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PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
PRESUNÇÃO DE CUMPRIMENTO
CONFISSÃO
MANDATO
Sumário
I - No art. 317º, al. c) do Código Civil estão em causa créditos por serviços prestados no exercício de profissões liberais (como seja o caso do pagamento de honorários a advogado, contanto que não esteja em causa um vínculo de natureza laboral). II - A confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo (art. 355º, n.º 3, do Cód. Civil). III - A confissão judicial escrita feita anteriormente numa acção principal só poderá ser invocada em acção subsequente entre as mesmas partes com o valor de confissão extrajudicial. IV - O princípio de prova é imprestável para ilidir a presunção de cumprimento, visto esta apenas poder ser feita através de meio de prova específico: confissão judicial (mesmo tácita) do devedor originário ou do herdeiro do devedor (transmissão mortis causa) ou confissão extrajudicial escrita (arts. 313º e 314º do CC). V - No caso de um mandato disjuntivo quanto aos mandatários, que resulta da celebração de apenas um contrato de mandato, mas com dois mandatários, são criadas duas relações de mandato autónomas entre o mandante e cada um dos mandatários (art. 1160.º do CC). VI - Não tendo o mandante declarado um qualquer exercício conjunto de ambos, o prazo de prescrição é autónomo para os diferentes créditos e credores.
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório
AA instaurou ação declarativa de condenação[1], sob a forma de processo comum, contra 1) BB; 2) CC e 3) DD, pedindo a condenaçãodestas no pagamento da quantia de €7.500,00, acrescida de IVA à taxa legal de 23%, na qualidade de únicas e universais herdeiras da herança aberta por óbito do seu pai, EE, e até ao limite das forças da herança, ao A., na qualidade de único e universal herdeiro da herança aberta por óbito da sua mãe, Dra. FF, sem prejuízo dos juros vincendos até integral e efectivo pagamento, à taxa legal.
Alegou, para o efeito e em síntese, que as rés, enquanto herdeiras do seu pai, foram condenadas em processo judicial anterior no pagamento de honorários devidos a serviços prestados àquele por advogado.
Nessa sentença foi dado como provado que parte dos serviços foram prestados por outra advogada, mãe do aqui autor, que não foi parte naqueles autos e por tal razão não foram as rés condenadas na totalidade daquele pedido na referida decisão.
Na presente ação vem exigir o pagamento do remanescente dos honorários, fundando-se na autoridade de caso julgado derivada daquela sentença.
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Citadas, as rés apresentaram, em separado, contestações em moldes semelhantes, em síntese arguindo as exceções dilatórias de nulidade de todo o processado, derivada de ineptidão da petição inicial, bem como a exceção dilatória de ilegitimidade ativa e passiva, e, ainda, a exceção perentória de prescrição presuntiva.
Mais alegam a inadmissibilidade da invocação do caso julgado pelo autor e impugnam a matéria de facto por este alegada, alegando também o pagamento e a inadmissibilidade formal das interpelações dirigidas pelo mandatário do autor.
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Teve lugar audiência prévia, no âmbito da qual o autor apresentou resposta à matéria de exceção invocada pelas rés.
Foi solicitada certidão integral do proc. n.º 5788/17.7T8VNF e respetivos apensos, e foram notificadas as partes do seu teor.
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Posteriormente, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu despacho saneador-sentença (cfr. fls. 128 a 139), nos termos da qual julgou a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu condenar “as rés BB, CC e DD no pagamento ao autor, até ao limite das forças da herança de EE, da quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescido IVA à taxa legal de 23%, e acrescido de juros de mora vencidos desde a data de propositura da ação e vincendos até efetivo e integral pagamento”.
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Inconformadas com a sentença, as Rés dela interpuseram, separadamente, recurso.
A co-Ré CC, a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1ª- O Meritíssimo Juiz ‘a quo’ fez uma errada aplicação, por errada interpretação do estatuído no artigo 421º do CPC; 2ª- Conforme resulta do estatuído no artigo 421º do CPC apenas as provas consistentes em depoimentos ou perícias podem ser invocadas noutro processo e é precisa a invocação da prova pela contra-parte, ou por um comparte, que por ela seja, ainda que indirectamente, favorecida; 4ª- “Nenhum valor probatório extraprocessual é reconhecido à decisão sobre a matéria de facto” (destaque nosso); 5ª- “O aproveitamento de uma prova produzida num processo tem de ser requerido por uma das partes do segundo processo”; 6ª- A decisão sobre a matéria de facto tomada no 1º processo não pode valer como prova no 2º processo e também não pode valer como sua causa de pedir; 7ª- Estava vedado ao Meritíssimo Juiz ‘a quo’ conhecer e julgar provada a matéria de facto constante, nomeadamente, dos pontos 3), 5), 6), 7), 8) e 13) dos FACTOS PROVADOS, pois tais factos não foram, sequer, alegados pelo A./Recorrido; 8ª- O juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes (art. 608º, nº 2 do CPC) sob pena de nulidade da sentença (art. 615º, nº 1, al. d) do mesmo Código); 9ª- A matéria alegada na p.i. não contém factos essenciais que sustentem a causa de pedir, sendo que cabe ao autor alegar o acervo dos factos que integram o núcleo essencial da previsão da norma ou norma do sistema que estatuem o efeito de direito material pretendido, sob pena de ineptidão da petição inicial ou de improcedência do pedido; 10ª- Está vedado ao Meritíssimo Juiz ‘a quo’ usar os factos transcritos da anterior sentença na p.i. não só como factos alegados neste processo, como usar tais factos como prova dos factos que deveriam ter sido alegados (mas que não foram), exercendo, assim, uma dupla função que a lei não prevê nem permite; 11ª- De qualquer modo, nas circunstâncias do 1º processo não se pode concluir que o aí Réu estava a confessar que não pagou à antecessora do ora Autor/Recorrido os serviços por esta prestados; 12ª- O Tribunal ‘a quo’ cometeu erro de julgamento ao julgar não provado que as rés “pagaram todos os montantes atinentes ao processo nº 5788/17.7T8VNF”, quando reportada à matéria dos presentes autos; 13ª- O 1º processo não ofereceu ao antecessor das ora Rés as mesmas garantias que oferece o actual processo quanto à invocação da prescrição; 14ª- Nos termos do nº 1 do artigo 357º do Código Civil, “A declaração confessória deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar”, sendo que, a declaração confessória apesar de não ser receptícia, deve ser dirigida ao destinatário, quando não tenha sido expressa na sua presença ou na presença de um representante; 15ª- A confissão produz efeitos, torna-se eficaz logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada; 16ª- Para que não se tivesse verificado a prescrição presuntiva seria necessário que a suposta confissão do antecessor das rés, tivesse sido proferida há menos de 2 anos em relação à apresentação em juízo da presente acção, ou seja, em momento posterior a 17 de Julho de 2022 (o que no caso em apreço não se verificou pois tal suposta confissão foi proferida em 17 de Julho de 2021); 17ª- Não releva, para o caso em apreço, o trânsito em julgado da sentença proferida no processo onde foi proferida supostamente uma decisão confessória; 18ª- A ilisão da presunção de pagamento compete ao credor, só podendo ser obtida requerendo o credor o depoimento de parte do devedor e alcançando aí a sua confissão. Porém, o A./Recorrido absteve-se de usar de tal mecanismo processual; 19ª- O Meritíssimo Juiz ‘a quo’ fez uma errada aplicação, por errada interpretação, do estatuído nos artigos 306º, nos 1 e 4, 311º, 315º, 323º e 327º, todos do Código Civil. 20º- A Recorrente tem um entendimento diversos do entendimento do Meritíssimo Juiz ‘a quo’ relativamente à matéria da prescrição em três distintos aspectos: quanto ao teor das declarações produzidas pelo pai da Recorrente no 1º processo; quanto aos efeitos de tais declarações; e quanto ao momento em que tais declarações se tornaram eficazes, produzindo os seus efeitos.
TERMOS EM QUE, e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, com todas as consequências legais, assim se fazendo inteira e sã J U S T I Ç A!»
