RECURSO DE REVISTA
INADMISSIBILIDADE
PROCEDIMENTO CAUTELAR
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Sumário


I – O conceito técnico de contradição de julgados que habilita a interposição da revista pressupõe necessariamente que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, de modo a proporcionar a aplicação, em cada um deles, do mesmo regime legal em termos directamente conflituantes, com soluções de direito opostas e inconciliáveis que assim se contradizem, o que significa, na prática, que aplicada a posição adoptada no acórdão fundamento (sobre o ponto em conflito) ao acórdão recorrido o veredicto deste seria forçosamente diverso e favorável aos interesses do recorrente.
II – Não há contradição de julgados quando no acórdão recorrido a confirmação do decidido em 1ª instância assenta basicamente na contraditoriedade e ilicitude da postura processual do requerente que, por um lado, interveio em transacção judicial que firmou voluntariamente com a requerida, a qual foi homologada judicialmente, e que, por outro, decidiu unilateralmente instaurar novo procedimento cautelar que, a ser decretado, prejudicaria necessariamente aquilo a que se havia solenemente comprometido no anterior procedimento e que ficara formalizado através de sentença de homologação judicial, motivando, enquanto ratio decidendi dos presentes autos, o indeferimento liminar do procedimento cautelar, e no acórdão fundamento tudo se resume a uma possível situação de litispendência entre dois procedimentos cautelares (de restituição de posse e de embargo de obra nova), instaurados pela mesma entidade e que correram em paralelo.
III - Pelo que, face à inexistência de contradição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, julga-se inadmissível a presente revista que assentava no disposto nos artigos 370º, nº 2 e 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção-Cível).

I - RELATÓRIO.

Foi proferida a seguinte decisão singular:

“O CONDOMÍNIO do prédio sito na Avenida 1, Vila do Conde propôs o presente procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse contra “PALACETE DA AVENIDA, LDA.” e MUNICÍPIO DE VILA DO CONDE, peticionando pela sua procedência:

“A) Deve ser determinada a restituição do Condomínio Requerente à plena posse e fruição do direito de propriedade sobre o seu supra identificado prédio, com toda a área exterior existente a nascente que o compõe, tudo conforme supra invocado, com as demais consequências legais;

B) Deve ser determinada às 1ª e 2ª Requeridas a retirada de imediato do posto de transformação bem como de todos os cabos, passeios e jardins do espaço exterior em que se encontra implantado, pertencente ao prédio do Requerente, bem como todos os seus componentes, equipamentos e tudo o mais que o compõe, que impeça, dificulte ou de alguma forma perturbe o exercício da plena posse da Requerente sobre essa parcela de terreno que integra o espaço exterior do seu prédio urbano, bem como reconstruindo o muro nos termos em que existia, repondo de imediato esse espaço e muro no mesmo estado em que se encontravam antes do esbulho e da construção desse posto de transformação aí implantado, refazendo a zona ajardinada que antes aí se encontrava;

C) Fixar-se, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 365º do C.P.C., uma sanção pecuniária compulsória a pagar pela 1ª e 2ª Requeridas, como previsto no artº 829º-A do C.C., em montante unitário e diário não inferior a 500,00 € (quinhentos euros) por cada dia de atraso na restituição e integral reposição bem como pela ofensa ou perturbação do direito e posse da Requerente e ainda de 5.000,00 € (cinco mil euros) por cada ato de violação do seu dever de abstenção, traduzido na turbação e lesão da sua posse sobre a referida parcela de terreno pertencente ao prédio da Requerente;”

Alegou essencialmente:

O prédio urbano constituído em propriedade horizontal por escritura de 2003 e que forma um conjunto habitacional nos termos melhor descritos nos artigos 1º e 2º e 4º do RI foi edificado sobre uma parcela de terreno com as caraterísticas identificadas em 3º do RI.

Dessa parcela de terreno fazendo parte uma faixa de terreno descrita em 6º do RI, tendo a dita parcela de terreno as confrontações identificadas em 7º e 8º do RI, incluindo com o prédio da 1ª requerida.

