RECLAMAÇÃO
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
DECISÃO SINGULAR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário


I - Nos termos do disposto no art. 257.º do CSC, com a epígrafe de “destituição de gerentes”, os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição do gerente, sem que a sua destituição tenha de ser fundamentada, seja por alteração de objetivos anteriormente fixados, por inadaptação ao cargo nos termos pretendidos pela empresa, ou por gestão que, à sociedade, não se afigura com a competência exigida, ou por qualquer outra razão da conveniência da empresa.
II - Tendo o A., na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, retirado das contas da sociedade anónima (SGPS) que é sócia da sociedade Ré a quantia € 380.000, 00, facto de que não deu conhecimento aos sócios e acionistas, considera-se ter violado um dever de gestão e de lealdade para com ambas as sociedades, pois que a quantia não é despicienda e não cabe ao Presidente decidir, sem mais, transferir valores desta grandeza da sociedade para terceira empresa.
III –Tal atuação, motivadora da sua destituição como Presidente do Conselho de Administração da SGPS, é violadora dos deveres previstos no art. 64.º CSC, tornando inexigível para a sociedade participada, de que é gerente, a continuação da relação fiduciária em que assenta a gerência.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA, A., intentou acção declarativa de condenação contra a R. - JUST FASHION – IMPORTAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE MODA, LDA., na qual pretende que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de €112.000,00, a título de indemnização por lucros cessantes, acrescida de € 20.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais e juros legais.

Para tanto alegou ser gerente da Ré, desde 2006, com remuneração mensal de € 3.000, 00, por catorze meses.

Em 2012, a Ré deliberou, em assembleia-geral, a destituição do A., por ter efetuado transferências para uma outra sociedade, sem conhecimento daquela. Todavia, a Ré não invocou qualquer prejuízo para si daí decorrente e, além disso, as transferências em causa ocorreram entre empresas do mesmo grupo.

Depois da sua destituição, o A. não mais conseguiu catividade com remuneração equivalente, passando a depender do vencimento do cônjuge, necessitando de recorrer a amigos e a financiamento bancário, tendo chegado a ser incluído em procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento, situação que lhe causou nervosismo e ansiedade.

2. Em contestação, disse a Ré encontrarem-se a decorrer processos criminais contra o A. onde se investigam factos relativos a branqueamento de capitais, burla qualificada e abuso de confiança, sendo esses factos que estão na base da sua destituição, de modo que a instância deveria ser suspensa aguardando o desfecho desses processos.

Acrescentou que a assembleia-geral onde se decidiu da destituição do A. foi precedida de outra, ocorrida no mesmo mês, onde o A. esteve presente e onde se explicitaram as razões que conduziram à sua destituição, tendo este chegado mesmo a colocar o seu lugar à disposição, reconhecendo as falhas em que havia incorrido.

Não teria que ser indicado na acta o prejuízo concreto, pois que o mesmo corresponde às transferências ocorridas, no valor de € 380.000,00 euros, e sendo que o prejuízo causado é superior a tal valor, por se tratar da violação de um dever de lealdade para com a Ré.

Invoca outros factos para fundamentar a destituição, aludindo aos arts. 65.º, n.º 5 e 528.º, n.º 1 do CSC. Argumenta, ainda, com o abuso do direito, nomeadamente por o A. ter reconhecido as suas falhas, prontificando-se a demitir-se sem qualquer compensação.

3. O A. exerceu contraditório.

4. Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença, datada de 10.1.2024, a qual julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré a pagar ao A. a quantia de € 112.000, 0, com juros moratórios, desde a citação e até pagamento.

5. Desta sentença recorreu a Ré, visando a sua revogação e a absolvição total, tendo vindo a ser proferido acórdão, datado de 10.7.2024, anulando a sentença e ordenando nova fundamentação de facto e de direito.

6. Tendo o processo baixado à primeira instância, veio a ser proferida sentença, datada de 14.10.2024, a qual absolveu o A. das excepções invocadas pela Ré e condenou esta a pagar àquele a quantia de € 112.000, 00, com juros de mora vencidos desde a citação e até integral pagamento.

7. Desta sentença recorre a A., tendo em vista a sua revogação.

8. Por acórdão de 8.4.2025, o Tribunal da Relação decidiu:

Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso procedente e, em consequência, revogar a sentença recorrido, julgando a ação improcedente e absolvendo a Ré dos pedidos.

Custas da ação e recurso pelo A.”

9. Desse acórdão veio apresentado recurso de revista pelo A., no qual formula as seguintes conclusões:

1.ª O thema decidendum no recurso interposto reside na (in)existência de justa causa para a destituição do A., ora Recorrente, da gerência da Ré, ora Recorrida, Just Fashion, Lda..

2.ª Da matéria de facto dada como assente não resultou qualquer violação pelo A. do dever de gestão responsável e cuidada da Ré, aqui Recorrida, cingindo-se a factualidade carreada para os autos à actuação do Recorrente, como Presidente do Conselho de Administração, da sociedade Just Fashion, SGPS, S.A., a qual não é parte no processo, sendo certo que, relativamente a esta última, também não houve violação do dever de gestão responsável e cuidada, cuja gravidade possa consubstanciar justa causa para a destituição do Recorrente do cargo de Presidente do Conselho de Administração.

3.ª Ora, tal como resulta do ponto 5 da matéria de facto dada como assente, o A., ora Recorrente, foi nomeado gerente da Ré, ora Recorrida, sem prazo de gerência.

4.ª O artigo 257.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) dispõe que os sócios podem, a todo o tempo, deliberar sobre a destituição dos gerentes, sendo uma verdadeira regra de livre destituição.

5.ª A invocação da existência de justa causa para a destituição da gerência releva para efeitos do direito à indemnização do gerente destituído, nos termos do art. 257.º, n.º 7 do CSC, cujo ónus da prova compete à sociedade Ré, enquanto facto impeditivo do direito à indemnização daquele, de acordo com a jurisprudência maioritária.

6.ª Tal como assinalado por BB, Suspensão e destituição dos membros dos órgãos de administração das sociedades por quotas e anónimas, V Congresso DSR, Almedina, 2018, pp. 219 e 220, o legislador não define, de forma rigorosa, o que deve ser entendido por justa causa no n.º 6 do art. 257.º do CSC, optando por dar uma noção do conceito tendo em conta causas de ordem subjectiva (“violação dos deveres de gerente”) e razões de ordem objectiva (“incapacidade para o exercício das funções”).

7.ª É entendimento pacífico na jurisprudência e na doutrina, que, como refere a douta sentença, p. 9, proferida na 1.ª Instância, “não é qualquer violação dos deveres de gestão que constitui justa causa, devendo-se considerar como tal o comportamento do gerente que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação contratual (uma gestão ineficaz ou causadora de prejuízos, pode considerar-se uma má gestão, mas nem por isso implica necessariamente que seja fundamentadora de “justa causa”).”

8.ª Ora, mesmo após a eliminação dos pontos 25 e 26 da matéria de facto dada como assente, é notório que não resultou provado que o Recorrente tenha violado gravemente os seus deveres ou tenha revelado incapacidade ou ficado incapacitado para o exercício normal das suas funções de gerente da Ré, ora Recorrida, Just Fashion, Lda., assim, não havendo justa causa subjectiva ou objectiva para a sua destituição.

9.ª Desde logo, não é verdade que a matéria de facto assente, nomeadamente, o ponto 19 da matéria de facto dada como assente possa fundamentar a perda de confiança dos sócios da Recorrida no Recorrente, dado que, para além de a queixa se reportar a sociedades distintas da Recorrida, o inquérito foi arquivado.