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A co-Ré DD rematou as suas alegações com as seguintes conclusões (que também se transcrevem):
«1 - Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que “o autor não se pode valer da autoridade de caso julgado”, decisão esta que não merece qualquer reparo por parte da Recorrente. 2 - No entanto, decidiu o Meritíssimo Juiz a quo condenar a aqui Recorrente, na medida em que considerou ter aplicabilidade no caso concreto o artigo 421.º do CPC. 3 - O Meritíssimo Juiz a quo fez uma errada interpretação do disposto no artigo 421º do CPC. 4 - Primeiramente, diga-se que a regra contida no aludido artigo 421.º do CPC refere-se unicamente aos “depoimentos” e “perícias”, e não a qualquer outro meio de prova, pelo que, entre outros, não poderiam nunca ser valoradas nem quaisquer certidões juntas ao primeiro processo nem sequer o laudo de honorários elaborado pela Ordem dos Advogados. Consequentemente, não poderiam ter sido dados como provados, entre outros, os factos 3) a 13) da sentença ora recorrida. 5 - Além disso, é somente a prova que pode ser valorada extraprocessualmente e nunca os factos que na primeira ação foram ou não tidos como provados. 6 - Os fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando autonomizados da respetiva decisão judicial, na medida em que não há como transpor factos provados de um processo para o outro, sob pena de conferir à decisão sobre a matéria de facto o valor de caso julgado que não tem e conceder ao valor extraprocessual das provas uma amplitude que não possui. 7 - Por outro lado, falta também e desde logo o primeiro requisito para que sejam aproveitáveis no segundo processo os depoimentos e perícias prestados no primeiro, isto é, é necessário que haja identidade de partes em ambos os processos para que tais provas possam ser objeto de qualquer aproveitamento. 8 - É indiscutível que as partes no processo n.º 5788/17.7T8VNF não são as mesmas que as partes do presente processo. 9 - Por outro lado, também se esbarra desde logo no terceiro requisito, o qual refere que é necessário que o regime de produção dessas provas no primeiro processo ofereça às partes garantias pelo menos iguais às do segundo, o que não aconteceu. 10 - O regime de produção das provas no primeiro processo ofereceu menores garantias de defesa comparativamente com aquelas que poderiam ter sido produzidas caso a mãe do Autor/Recorrido fosse parte na ação, pois no primeiro processo o progenitor da Recorrente defendeu-se única e exclusivamente das alegações efetuadas pelo Autor e não pela progenitora do aqui Autor/Recorrido. 11 - Aliás, é a própria sentença recorrida que refere expressamente que as Rés não tiveram a oportunidade de, naqueles (primeiros) autos, opor todos os meios de defesa à titular do crédito. 12 - Por outro lado, não opera o valor extraprocessual das provas sem que tenha havido requerimento da parte, pelo que, entre outros, não existe qualquer justificação para que o tribunal oficiosamente pudesse obter a certidão judicial integral dos autos de processo nº 5788/17.7T8VNF (e seus apensos). 13 - Por fim, a regra do art. 421.º trata sobre a eficácia extraprocessual das provas que são formadas em juízo - o valor extraprocessual das provas aplica-se somente às provas constituendas, pois quanto à prova pré-constituída, há que voltar a apresentá-la em processo. 14 - Na Petição Inicial, o Autor/Recorrido apenas e só se limitou a reproduzir breves trechos da fundamentação da sentença judicial de 29-10-2023 e a alegar alguns factos dados como provados na mesma, visando invocar o efeito de caso julgado/autoridade de caso julgado. 15 - No presente caso, o Autor/Recorrido não alega quaisquer factos jurídicos, concretos e suscetíveis de integrar a causa de pedir, donde emerge o alegado direito que o mesmo invoca para a sua ação comum de condenação. Nem sequer invocou qualquer prova. 16 - Excluída a autoridade de caso julgado como causa de pedir, na presente ação inexistem por completo factos em que se baseie o Autor/Recorrido para formular o seu pedido. 17 - E, mostrando-se assente que os factos declarados provados numa ação judicial não podem ser considerados e declarados provados numa outra ação, distinta, com base na certidão da sentença na primeira ação proferida, dúvidas não subsistem de que inexistem quaisquer factos e/ou provas que levassem à condenação das aqui Rés, muito pelo contrário. 18 - O Autor/Recorrido, de modo excessivamente vago e numa só frase, alegou apenas que o crédito da sua falecida mãe sobre o falecido pai das Rés se discutia em razão de serviços jurídicos prestados no âmbito de um contrato de mandato forense. 19 - O Autor/Recorrido não enumerou nem discriminou os serviços prestados nem as respetivas datas, não mencionou as horas despendidas nem o valor à hora, não mencionou as provisões recebidas, nem fez qualquer referência a uma qualquer nota de honorários. 20 - Pelo que, dúvidas não subsistem de que a petição inicial é inepta, por ininteligível e por falta de causa de pedir, implicando, por força do disposto no artigo 186.º, n.º 1, do CPC, a nulidade de todo o processo, e, consequentemente, a absolvição da Recorrente da instância (artigos 278.º, n.º 1, al b) e 577.º, alínea b), ambos do CPC). 21 - Aliás, na sentença ora recorrida, o Meritíssimo Juiz a quo refere que há efetivamente falta de factos essenciais alegados na petição inicial. 22 - Salvo o devido respeito, o facto de o atual figurino processual civil exigir que o tribunal privilegie o fundo sobre a forma, não pode levar a que este último se substitua às partes no ónus de alegação dos factos e da causa de pedir. 23 - Refere o artigo 608.º nº 2 do CPC que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e só pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, sob pena de nulidade da sentença, o que se invoca para todos os efeitos legais (artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC). 24 - Pelo que estava vedado ao Meritíssimo Juiz a quo conhecer e julgar provada a matéria constante, designadamente, dos pontos 3, 5 a 13 dos factos provados. 25 - Por outro lado, as rés invocaram a prescrição presuntiva do crédito do Autor/Recorrido, alegando que todos os serviços prestados pela mãe do Autor/Recorrido, já se encontram inteiramente liquidados. 26 - Todavia, a douta sentença decidiu julgar – no entender da Recorrente mal – improcedente esta invocação da exceção de prescrição presuntiva. 27 - O prazo de prescrição presuntiva de um crédito de honorários relativos a um mandato forense e de reembolso de despesas realizadas na execução desse mandato, inicia a sua contagem quando, por qualquer causa, cessa a prestação do mandatário (2015). 28 - A partir desse momento e durante um prazo de dois anos, presume a lei que o credor procurou obter o pagamento, e o devedor pagou a retribuição dos serviços prestados e o reembolso das despesas efetuadas. 29 - A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão judicial ou extrajudicial do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão. 30 - No presente caso, não houve qualquer confissão judicial no primeiro processo, na medida em que, como já supra se referiu e como referiu a própria sentença recorrida, a progenitora do Autor/Recorrido não era parte naquele processo. 31 - Também no segundo processo o Autor/Recorrido optou por não requerer o depoimento de parte da aqui Recorrente (ou suas irmãs), não tentando, portanto, por essa via uma eventual confissão. 32 - Sendo assim, a Recorrente beneficia da presunção de pagamento e tal presunção não foi ilidida, pelo que deveria ter sido tal facto dado como provado. 33 - Não releva, para o caso em apreço, o trânsito em julgado da sentença proferida no processo onde foi proferida supostamente uma decisão confessória. 34 - A progenitora do Autor/Recorrido não foi parte naquela primeira ação, não necessitando, como é óbvio, de esperar pelo trânsito em julgado daquela sentença. 35 - Segundo o artigo 1160.º do CC “Se alguém incumbir duas ou mais pessoas da prática dos mesmos actos jurídicos, haverá tantos mandatos quantas as pessoas designadas, salvo se o mandante declarar que devem agir conjuntamente.”. Pelo que, não tendo o mandante declarado um qualquer exercício conjunto de ambos, o prazo de prescrição é autónomo para os diferentes créditos e credores. 36 - A progenitora do Autor/Recorrido nunca exigiu nada à aqui Recorrente (ou suas irmãs), não tendo sequer havido, ao longo destes largos anos, qualquer interpelação, seja judicial seja extrajudicial, no sentido de que estavam em débito os honorários e que era preciso pagar. 37 - Pelo que, não poderia nunca ter sido dado como provado o facto nº 14. 38 - Quanto a este facto em concreto, referiu o Meritíssimo Juiz a quo que “Em relação à questão suscitada pelas rés no sentido da invalidade das interpelações dirigidas pelo mandatário do autor, posto que o próprio autor, já tendo outorgado procuração forense nos presentes autos a favor do mesmo mandatário, nada veio dizer, mostrando-se de todo conformado com a atuação do seu mandatário, é de considerar tais interpelações como ratificadas (artigos 217.º, 268.º e Código Civil).” 39 - Ora, a notificação do despacho que fixe o prazo para sanar a falta ou o vício do mandato e a respetiva cominação (artigo 40º nº 2 do Código de Processo Civil), deve ser feita ao advogado subscritor do articulado processual e à parte e só após tal notificação é lícito extrair, em caso de inércia da parte, as consequências previstas naquele normativo. 40 - A falta da notificação à parte, consubstancia omissão de uma formalidade prescrita na lei suscetível de influir no exame e decisão da causa, integrando nulidade secundária prevista no artigo 201º nº 1 do Código de Processo Civil. 41 - Desta forma, o facto nº 14 é nulo, na medida em que não houve uma qualquer sanação legal, devendo o mesmo ser declarado não provado. 42 - Assim, tal como configurado pelo Autor/Recorrido na sua Petição Inicial, aquando da instauração da presente ação já havia decorrido mais de dois anos desde a data em que terminaram os serviços prestados, pelo que devem ser declarados extintos, por prescrição, os créditos reclamados nos presentes autos, exceção perentória esta que expressamente se alega, nos termos conjugados do disposto no artigo 309º do Código Civil, 576º nº 3 e 579º do Código Processo Civil. 43 - Por outro lado, pelo depoimento do pai da Recorrente transcrito em ata apenas se extrai que aquele reconheceu que, até àquela data, não tinha pago ao Autor da primeira ação o montante pedido e que o mesmo, na sua opinião, era exagerado. 44 - De todo o modo, se, por hipótese meramente académica, se interpreta que houve uma confissão também quanto aos serviços prestados pela mãe do Autor/Recorrido – hipótese que não se concebe nem concede -, tal declaração confessória constante dos articulados de uma ação tem um valor probatório restrito a esse processo, não tendo relevância probatória fora dele. 45 - Além disso, a haver uma qualquer confissão a mesma torna-se eficaz logo que a vontade do declarante se manifeste na forma adequada, na medida em que, como se viu, a confissão, tal como expresso no art. 355.º, n.º 3 do C.C., só vale como judicial nesse mesmo processo. 46 - Foi na audiência de discussão e julgamento de 17/07/2021 que a declaração em causa foi proferida. 47 - A presente ação apenas deu entrada no dia 23/04/2024, ou seja, muito depois de 17/07/2023 altura em que perfaziam os 2 anos e prescrevia o seu direito. 48 - Pelo que, também por aqui ocorreu a prescrição em análise. 49 - Perante tudo o que ficou exposto, deverá a sentença em crise ser revogada, por outra que julgue a ação totalmente improcedente e não provada e a Recorrente absolvida do pedido. 50 - A douta sentença em crise, não interpreta corretamente, entre outros, os artigos 5.º, n.º 1, 6º, 186º, 278.º, n.º 1, alínea b), 421.º, 576º nº 3, 577º, alínea b), 579º, 581.º do CPC; artigos 309º, 313º, 317.º e 1160.º do CC.