Sobre a totalidade do prédio, incluindo a faixa de terreno descrita em 6º exercendo o condomínio requerente há mais de 50 anos todos os atos de manutenção e conservação da mesma, atuando como verdadeiro dono e legítimo possuidor, de forma continuada e sem qualquer interrupção, à vista e com o conhecimento de todos, com exclusão de outrem na convicção de exercer um direito próprio e exclusivo sem lesar direitos de terceiros. Pelo que também pela via originária da usucapião adquiriu o imóvel com a descrição pelo requerente efetuada;

A 1ª requerida na execução das obras de construção que está a levar a cabo no prédio urbano a ser instituído em regime de propriedade horizontal que em parte confronta com o prédio da requerente, destruiu o muro que delimitava a nascente o limite físico do prédio do requerente e invadiu o seu prédio pelo lado nascente, integrando a faixa de terreno já descrita no seu prédio para ali implantar um PT (posto de transformação), cuja construção levou a cabo – construção descrita no artigo 36º do RI.

O que fez sem o conhecimento e consentimento do requerente;

A atuação da 1ª requerida é ilícita, violando a posse e o direito de propriedade exclusivo do requerente, para além do direito de vistas e de insolação de que gozam os condóminos, atento o disposto no artigo 73º do RGEU;

O requerente está esbulhado de forma violenta, abusiva e ilícita por parte da requerida com a atuação descrita, o que lhe acarreta significativos prejuízos patrimoniais;

A obra de construção do PT foi pelo requerente embargada extrajudicialmente no passado dia 10 de dezembro de 2024 e que judicialmente ratificou em procedimento cautelar intentado no dia 16 de dezembro de 2024, o qual correu termos sob o nº 2025/24.1T8VCD do Juiz 2 do Juízo Local Cível de Vila do Conde, embargo esse que a 1ª Requerida reconheceu, mas que caucionou para efeitos de continuação da obra;

O município 2º requerido invoca a transmissão da faixa de terreno em causa para o domínio público, sem qualquer dos títulos legalmente previstos para o efeito: escritura púbica e/ou alvará de licença de loteamento, que na verdade nunca existiram nem existem. Em violação do atual RJUE;

A 1ª requerida, em conluio com o 2º requerido, pretende apossar-se e usurpar ao requerente uma parcela de terreno com pelo menos 36 m (trinta e seis metros) de comprimento por 3,20 m (três metros e vinte centímetros) de largura, ou seja com pelo menos a área de 116,0 m2 (cento e dezasseis metros quadrados), a qual tem um valor comercial nunca inferior a 58.000,00 € (cinquenta e oito mil euros), atento o preço de venda do m2 de construção na zona em que a mesma se insere, a poucas dezenas de metros de zona balnear de Vila do Conde;

Face ao alegado, a 1ª Requerida e o 2º Requerido violaram, de forma ilícita e abusiva, a posse e o direito de propriedade legítimos de que o condomínio Requerente é titular sobre a supra identificada parcela de terreno.

E destruíram o muro de vedação que delimitava essa mesma parcela e impedia o acesso àquela por terceiros, causando o dano correspondente à destruição dessa vedação e à necessidade da sua reposição no mesmo estado em que se encontrava antes do esbulho,

Justifica-se obviar ao periculum in mora, como forma de minorar os danos que o requerente vem sofrendo com a lesão do seu direito e obviar a que os Requeridos afetem a área exterior do prédio daquele, que estava vedada, aos referidos trabalhos de construção, que implicarão elevados meios materiais para o repor no estado anterior ao do esbulho da sua posse.

O Requerente encontra-se impedido de exercer a sua legítima posse, pelos trabalhos de destruição do muro de vedação que existia, de forma violenta, - por parte de trabalhadores da 1ª Requerida, a mando dos órgãos da 2ª Requerida e também pela ilegítima apropriação dessa área de terreno.

