiais e mão de obra necessários à reparação da fracção, discriminados nos pontos 7 e 15 dos factos provados, actualizados de acordo com a inflação entre Outubro de 2018 e Abril de 2024, a liquidar posteriormente, até ao limite de 74.201,10 euros”.
24. Fundamentam a sua pretensão alegando que o valor de 63332,57 euros, referido no requerimento de ampliação do pedido, resultou da dedução ao valor de 74201,10 euros (i) da quantia de 10 065,85 euros, correspondente ao valor daquilo que tinham recebido, e (ii) da quantia de 802,00 euros, correspondente ao valor daquilo que tinham de suportar, por corresponder à sua permilagem de 17‰ 1.
25. Entrando na apreciação do requerimento de rectificação apresentado pelos Autores, agora Recorridos, dir-se-á o seguinte:
26. O texto do acórdão recorrido refere-se ao pedido dos Autores, agora Recorridos, nos seguintes termos:
I. — “na petição inicial os autores alegaram: que o valor necessário à reparação dos danos na fracção é de 45 998,66€ (orçamento sob documento 34), mais 1 217,70€ (orçamento sob o nº 34, correspondente aos sofás e lava-louça), num total de 47 216,36€ (ponto 38 da p.i.). E que a esse valor deve ser deduzida a quantia correspondente à sua permilagem de 17%ºº, que montará a 802,68€ (ponto 39 da p.i.), bem como a quantia de 10 065,85€ já recebidos por transferências bancárias de algumas seguradoras (ponto 40 da p.i.). Daí, terem formulado o pedido de condenação do réu em 36 347,83€ […]”;
II. — “[na ampliação do pedido,] os autores pretendem a actualização dos custos para reparação, que se mostram desactualizados, designadamente por força da inflação e, formularam um pedido de 63 332,57€”;
III. — “… importa alterar a sentença, em termos de condenar o réu a pagar aos autores a quantia correspondente ao valor/custo dos materiais e mão de obra necessários à reparação da fracção, discriminados nos pontos 7 e 15 dos factos provados, actualizados de acordo coma inflação, entre Outubro de 2018 e Abril de 2024, a liquidar posteriormente, até ao limite de 63 332,57€, descontando os valores de: i)- 10 065,85€ já recebido pelos autores; e, ii)- o valor correspondente à permilagem de 17%ºº a suportar pelos autores”.
26. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que
5. […] só é admissível a correcção por mera rectificação de lapsos materiais consistentes em omissões e discrepâncias de escrita ou de cálculo que se revelam da mera leitura do texto da decisão, equivalentes aos erros de cálculo ou de escrita revelados no contexto das declarações negociais, a que se refere o artigo 249º do Código Civil.
6. Não pode ser qualificada como rectificação uma alteração da parte decisória do acórdão cuja incorrecção material se não detectava da leitura do respectivo texto 2.
27. Ora da leitura das três referências ao pedido dos Autores, agora Recorridos, feitas no texto não se detecta a incorrecção da parte decisória do acórdão.
28. Enquanto os Autores, agora Recorridos, requereram a rectificaçção do dispositivo do acórdão recorrido na parte em que fixou o limite a indemnização em 63332,57 euros, o Réu requereu a rectificação do dispositivo na parte em que determinou que se descontasse o valor de 10 065,85 euros, “já recebido pelos autores”.
I. — O dispositivo do acórdão recorrido diz“… descontando o[] valor[] de: i)- 10 065,85€ já recebido pelos autores […]”.
II. — O Réu, agora Recorrente, pretende que seja alterado para que diga: “… descontando o[] valor[] de: i)- 12 985,33€ já recebido pelos autores […]”.
29. Fundamenta a sua pretensão alegando que:
11 - […] o acórdão recorrido enferma de erro quanto ao valor efectivamente recebido pelos Autores, uma vez que estes receberam das seguradoras de várias frações que constituem o condomínio o valor total de 12.985,33€ e não de 10.065,85€.
12 – Os Autores confessaram o recebimento da quantia de 10.065,85€, juntando como prova, um documento (tabela) por si elaborado, do qual constam os valores recebidos e a permilagem de cada fração do prédio. (Documento 37 junto com a petição inicial).
13 – No entanto, tal documento enferma, ele sim, de manifesto erro na transposição dos valores da primeira parte para a segunda parte do documento, nomeadamente no que respeita aos valores recebidos quanto às frações C, F, H, AC, AG, e AM, tendo os Autores recebido o valor de 2.919,48€ para além de 10.065,85€ por si confessados.
30. Entrando na apreciação do requerimento de rectificação apresentado pelo Réu, agora Recorrente, dir-se-á o seguinte:
31. O Réu, agora Recorrente, pretende em substância uma modificação do facto dado como provado sob o n.º 24 — “Os autores receberam, dos pagamentos mencionados em 21., efetuados por transferência bancária, o montante total de €10.065,85 […]” —, sustentando, explicitamente ou implicitamente, que o Tribunal de 1.º instância incorreu em erro na apreciação da prova.
32. Ora o n.º 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil determina que
O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
33. Esclarecidas as razões por que não deve rectificar-se o dispositivo do acórdão recorrido, entrar-se-á na apreciação das questões suscitadas pelo Réu, agora Recorrente:
34. A primeira questão consiste em determinar se o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia sobre se as quantias referidas nos factos dados como provados sob os n.ºs 24 e 25 deviam ser deduzidas à indemnização dos Autores, agora Recorridos.