NESTES TERMOS e com o douto suprimento de Vªs Exªs Venerandos Desembargadores, deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que absolva a Ré nos termos supra expostos, tudo com as demais consequências legais. ASSIM SE FAZENDO A DEVIDA JUSTIÇA!».
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E a co-Ré BBconcluiu as suas alegações da seguinte forma (que se transcrevem): «A- A Admissão pelo Meritíssimo Juiz “a quo”, no seu despacho datado de 18.11.2024 (Audiência Prévia), da referida prova(certidão integral de todo o processo e respectivos apensos), é uma violação do princípio da prova, e do princípio da iniciativa processual das partes, e do ónus da prova que impende sobre o Autor/recorrido, e da imparcialidade e independência que deve existir no processo, e ultrapassa os limites dos poderes e princípios basilares dos poderes judiciais; B- É às partes que incumbe, em exclusivo, a apresentação dos meios de prova e a prova dos factos que constituem os fundamentos da acção, restringindo-se o princípio do inquisitório do tribunal aos factos que é lícito conhecer, nos termos do disposto no artigo 411.º do Código Processo Civil; C- O Autor/recorrido apenas requereu emissão certidão, de um outro processo, sem indicação concreta de quais as testemunhas em causa e os concretos pontos dos depoimentos que pretendia que fossem valorados e era a ele que cabia o ónus de apresentar a prova; D- Pelo que deve ser declarado nulo o referido despacho e em consequência não ser admitida tal prova. E- O Meritíssimo Juiz “a quo” fez uma errada aplicação e interpretação do estatuído no artigo 421.º do Cód. Processo Civil; F- O Meritíssimo Juiz “a quo” deveria ter verificado se a petição inicial cumpria todos os requisitos, quanto aos factos, à causa de pedir e ao pedido, para só posteriormente determinar ou não da possibilidade de aplicação do artigo 421.º, do Código Processo Civil, o que no caso concreto não ocorreu; G- O Autor/recorrido apenas se limitou a alegar conclusões na sua petição inicial e passagens da decisão da fundamentação, não cumprindo o ónus de indicação dos factos que integram a causa de pedir e os efeitos materiais pretendidos, pelo que, nessa medida, a petição inicial é INEPTA por manifesta falta da causa de pedir, e em consequência é nulo todo o processo, nos termos do disposto nos artigos 186.º e alínea b) do artigo 577.º, ambos do Código Processo Civil. H- O Meritíssimo juiz “a quo” não pode presumir factos e substituir-se às partes, ou seja, é ao Autor/recorrido que cabe o ónus de alegação da causa de pedir, e o juiz deve resolver as questões que as partes tenham submetido à apreciação, sob pena de nulidade, o que se invoca para todos os legais efeitos, Cfr. artigos 608.º e 615.º, n.º1, alínea d), ambos do Código Processo Civil. I- Nos termos do disposto no artigo 421.º do Código Processo Civil só as provas consolidadas em depoimento e perícias podem ser invocadas noutro processo, no entanto, para tal é necessário a invocação da prova pela contraparte ou por um comparte, o que no caso em apreço não ocorre; J- Assim, não pode ser reconhecida à decisão valor probatório extraprocessual sobre a matéria de facto, nem sequer pode valer como causa de pedir. K- Atendendo, que o Autor/Recorrido não alegou os factos, nem os mesmos foram provados por prova admissível e legal, não pode o Meritíssimo Juiz “a quo” conhecer e julgar como provados os factos 2, 3, 5 a 13 dos factos provados; L- Na petição inicial não foram alegados factos essenciais que sustentem a causa de pedir; M-Ao Meritíssimo Juiz “a quo” está vedado o uso de factos transcritos em anterior decisão, assim como a prova, porque ao fazê-lo está a utilizar uma funcionalidade não prevista e proibida por lei; N- E desse modo, no âmbito do proc. n.º 5788/17.7T8VNF não é possível concluir que o aí Réu estava a confessar que não pagou à antecessora do aqui Autor/recorrido os serviços prestados, porque não pode ser valorado o depoimento de parte; O- Cometendo erro de julgamento, o Meritíssimo Juiz Tribunal “A quo”, ao declarar não provado que as Rés “pagaram todos os montantes ao Proc. n.º 5788/17.7T8VNF”, quando reportada à matéria destes autos, desde logo, porque o referido não ofereceu ao antecessor das aqui Rés as mesmas garantias que oferece o actual processo ao nível da invocação da prescrição; P- Ao abrigo do disposto no artigo355.º, n.º3 do Código civil a confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo, desde logo porque um depoimento de parte realizado num processo não pode ter qualquer eficácia noutro processo, pelo que não deve ser admitido; Q- Assim, o Meritíssimo Juiz “a quo”, salvo o devido respeito, usou erradamente o princípio do valor extraprocessual da prova, uma vez que, não era possível de aplicação a estes autos/processo, nem quanto à amplitude, nem quanto à sua extensão, pois ao fazê-lo viola os princípios das provas admissíveis e que são imperativos por lei; R- Nos termos do disposto no artigo 357.º do Código Civil – “A declaração confessória deve ser inequívoca, salvo se lei o dispensar” e só produz efeitos e é eficaz no momento em que a vontade do declarante se manifesta de forma adequada. S- Mais dispõe o artigo 317.º, alínea c), que aos créditos resultantes de serviços prestados no exercício de profissões liberais é aplicável a prescrição presuntiva. T- Na prescrição presuntiva basta o devedor originário ou daquele a quem a divida tiver sido transmitida por sucessão, invocar e provar a inércia do credor no exercício do direito durante o tempo fixado por lei; U- Para que a confissão possa ser ilidida tem de ser por confissão, a que a lei impõe que seja judicial, ou extrajudicial, sendo que neste último caso, tem de ser através de documento escrito – Cfr. artigos 313.º e314.º do Código Civil, o que nos casos dos autos, nenhuma confissão existe como tal não pode ser ilidida a presunção; V- Nessa medida, o prazo de prescrição aplicável, a este caso, inicia - se nos dois anos seguintes à cessação do mandato, atendendo que a cessação do mandato ocorreu em 2015, e considerando que acção foi intentada no final de 2024, verifica-se a presunção de pagamento, encontrando-se prescrito o crédito reclamado pelo Autor/recorrido nos presentes autos, de acordo com o disposto na alínea c) do artigo 317.º do Código Civil. W-Ainda, que se admitisse como possível, que a contagem do prazo da prescrição se iniciaria na data do depoimento da parte do Reu (ocorrido a 17.07.2021) no Proc. n.º 5788/17.7T8VNF (depoimento não admissível como prova nestes autos), também se verificava a prescrição, pelo decurso do prazo de dois anos; X- Não releva para a prescrição, no caso destes autos, o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos de processo 5788/17.7T8VNF, conforme acima foi exposto; Y- Destarte, a ilisão da presunção de pagamento competia ao credor, que só podia obter através do requerimento de depoimento de parte do devedor e aí alcançar a confissão, o que nestes autos não ocorreu. Z- Pelo que, o Meritíssimo Juiz “a quo” fez errada aplicação e interpretação do estatuído nos artigos 306.º, n.º 1 e 4, 311.º, 313.º, 314.º, 315.º, 323.º e 327.º todos do Código Civil. AA- Assim, deverá a decisão ser alterada por outra que reconheça e declare verificada a excepção peremptória de prescrição constante do art.317º Código Civil, sendo declarado totalmente procedente o presente recurso, e em consequência ser a Ré/recorrente absolvida do pedido formulado pelo Autor, nos termos do disposto nos artigos 576.º do Código Processo Civil Nestes termos e nos mais de direito aplicável, e sempre com o douto suprimento de V/Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, com as consequências legais, assim se fazendo inteira e acostumada JUSTIÇA!»
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Contra-alegou a autora aos recursos interpostos pelas Rés, pugnando pela sua improcedência.
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Os recursos foram admitidos como de apelação, a subirem imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].
No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
1.ª – Questão prévia: Da intempestividade do recurso do despacho constante da acta de audiência prévia de 18/11/2024;
2ª – Da nulidade da sentença;
3ª – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
4ª – Da indevida aplicação do regime do art. 421º do CPC;
5ª – Da prescrição presuntiva.
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III. Fundamentos
IV. Fundamentação de facto
A. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos (que se transcrevem):
1) O autor o único e universal herdeiro da herança aberta e indivisa por óbito da sua mãe, FF, advogada, que usava o nome profissional de FF.
2) As rés são as únicas e universais herdeiras da herança aberta e indivisa por óbito do seu pai, EE.
3) No dia 27/09/2012, EE outorgou procuração, concedendo a FF e a GG poderes forenses.
4) Em 01/07/2015, transitou em julgado a sentença proferida no âmbito do processo de inventário n.º 2447/11.8TJVNF-A, que correu os seus termos no tribunal no J... da Secção de Família e Menores da Comarca de Braga, ....