Mostrando-se assim reunidos os requisitos legais para que ao Requerente seja restituída a posse e livre fruição da totalidade do espaço exterior do seu identificado prédio,

Justificando-se que seja decretada a providência de restituição provisória de posse e ordenada a reposição da parcela e do muro de vedação do prédio do Requerente, que deverá ser reposto nos mesmos termos e condições em que existia.

Termos em que concluiu o requerente nos termos acima assinalados.

Apreciou o tribunal liminarmente a pretensão do requerente, tendo decidido indeferir “liminarmente o presente procedimento”.

Fê-lo com a seguinte fundamentação:

“(…) o 1º requerido cumpriu os termos da transacção. O que lhe dá o direito de poder continuar a obra. Isto é, a construção do posto de transformação.

Verifica-se, assim, uma incompatibilidade entre o que as partes transigiram e o que é pedido neste procedimento. Na verdade, é inconciliável a permissão dada ao requerido para continuar a obra com o pedido de restituição do terreno com a retirada dessa mesma obra e a reconstrução do muro e do espaço ao estado anterior.

O requerente está obrigado pela transacção que firmou. Não pode agora reclamar algo contraditório”.

Foi interposto recurso dessa decisão, tendo este Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 25 de Março de 2025, julgado improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.

O apresentou recurso de revista, com as seguintes conclusões:

A) A revista excecional é interposta ao abrigo do disposto nas als. a) e c) do n.º 1 do art.º 672.º do Cód. de Processo Civil, por estar em causa uma questão, cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, além de estar em contradição com jurisprudência dos Tribunais Superiores;

B) O acórdão revidendo ao manter o indeferimento liminar do procedimento cautelar de restituição provisória da posse violou, claramente, a transacção, meramente processualista, celebrada no procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova, onde a Recorrida aceitou a ratificação do embargo, mas prestou caução para poder prosseguir, ao abrigo do art.º 401.º do Cód. de Processo Civil;

C) Não é, de todo inconciliável a permissão que a Lei dá à Recorrida para poder continuar a obra, mediante a prestação de caução com o pedido de restituição provisória da posse do terreno;

D) A celebração de transacção em providência cautelar não é incompatível com a posterior interposição de outra providência cautelar, desde que a nova providência vise garantir direitos que não tenham sido abrangidos ou definitivamente resolvidos pela transacção que foi efectuada anteriormente;

E) A transacção meramente processual efectuada naquele procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova – que recaiu única e exclusivamente sobre a prestação de caução – não impede a interposição pelo Recorrente, nem a concessão pelo Tribunal, desta providência cautelar de restituição da posse, na medida em que a finalidade deste processo em nada colide com o que foi “transigido” naqueles autos de ratificação de embargo de obra nova, que correram termos sob o n.º 2025/24.1T8VCD;

F) A transacção processualista não abrange o direito que se pretende acautelar –a posse do Recorrente;

G) O antecipar do direito adjectivo, no procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova, não implica qualquer reconhecimento de posse, que seja incompatível com o facto de o Recorrente litigar e pedir agora a sua posse;

H) A transacção efectuada entre o Recorrente e a Recorrida foi feita por aplicação das normas jurídicas, na perspectiva de a Recorrida poder sempre lançar mão desse direito, do qual o Recorrente apenas aceitou antecipá-lo fixando o montante a forma de prestar caução;

I) O valor da caução foi o correspondente ao valor dasdespesasde demolição total da obra embargada, bem sabendo a Recorrida que o Recorrente iria intentar a acção principal, bem como o presente procedimento de restituição provisória da posse, como consta das gravações das sessões para inquirição de testemunhas;

J) Nenhuma outra questão foi abrangida ou conhecida de mérito na transacção de direito adjectivo que deu origem à sentença recorrida e acórdão revidendo, designadamente, nada se decidiu ou conheceu quanto aos fundamentos do embargo, nem quanto à titularidade da propriedade e posse do terreno onde a obra estava em curso;

K) O Recorrente apenas ficou potestativamente vinculado a não se opôr ao prosseguimento da obra de construção do posto de transformação porque a caução prestada pela Recorrida, judicialmente validada, garante as despesas de repristinação do seu prédio ao estado anterior;