10.ª Também o ponto 24 da matéria de facto dada como assente não configura um comportamento subsumível a justa causa, evidenciando apenas a relevância das pessoas físicas comuns à Recorrida e às sociedades referidas nos autos, como Just Fashion, SGPS, S.A. e Ambigrama - SGPS, S.A..

11.ª Também não se vislumbra como pode ser reconduzido a uma violação grave dos seus deveres perante a Recorrida, Just Fashion, Lda., o reconhecimento pelo Recorrente, constante do ponto 23 da matéria de facto dada como assente, que não logrou a sua gestão, enquanto Presidente do Conselho de Administração, conseguir os objectivos de expansão a que a sociedade Just Fashion, SGPS, S.A., que, recorde-se, não é parte no processo, se propunha.

12.ª Aliás, também relativamente à Just Fashion, SGPS, S.A., este reconhecimento pelo A. que não logrou a sua gestão conseguir os objectivos de expansão não configura uma violação dos deveres de gestão que constitui justa causa.

13.ª O mesmo se verifica relativamente aos factos referentes à Just Fashion, SGPS, S.A., nomeadamente, o empréstimo de € 380.000,00 (trezentos e oitenta mil euros) ao accionista “Ambigrama - SGPS SA”, constante na acta da Just Fashion, SGPS, S.A. correspondente à Assembleia Geral realizada, no dia 13/01/2012, junta com a Contestação sob o n.º 14, referida no ponto 20 da matéria de facto dada como assente, os quais não apresentam qualquer relevância para o objecto do litígio que opõe o A., ora Recorrente, à Ré, ora Recorrida, no processo sub iudice, sendo manifestamente inaptos e inócuos para fundamentar uma hipotética justa causa da destituição do A. da gerência da Ré.

14.ª Com efeito, resulta dos factos n.ºs 1 a 4 e 12 a 15 dados como provados na matéria dada como assente que a Recorrida tinha como sócios Just Fashion, SGPS, S.A., com uma quota de € 99.900,00, na qual a Ambrigrama - SGPS, S.A. detinha, na altura, 50% da Just Fashion, SGPS, S.A., sendo certo que, como resultou provado no ponto 15 da matéria de facto dada como assente, CC era accionista maioritário da Ambigrama - SGPS, S.A., com 99,9% do capital social, desde a data da sua fundação, conforme documentos juntos sob os n.ºs 7 e 8 da PI.

15.ª Na realidade, a Recorrida, a Ambrigrama - SGPS, S.A. e a Just Fashion, SGPS, S.A. pertenciam à mesma pessoa física, CC, sendo certo que, quer CC, quer DD, através da Ambigrama - SGPS, S.A. e a Just Fashion, SGPS, S.A., respectivamente, exerciam o controlo da Recorrida.

16.ª Assim, lucidamente refere o Meritíssimo Juiz na douta sentença, pp. 9-10, que “No entanto, como resulta dos autos, a ré e a Ambigrama SGPS, bem como a Just Fashion SGPS, eram detidas pelas mesmas pessoas físicas, como suas “donas” (CC e DD), funcionando, na prática, como empresas “participadas” e em grupo, havendo frequentes movimentações contabilísticas entre elas, devidamente registadas em contabilidade, o que atenua e muito (em nossa opinião) a violação dos deveres de gerente do autor, retirando-lhe a “gravidade” exigida por lei para destituição com justa causa.

Com efeito, os “donos” de ambas as empresas eram os mesmos, sendo intenção de tais movimentações/fluxos financeiros, a de cobrir necessidades pontuais de ambas, cujos resultados andavam sempre “rés-vés”, no fundo, beneficiando tais movimentações os verdadeiros “donos” de ambas as empresas (pessoas físicas acima referidas).”

17.ª Na verdade, a propalada transferência da Just Fashion, SGPS, S.A., com uma quota de € 99.900,00, na qual a Ambrigrama - SGPS S.A. detinha, na altura, 50%, sendo certo que a referida Ambrigrama - SGPS S.A., como resultou provado no ponto 15 da matéria de facto dada como assente, era accionista maioritária, com 99,9% para a Ambigrama, tratou-se em bom rigor de uma operação entre empresas do mesmo grupo, ou melhor dizendo, de CC para CC, sócio maioritário, directa ou indirectamente, de ambas, a qual é manifestamente alheia à Ré, Just Fashion, Lda..

18.ª Acresce ainda que, apesar de Acta n.º 9, da Just Fashion, SGPS, S.A. correspondente à Assembleia Geral realizada, no dia 13/01/2012, junta com a Contestação sob o n.º 14, referida nos pontos 20 a 22 da matéria de facto dada como assente, que sublinhe-se, não é parte no processo sub iudice, constar que não foram aprovadas as contas de 2010 por factos imputáveis ao aqui A., Recorrente, resulta da Acta n.º 11, junta com o Requerimento com a Ref.ª 33809732, de 25/10/2019, correspondente à Assembleia Geral da sociedade JUST FASHION, SGPS, S.A., realizada no dia 24/12/2012, que foram aprovados por todos os sócios presentes o relatório de gestão do conselho de administração, o balanço e contas do exercício de 2010.

19.ª Assim, também da referida factualidade dada como assente referente à Just Fashion, SGPS, S.A. não resultou provado que o Recorrente, enquanto Presidente do Conselho de Administração, da Just Fashion, SGPS, S.A., tenha violado os deveres de cuidado e ou de lealdade previstos no art. 64.º do CSC, relativamente à Just Fashion, SGPS, S.A. sócia da Ré, com gravidade suficiente que justificasse a sua destituição do cargo de Presidente do Conselho de Administração.

20.ª Não há, assim, nos autos a prática pelo A., ora Recorrente, enquanto gerente da Ré, ora Recorrida, de quaisquer factos que possam consubstanciar justa causa para a sua destituição.

21.ª Por esse motivo, Acta n.º 10, correspondente à Assembleia Geral de sócios da sociedade Recorrente, realizada, no dia 27/01/2012, referida nos pontos 8 a 11 da matéria de facto dada como assente, apenas consta que foi manifestado pelo Senhor Dr. DD a total perda de confiança na pessoa do gerente, Dr. AA, motivo pelo qual também não teria qualquer confiança nas contas referentes ao exercício de 2010, sem especificar quaisquer factos, nem identificar qualquer comportamento assumido pelo A., de forma concreta, para além da lacónica referência a uma transferência para o accionista Ambigrama - SGPS, SA, durante o ano de 2010, transferência esta que, como sabemos, se reporta à Just Fashion, SGPS, SA, não envolvendo sequer a Recorrida.

22.ª Assim, não tendo sido carreado para o processo qualquer facto praticado pelo Recorrente, enquanto gerente da Ré, que consubstancie justa causa, resta concluir que a destituição do Recorrente da gerência da Recorrida foi, assim, sem justa causa, assistindo-lhe o direito, enquanto gerente por tempo indeterminado, à indemnização a que se refere ao art. 257.º, n.º 7 do CSC.

23.ª Milita ainda em favor da ausência de justa causa o facto de, na esteira da doutrina e jurisprudência maioritárias, ser sufragado que, sendo nos casos de destituição deliberada em assembleia geral de sócios, a acta respectiva o único meio de provar os motivos da destituição, nos termos da 1.ª parte do n.º 1 do art. 63.º do CSC, as razões da destituição devem constar da acta, sob pena de a destituição ter que ser havida ad nutum.

24.ª Ora, como referido, na acta correspondente à Assembleia Geral de sócios da sociedade Recorrente, realizada, no dia 27 de Janeiro de 2012, junta sob o n.º 6 da PI, através da qual o Recorrente foi destituído, não refere os factos passíveis de integrarem o conceito de justa causa de destituição, motivo pelo qual a destituição terá de ser considerada sem justa causa.