5) No referido processo, FF praticou os seguintes atos:
a) Acompanhou réu no juramento e na prestação de declarações de cabeça de casal, o que fez em 12/03/2013;
b) Enviou, via Citius requerimento de resposta à reclamação à relação de bens apresentada pela requerida, com aditamento de outras verbas (bens móveis) e oposição à administração conjunta de bens peticionada pela mesma, o que fez em 23/05/2013;
c) Enviou, via Citius, requerimento de resposta e oposição à nova reclamação à relação de bens apresentada pela requerida, solicitando o seu desentranhamento, o que fez em 26/11/2013;
d) Enviou, via Citius, o requerimento probatório, o que fez em 12/02/2014;
e) Enviou, via Citius, requerimento de retificação e aditamento à relação de bens, relativamente às rendas dos imóveis constantes da relação de bens e das comissões de jogo da Santa Casa da Misericórdia recebidas pela requerida, o que fez em 23-04-2014;
f) Enviou, via Citius, requerimento a exercer o contraditório quanto aos documentos juntos pela Santa Casa da Misericórdia e a requerer o relacionamento adicional das receitas pagas pela Santa Casa da Misericórdia relativamente aos anos de 2011 e 2012, o que fez em 11/06/2014;
g) Acompanhou EE e teve várias intervenções na conferência de interessados com a presença do mesmo, com a partilha da quase totalidade das verbas, ficando determinado a venda por proposta em carta fechada dos imóveis melhor descritos nas verbas nºs. 38, 43 e 47, o que fez em 3.12.2014;
h) Enviou, via Citius, requerimento a pedir a retificação das verbas n.ºs 48 e 49 da relação de bens, o que fez em 23/12/2014;
i) Acompanhou EE na diligência de abertura de propostas, junto do Tribunal, quanto às verbas n.ºs 38, 43 e 47 da relação de bens, o que fez em 22/01/2015;
j) Assinou, via Citius, requerimento conjunto a requerer a homologação por douta Sentença da partilha parcial já efetuada na Ata de 03/12/2014, bem como a sua retificação de acordo com o douto Despacho de 14/01/2015 e a comunicar que acordaram em que fosse adjudicado em comum e partes iguais (compropriedade), os restantes bens imóveis ainda não partilhados, ou seja, os melhor identificados nas verbas n.ºs 38, 43 e 47 da relação de bens e, ainda, a pôr termo à venda dos referidos bens, o que fez em 22/05/2015.
6) O requerimento de acordo de adjudicação em comum e sem determinação de partes iguais das verbas que não tinham sido objeto de acordo na conferência de interessados foi subscrito também por FF, ainda que elaborado pela parte contrária.
7) Os serviços prestados por FF cifram-se no valor de €7.500,00.
8) O advogado GG, intentou contra o falecido pai das rés uma ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, na qual peticionou a condenação daquele no pagamento da quantia de 36.841,21, a título de honorários de advogado, acrescidos de juros vencidos.
9) A aludida ação correu termos sob o n.º 5788/17.7T8VNF, no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Vila Nova de Famalicão, Juiz ....
10) Na pendência da aludida ação, o então réu faleceu, tendo, por decisão proferida no âmbito do apenso “A” sido habilitadas as aqui rés.
11) A ação foi julgada parcialmente procedente, e condenadas as rés, na qualidade de herdeiras de EE, no pagamento de €20.772,70, acrescida de IVA à taxa legal e de juros vencidos desde 25-08-2017, quanto ao capital de 172,70 €, e desde a data da prolação da sentença, quanto ao capital de 20.600,00 €, bem como dos vincendos até integral e efetivo pagamento, à taxa legal de 4% ao ano.
12) A referida sentença foi proferida em 29/10/2023, tendo transitado em julgado em 29/11/2023.
13) Consta da referida decisão o seguinte:
“Importa, então, saber se o Autor pode exigir a totalidade dos honorários ajustados aos serviços prestados em execução do mandato, tendo em consideração que a procuração outorgada para o efeito também conferiu poderes a outro mandatário – a Dr.ª FF – e que este praticou parte dos atos a que esses honorários se referem.
(…)
Aplicando, então, os princípios acima enunciados à matéria de facto provada, temos que concluir que, por aplicação do disposto na primeira parte do art.º 1160.º, do Código Civil – e porque não se demonstrou qualquer estipulação ou instrução em sentido diverso –, o Autor apenas pode exigir a parte dos honorários que corresponde aos serviços por si efetivamente prestados e não também a relativa aos atos praticados pela Dr.ª FF.
Há, por isso, que repartir o montante de € 30.000,00 em função dos serviços prestados por cada um dos mandatários, cabendo ter em consideração, para esse efeito, que o Autor teve uma atuação preponderante, quer do ponto de vista quantitativo – prolongou-se por mais tempo e implicou a prática de um maior número de atos –, quer do ponto de vista qualitativo, já que, conforme também resultou provado, que foi sempre o Autor quem instruiu e determinou a Dr.ª FF em todos os atos que esta interveio no processo de inventário, sejam escritos sejam orais.
Afigura-se, por isso, adequado fixar o montante dos honorários devidos ao Autor em ¾ do valor total, ou seja € 22.500,00, ao qual terá de acrescer o IVA à taxa legal e o montante das despesas documentado nos autos – € 137,70, relativos a taxa de justiça devida pela apresentação do requerimento de inventário, e € 35,00, a título de certidões matriciais e prediais – e deduzido da provisão paga.”
14) O autor, no dia 22-01-2024, procedeu ao envio de três cartas registadas com aviso de receção, sendo uma para cada uma das rés com o assunto “Interpelação, com prazo certo, para pagamento do remanescente do valor fixado na douta Sentença, já transitada em julgado, proferida no âmbito do Processo n.º 5788/17.7T8VNF, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Vila Nova de Famalicão, Juiz ...”, no âmbito das quais exigiu às rés o pagamento de €7.500,00.
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B. E deu como não provados os seguintes factos:
a) As rés pagaram todos os montantes atinentes ao processo n.º 5788/17.7T8VNF.
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V. Fundamentação de direito
1. – Questão prévia:
1.1. Da intempestividade do recurso do despacho constante da acta de audiência prévia de 18/11/2024.
A co-recorrente BB pretende interpor recurso do despacho de 18.11.2024 (Audiência Prévia), que determinou que fosse «solicitada, a emissão de certidão integral de todo o processado, do processo principal e ainda do apenso de habilitação de herdeiros, do processo que correu termos neste J3 Cível, sob o nº 5788/17.7T8VNF (…)».
Sucede que, estando em causa admissão de um meio de prova e pretendendo impugnar o referido despacho, a recorrente carecia de interpor recurso de apelação autónomo imediato, a intentar no prazo de 15 dias, nos termos do disposto nos arts. 644º, n.º 2, al. d) , 645º, n.º 3 e 638º, n.º 1, 2ª parte, do CPC.
Não o tendo feito no decurso do prazo legal para reagir contra tal decisão, o recurso da sentença final não é o momento processualmente adequado para suscitar a referida questão e ver sindicada aquela decisão.
Isto porque, não o tendo feito atempadamente, ficou precludida a faculdade ou o direito de ver apreciada a bondade (ou falta dela) da decisão que deferiu a requerida solicitação da certidão judicial.
Pelo exposto, julgo intempestivo o recurso interposto do despacho de 18/11/2024.
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2. – Nota prévia.
Por força do estatuído no art. 608º, n.º 1, “ex vi” do art. 663º, n.º 2, parte final, ambos do CPC, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art. 278.º, o acórdão conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
No caso em apreço, e não obstante terem sido suscitadas diversas questões de índole processual e substantiva, afigura-se-nos que, independentemente da decisão que sobre tais questões deva ser proferida, o quadro fáctico apurado na primeira instância permite – sem as alterações preconizadas em sede de impugnação da decisão da matéria de facto – concluir de um modo diverso do que aí foi alcançado sobre a invocada excepção da prescrição presuntiva.
Assim, por razões de economia processual passaremos sem mais delongas a conhecer de imediato da referida excepção.
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3. – Da (in)verificação dos pressupostos da prescrição presuntiva (art. 317º, al. c), do Cód. Civil).
Como é sabido, o pagamento é a forma normal de cumprimento das obrigações que envolvam uma prestação pecuniária e, por conseguinte, de extinção das mesmas (art. 762º do Cód. Civil).
Apenas podem prescrever as obrigações não extintas e, por isso, as que, sendo pecuniárias, o devedor não tenha realizado a sua prestação, pagando o que tiver acordado com a parte contrária.
Deste modo, podemos concluir que o pagamento é um acto jurídico de todo incompatível com a prescrição da respectiva obrigação.
Todavia, se assim é quanto à prescrição extintiva ou liberatória – pois que, completado o prazo de prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao direito prescrito (art. 304º do CC), bastando ao devedor alegar e provar que já decorreu o prazo da prescrição, não precisando alegar que nunca deveu ou já pagou –, o mesmo já não se pode dizer no que concerne à prescrição presuntiva.
De facto, a prescrição presuntiva é autonomizável da extintiva quanto aos respetivos fundamentos, efeitos e prazos.
Do fundamento apontado às prescrições presuntivas – qual seja, a presunção de cumprimento ou de pagamento pelo decurso do prazo (art. 312º do CC), considerados os contornos das obrigações em causa – decorre a sua finalidade específica: a tutela da posição do devedor, obstando ao cumprimento duplicado da obrigação, por se entender não ser, nestes casos, usual que o credor espere muito tempo para ser pago, como não é usual que o devedor deixe de pagar essas suas dívidas e, ainda, não é usual passar-se recibo da quitação ou, passando-se a quitação, guardar o devedor essa quitação durante muito tempo[2].
Com o art. 312º do CC o legislador considera que, para as situações tipificadas nos arts. 316º e 317º do CC, o curso do prazo presume o cumprimento, não necessitando o devedor de provar o facto extintivo, embora deva alegar o cumprimento[3][4].
Enquanto através da prescrição ordinária se reage contra a inércia ou a negligência injustificada do credor que não exerce o direito em período razoável, pelo que, uma vez esgotado o prazo, não pode exigir que o devedor cumpra aquilo a que se obrigara, ainda que confesse estar em dívida, na prescrição presuntiva promove-se o tráfico jurídico, não se visando coarctar em absoluto ao credor a prova do seu crédito, malgrado esta se limite à confissão expressa ou tácita do devedor[5].
A razão de ser deste regime especial desenhado para este tipo de prescrições de curto prazo assenta em considerações de ordem prática, colhidos da experiência comum e conexionadas com o tipo de relações contratuais (seus sujeitos e objecto) que estão em causa[6].