L) Nenhum Juízo de mérito foi proferido sobre qualquer direito real ou sobre a posse correspondente a esse direito real, que foi causa de pedir do procedimento de ratificação do embargo, nem foi proferido nenhum Juízo de mérito sobre qualquer direito de propriedade e posse sobre aparcela de terrenoonde estava em curso a obra caucionada pela Recorrida;

M) O Recorrente está obrigado a ver a obra continuar não por sua vontade, mas por via do art.º 401.º do Cód. de Processo Civil, mas nos estritos limites em que transigiu, que não na sua conformação, para que o posto de transformação permaneça no local em que se encontra;

N) O Recorrente sempre alegou e reclamou ser dono, proprietário e legítimo possuidor da parcela de terreno onde o posto de transformação foi implantado pela Recorrida e dessesdireitos não abdicou na transacção a que ambososTribunais a quo aludem ao proferir a sentença e acórdão revidendo, pelo que a revista é admissível nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 672.º do Cód. de Processo Civil;

O) De resto, a providência cautelar de restituição da posse, visa restituir ao seu Requerente a posse de que foi privado, sendo uma medida completamente distinta do embargo de obra nova, tanto quanto ao pedido como à causa de pedir, não existindo identidade de pedidos ou de causas de pedir entre eles;

P) Pode o mesmo lesado perante uma ofensa à sua posse por obra nova, instaurar cumulativamente ambas asprovidências:o embargo de obra nova – onde o pedido é a suspensão da obra, a não ser que seja prestada caução – e a restituição provisória da posse, sem que uma exclua a outra;

Q) O procedimento de restituição provisória da posse apenas permite à Requerente do mesmo, aqui Recorrente, ser restituída da posse do terreno onde a obra está feita (ou a ser feita); Enquanto que a prestação de caução naquele procedimento de embargo de obra nova, apenas veda à Recorrente da possibilidade de mexer nessa obra ou de a impedir;

R) Quer isto dizer que a obra continua – porque foi prestada caução –, mas num terreno cuja posse é da outra parte que não é a titular da obra;

S) Segundo a jurisprudência vertida nas alegações, a autorização para continuação da obra mediante prestação de caução visa equilibrar os interesses em conflito, permitindo que a obra prossiga caso se reconheça que a paralisação causaria prejuízos superiores aos da sua continuação, desde que a caução assegure a possibilidade de reposição ao estado anterior. A prestação de caução, neste contexto, não esgota nem prejudica outros meios cautelares que o lesado possa entender por necessários para salvaguardar os seus direitos

T) Tanto a jurisprudência como a doutrina reconhecem que a existência de uma transacção (quanto mais uma transacção processual) não impede automaticamente a concessão de uma providência cautelar, desde que não exista identidade de objecto, e que subsista, um risco efectivo para um direito não abrangido pela transacção (neste sentido, aresto do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo n.º 2330/22.1T8VRL.G1, datado de 19/01/2023, disponível em www.dgsi.pt, que se indica como acórdão fundamento, para admissão da revista excecional ao abrigo do disposto na al. c) do n.º1 do art.º 672.º do Cód. de Processo Civil, na medida em que, ao contrário do acórdão revidendo, determina a compatibilidade entre essas duas providências);

U) Daqui resulta que a transacção efectuada no embargo de obra nova, limitada prestação de caução para permitir a continuação da obra, não é incompatível com a providência cautelar de restituição provisória da posse instaurada pelo Recorrente, pelo que mal andaram os Tribunais a quo quando a indeferiram liminarmente.

Não houve resposta.

Apreciando liminarmente da admissibilidade da presente revista:

O presente recurso de revista encontra-se ao regime especial de recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça consignado no artigo 370º, nº 2, do Código de Processo Civil, por referência à (indispensável) verificação da alegada contradição de julgados que preencherá, no entendimento do recorrente, a previsão normativa do artigo 629º, nº 2, alínea d), do mesmo diploma legal.