25.ª Assim, como à Recorrida não assistiu justa causa para destituir o Recorrente, privando-o do recebimento de retribuição de gerência correspondente a 14 mensalidades de € 2.000,00 durante mais 4 anos, deve a mesma ser condenada a pagar-lhe a quantia de € 112.000,00, a título de indemnização pelos lucros cessantes, tal como, doutamente, decidido na sentença da 1.ª instância.

26.ª O acórdão ora posto em crise violou, nomeadamente, os artigos 63.º, 64.º e 257.º do Código das Sociedades Comerciais.

10. Foram apresentadas contra-alegações, nas quais se conclui:

“I - DA (IN)ADMISSIBILIDADE DO RECURSO:

1. O presente recurso não deve ser admitido, por não se verificarem os pressupostos de admissibilidade legalmente exigidos – artigos 671.º e 674.º do Código de Processo Civil.

2. O recurso de revista tem natureza excecional, sendo apenas admissível quando esteja exclusivamente em causa a interpretação e aplicação do direito e não envolva reapreciação da matéria de facto, ou então quando se verifiquem as situações previstas no artigo 672.º do CPC.

3. As questões suscitadas pelo Recorrente não se reconduzem exclusivamente a matéria de direito, sendo patente que a divergência que pretende fazer valer assenta, em larga medida, na valoração e qualificação jurídica de factos concretos, devidamente fixados pelas instâncias e apreciados em função da prova produzida.

4. O próprio Recorrente, ao longo das suas alegações, não se limita a discutir a letra da lei, antes impugna a forma como os factos provados foram juridicamente interpretados, insistindo em requalificar a sua conduta como não merecedora de censura, o que implica, de forma indireta, um novo juízo sobre os elementos factuais do caso.

5. O Supremo Tribunal de Justiça, como é consabido, não constitui uma terceira instância de julgamento e não pode ser chamado a reapreciar os fundamentos probatórios que sustentam os juízos valorativos das instâncias, designadamente no que respeita à existência de justa causa de destituição

6. É pacifico que não é admissível recurso de revista sempre que o recorrente, a coberto de invocada errónea interpretação do direito, pretenda discutir a concreta valoração da prova e o juízo sobre os factos provados.

7. A decisão do Tribunal da Relação baseou-se numa análise completa e rigorosa dos factos provados e da atuação do Recorrente enquanto gerente, concluindo pela existência de justa causa, nos termos do artigo 257.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais, afastando legitimamente o direito a qualquer indemnização.

8. A alegada ofensa ao direito — tal como a apresenta o Recorrente — não resulta da violação de normas jurídicas, mas antes da sua discordância com a valoração feita pelas instâncias, o que não é objeto legítimo de recurso de revista.

9. Não sendo suscitadas questões de direito novo ou de especial complexidade jurídica, nem se verificando nenhuma das exceções previstas no artigo 672.º do CPC, o presente recurso deve ser julgado inadmissível, com as legais consequências.

Subsidiariamente,

II - DA APRECIAÇÃO DA JUSTA CAUSA DE DESTITUIÇÃO:

10. Caso V.as Ex.as venham a considerar admissível o recurso, deverá o mesmo ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a decisão da Relação.

11. O dever de lealdade adstrito ao gerente impõe-lhe uma exigência comportamental decorrente do princípio geral de boa-fé, acrescida em função da relação fiduciária que estabelece com a sociedade gerando o imperativo de prosseguir o fim que os sócios perseguem quando constituem a sociedade.

12. Ora, considera o recorrente nas suas alegações que “não resultou provado que o Recorrente tenha violado gravemente os seus deveres ou tenha revelado incapacidade ou ficado incapacitado para o exercício normal das suas funções de gerente da Ré, Just Fashion, Lda., Recorrida, assim, não havendo justa causa subjectiva ou objectiva para a sua destituição”,

13. Sustentando a sua posição que as sociedades Just Fashion, SGPS, S.A., Ambrigrama -SGPS, S.A,. e Just Fashion, SGPS, S.A., na prática pertenciam às mesmas pessoas físicas, CC e DD, o que foi bem afastado pela Relação.

14. No entanto, sabe o recorrente muito bem que a conclusão a que chegou não tem qualquer substrato factual, até porque da prova produzida é percetível compreender a separação jurídica das sociedades, que se encontravam assim organizadas:

Ambigrama – SGPS, S.A.JustFashion, SGPS, S.A.JustFashion -Importação e Distribuição de Moda, Lda.
EE (Recorrido)X
FFX
CCX
GGX
HHX
DDX
IIX
JJX
KKX
Ambigrama – SGPS, S.A.XX
Just Fashion, SGPS, S.A.X
15. Tal quadro demonstra que as sociedades não eram efetivamente detidas pelas mesmas pessoas físicas, vejamos:

- O sócio maioritário da Ambigrama-SGPS, S.A., era o CC; - Além deste, eram sócios da Ambigrama - SGPS, S.A., o FF, o GG, a HHe o Recorrido EE;

- Por sua vez, apesar de ser possuir participações sociais na Just Fashion, SGPS, S.A., o Dr. DD nunca deteve nenhuma posição na Ambigrama – SGPS, S.A.;

- Na mesma medida, a II, o JJe o KK apenas possuíam participações na Just Fashion, SGPS, S.A.;

- Limitando-se a ligação entre a Ambigrama - SGPS, S.A., e a JustFashion, SGPS, S.A., à participação daquela nesta e à coincidência do Recorrido no conselho de administração;

- Nestes termos, os sócios da Ambigrama - SGPS, S.A., apenas detêm indiretamente participações na Just Fashion, SGPS, S.A e na Just Fashion -Importação e Distribuição de Moda, Lda., por via daquela;

- Pelo que, ainda que em percentagem reduzida, o Recorrente possuía participações na Ambigrama - SGPS, S.A., e consequentemente de forma indireta na Just Fashion, SGPS, S.A e na Just Fashion - Importação e Distribuição de Moda, Lda;

- Assim como além de acionista da Ambigrama - SGPS, S.A., pertencia ao conselho de administração daquela e da Just Fashion, SGPS, S.A., e era gerente da Just Fashion - Importação e Distribuição de Moda, Lda.

16. Resulta assim claro que, ao contrário do que insiste o Recorrente, as sociedades não eram detidas pela mesma pessoa física CC.

17. Existia, isso sim, uma interligação relevante: o Recorrente é que era simultaneamente acionista, membro dos conselhos de administração das SGPS e gerente da sociedade operacional Just Fashion - Importação e Distribuição de Moda, Lda..

18. A constituição e atos societários sucessivos (constituição das sociedades, cessões de quotas, transmissões de ações, aumentos de capital, mudanças de sede, transformações societárias, entre outros) foram levados a cabo por HH, companheira do Recorrente e mãe do seu filho, a qual, embora sem formação académica superior, praticava atos jurídicos próprios de advogados, estando contra si instaurados diversos procedimentos criminais com sentenças condenatórias transitadas em julgado.

19. Por outro lado, não demonstrou o recorrente o fundamento das transferências, não autorizadas pelos sócios da recorrida, realizadas no valor de € 380.000,00 a seu belo prazer...

20. Nestes termos, andou bem o Tribunal a quo ao considerar que:

“Quer isto dizer que a pessoa física comum às três sociedades parece ser CC.