Como refere Manuel de Andrade[7], a lei “estabeleceu curtos prazos para a prescrição de créditos do merceeiro, do hoteleiro, do advogado, do procurador, etc., etc., porque se trata de créditos que o credor adquire pelo exercício da sua profissão, da qual vive. Ao fim de um prazo relativamente curto o credor, em regra, exige o seu crédito, pois precisa do seu montante para viver. Por outro lado, o devedor, em regra, paga as suas dívidas dentro de prazo curto, porque são dívidas que ele contraiu para prover às suas necessidades mais urgentes. Mesmo quando o devedor é pessoa de más contas, prefere não pagar outras dívidas e ir pagando estas, até porque de outra maneira, acabaria por não ter quem o servisse. Finalmente, o devedor em regra não cobra recibo destas dívidas, quando paga e se exige recibo não o conserva muito tempo”.
A prescrição presuntiva, como resulta do art. 312º do CC, funda-se na presunção de cumprimento (ou de pagamento).
Decorrido o prazo legal, presume, pois, a lei que o pagamento está efectuado, dispensando, assim, o devedor da prova deste, prova que poderia ser-lhe difícil, dada a ausência de quitação[8].
Tratando-se de uma particular categoria de prescrição breve, determina a presunção de pagamento ou cumprimento e não a extinção da prestação debitória[9].
A presunção de pagamento por banda do devedor faz deslocar o ónus da prova do não pagamento para o credor. Ou seja, existindo a presunção de pagamento a favor do devedor pelo decurso do prazo, competirá ao credor ilidir essa presunção mediante prova em contrário, demonstrando que aquele não pagou, embora nos termos restritivos e limitados indicados nos arts. 313º e 314º do CC.
Na verdade, visando as prescrições presuntivas conferir protecção ao devedor que paga uma dívida e dela não exige ou não guarda quitação, “não poderia admitir-se que o credor contrariasse a presunção de pagamento com quaisquer meios de prova. Exige-se, por isso, que os meios de prova do não pagamento provenham do devedor”[10].
Constituem, por isso, estas presunções uma “natureza intermédia, que não são apenas presunções juris tantum, mas que não chegam a ser presunções iuris et iure”[11].
Ou, no dizer de Calvão da Silva[12], o disposto no art. 313º reforça “a natureza híbrida ou mista da prescrição presuntiva: não sendo apenas uma prescrição relativa ou presunção iuris tantum, ilidível por todo e qualquer meio de prova em geral admitido em direito (art. 350.º, n.º 2, do Código Civil), não chega todavia a ser presunção absoluta ou presunção iuris et iure, já que é ilidível por confissão judicial ou extrajudicial escrita do devedor, o único meio susceptível de provar o contrário, vale dizer, o único meio admitido ao credor para contrariar a presunção de cumprimento, demonstrando o não cumprimento”.
Tais meios de prova específicos tendentes a ilidir as prescrições presuntivas consistem naconfissão judicial (mesmo tácita) do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão ou na confissão extrajudicial, só relevando esta quando for realizada por escrito (arts. 313º, n.ºs 1 e 2 e 314º do CC)[13].
A confissão judicial, podendo ser expressa ou tácita (art. 314º), assume as formas previstas no art. 356º, ou seja, a forma espontânea [«feita nos articulados, (…) ou em qualquer outro acto do processo, firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado»] ou a forma provocada, sobretudo em sede de depoimento de parte [arts. 452º e ss. do CPC e o art. 357º, n.º 2, do CC, para o efeito do não comparecimento ou da recusa do depoimento, sem embrago de o art. 459º, n.º 3, do CPC equiparar a recusa a depor e a recusa de prestar juramento, e o teor específico do art. 314º do CC permitir concluir por uma confissão tácita em caso de recusa do depoimento ou prestação de juramento][14].
E, em conformidade com o art. 314.º (“Confissão tácita”) do mesmo Código, uma das formas de se considerar como judicialmente confessada a dívida é a de o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.
Significa isto que se o devedor assumir em tribunal uma posição que seja, em si mesma, contrária à presunção de cumprimento, estará a confessar a existência da dívida.
Como salienta Sousa Ribeiro[15], “[c]onstituindo uma mera presunção de pagamento, ela não poderá aproveitar a quem tenha uma actuação em juízo que logicamente o exclua. Quando alega a prescrição e, simultaneamente, pratica um acto inconciliável com o seu pressuposto fundante, o devedor está a contradizer-se a si próprio, pois, ao mesmo tempo que pretende ver reconhecida a extinção do vínculo, com base num presumível cumprimento, não deixa de admitir que ele ainda não se efectuou”.
Essa incompatibilidade lógica da posição do devedor com a presunção de cumprimento dá-se, por exemplo, quando aquele discute a existência, o montante, a remissão da sua fixação para o tribunal, o vencimento ou outras características da dívida; quando (o devedor) invoca a compensação de créditos ou outra forma de extinção da obrigação diferente do cumprimento; quando invoca a gratuitidade dos serviços prestados; a contestação da solidariedade da dívida, reivindicando o benefício da divisão[16], quando invoca a invalidade do contrato donde emerge a dívida[17]; quando não impugna a alegação de falta de pagamento, feita pelo credor[18] (art. 574º, n.º 2, do CPC).
A solução enunciada no citado art. 314º do CC introduz um desvio à regra de livre apreciação do julgador quanto à determinação para efeitos probatórios da conduta assumida pela parte no tribunal, firmada no art. 357º, n.º 2, do CC, o que se compreende em face da natureza do juízo em que assenta a prescrição presuntiva.
Os prazos (curtos) das prescrições presuntivas estão definidos nos arts. 316º (seis meses) e 317º (dois anos) do CC, interessando-nos para o presente caso o disposto no art. 317º, al. c), pois foi nesta disposição que as Rés integraram o caso vertente, concluindo já ter decorrido o prazo de prescrição (de dois anos).
Estabelece este dispositivo que “prescrevem no prazo de dois anos os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais pelo reembolso das despesas correspondentes”.
Estão em causa créditos por serviços prestados no exercício de profissões liberais (como seja o caso do pagamento de honorários a advogado, contanto que não esteja em causa um vínculo de natureza laboral[19]), bem como os créditos derivados do reembolso das despesas correspondentes.
No caso, resulta dos factos provados que:
- O autor é o único e universal herdeiro da herança aberta e indivisa por óbito da sua mãe, FF, advogada, que usava o nome profissional de FF;
- As rés são as únicas e universais herdeiras da herança aberta e indivisa por óbito do seu pai, EE;
- No dia 27/09/2012, EE outorgou procuração, concedendo a FF e a GG poderes forenses;
- Em 01/07/2015, transitou em julgado a sentença proferida no âmbito do processo de inventário n.º 2447/11.8TJVNF-A, que correu os seus termos no tribunal no J... da Secção de Família e Menores da Comarca de Braga, ....
- No referido processo, FF praticou os atos processuais descritos no ponto 5 dos factos provados;
- Os serviços prestados por FF cifram-se no valor de €7.500,00;
- O advogado GG intentou contra o falecido pai das rés uma ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, na qual peticionou a condenação daquele no pagamento da quantia de 36.841,21, a título de honorários de advogado, acrescidos de juros vencidos;
- A aludida ação correu termos sob o n.º 5788/17.7T8VNF, no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Vila Nova de Famalicão, Juiz ...;
- Na pendência da aludida acção, o então réu faleceu, tendo, por decisão proferida no âmbito do apenso “A”, sido habilitadas as aqui rés;
- A ação foi julgada parcialmente procedente e condenadas as rés, na qualidade de herdeiras de EE, no pagamento de €20.772,70, acrescida de IVA à taxa legal e de juros vencidos desde 25-08-2017, quanto ao capital de 172,70 €, e desde a data da prolação da sentença, quanto ao capital de 20.600,00 €, bem como dos vincendos até integral e efetivo pagamento, à taxa legal de 4% ao ano.
- A referida sentença foi proferida em 29/10/2023, tendo transitado em julgado em 29/11/2023;
- Consta da referida decisão o seguinte:
“Importa, então, saber se o Autor pode exigir a totalidade dos honorários ajustados aos serviços prestados em execução do mandato, tendo em consideração que a procuração outorgada para o efeito também conferiu poderes a outro mandatário – a Dr.ª FF – e que este praticou parte dos atos a que esses honorários se referem. (…) Aplicando, então, os princípios acima enunciados à matéria de facto provada, temos que concluir que, por aplicação do disposto na primeira parte do art.º 1160.º, do Código Civil – e porque não se demonstrou qualquer estipulação ou instrução em sentido diverso –, o Autor apenas pode exigir a parte dos honorários que corresponde aos serviços por si efetivamente prestados e não também a relativa aos atos praticados pela Dr.ª FF. Há, por isso, que repartir o montante de € 30.000,00 em função dos serviços prestados por cada um dos mandatários, cabendo ter em consideração, para esse efeito, que o Autor teve uma atuação preponderante, quer do ponto de vista quantitativo – prolongou-se por mais tempo e implicou a prática de um maior número de atos –, quer do ponto de vista qualitativo, já que, conforme também resultou provado, que foi sempre o Autor quem instruiu e determinou a Dr.ª FF em todos os atos que esta interveio no processo de inventário, sejam escritos sejam orais. Afigura-se, por isso, adequado fixar o montante dos honorários devidos ao Autor em ¾ do valor total, ou seja € 22.500,00, ao qual terá de acrescer o IVA à taxa legal e o montante das despesas documentado nos autos – € 137,70, relativos a taxa de justiça devida pela apresentação do requerimento de inventário, e € 35,00, a título de certidões matriciais e prediais – e deduzido da provisão paga.”
- O autor, no dia 22-01-2024, procedeu ao envio de três cartas registadas com aviso de receção, sendo uma para cada uma das rés com o assunto “Interpelação, com prazo certo, para pagamento do remanescente do valor fixado na douta Sentença, já transitada em julgado, proferida no âmbito do Processo n.º 5788/17.7T8VNF, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Vila Nova de Famalicão, Juiz ...”, no âmbito das quais exigiu às rés o pagamento de €7.500,00.