Vejamos:

O conceito técnico de contradição de julgados que habilitaria a interposição da revista pressupõe necessariamente que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, de modo a proporcionar a aplicação, em cada um deles, do mesmo regime legal em termos directamente conflituantes, com soluções de direito opostas e inconciliáveis que assim se contradizem.

O que significaria, na prática, que aplicada a posição adoptada no acórdão fundamento (sobre o ponto em conflito) ao acórdão recorrido o veredicto deste seria forçosamente diverso e favorável aos interesses do recorrente.

Ora, analisada a situação sub judice impõe-se concluir que inexiste verdadeira contradição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão apresentado como acórdão fundamento.

Vejamos:

No acórdão recorrido, a confirmação do decidido em 1ª instância assenta basicamente na contraditoriedade e ilicitude da postura processual do requerente que, por um lado, interveio em transacção judicial que firmou voluntariamente com a requerida, a qual foi homologada judicialmente, e que, por outro, decidiu unilateralmente instaurar novo procedimento cautelar que, a ser decretado, prejudicaria necessariamente aquilo a que se havia solenemente comprometido no anterior procedimento e que ficara formalizado através de sentença de homologação judicial.

Esta é a ratio decidendi dos presentes autos que motivou o indeferimento liminar do procedimento cautelar.

No acórdão fundamento a situação é essencialmente diferente, não se confundindo de todo com a razão de ser do decidido no acórdão recorrido.

Tudo se resume aí a uma possível situação de litispendência entre dois procedimentos cautelares (de restituição de posse e de embargo de obra nova), instaurados pela mesma entidade e que correram em paralelo.

E nesse singular contexto concluiu o acórdão fundamento:

“(…) não havendo entre o presente procedimento cautelar e o de embargo de obra nova que também se encontra a correr termos, identidade de pedidos e de causa de pedir, mas apenas de sujeitos, diversamente do decidido pelo tribunal a quo, o presente procedimento não é repetição daquele outro, porquanto, entre eles não se verifica o requisito da tripla identidade - sujeitos, pedido e causa de pedir - necessário à verificação da exceção dilatória de litispendência.

Acresce dizer que a circunstância do apelante ter instaurado a providência cautelar de obra nova, quando podia optar pela instauração da presente providência cautelar não especificada de defesa da posse, não o impede agora de o fazer, na medida em que vigorando no ordenamento jurídico processual civil nacional o princípio do dispositivo, é ao apelante (requerente) que cabe ajuizar da melhor forma de defender os seus direitos com vista a satisfazer os seus interesses, tanto mais que, conforme se acaba de referir, os pedidos e as causas de pedir são distintos em ambos os procedimentos, e, ainda que essas causas de pedir fossem as mesmas em ambos os procedimentos (que não são), conforme resulta do que acima se deixou sobejamente explanado, nenhum obstáculo processual existia no sentido daquele instaurar outro procedimento contra o mesmo requerido, com fundamento na mesma causa de pedir com vista a retirar dessa mesma causa de pedir um outro efeito jurídico, isto é, formular um pedido distinto daquele que formulara no procedimento anteriormente instaurado de embargo de obra nova, como sempre seria o caso – os pedidos em ambos os procedimentos são distintos”.

Ou seja, no acórdão fundamento não se discute de modo algum a censurabilidade e ilicitude da postura processual da requerente que aceitando formalizar determinada transacção judicial com a parte contrária, objecto de competente homologação judicial, logo depois instaura, contraditoriamente, um outro tipo de procedimento cautelar que a coloca absolutamente em crise, numa atitude juridicamente inadmissível que ofende os próprios ditames gerais da boa fé.

Tudo se resume, ao invés, no acórdão fundamento, a saber se podem correr em paralelo dois procedimentos cautelares (de restituição de posse e de embargo de obra nova) entre os mesmos intervenientes – na mesma exacta qualidade processual - e sobre o mesmo espaço físico, ao que foi dada resposta afirmativa.