Todavia, não vemos de onde resulta a conclusão contida no ponto 25 agora aditado pelo tribunal a quo, que sequer remete para os documentos concretos donde se extraia a mesma conclusão, não se vislumbrando também como pode afirmar-se que DD (e demais sócios da Ré e quais?) detivessem qualquer interesse na Ambigrama, empresa que recebeu dinheiro que era da e sendo certo que o tribunal ficou convencido que esta transferência não foi conhecida por aqueles DD e CC e sendo certo que a transferência em causa não foi efetuada no interesse da Ré (quando muito da Just Fashion SGPS), mas no interesse da Ambigrama para evitar resultados negativos desta, tal como resulta do depoimento do A. (veja-se, no ponto provado 29, queas duas empresas de que o A. foi sócio-gerente tinhama mesma sede social da Ambigrama, o que o liga mais a esta última do que os demais sócios da Ré).(...)

É que, admitindo-se que todas as transferências ficassem contabilizadas – o que em nada influi na justa ou injusta causa de destituição – não ficou explicitado o fundamento para essas transferências (nem se sabe quais sejam, de que montantes e quando foram efetuadas) e que existisse um consenso tácito entre os sócios da Ré e o A. dando aval a este a efetuá-las a seu bel prazer, no tempo e nos montantes que entendesse. Teriam sido transferências de idêntico valor ou de valores menos significativos? As reuniões com a contabilidade, a que aludiu a testemunha LL, visavam o quê? As transferências anteriores da Ré para a Ambigrama foram devolvidas por esta última?

Ora, o tribunal à quo parte do princípio de que os € 380.000, 00, foram retirados do património da Ré e, na verdade, na ata em que se decide a destituição do A. como gerente da Ré – decisão que está aqui em causa – alude-se à total falta de confiança dos acionistas (serão, todavia, sócios) da Ré neste gerente, por ter efetuado “transferências para o acionista Ambigrama (será sócia), durante o ano de 2010, sem qualquer conhecimento deste ou de qualquer acionista (serão sócios...).

Não se tratando de movimentações financeiras entre a Ré e a Ambigrama, nem estando as mesmas devidamente concretizadas, no seu tempo e valor, e nem se verificando serem as mesmas as pessoas físicas que beneficiavam (e como beneficiariam) dessas movimentações, elimina-se o ponto 26.”.

21. Ao contrário do que sustenta o Recorrente, a matéria de facto dada como assente revela que este violou de forma grave os deveres de gestão responsável, diligente e cuidada que lhe competiam enquanto gerente da sociedade Recorrida.

22. O facto de parte da factualidade se reportar à atuação do Recorrente noutras sociedades do grupo não o exime da responsabilidade pelos atos praticados no âmbito da Recorrida, para a qual foi nomeado gerente.

23. A argumentação do Recorrente relativa à insuficiência de fundamentação da destituição na ata da Assembleia Geral não pode, assim, prevalecer, quando a matéria de facto demonstra, de forma inequívoca, a existência de justa causa para a decisão,

24. Bem considerou o Tribunal da Relação que:

“No caso que nos ocupa, o que temos objetivamente é que o A. era gerente da Ré e que esta sociedade por quotas era detida por duas sócias, duas sociedades gestoras de participações sociais (SGPS).

É consabido que as sociedades gestoras de participações sociais têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas (art. 1.º, n.º 1, do DL 495/88, de 30.12).

Por outro lado, a participação numa sociedade é considerada forma indireta de exercício da atividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer conjuntamente com participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante, considerando-se que a participação não tem carácter ocasional quando é detida pela SGPS por período superior a um ano.

A Just Fashion SGPS, SA, é, assim, sócia da Ré, detendo metade do capital social desta e é através da Ré que, de forma indireta, exerce a sua atividade económica.

O que resulta dos autos é que o A., como Presidente do Conselho de Administração da Just Fashion SGPS, SA, transferiu € 380.000,00 para terceira sociedade (também ela sócia da Ré – a Ambigrama), não tendo dado conhecimento desse facto aos acionistas da Just Fashion SGPS (nem da Ambigrama), o que motivou que, na ata de 13.01.2012, em que se visavam as contas de2010, os acionistas da Just Fashion SGPS o tivessem destituído daquele cargo, ali manifestando a sua total perda de confiança no Presidente do Conselho de Administração, aqui A.

Nessa ata, o A. admitiu que efetuou tal transferência porque a Ambigrama “tinha uma grande necessidade de tesouraria” e acrescentou que “não deu conhecimento dessas retiradas aos sócios pois pensava repor as referidas verbas num curto espaço de tempo, o que não veio, no entanto, a suceder”.

A disposição ou empréstimo de tão elevada quantia a outra empresa, ainda que esta última também seja sócia da sociedade Ré, exorbita necessariamente, pelo menos, dos interesses financeiros da outra sociedade que é sócia da Ré (Just Fashion SGPS), uma vez que esta sócia da Ré tem como acionistas pessoas distintas da Ambigrama.

Esta atuação do A., enquanto Presidente do Conselho de Administração da empresa que é uma das duas sócias da sociedade Ré, é de molde a concitar a absoluta falta de confiança dos acionistas desta sócia na conduta futura deste, na sua qualidade de gerente da Ré, assim se quebrando o vínculo de lealdade que deve coexistir entre empresa e seu gerente.

Por outro lado, não pode aceitar-se o raciocínio contido na sentença de que existia uma confusão entre as pessoas físicas que eram donas da Ré e da terceira sociedade beneficiária do empréstimo, assim se justificando o mesmo e, porventura, vindo a Ré a, em última instância, a dele beneficiar. Não estão demonstrados factos dos quais resulte ter a Ré beneficiado desta transferência. Ao invés, sabemos que a sócia da Ré, Just Fashion, viu o seu património financeiro ser atacado e o A. admitir que o fez para satisfazer necessidades de tesouraria de outra empresa, pensando repor o dinheiro num espaço curto de tempo, o que não fez. Veja-se que a destituição é de 2012 e as contas que se refere a transferência são de 2010.

Dito de outro modo: tendo o R., gerente de uma sociedade por quotas e Presidente do Conselho de Administração de uma sociedade anónima, sócia da primeira sociedade, efetuado transferência de valores avultados desta sociedade anónima para terceira empresa (também ela sócia daquela primeira empresa), o que fez sem conhecimento de nenhum dos sócios e acionistas, segundo os ditames da boa-fé, não é exigível à sociedade por quotas continuar a sua relação contratual com tal gerente, que fora até já destituído como Presidente do Conselho de Administração da sociedade anónima pelo mesmo motivo.

Diz-se na ata de destituição de gerente que essa situação retira credibilidade ao A., como gerente, e compromete a confiança nas próprias contas por si apresentadas.

O dever de lealdade, traduzido na obrigação de salvaguardar os interesses da sociedade Ré e dos seus sócios, foi posto inexoravelmente em causa e torna inexigível a continuação da relação dos sócios com o gerente.”

25. Os factos dados como provados sob os pontos 19 a 24 implicam uma evidente e incontornável impossibilidade de manutenção da confiança no recorrente na gestão da recorrida, sob pena de o recorrente ser legitimado a fazer o que quisesse numa associada e que tal nada implicasse nas demais empresas de um mesmo “grupo” (ainda que com sócios/acionistas distintos).

26. O Recorrente não logra, nas suas alegações, infirmar qualquer dos factos considerados provados, limitando-se a insistir na sua leitura subjetiva e a apresentar uma narrativa já rejeitada pelas instâncias anteriores.

27. Como bem observou a Relação, o Recorrente comprometeu de forma grave e continuada a confiança necessária ao exercício do cargo de gerente, sendo insustentável a sua manutenção na sociedade, ainda que por mero vínculo residual.

28. A decisão recorrida não enferma, pois, de qualquer erro de direito, antes consagra uma solução juridicamente irrepreensível, fiel ao espírito e letra da lei societária, salvaguardando os interesses da sociedade e o equilíbrio do regime de responsabilidade dos seus órgãos.