Pois bem, estando em causa uma relação jurídica firmada entre uma advogada e uma pessoa singular, sendo o tipo de serviços referentes ao exercício de uma profissão liberal, mercê dos serviços jurídicos prestados pela antecessora do A. que patrocinou o antecessor das RR. no processo de inventário n.º 2447/11.8TJVNF-A, que correu termos no tribunal no J... da Secção de Família e Menores da Comarca de Braga, ..., dúvidas não subsistem estarmos perante um crédito resultante dos serviços prestados no exercício de profissão liberal, pelo que, em princípio, dir-se-á ser-lhe aplicável o regime da prescrição presuntiva estabelecido na citada al. c) do art. 317º do CC[20].
Foi precisamente esse o raciocínio desenvolvido pelo Mm.º Juiz “a quo”, ao especificar resultar da matéria de facto provada que «a prestação de serviços do âmbito do mandato forense terminou no ano de 2015, com o trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo n.º 5788/17.7T8VNF, pelo que se poderia presumir com efeito o pagamento para efeitos do artigo 317.º, al. c)».
Sucede que, por apelo à ratio legis da prescrição presuntiva e aos normativos que regulam o regime dessa prescrição, julgou improcedente a invocada excepção de prescrição presuntiva.
Para tanto aduziu a seguinte fundamentação: «O objetivo da prescrição é o de evitar que o beneficiário dos serviços do advogado seja obrigado a guardar ad aeternum os comprovativos de pagamento ou de quitação do pagamento de honorários, razão pela qual é este mecanismo legal fundado integralmente na presunção do pagamento. Qualquer ato ou circunstância que invalide esta presunção, ou seja, que demonstre o conhecimento ou noção, pelo devedor, de que não pagou, tem como consequência também a inoperacionalidade da prescrição presuntiva. Em suma, o funcionamento da prescrição presuntiva não pode ser integralmente alheio à realidade das coisas e à verdade material, sob pena de subverter o que é à partida uma solução justa e adequada numa justificação indevida para a falta de pagamento. No caso dos autos, e conforme já se arrazoou na análise da matéria de facto, não pode ser ignorada a prova e os termos produzidos no âmbito do processo n.º 5788/17.7T8VNF – ainda que não sob o ângulo do caso julgado, pelo menos no que venha a influenciar a decisão quanto à exceção aqui aduzida pelas rés. Sucede que, naqueles autos, o devedor originário, pai das rés, expressamente admitiu nada ter pago a título dos honorários prestados no âmbito do processo de inventário que deu origem ao processo n.º 5788/17.7T8VNF – assim o fez em sede de articulados, questionando o valor dos mesmos, e novamente o fez em sede de audiência [em depoimento de parte reduzido a escrito em ata]. Pese embora não se possa valorar aquele depoimento como confissão judicial, nos termos do artigo 355.º, n.º 3 do Código Civil, não pode o mesmo deixar de ser valorado como indício ou princípio de prova no que concerne à contrariedade da presunção de pagamento – tendo o devedor, assim, expressamente admitido a omissão de pagamento, não pode valer-se da presunção, pois que pratica em juízo atos incompatíveis com a mesma. Denota-se, também, que a questão da prescrição presuntiva foi suscitada pelo progenitor das rés em sede de processo judicial, no âmbito da qual também alegou que a maior parte dos serviços foram prestados pela progenitora do aqui autor. O crédito do autor, assim, mostra-se indefinido e em discussão ao longo do decurso de todo o processo, pois que apenas se suscitou a questão da sua existência em tal sede – já que se afigura que os honorários foram exigidos integralmente por outro advogado, também constante da procuração conjunta outorgada pelo progenitor das rés, e apenas com a decisão final é que se concluiu que a progenitora do autor também teria ela própria direito ao pagamento de uma parte dos honorários. É necessário assim atender à globalidade das normas jurídicas a chamar ao caso, mormente conjugado os termos dos artigos 306.º, n.ºs 1 e 4, 311.º, 315.º, 323.º e 327.º do Código Civil: tendo a prescrição presuntiva sido invocada pelo devedor originário, em relação à globalidade de um crédito cuja liquidação apenas se conclui após a prolação de decisão judicial – ou seja, apenas aí se aferindo dos verdadeiros credores e da proporção dos créditos – e concluindo-se naquele processo pela inaplicabilidade da presunção, é de se entender que as rés, enquanto herdeiras do devedor originário, apenas poderiam invocar a prescrição após o trânsito em julgado da sentença que a reconhece. E isto independentemente de a progenitora do autor ter sido ou não parte nos autos principais: seria atentar contra os princípios que se emanam das regras citadas entender que, existindo uma decisão judicial reconhecendo um crédito e expressamente afastando a aplicabilidade da presunção presuntiva, poderiam agora os herdeiros do credor originário invocar novamente tal prescrição considerando o dies a quo da prestação de serviços. Deste modo, ainda que considerando que continua a valer o prazo da prescrição presuntiva, denotando-se que a sentença proferida no âmbito do processo n.º 5788/17.7T8VNF transitou em julgado em novembro de 2023, é notório que não se mostram ainda decursos dois anos nem sequer à data de prolação desta decisão, e ainda menos à data de citação das rés».
Com o devido respeito, não sufragamos o enunciado entendimento.
Importa desde logo ter presente que o Mm.º Juiz “a quo” afastou a força do caso julgado na vertente positiva de autoridade de caso julgado produzida com a decisão proferida no processo n.º 5788/17.7T8VNF.
Isto porque nem o autor nem a sua progenitora foram partes no processo original, mas também na medida em que a sentença proferida naqueloutro processo reconheceu estarem “em causa duas obrigações conjuntas, com honorários distintos devidos a cada um dos advogados”, pelo que não tinha aplicação o art. 531.º do Código Civil, e não podia “o autor opor o caso julgado extraído daquela primeira decisão às rés, que não tiveram a oportunidade de, naqueles autos, opor todos os meios de defesa à titular do crédito. Sendo a obrigação de honorários necessariamente uma prestação pecuniária, é também por inerência divisível, pelo que não é de aplicar o regime do artigo 538.º, n.º 2.
Daí ter concluído que o autor não podia valer-se da autoridade do caso julgado.
Desse segmento decisório não foi interposto recurso, pelo que o mesmo transitou em julgado, ficando a ter força obrigatória no processo.
Vejamos de seguida os fundamentos aduzidos na sentença recorrida conducentes à inverificação da prescrição presuntiva.
Como vimos, decorrido que seja o prazo legal, não exercendo o credor o seu direito e invocando o devedor a prescrição presuntiva, o legislador presume o cumprimento, libertando o devedor do ónus da prova, mas sem excluir, de todo, a prova do não cumprimento, ou seja, a ilisão da presunção.
Ao Autor/credor incumbe impugnar o invocado cumprimento e demonstrar o contrário, ou seja, o não cumprimento: a alegada prescrição presuntiva é afastada, não mediante a prova da dívida, mas sim através do não pagamento da dívida.
Na verdade, face ao disposto nos arts. 350º, n.º 2, 313º e 314º, do CC e art. 452º do CPC, o credor pode ilidir a presunção de cumprimento mediante prova em contrário, ainda que nos termos restritos e limitados previstos nos arts. 313º e 314º do CC, ou seja, mediante confissão (expressa) do devedor de que ainda não realizou o cumprimento, a qual deve ser efectuada no processo pelo devedor originário ou por aquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão (art. 313º, n.º 1), só relevando extrajudicialmente se for efectuada em documento escrito (art. 313º, n.º 2). Esta prescrição pode também ser ilidida/destruída pela confissão tácita, considerando a lei que ocorre confissão tácita se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento (art. 314º).
A confissão, como se sabe, “é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” (art. 352º do CC).
São factos desfavoráveis ao depoente e favoráveis à parte contrária aqueles que, considerada a matéria controvertida e o teor da contestação, são em concreto idóneos a produzir consequências jurídicas desvantajosas para ele e, simultaneamente, vantajosas para a parte que o requer.
“A confissão pode ser judicial ou extrajudicial” (art. 355º, n.º 1, do CC).
“A confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual, ou em qualquer outro acto do processo, firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado” (n.º 1 do art. 356º do CC).
“A confissão judicial provocada pode ser feita em depoimento de parte ou em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal” (n.º 2 do mesmo artigo).
A confissão obtida em sede de depoimento de parte é feita oralmente pela própria parte perante o juiz, submetida a um especial formalismo. Deve ser reduzida a escrito para produzir efeitos qua tale (art. 463º, n.º 1 do CPC), dotada de força probatória plena contra o confitente, pois tal formalidade é imposta pelo art. 358º, n.º 1, do CC.
A confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo (art. 355º, n.º 3, do CC); confissão extrajudicial é a feita por algum modo diferente da confissão judicial (n.º 4 art. 355º do CC).
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela[21], a limitação da força probatória especial de que goza a confissão judicial à instância em que foi produzida, ou seja, ao processo em que foi feita, explica-se porque a parte pode ter confessado, tendo apenas em vista os interesses que estão em jogo naquele processo. Mas poderia ter adotado atitude diferente se outros valores estivessem em causa.
A confissão feita anteriormente numa acção principal só poderá ser invocada em acção subsequente entre as mesmas partes com o valor de confissão extrajudicial, sendo livremente apreciada (arts. 421º, n.º 1 do CPC e art. 358º, n.º 4 do CFC).
A confissão extrajudicial corresponde à realizada fora da acção judicial ou realizada noutra acção judicial, que não naquela em que decorre a valoração da prova. Pode ser oral ou escrita, o que tem repercussão no seu valor probatório, conforme decorre do art. 358º do CC[22].
Em qualquer caso, a declaração confessória só faz prova plena contra o confitente (força probatória material) quando dirigida à parte contrária ou quem a represente. Se for feita a um terceiro, é um simples testemunho, que não vincula o confitente e que o juiz tomará na consideração que entender[23].