35. Em relação à quantia referida no facto dado como provado sob o n.º 24, a improcedência da arguição do Réu, agora Recorrente, é de todo em todo evidente.
36. O acórdão recorrido condenou o Réu, agora Recorrente, determinando que se descontasse o valor de 10 065,85 euros, “já recebido pelos autores”.
37. Em relação à quantia referida no facto dado como provado sob o n.º 25, a improcedência da arguição, ainda que não tão evidente, decorre do teor dos factos dados como provados sob os n.ºs 24 e 25:
24. Os autores receberam, dos pagamentos mencionados em 21., efetuados por transferência bancária, o montante total de €10.065,85. No entanto,
25. Os autores não procederam ao levantamento dos cheques que lhes foram enviados pelas referidas seguradoras porque era necessário a assinatura de recibo de quitação, com a declaração de nada mais terem a reclamar no que ao sinistro descrito em 4. e 5. diz respeito.
38. O teor dos factos dados como provados é auto-explicativo:
O acórdão recorrido não determinou que se descontasse o valor dos cheques, por não ter o valor dos cheques sido recebido pelos Autores, agora Recorridos.
39. A segunda questão suscitada consiste em determinar se o acórdão recorrido incorreu em erro na aplicação da lei, ao condenar no pagamento da “quantia correspondente ao valor/custo dos materiais e mão de obra necessários à reparação da fracção, discriminados nos pontos 7 e 15 dos factos provados, actualizados de acordo com a inflação entre Outubro de 2018 e Abril de 2024”, sem especificar que o valor a actualizar corresponde á quantia de 45.998,66 euros.
40. O acórdão recorrido considerou que a quantia correspondente ao valor/custo dos materiais e mão de obra necessários à reparação da fracção, discriminados nos pontos 7 e 15 dos factos provados, era uma quantia ilíquida.
41. Como não podia condenar, simultaneamente, em quantia a actualizar de acordo com a inflação e em juros de mora à taxa legal, revogou parcialmente o acórdão recorrido, em termos de só condenar o Réu, agora Recorrente, em quantia ilíquida, a actualizar de acordo com a inflação.
42. O Réu, agora Recorrente, alega que deve convolar-se a condenação em quantia ilíquida numa condenação em quantia líquida — de 45.998,66 euros — ainda que a actualizar de acordo com a inflação.
43. Ora, as alegações do Réu, agora Recorrente, não apresentam nenhuma razão para que a condenação em quantia ilíquida deva considerar-se como um erro na aplicação da lei.
44. O Réu, agora Recorrente, conclui que
8 - O acórdão veio condenar apenas no pagamento do valor /custo de materiais e mão de obra, atualizados de acordo com a inflação desde Outubro de 2018 a Abril de 2024, não discriminando, porém, que o valor que decide atualizar com efeitos a partir de Outubro de 2018 corresponde ao valor do orçamento apresentado exatamente na data de Outubro de 2018.
9 – Ora, o único modo de obter o valor / custo dos materiais e mão de obra à data de Outubro de 2018, data da sua atualização de acordo com a inflação, será o de considerar o orçamento junto aos autos sob doc. nº 34, no valor de 45.998,66€.
10 – Enfermando assim, o acórdão de manifesto erro de raciocínio que importa corrigir.
45. Ora, as conclusões do Réu, agora Recorrente, não apresentam nenhuma razão para que a quantia correspondente ao valor/custo dos materiais e mão de obra necessários à reparação da fracção, discriminados nos pontos 7 e 15 dos factos provados, não possa determinar-se desconsiderando o orçamento junto aos autos sob o n.º 34.
46. A terceira questão suscitada consiste em determinar se os Autores, agora Recorridos, incorreram em mora do credor, por não terem recebido as quantias referidas no factos dado como provado sob o n.º 25.
47. O artigo 813.º do Código Civil enuncia os requisito da mora do credor:
O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.
48. O facto dado como provado sob o n.º 25 deixa claro que a prestação não foi oferecida nos termos legais — incondicionalmente — e que, em todo o caso, os Autores, agora Recorrentes, tinham um motivo justificado para a recusa.
49. As seguradoras condicionaram o levantamento dos cheques à assinatura de recibo de quitação, com a declaração de que os Autores, agora Recorridos, nada mais tinham a reclamar — e os Autores, agora Recorridos, recusaram-se a assinar a declaração.
50. O facto de o Tribunal de 1.ª instância e de o Tribunal da Relação terem condenado o Réu, agora Recorrente, em quantia superior àquela que correspondia ao “valor total dos danos, tendo por base o valor resultante da peritagem […] efectuada pelas seguradoras”, só pode reforçar a conclusão de que o motivo para a recusa era um motivo justificado.
51. A quarta questão consiste em determinar se as quantias referidas no facto dado como provado sob o n.º 25 devem ser deduzidas à indemnização dos Autores, agora Recorridos.
52. Estando em causa quantias que não foram recebidas pelos Autores, agora Recorrentes, a resposta só poderá ser uma resposta negativa.
III. — DECISÃO
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrente Condomínio do Prédio sito na Rua 1, …, Alenquer.
Lisboa, 18 de Setembro de 2025
Nuno Manuel Pinto Oliveira
Maria de Deus Correia
José Maria Ferreira Lopes
____________
2. Cf. acórdão do STJ de 26 de Novembro de 2015 — processo n.º 706/05.6TBOER.L1.S1.↩︎