29. A decisão recorrida apreciou criteriosamente a factualidade dada como provada, bem como o regime jurídico da destituição com justa causa previsto no artigo 257.º, n.º 4, do CSC, evidenciando que, contrariamente ao que sustenta o Recorrente, não se tratou de uma destituição arbitrária ou imotivada.

30. O Tribunal da Relação destacou, com acerto, que o juízo de justa causa não se reconduz à exigência de prova de uma infração criminal ou sequer de um prejuízo quantificável, bastando a violação grave dos deveres de lealdade, diligência e boa-fé que comprometa a relação de confiança entre a sociedade e o gerente.

31. Assim, ao contrário do que alega o Recorrente, o Tribunal da Relação demonstrou de forma fundamentada que a justa causa invocada tinha expressão concreta, era proporcional e suficiente para fundamentar a cessação imediata do vínculo de gerência, afastando qualquer ideia de arbitrariedade ou desrespeito pelo princípio da boa fé.

III - DO TEOR DA DELIBERAÇÃO

32. O Recorrente sustenta que a sua destituição seria inválida por ausência, na ata da reunião da sociedade, de uma descrição detalhada dos factos que fundamentariam a invocada justa causa.

33. Mais uma vez, andou bem o acórdão recorrido ao considerar que: “Questão pertinente é a de saber se será exigível a menção na ata da sociedade por quotas de todos os factos ou fundamentos integradores da justa causa de destituição imputados ao gerente.

A verdade é que o art. 63.º, n.º 2, alínea f) estabelece unicamente que a ata deve conter “o teor” da deliberação tomada, consistente nos termos da proposta de destituição que obteve a maioria dos votos, podendo mencionar ou não os fundamentos (da destituição).

Neste sentido, MM (Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. IV, 2013, p. 390) e NN (Sociedades Comerciais e Valores Mobiliários, 7.ª ed., Coimbra Editora, 2013, p. 286), que seguindo a metodologia do Acórdão do STJ, de 23.6.1992, BMJ n.º 438, p. 793, assevera que “não é necessário que a ata relate todos os factos em que se fundamenta a destituição, bastando uma referência genérica, até para salvaguardar o bom nome do administrador”.

Ainda assim ,neste caso, não é verdade que na ata de destituição, de 27.01.2012, se não indique a razão de destituição do A. da gerência da Ré, porquanto aí se escreveu o seguinte:

Com efeito, foi ali afirmado terem os sócios da Ré perdido a confiança no autor e nas contas por si apresentadas, por este, durante o ano de 2010,ter efetuado transferências de uma das empresas sócias da Ré para a outra, sem qualquer conhecimento dos sócios e acionistas, situação que já fora objeto de discussão no seio da sócia da Ré e que deu origem à destituição do A. como Presidente do Conselho de Administração.

Não foi indicado o valor da transferência, mas esse facto – transferência e valor – foi prontamente reconhecido pelo A.”

34. Com efeito, o artigo 63.º, n.º 2, alínea f), do CSC apenas exige que a ata contenha “o teor” da deliberação tomada, o que se cumpre mediante a menção dos termos da proposta de destituição aprovada, não sendo legalmente exigível a transcrição exaustiva dos factos que sustentam a justa causa – vide MM, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. IV, Coimbra, 2013, p. 390, e NN, Sociedades Comerciais e Valores Mobiliários, 7.ª ed., Coimbra Editora, 2013, p. 286.

35. No caso concreto, a ata da reunião da sociedade Ré, datada de 27.01.2012, contém efetivamente uma referência expressa à perda de confiança dos sócios no gerente, motivada por este ter, durante o ano de 2010, realizado transferências de uma das sócias para a outra, sem conhecimento dos acionistas, situação essa que já havia motivado a sua destituição como Presidente do Conselho de Administração de uma das SGPS sócias da Ré.

36. Ainda que tal referência fosse genérica, seria, por si só, suficiente para preencher o requisito legal.

37. Todavia, no caso, a ata identifica claramente a atuação que motivou a quebra de confiança, demonstrando que a deliberação foi tomada com base em factos concretos e conhecidos dos sócios e imputados ao gerente, não se tratando de uma decisão arbitrária.

38. Assim, a deliberação de destituição cumpre todos os requisitos legais e respeita plenamente os princípios da transparência e da boa-fé, sendo infundada a pretensão do Recorrente de a ver invalidada com base em exigências formais que não têm suporte no ordenamento jurídico vigente.”

11. O recurso foi admitido no Tribunal recorrido nos seguintes termos:

“Por estar em tempo e deter legitimidade, admito o recurso apresentado pelo A. que é de revista, a subir de imediato, nos autos e com efeito devolutivo (arts. 671.º/1, 675.º e 676.º CPC).”

Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

De facto

12. Das instâncias vieram apurados os seguintes factos (com a última alteração a ser realizada pelo acórdão recorrido)

1- A Ré, Just Fashion – Importação e Distribuição de Moda, Lda., é uma sociedade que se dedica ao comércio, importação, exportação, representação e distribuição de grande variedade de produtos, nomeadamente, malhas, obras de têxteis, acessórios e adornos pessoais;

2- A Ré está matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o n.º ... (doc. junto com a petição inicial);

3- Em 18 de dezembro de 2006, a Ré foi transformada de sociedade anónima em sociedade por quotas, tendo o autor, AA, sido nomeado gerente (doc. junto com a petição inicial);

4- Tendo como capital social 100.000, 00 euros e como sócios Just Fashion SGPS SA, com uma quota de 99.900,00 euros e Ambigrama SGPS SA, com uma quota de 100,00 euros (mesmo doc.);

5- No “Pacto Social” de constituição da Ré, foi nomeado seu gerente o autor, AA, sem prazo de gerência (art. 4.º do doc. junto com a petição inicial);

6- Por ata de assembleia geral de sócios da ré, de 19 de dezembro de 2006, foi fixada ao autor a retribuição mensal no valor bruto de 3.000,00 pela gerência da sociedade (doc. junto com a petição inicial);

7- A retribuição de gerência do autor compreendia 14 mensalidades, nelas se incluindo subsídio de férias e o subsídio de Natal (doc. junto aos autos);

8- No dia 27 de janeiro de 2012, realizou-se uma Assembleia Geral de sócios da sociedade ré, com a seguinte ordem de trabalhos:

“Um: Eleição dos Membros da Assembleia Geral;

Dois: Deliberar sobre o Relatório de Gestão da Gerência, o Balanço e Contas do exercício de dois mil e dez;

Três: Destituição do Gerente;

Quatro: Eleição dos membros da Gerência;

Cinco: Outros assuntos de interesse.”

9- Nesta Assembleia Geral, estiveram também presentes, com a anuência dos sócios, o Senhor OO e a Dra. PP;

10- Nessa aludida assembleia de sócios, foi manifestado pelo Senhor Dr. DD a total perda de confiança na pessoa do gerente, o autor AA, motivo pelo qual também não teria qualquer confiança nas contas referentes ao exercício de 2010;

11- Nessa sequência, foi proposta e aprovada por unanimidade a destituição do autor da gerência da ré “… com justa causa … tendo como fundamento os seguintes factos: transferências para o acionista Ambigrama durante o ano de 2010, sem qualquer conhecimento deste ou de qualquer acionista, facto reconhecido pelo próprio AA”.