O n.º 2 do art. 313º do CC admite a confissão extrajudicial como meio de prova contrário à presunção de cumprimento, exigindo, contudo, que a declaração do confitente assuma a forma escrita, exigência esta destinada a evitar a maior fragilidade da prova testemunhal da confissão[24].
Revertendo ao caso concreto, constata-se que na sentença impugnada foi expressamente reconhecido que o depoimento de parte prestado pelo devedor originário, pai das rés, no processo n.º 5788/17.7T8VNF, no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Vila Nova de Famalicão, Juiz ..., onde expressamente admitiu nada ter pago a título dos honorários prestados no âmbito do processo de inventário n.º 2447/11.8TJVNF-A, não obstante não puder ser valorado como confissão judicial, nos termos do art. 355.º, n.º 3 do Código Civil, não podia o mesmo deixar de ser valorado como indício ou princípio de prova no que concerne à contrariedade da presunção de pagamento – tendo o devedor, assim, expressamente admitido a omissão de pagamento, não podia valer-se da presunção, pois que praticou em juízo actos incompatíveis com a mesma.
Constata-se que, aquando do depoimento de parte prestado na sessão de julgamento de 14/07/2021, do processo n.º 5788/17.7T8VNF, e conforme resulta da respetiva assentada, o originário devedor, EE, reconheceu, no que ao caso releva, “ter recebido a nota de despesas e honorários e que não pagou o valor nela constante no prazo que na mesma se indicava, referindo que não pagou porque não tinha condições económicas para o efeito e porque achou o montante exagerado, mais referindo que o Autor lhe havia dito que os honorários a pagar no inventário seriam mais ou menos os mesmos que os pagos pelo processo de divórcio. Assim, do processo de inventário, apenas pagou ao Autor os já aludidos oitocentos contos ou oitocentos euros e a quantia do cheque também acima referido, que ficou na posse do Autor depois de serem entregues ao depoente mil e oitocentos ou mil e novecentos euros”.
Por sua vez, na sentença prolatada no aludido processo n.º 5788/17.7T8VNF, aquando da apreciação da invocada prescrição presuntiva, o Mm.º Julgador considerou «que o Réu não só praticou actos incompatíveis com a presunção de cumprimento[[25]], como confessou expressamente o não pagamento do valor constante da nota de despesas e honorários, improcedendo, por isso, a invocada prescrição presuntiva».
Ora, como defendem as recorrentes, no tocante ao teor do depoimento de parte prestado no processo n.º 5788/17.7T8VNF dele não se pode extrair «qualquer confissão feita à antecessora do ora A./Recorrido, visto que a mesma nem sequer era parte na acção. Perante o pedido do Autor (nessa acção) e apenas perante o Autor nessa acção, o Réu reconheceu que não lhe pagou o valor pedido» (a título de nota de despesase honorários) «e que o mesmo era exagerado».
Quer na matéria articulada na contestação apresentada no processo n.º 5788/17.7T8VNF, quer no depoimento de parte aí prestado, o devedor originário (antecessor das RR.) “teve sempre como pano de fundo o Autor nessa acção e não a Dra. FF”. Ademais, não se discut[iu] nessa acção se os serviços prestados pela antecessora do Autor eram prestados onerosa ou gratuitamente; se em relação a ela houve entrega de provisões de despesas e honorários; se, em caso de serviços prestados onerosamente, quais as condições de pagamento; se houve dívida e a mesma foi perdoada… As referências aos serviços e ao facto de já se encontrarem integralmente pagos dizem respeito ao aí Autor e não à antecessora do ora Autor».
Como se disse, tendo presente que cada processo tem um contexto específico que se espelha nos interesses e na posição do confitente, a confissão feita num processo só vale como confissão judicial nesse processo (art. 355º, n.º 3, do CC).
De qualquer modo, a confissão feita na anterior acção n.º 5788/17.7T8VNF jamais poderia valer com o valor de confissão extrajudicial na presente acção, visto não ter sido dirigida à antecessora da A. ou a quem a representasse, sendo certo que inexiste identidade das partes nas duas acções.
Como vimos, a invocação judicial da confissão terá de ter lugar em outro processo com as mesmas partes (art. 358º, n.º 2 do CC)[26]. O mesmo é dizer que, para valer como confissão, vinculando o confitente com a força probatória equivalente à confissão judicial escrita, a declaração tem de ser dirigida à parte interessada, pois só assim se oferece suficientes garantias de seriedade e de ponderação[27].
Por outro lado, da prática de actos incompatíveis com a presunção de cumprimento por parte do antecessor das RR. na acção n.º 5788/17.7T8VNF, não é possível retirar qualquer efeito para a sorte da presente ação, visto as duas acções serem distintas e autónomas, não coincidindo sequer quanto ao sujeito activo.
Com efeito, os efeitos confessórios (tácitos) extraídos da dita confissão cingem-se ao processo onde esta foi proferida, pois que a prática em juízo de actos incompatíveis com a mesma verificou-se no dito processo e está vedado ao Tribunal pretender extrapolá-los para a presente ação.
Na presente acção, as Rés não impugnaram o crédito reclamado referente aos serviços prestados pela mãe do Autor, tendo sim invocado a excepção de prescrição presuntiva e alegado o cumprimento da obrigação.
Inexiste, por conseguinte, qualquer postura processual ou a prática de algum acto incompatível com a presunção de cumprimento.
Por sua vez, o princípio de prova[28] invocado na sentença recorrida é imprestável para ilidir a presunção de cumprimento, visto esta apenas poder ser feita através de meio de prova específico: confissão judicial do devedor originário ou do herdeiro do devedor (transmissão mortis causa) ou confissão extrajudicial escrita - arts. 313º e 314º do CC.
Por fim, conquanto a ilisão da presunção de cumprimento possa ser obtida por confissão do devedor originário ou – no caso – daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão, a verdade é que o A., sucessor da credora originária, absteve-se de requerer o depoimento de parte das RR., sucessoras do devedor originário, com vista a obter uma eventual confissão judicial.
Igualmente não colhe o argumento aduzido na sentença recorrida no sentido de «se entender que as rés, enquanto herdeiras do devedor originário, apenas poderiam invocar a prescrição após o trânsito em julgado da sentença que a reconhece», visto que – e independentemente de a progenitora do autor ter sido ou não parte nos autos principais – “seria atentar contra os princípios que se emanam das regras citadas entender que, existindo uma decisão judicial reconhecendo um crédito e expressamente afastando a aplicabilidade da presunção presuntiva, poderiam agora os herdeiros do credor originário invocar novamente tal prescrição considerando o dies a quo da prestação de serviços”.
Relembrar-se-á que a progenitora do Autor/Recorrido não foi parte naquela primeira acção, sendo que o único crédito reconhecido nessa acção foi o aí reclamado pelo autor GG. O que significa ser infundada a asserção de naqueloutro processo ter sido também reconhecido o crédito da progenitora do Autor/Recorrido.
Coloca-se, porém, a questão de saber se as rés, enquanto herdeiras do devedor originário, apenas poderiam invocar a prescrição após o trânsito em julgado da sentença proferida na ação n.º 5788/17.7T8VNF que reconhece o crédito.
Segundo o art. 1160.º (“Pluralidade de mandatos”) do CC: “Se alguém incumbir duas ou mais pessoas da prática dos mesmos actos jurídicos, haverá tantos mandatos quantas as pessoas designadas, salvo se o mandante declarar que devem agir conjuntamente.”.
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela[29], o regime estabelecido no normativo citado “tem como consequência o seguinte: na falta de declaração em contrário por parte do mandante, são distintas entre si, e independentes, as obrigações dos mandatários; cada um deles pode, por si só, realizar o acto jurídico de que todos tenham sido encarregados. É a doutrina que resulta da afirmação, feita na lei, de que haverá tantos mandatos quantas as pessoas designadas. Se, por exemplo, se encarregam dois ou mais advogados do patrocínio judiciário de uma causa, cada um deles tem plenos poderes para agir no tribunal em representação do constituinte comum”.
Em idêntico sentido, Pedro Pais de Vasconcelos[30] esclarece que a disposição se aplica aos casos de celebração de um único contrato de mandato no qual há vários mandatários, estabelecendo a regra de que as obrigações destes são autónomas entre si, de tal modo que “celebrado mandato com várias pessoas, para praticarem o mesmo ato, todas ficam obrigadas a praticar esse ato, mas ficando estabelecida uma relação de mandato com cada um dos mandatários. Assim, sem prejuízo de todos os mandatários poderem estar obrigados a praticar o mesmo ato, sendo as relações autónomas umas das outras, poderá suceder que todos pratiquem os mesmos atos, e que a todos seja devida remuneração”.
Também neste sentido, decidiu o Ac. da RP de 27.09.1990[31]ser o art. 1160.º do Código Civil aplicável à constituição de diversos mandatários judiciais na mesma procuração, extraindo daí a consequência – lógica, em face da autonomia das várias relações de mandato assim constituídas – de que cada um dos advogados pode exigir do seu constituinte a respectiva quota-parte nos honorários correspondentes aos serviços que lhe prestou.
Com efeito, no caso de um mandato disjuntivo quanto aos mandatários, que resulta da celebração de apenas um contrato de mandato, mas com dois mandatários, são criadas duas relações de mandato autónomas entre o mandante e cada um dos mandatários.
Posto que, no caso, não tendo o mandante declarado um qualquer exercício conjunto de ambos, o prazo de prescrição é autónomo para os diferentes créditos e credores.
O facto de os honorários terem sido exigidos integralmente por outro advogado, também constante da procuração conjunta outorgada pelo progenitor das rés, não permite secundar a afirmação de que “apenas com a decisão final é que se concluiu que a progenitora do autor também teria ela própria direito ao pagamento de uma parte dos honorários”.