Rigorosamente nada foi dito nesse aresto (nem tinha de ser) a propósito da hipotética actuação contraditória do requerente que havia desrespeitado frontalmente o acordo judicial homologado, a que livre e voluntariamente dera azo, e que constitui, como se disse, a razão de decidir essencial e decisiva do acórdão recorrido.

Pelo que se nos afigura manifesta a inexistência de contradição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento e, por consequência, a inadmissibilidade da presente revista à luz do que se dispõe nos artigos 370º, nº 2 e 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil.

Dir-se-á, ainda, a respeito do invocado pela recorrente aquando da sua notificação nos termos e para os efeitos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil.

1º - Quando o recorrente refere que “a celebração de uma transacção em Providência Cautelar não é, nem poderá ser incompatível, com a posterior interposição de uma outra Providência Cautelar, desde que esta nova Providência vise garantir direitos que não tenham sido abrangidos ou definitivamente resolvidos na transacção da que foi efectuada anteriormente”, está a reportar-se obviamente à discussão sobre o mérito da decisão proferida pelo Tribunal da Relação.

Ora, no âmbito da apreciação da admissibilidade do recurso de revista interposto num procedimento cautelar – em que a regra é a da irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça – não releva (para estes concretos efeitos) o acerto ou desacerto do decidido em 2ª instância.

Este mesmo acórdão (seja qual for o sentido da sua decisão) será definitivo - e nessa medida insindicável –, desde que o recorrente não demonstre a existência de contradição de julgados que habilita por isso mesmo a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça.

2º - O mesmo se diga quanto à afirmação produzida no requerimento de que “A transacção processual efectuada naquele procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova tendo em vista a sua procedência –recaiu única e exclusivamente sobre a questão prestação de caução – pelo que não impede a interposição pelo Recorrente, nem a sua concessão pelo Tribunal, da Providência Cautelar de Restituição da Posse, na medida em que a finalidade desta, em nada colide com o que foi “transigido” ou acordado naqueles autos de ratificação de embargo de obra nova (que correu termos sob o processo n.º 2025/24.1T8VCD)”.

No fundo, o que alega é que o Tribunal da Relação, pelos motivos apontados, decidiu – a seu ver – mal, o que só relevará, como se disse, se tal aresto for, numa prévia perspectiva de análise, susceptível de impugnação junto do Supremo Tribunal de Justiça, o que, como se realçou, não sendo regra, reveste natureza estritamente excepcional e por isso mesmo profundamente restrita.

3º - O que está ora em análise não é a questão da compatibilidade entre as duas providências cautelares.

Para efeitos de admissibilidade da presente revista, por via da demonstrada contradição de julgados, unicamente interessa apurar da existência de colisão frontal, directa e insanável entre as ratio decidendi do acórdão recorrido e do acórdão fundamento colocados em confronto.

4º - E pelos motivos desenvolvidos supra inexiste in casu a indispensável contradição de julgados, tal como a figura, em rigor, se define e caracteriza juridicamente.

Assim sendo, a presente revista não é admissível e, nessa medida, se julga finda, não havendo lugar ao conhecimento do respectivo objecto, nos termos do artigo 652º, nº 1, alínea b) e 679º do Código de Processo Civil.

Pelo exposto:

Julgo findo o presente recurso de revista, não havendo lugar ao conhecimento do seu objecto, nos termos dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código Civil.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC”.

O recorrente apresentou reclamação para a Conferência nos termos do artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil.

Apreciando do mérito da reclamação apresentada nos termos do artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil:

Não assiste razão à reclamante pelos motivos desenvolvidos na decisão singular.

Nada há, portanto, nada a acrescentar ao que antes fora dito pelo relator do processo.

Concorda-se, assim e inteiramente, com o despacho reclamado, para cujos fundamentos se remete.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) em indeferir a reclamação apresentada, mantendo-se a decisão singular reclamada que decidiu o não conhecimento do objecto do recurso, nos termos dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs.

Lisboa, 23 de Setembro de 2025.

Luís Espírito Santo (Relator).

Cristina Coelho.

Ricardo Costa.

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.