12- A Ambigrama, SGPS, SA era sócia da Ré com uma quota de € 100,00, sendo seu administrador único, em 2012, CC;

13- A Ambigrama, SGPS, SA detinha, na altura, 50% da Just Fashion, SGPS, SA, sócia maioritária da Ré;

14- No aludido ano de 2010, o A. era administrador da Ambigrama, SGPS, SA;

15- Na qual era acionista maioritário, com 99,9% do capital social, desde a data da sua fundação, CC (docs. juntos aos autos);

16- A ré, a partir de 31 de maio de 2008, passou a pagar ao autor a quantia mensal de 2.000,00 euros a título de retribuição de gerência, em vez dos contratados € 3.000,00;

17- O autor, com a destituição de gerente, deixou de receber a respetiva retribuição 2.000,00 a partir do mês de fevereiro de 2012;

18- O autor diligenciou no sentido de exercer outra atividade remunerada e de idêntico valor económico, social e profissional, da que detinha na ré, o que não logrou conseguir, ficando o seu agregado familiar largamente dependente dos rendimentos do seu cônjuge e recorrendo a empréstimos de amigos, receando perder a sua casa de morada de família, que comprara com recurso a crédito bancário e vendo-se na necessidade de renegociar tal crédito;

19- O sócio maioritário da Ambigrama, SGPS, SA, CC, formulou queixa criminal contra o autor, por irregularidades em negócios que “envolveram, entre outras, as sociedades comerciais “Storehouse”, “Sociedade Perdiganito – Empreendimentos SA”, “Sociedade Cleal Investimentos Imobiliários Lda.” (doc. de fls. 298 a 339, despacho de encerramento de inquérito, por arquivamento);

20- No dia 13 de janeiro de 2012, os acionistas da Just Fashion, SGPS, sócia da ré, realizaram uma assembleia na qual esteve presente o ora autor2, da qual veio a constar, entre o mais, “Voltou a solicitar a palavra o acionista Mengo & Fortes que pediu uma explicação para a verba que consta do anexo à demonstração de resultados e que consiste num empréstimo de 380.000,00 (trezentos e oitenta mil) euros ao acionista “AMBIGRAMA - SGPS SA”, tendo o acionista Senhor Dr. DD aderido e reforçado os esclarecimentos solicitados.” (“empréstimo” da ré, doc. junto aos autos com a contestação);

21- Nesse seguimento, tomando da palavra o aqui autor, foi dada como resposta: “Mais referiu que não deu conhecimento daquelas retiradas aos sócios pois pensava repor as referidas verbas num curto espaço de tempo, o que não veio, no entanto, a suceder.”;

22- Ainda nesse seguimento, “Pediu a palavra o acionista Senhor Dr. DD que manifestou a sua total perda de confiança no Presidente do Conselho de Administração, tendo proposto a respetiva destituição com justa causa, o que foi aprovado por unanimidade”;

23- O autor reconheceu perante os acionistas da ré, não ter logrado a sua gestão conseguir os objetivos de expansão a que a ré se propunha;

24- A ré não tinha funcionários e/ou comerciais ao seu serviço, usando os comerciais de outra empresa dos mesmos sócios para o efeito, a quem pagava comissões pelos serviços prestados;

25- Os sócios/acionistas maioritários de Just Fashion e Ambigrama e que, de facto, controlavam tal cadeia de empresas como seus donos, beneficiando da sua atividade, ainda que por interposta pessoa (o autor, na qualidade de gerente/presidente do conselho de administração), eram CC e DD; (eliminado pelo acórdão recorrido)

26- Por indicação do autor, eram efetuadas movimentações financeiras entre a Just Fashion e a AMBIGRAMA, como acima referido em 20 e 21, que ficavam registadas nas respetivas contabilidades, a fim de cobrir necessidades pontuais desta última, por serem as mesmas as pessoas físicas que eram as “donas” das empresas e beneficiavam dessas movimentações (os referidos CC e DD); (eliminado pelo acórdão recorrido)

27- O autor foi sócio-gerente da sociedade Horta das Cavadas, Ld.ª (doc. de p. 15 a 18 junto com o requerimento da ré, de 20.4.2017);

28- O autor foi sócio-gerente da Vida In, SGPS, Ld.ª, depois transformada em sociedade anónima (doc. de p. 19 a 26, junto com o requerimento da ré, de 20.4.2017);

29- A Horta das Cavadas, Ld.ª tinha sede no Campo Vinte Quatro de Agosto, n.º 129, escritório 435, Bonfim, Porto; a Vida In, Ld.ª, teve sede na Av. do Parque, n.º 329, 1.º, Aldoar, Porto, e no Campo Vinte Quatro de Agosto, n.º 129, escritório 435, Bonfim, Porto; a Ambigrama SGPS, SA, tinha como sede Campo Vinte Quatro de Agosto, n.º 129, escritório 435, Bonfim, Porto (cfr. p. 25 do doc. junto com a petição inicial).

De Direito

13. Objecto do recurso e questões a analisar

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

Nas conclusões do recurso pretende-se que o STJ analise se os factos provados integram o conceito de justa causa da destituição de gerente e se a acta da assembleia geral que o destituiu tem todos os elementos exigidos por lei.

14. Admissibilidade do recurso

O recorrido suscita a questão de saber se o recurso é admissível.

O Tribunal recorrido admitiu o recurso e este STJ não encontra motivos para contestar essa admissão. As razões apontadas pelo recorrido são manifestamente improcedentes, tendo em conta o objecto do recurso já identificado, em que a problemática é de Direito – saber se com os factos apurados a destituição do A. da gerência da Ré foi realizada com justa causa.

15. A base fáctica encontra-se determinada e oferece, em síntese, o seguinte quadro de elementos:

- O A., na qualidade de gerente da Ré (Just Fashion Lda), e ao mesmo tempo Presidente do Conselho de Administração de um dos sócios da Ré (esse sócio era a sociedade Just Fashion SGPS), realizou uma operação que afectou o património dessa empresa Just Fashion SGPS em benefício de outra empresa – (a Ambigrama SGPS), no valor de 380.000,00 euros, afectação que foi justificada como empréstimo.

- A Just Fashion SGPS e a Ambigrama SGPS são as únicas sócias da Ré, detendo a primeira 399.900,00 euros do capital social e a segunda 100,00 euros do mesmo capital social (=400.000,00 euros);

- A operação de transferência de fundos do património do sociedade Just Fashion SGPS para a sociedade Ambigrama SGPS foi possível de ser realizada pelo A. por ser o presidente do Conselho de administração da Just Fashion SGPS e Administrador da Ambigrama SGPS, no ano em que a transferência dos fundos ocorreu – 2010;

- A operação de transferência de fundos do património do sociedade Just Fashion SGPS para a sociedade Ambigrama SGPS foi analisada pela Assembleia de accionistas da Just Fashion SGPS, que deliberou, em 13 de janeiro de 2012, afastar o A. da administração por perda da confiança

- A Just Fashion SGPS era detida, em 2010, a 50% pela Ambigrama SGPS;

- Eram ainda accionistas da Just Fashion SGPS outras pessoas, entre as quais DD e a Mengo & fortes;

- A Ambigrama SGPS era detida a 99,9% do seu capital social por CC;

- A justificação da operação de transferência de fundos do património foi a necessidade de cobertura urgente de tesouraria da Ambigrama SGPS;

- A operação de transferência de fundos para o património Ambigrama SGPS não foi comunicada aos accionistas da Just Fashion SGPS, nem aos sócios da Ambigrama SGPS

(FP20- No dia 13 de janeiro de 2012, os acionistas da Just Fashion, SGPS, sócia da ré, realizaram uma assembleia na qual esteve presente o ora autor3, da qual veio a constar, entre o mais, “Voltou a solicitar a palavra o acionista Mengo & Fortes que pediu uma explicação para a verba que consta do anexo à demonstração de resultados e que consiste num empréstimo de 380.000,00 (trezentos e oitenta mil) euros ao acionista “AMBIGRAMA - SGPS SA”, tendo o acionista Senhor Dr. DD aderido e reforçado os esclarecimentos solicitados.” (“empréstimo” da ré, doc. junto aos autos com a contestação);

(FP21- Nesse seguimento, tomando da palavra o aqui autor, foi dada como resposta: “Mais referiu que não deu conhecimento daquelas retiradas aos sócios pois pensava repor as referidas verbas num curto espaço de tempo, o que não veio, no entanto, a suceder.”