Tão pouco que, mercê da inviabilidade naquele processo da invocação da prescrição presuntiva, “é de se entender que as rés, enquanto herdeiras do devedor originário, apenas poderiam invocar a prescrição após o trânsito em julgado da sentença que a reconhece”.
De facto, o crédito da progenitora do A. emerge da procuração conjunta outorgada e dos serviços jurídicos praticados; não é a sentença proferida naqueloutro processo, na qual a progenitora do A. não foi sequer parte, que lhe confere o direito ao pagamento de uma parte dos honorários.
De igual modo, a indeterminação da quota-parte nos honorários correspondentes aos serviços prestados por cada um dos mandatários também não constitui óbice à instauração da acção tendente ao reconhecimento desse direito e à fixação da respetiva proporção.
Daí que as rés, enquanto herdeiras do devedor originário, não estavam impedidas de invocar a prescrição presuntiva independentemente do trânsito em julgado da sentença proferida na ação n.º 5788/17.7T8VNF. Não estavam igualmente vinculadas à posição processual assumida pelo devedor originário naquela acção, sendo que da postura processual aí patenteada pelo devedor originário – da qual o Mm.º Julgador extraiu a ilisão da presunção, por confissão tácita (art. 314º do CC) – não é possível retirar qualquer efeito para os termos da presente acção.
Estando em causa o decurso de um prazo de prescrição presuntiva de um crédito de honorários relativos a um mandato forense e de reembolso de despesas realizadas na execução desse mandato (art. 317º, al. c) do CC), o início desse prazo ocorreu com a cessação do mandato, pois foi a partir dessa altura que o respectivo crédito passou a ser exigível pelo mandatário[32].
Sendo assim, no caso em apreço, o prazo de prescrição começou a correr desde o trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo de inventário n.º 2447/11.8TJVNF-A, que correu os seus termos no tribunal no J... da Secção de Família e Menores da Comarca de Braga, ..., que se situa em 01/07/2015.
Assim, provado o decurso do prazo de dois anos – pois que a presente ação apenas foi instaurada em 23/04/2024 –, bem como os demais factos que integram as normas dos arts. 316º e 317º, al. c) do CC, relativos nomeadamente à natureza do crédito, à qualidade dos contraentes e à ligação entre o crédito e as respectivas actividades profissionais, presume-se o cumprimento, recaindo sobre o credor o ónus de ilidir a presunção.
Ora, no caso dos autos, o autor não logrou ilidir essa presunção, pelos meios admitidos no art. 313º, sendo que tal ónus sobre si recaía (artigo 342º, n.º 1).
Assim sendo, definido e demonstrado que ficou o início do decurso do prazo da prescrição, ficaram reunidos os pressupostos da verificação da prescrição presuntiva do crédito invocado pelo autor, relacionado com a actividade de advogada da sua progenitora e mandatária do pai das rés.
Deste modo, existindo erro de julgamento na apreciação da excepção da prescrição presuntiva, procedem nessa parte as conclusões das recorrentes, impondo-se a revogação da sentença recorrida.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Como a apelação foi julgada procedente, mercê do princípio da causalidade, as custas quer da acção na 1ª instância, quer da apelação serão da responsabilidade do Autor/recorrido (art. 527º do CPC).
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VI. DECISÃO
Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedentes os recursos e, consequentemente, em revogar a sentença recorrida, julgando procedente a excepção de prescrição presuntiva e absolvendo as Rés do pedido formulado nos presentes autos pelo Autor.
Custas da acção na 1ª instância e do recurso a cargo do autor/recorrido.
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Guimarães, 18 de setembro de 2025
Alcides Rodrigues (relator)
Maria Luísa Duarte Ramos (1ª adjunta)
José Carlos Dias Cravo (2º adjunto)
[1] Proveniência da acção: Juízo Local Cível de Vila Nova de Famalicão - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga. [2] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., 1987, Coimbra Editora, pp. 281/282, Rita Canas Silva, Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume I, 2017, Almedina, p. 383 e José Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, 3ª ed., Universidade Católica Editora Porto, 2019, p. 120. [3] Cfr. José Carlos Brandão Proença, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2ª ed., UCP/Editora 2023, p. 924 (nota 4 ao art. 312º do CC). [4] De facto, para poder beneficiar da invocada prescrição presuntiva o réu terá de afirmar, claramente, que o pagamento reclamado já foi efetivamente realizado [cfr. Ac. do STJ de 24/06/08 (relator Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt.]. O mesmo é dizer que terá (o réu) de alegar que deveu, mas já pagou. Tal afirmação não pode considerar-se implícita na simples invocação da prescrição presuntiva [cfr. Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. II, 1988, p. 78].
Em sentido contrário, porém, Calvão da Silva defende “não ser incompatível com a presunção de cumprimento (art. 314º do Código Civil) a não impugnação especificada do alegado não cumprimento, porque e na medida em que a alegação da prescrição presuntiva coenvolve em si mesma implicitamente, e por definição, a alegação do cumprimento, constituindo contraditio in terminis deduzir-se daquela não impugnação especificada uma confissão tácita do alegado não cumprimento”. Isto porque, “assim como a invocada presunção de culpa leva ínsita a alegação da culpa, assim também a invocada presunção legal de cumprimento (prescrição presuntiva) coenvolve a alegação de cumprimento” (cfr. A prescrição presuntiva e a armadilha do ónus da prova, in RLJ, ano 138º, n.º 3956, p. 270). [5] Cfr. Ac. da RC de 15/11/2016 (relator Manuel Capelo), in www.dgsi.pt., que cita diversa jurisprudência e doutrina. [6] Cfr. Ac. do STJ de 8.05.2013 (relator Moreira Alves), in www.dgsi.pt. [7] Cfr. Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1987, Almedina, p. 452. [8] Cfr. Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ n.º 106, p. 45. [9] Cfr. Calvão da Silva, A prescrição presuntiva e a armadilha do ónus da prova, in RLJ, ano 138º, n.º 3956, p. 267. [10] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, p. 282 e Vaz Serra, estudo citado, p. 55. [11] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, (…), p. 282, em anotação ao artigo 313º. [12] Cfr. RLJ, ano 138, p. 267. [13] Como se afirma no Ac. da RC de 26-06-2007 (relator Teles Pereira), in www.dgsi.pt. “o carácter ilidível destas presunções tem com efeito, fundamentalmente, a inversão do ónus da prova, embora em termos tão restritivos que quase perde sentido a afirmação dessa ilidibilidade, já que a contraprova admitida do facto presumido se restringe à situação muito específica da confissão do devedor originário”. [14] Cfr. José Carlos Brandão Proença, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, (…), p. 926 (nota 4 ao art. 313º do CC). [15] Cfr. Prescrições presuntivas: sua compatibilidade com a não impugnação dos factos articulados pelo autor, na Revista de Direito e Economia, Ano V, nº 2, p. 393. [16] Cfr. Sousa Ribeiro, obra citada, p. 397 e ss. [17] Cfr. Calvão da Silva, obra citada, p. 268. [18] Cfr. Ac. do STJ de 19/05/2010 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt. [19] Quantos aos créditos de natureza laboral rege o n.º 1 do art. 337º do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12-02, nos termos do qual “o crédito (…) de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”. [20] O âmbito normativo do citado normativo delimita-se pela natureza dos créditos que provenham de serviços prestados no exercício de profissões liberais e não na qualificação jurídica da entidade profissional que os desenvolve ou que é beneficiária dessa prestação de serviços.
Por conseguinte, o que releva para o efeito de aplicação da norma é a natureza dos serviços em causa e não a qualidade da pessoa (singular ou sociedade), que presta ou a quem os serviços são prestados. [21] Cfr. Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 316 (anotação ao art. 355.º). [22] Cfr. Luis Filipe Sousa, Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, p. 89. [23] Cfr. Rita Cruz, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2ª ed., Direito das Obrigações - Contratos em Especial, UCP/Editora, 2023, p. 1027 (anotação ao art. 358.º). [24] Cfr. José Carlos Brandão Proença, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, (…), p. 927 (nota 4 ao art. 313º do CC). [25] Posto que, em sede de contestação, o Réu havia colocado em causa o valor dos honorários e despesas peticionado pelo Autor, conforme resultava dos arts. 34.º a 48.º, alegando, entre o mais, que “a fixação dos honorários que o autor apresenta é muito exagerada” e, a respeito das despesas, que “Afigura-se deveras excessivo o montante peticionado de € 3.672,70”.
O mesmo sucedeu em sede de depoimento de parte, no qual o Réu reconheceu não ter pago o montante constante da nota de despesas e honorários apresentada pelo aí Autor, referindo que “não pagou porque não tinha condições económicas para o efeito e porque achou o montante exagerado”. [26] Cfr. Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, 1991, Coimbra Editora, p. 322. [27] Cfr. Rita Cruz, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2ª ed., Direito das Obrigações - Contratos em Especial, UCP/Editora, 2023, p. 1027 (anotação ao art. 358.º). [28] Segundo o ensinamento de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, o princípio de prova de um facto baseia-se num facto auxiliar da prova desse facto e permite que o juiz forme uma convicção sobre a hipótese desse facto. Esta convicção não é relevante enquanto não for confirmada por outras provas, ou seja, o princípio de prova não tem nenhum valor probatório próprio.
O princípio de prova não é suficiente para estabelecer, por si só, qualquer prova, mas pode coadjuvar, em conjugação com outros elementos, a prova de um facto (cfr. Manual de Processo Civil, Volume I, 2022, AAFDL Editora, p. 478). [29] Cfr. Código Civil Anotado, Volume II, 3.ª Edição, pp. 712 e 713. [30] Cfr. Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações – Contratos em Especial, UCP Editora, 2023, pp. 671/672. [31] Cfr. BMJ, n.º 399, p. 572. [32] Cfr. Ac. do STJ de 12/09/2013 (relator Granja da Fonseca), in www.dgsi.pt.