16. Diz o artigo 257º, do Código das Sociedades Comerciais (doravante, CSC), sob a epígrafe “destituição de gerentes”, que «os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes».

Esta norma consagra o princípio da destituibilidade dos gerentes, principio que surge, nas palavras de QQ 4 como “manifestação da supremacia que no espírito do legislador toma o interesse da sociedade sobre o interesse pessoal do gerente e bem assim a aplicação do princípio maioritário na determinação do interesse da sociedade”.
O nº 6 do preceito diz que «Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções».

Trata-se, como refere RR 5, de noções orientadoras e meramente exemplificativas, das quais se percebe, no entanto, que “a justa causa tanto possa ser subjetiva como objetiva. Será justa causa subjetiva a que resulte da violação culposa dos deveres que, da lei ou do contrato de administração, decorrem para o gerente, em termos muito próximos da feição laboral em que se exige justa causa para o despedimento de trabalhadores. Será objetiva se respeitar à incapacidade para o exercício do cargo, sem qualquer culpa do gerente, como a incapacidade decorrente de uma situação de doença prolongada, ou qualquer outra circunstância em que, mantendo-se a prestação ainda possível, perturbe gravemente a relação de administração. Admite-se ainda que o conceito possa ter diferentes concretizações, sendo mais ou menos exigente, em diferentes hipóteses de destituição”.

Quer isto dizer que o art. 254º, nºs, 1 e 5, do Código das Sociedades Comerciais, alude ao conceito de “justa causa” para a destituição de gerente, consagrando um conceito indeterminado, dotado de plasticidade, adaptável casuisticamente, para aferir se, uma certa actuação se compagina com os direitos e deveres do gerente destituendo.

Na esteira de MM 6, podemos dizer que “Em tese geral, diremos que é justa causa a situação que, atendendo aos interesses da sociedade e do gerente, torna inexigível àquela manter a relação orgânica com este, designadamente porque o gerente violou gravemente os seus deveres, ou revelou incapacidade ou ficou incapacitado para o exercício normal das suas funções”.

É neste sentido que se lê no Acórdão do STJ de 26 de fevereiro 2019 (https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e4958680673d8670802583ae003f71d9?OpenDocument) que a justa causa destitutiva do gerente da sociedade “relaciona-se com os princípios da confiança e a boa fé que devem ser observados por quem detém essa função na sociedade, princípios muito relevantes nas relações com os credores sociais, sócios e terceiros, de modo a que a transparência dos comportamentos e o rigor ético das condutas, possam ser valorados objectivamente e subjectivamente. A justa causa é uma sanção excludente do “infractor”, que visa defender a sociedade, na sua inserção na vida comercial”.

Sobre estes deveres escreveu-se no Acórdão do STJ referido que “o art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, antes e depois da Reforma de 2006, impõe a observância de deveres de cuidado, verdadeiros poderes-deveres dos gerentes ou administradores baseados numa relação de confiança (fiducia) que se estabelece entre a sociedade e quem a gere, seja no círculo das suas relações internas, seja nas relações externas com terceiros, sejam eles credores, entidades administrativas, trabalhadores ou quaisquer outros interessados. O dever de cuidado – duty of care – está ínsito na actuação do “gestor criterioso e ordenado” e no grau de diligência que esse standard postula”.
Também o Acórdão do mesmo Tribunal Superior de 30 de setembro de 2014 (5) clarifica que constitui justa causa de destituição a atuação “que exprima violação grave dos deveres de gerente, mormente, dos deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, que impliquem perda irreparável da confiança dos afectados por essa actuação, seja no contexto interno da sociedade, seja na sua relação com terceiros a justificar a impossibilidade da manutenção do vínculo que o une ao ente societário, por existir conflito de interesses gerador de danos efectivos ou potenciais, que devam ser consideradas razão inequívoca da inexigibilidade da manutenção daquele vínculo jurídico. A lei alemã alude a “grosseira violação dos deveres, incapacidade de condução regular dos negócios ou privação da confiança…”, ou seja, quando “a confiança por manifestos e improcedentes fundamentos foi destruída”.

17. Discute-se nos autos se a realização de uma operação de transferência de fundos a partir do património de uma sociedade – que não aquela que está nos autos como Ré – mas que dela é sócia, por parte de um gerente, que era também PCA da sociedade cujo património foi afectado e ainda Administrador da Sociedade beneficiária da transferência, nas aludidas circunstâncias de “não ser levada ao conhecimento dos sócios” e ter sido realizada “pensando vir a repor as verbas em curto espaço de tempo”, constitui uma justa causa da perda da confiança da Ré para continuação do exercício da funções de gerente, ainda que o acto não tivesse afectado o património da própria Ré.

E a nossa resposta é clara: sim!

É que nas indicadas circunstâncias, sendo a própria AMBIGRAMA - SGPS SA também sócia (com 50% do capital social) da Just Fashion SGPS, ainda assim a mesma votou favoravelmente a destituição de presidente do CA da Just Fashion SGPS, em 13 de Jan. de 2012 (foi aprovada a destituição por unanimidade), tendo estranhado que se realizassem operações deste tipo sem conhecimento e sem consentimento dos accionistas.

Nas indicadas circunstâncias, com as relações societárias apresentadas e em que o A. figurava como pessoas responsável pela gestão e com poderes para realizar operações financeiras de montante elevado só com a sua assinatura nas diversas sociedades envolvidas, a perda da confiança da sua forma de gerir em uma delas tem necessariamente repercussões na confiança necessária à gestão das demais, sendo absolutamente essencial à manutenção da qualidade de gestor que os sócios confiem no gerente.

A quebra da confiança mina assim a totalidade das relações em que o sujeito visado estava envolvido, ainda que não se possa indicar um facto concreto de gestão relativa à sociedade Ré que tenha sido praticado pelo A. e que a prejudicasse directamente.

É o conjunto dos factos e o modo como a actuação do A. se desenrolou que determina que a sua destituição tenha tido como justa causa a mesma justa causa que o levou a ser destituído da administração da Just Fashion SGPS, não havendo sequer noticia de ter questionado judicialmente este primeiro afastamento das funções na matéria de facto apurada.

O comportamento do A. na realização da operação de transferência de 380.000, 00 euros do património da Just Fashion SGPS para a AMBIGRAMA - SGPS SA, com a justificação que apresentou, revela igualmente que realizava uma gestão das empresas como se fosse uma única, com a inerente confusão de patrimónios, na ausência de coincidência de sócios, conhecimento por parte destes desse modo de gestão e inerente risco envolvido para os respectivos patrimónios, evidenciando a não observância das regras relativas a uma sã e prudente gestão das sociedades, com observância de elevados padrões de cuidado e lealdade exigidos a quem administram bens alheios e que, na prática se sabe acontecer com frequência, com anuência dos interessados, mas que, no caso dos autos, acabou por determinar que os mesmos tivessem entendido que não era aceitável, não mantendo na pessoa do A. a confiança que outrora existira e está patenteada pela história do surgimento e alterações nas relações entre as empresas envolvidas.

Querer salientar que o acto de transferência patrimonial não foi realizado a partir do património da sociedade Ré, desvalorizando-o, e atribuir ao A. o direito a uma indemnização por ter sido destituído da gerência (mandato sem prazo), é claramente contrário ao espírito do legislador ao deixar aos interessados na invocação da justa causa a apresentação dos motivos que determinaram o seu comportamento como meio de preencher, a partir da riqueza e diversidade da vida real, o conceito de justa causa.

Quer isto dizer que se secunda o entendimento do Tribunal recorrido, com a análise que fez dos factos e do direito a que esses factos se aplicam.

18. Nem se compreende como a sentença tenha enveredado por outro caminho, quando diz:

« não é qualquer violação dos deveres de gestão que constitui justa causa, devendo-se considerar como tal o comportamento do gerente que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação contratual (uma gestão ineficaz ou causadora de prejuízos, pode considerar-se uma má gestão, mas nem por isso implica necessariamente que seja fundamentadora de “justa causa”).

(…)

«Voltando ao caso dos autos, verifica-se que o autor violou o dever de gestão responsável e cuidada da ré que lhe foi apontado como fundamento para destituição, efectuando, nessa qualidade de gerente da ré, um empréstimo de 380.000,00 euros à Ambigrama SGPS.»

(…)

« No entanto, como resulta dos autos, a ré e a Ambigrama SGPS, bem como a Just Fashion SGPS, eram detidas pelas mesmas pessoas físicas, como suas “donas” (CC e DD), funcionando, na prática, como empresas “participadas” e em grupo, havendo frequentes movimentações contabilísticas entre elas, devidamente registadas em contabilidade, o que atenua e muito (em nossa opinião) a violação dos deveres de gerente do autor, retirando-lhe a “gravidade” exigida por lei para destituição com justa causa.

Com efeito, os “donos” de ambas as empresas eram os mesmos, sendo intenção de tais movimentações/fluxos financeiros, a de cobrir necessidades pontuais de ambas, cujos resultados andavam sempre “rés-vés”, no fundo, beneficiando tais movimentações os verdadeiros “donos” de ambas as empresas (pessoas físicas acima referidas).»

19. Ao invés, no acórdão recorrido avança-se no justo sentido, dizendo:

“Por sua vez SS refere que “o traço essencial caracterizador da ideia de justa causa de destituição … é a inexigibilidade à sociedade de, face a circunstâncias entretanto verificadas, manter os laços que a ligam ao gestor nessa qualidade, o que a ter de acontecer sacrificaria os seus interesses de modo não razoável e transcenderia os ditames da boa fé”.

(…)

Como refere TT a justa causa será “qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer os pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação”.

Resulta, assim, do exposto que nos parece evidente que é, em concreto, e objectivamente que se afere se a conduta imputada ao gerente constitui motivo de destituição com justa causa, isto é, se o facto ou situação imputados prejudicam de tal modo o interesse social que impõem a ruptura do vínculo, se afrontam a actuação de um gestor criterioso e ordenado, em benefício do interesse social e tendo em conta o interesse dos sócios.»

(…)

Esta atuação do A., enquanto Presidente do Conselho de Administração da empresa que é uma das duas sócias da sociedade Ré, é de molde a concitar a absoluta falta de confiança dos acionistas desta sócia na conduta futura deste, na sua qualidade de gerente da Ré, assim se quebrando o vínculo de lealdade que deve coexistir entre empresa e seu gerente.

Por outro lado, não pode aceitar-se o raciocínio contido na sentença de que existia uma confusão entre as pessoas físicas que eram donas da Ré e da terceira sociedade beneficiária do empréstimo, assim se justificando o mesmo e, porventura, vindo a Ré a, em última instância, a dele beneficiar. Não estão demonstrados factos dos quais resulte ter a Ré beneficiado desta transferência. Ao invés, sabemos que a sócia da Ré, Just Fashion viu o seu património financeiro ser atacado e o A. admitir que o fez para satisfazer necessidades de tesouraria de outra empresa, pensando repor o dinheiro num espaço curto de tempo, o que não fez. Veja-se que a destituição é de 2012 e as contas que se refere a transferência são de 2010.

Dito de outro modo: tendo o R., gerente de uma sociedade por quotas e Presidente do Conselho de Administração de uma sociedade anónima, sócia da primeira sociedade, efetuado transferência de valores avultados desta sociedade anónima para terceira empresa (também ela sócia daquela primeira empresa), o que fez sem conhecimento de nenhum dos sócios e acionistas, segundo os ditames da boa-fé, não é exigível à sociedade por quotas continuar a sua relação contratual com tal gerente, que fora até já destituído como Presidente do Conselho de Administração da sociedade anónima pelo mesmo motivo.

Diz-se na ata de destituição de gerente que essa situação retira credibilidade ao A., como gerente e compromete a confiança nas próprias contas por si apresentadas.

O dever de lealdade, traduzido na obrigação de salvaguardar os interesses da sociedade Ré e dos seus sócios, foi posto inexoravelmente em causa e torna inexigível a continuação da relação dos sócios com o gerente.

20. Também se acompanha o entendimento do tribunal recorrido na parte em que considera que a acta da assembleia geral de destituição não tem de incluir o relato completo de tudo o que se disse e fez na assembleia a propósito da destituição, sendo bastante a indicação que aí consta – motivos da destituição, com indicação da perda da confiança.

O Tribunal disse:

“Questão pertinente é a de saber se será exigível a menção na ata da sociedade por quotas de todos os factos ou fundamentos integradores da justa causa de destituição imputados ao gerente.

A verdade é que o art. 63.º, n.º 2, alínea f) estabelece unicamente que a ata deve conter “o teor” da deliberação tomada, consistente nos termos da proposta de destituição que obteve a maioria dos votos, podendo mencionar ou não os fundamentos (da destituição).

Neste sentido, MM (Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. IV, 2013, p. 390) e NN (Sociedades Comerciais e Valores Mobiliários, 7.ª ed., Coimbra Editora, 2013, p. 286), que seguindo a metodologia do Acórdão do STJ, de 23.6.1992, BMJ n.º 438, p. 793, assevera que “não é necessário que a ata relate todos os factos em que se fundamenta a destituição, bastando uma referência genérica, até para salvaguardar o bom nome do administrador”.

Ainda assim, neste caso, não é verdade que na ata de destituição, de 27.1.2012, se não indique a razão de destituição do A. da gerência da Ré, porquanto aí se escreveu o seguinte:



Com efeito, foi ali afirmado terem os sócios da Ré perdido a confiança no autor e nas contas por si apresentadas, por este, durante o ano de 2010, ter efetuado transferências de uma das empresas sócias da Ré para a outra, sem qualquer conhecimento dos sócios e acionistas, situação que já fora objeto de discussão no seio da sócia da Ré e que deu origem à destituição do A. como Presidente do Conselho de Administração.

Não foi indicado o valor da transferência, mas esse facto – transferência e valor – foi prontamente reconhecido pelo A.”

A acta atesta que foi essa a deliberação adoptada e esse o fundamento, cumprindo à Ré apresentar todos os factos que determinaram a perda da confiança em tribunal, e a este decidir se é razoável perder a confiança no gerente que assim tenha actuado.

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados, é negada a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

As custas do recurso são da responsabilidade do A.

Lisboa, 18 de setembro de 2025

Relatora: Fátima Gomes

1º Ajunta: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

2ª adjunta: Maria de Deus Correia

___________

1. Conforme sumário do acórdão recorrido, por opção e sob responsabilidade da relatora.↩︎
2. Acrescenta-se, por tal resultar da respetiva acta, que o autor interveio ali como Presidente do Conselho de Administração – cfr acórdão recorrido.↩︎
3. Acrescenta-se, por tal resultar da respetiva ata, que o autor interveio ali como Presidente do Conselho de Administração.↩︎
4. In Sociedade por Quotas, Vol. II, Almedina, 1996, p. 1041.↩︎
5. In Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação: António Menezes Cordeiro, 2ª Edição, 2011, p. 747.↩︎
6. In “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Vol. IV, 2ª edição, p. 128. (1º edição, p. 119).↩︎