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CONTRATO DE SEGURO
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
INTERESSE LEGÍTIMO
Sumário
I. Nos termos do artº 43º-nº1 do RJCS que “O segurado deve ter um interesse digno de protecção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato”; tratando-se de norma legal imperativa (art.º 12º da LCS) II. “A existência de um interesse segurável constitui, com efeito, um dos princípios fundamentais do direito do contrato de seguro”. III. Não se poderá concluir pela clamorosa violação das expectativas dos Autores que caracteriza o abuso de direito, conhecendo estes, ou tendo os elementos necessários a tal, que a Autora figurava como segunda segurada no contrato de seguro sem efectivo direito material que tal legitimasse.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
AA, e BB, intentaram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., S.A, anteriormente designada como EMP02..., S.A, SUCURSAL EM PORTUGAL, pedindo a condenação da Ré a pagar ao beneficiário Banco 1...,SA o valor correspondente ao capital em dívida do empréstimo garantido pelo seguro celebrado entre os autores e a Ré, à data do trânsito da sentença a proferir nestes autos, (b) a pagar aos autores a diferença entre o capital em dívida à data do sinistro e o capital em dívida à data do trânsito da sentença a proferir nestes autos e (c) pagar os juros remuneratórios pagos pelos autores ao Banco 1... desde a data do sinistro até à data em que a ré proceder ao pagamento do capital seguro e pagar os juros moratórios, contados à taxa legal sobre o capital devido aos autores, desde a data da citação da ré, até integral e efetivo pagamento.
Alegam, em síntese, que os autores viveram em união de facto, em condições análogas às dos cônjuges, entre 2011 e 2017; tendo em vista a instalação de um estabelecimento comercial de terapias a explorar pela autora, os autores decidiram adquirir uma fração autónoma destinada a comércio; para o efeito, solicitaram ao Banco 1..., SA a concessão de um financiamento no montante de €17.900,00, operação que foi aprovada em 11/12/2015; uma vez que os autores não eram casados entre si, o banco aprovou a referida proposta somente em nome do autor, tendo previsto como garantia a emissão de livrança com aval do cônjuge, a autora; à data da aprovação do crédito, o banco tinha pleno conhecimento da circunstância de os autores viverem em união de facto; no seguimento da proposta, o autor celebrou com o banco um contrato de mútuo em 28/10/2016, pelo montante de €17.900,00, para aquisição de um imóvel onde seria instalado o estabelecimento comercial em causa, propriedade dos autores e gerido pela autora; por exigência do banco mutuante, o autor deveria celebrar um seguro de vida para garantia do pagamento do crédito concedido em caso de morte ou de incapacidade permanente do mutuário; visto que os autores tinham interesse nessa garantia e a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações emergentes do mútuo seriam dos dois, decidiram celebrar um seguro de vida em que ambos figuravam como tomadores do seguro ou pessoas seguras; uma vez que o autor exerce a profissão de agente de seguros e de perito avaliador, optou por celebrar seguro de vida junto da ré, em conjunto com a autora; assim, em 04/01/2016, os autores subscreveram a proposta de adesão ao seguro que foi aceite, tendo o respectivo seguro de proteção hipotecária sido celebrado em 05/01/2016, titulado pela apólice n.º ...72; o seguro foi celebrado com o capital seguro inicial de €23.000,00, capital que seria atualizado anualmente em função da amortização do capital mutuado e que garantia o pagamento do capital seguro ao seu beneficiário – o banco mutuante – no caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva dos autores; mais alegam que à data da celebração do seguro, a ré conhecia as condições em que o mútuo foi concedido, o fim a que se destinava e a situação de união de facto dos autores; foi nesses pressupostos que o mútuo foi celebrado, não tendo a ré colocado qualquer questão pelo facto do financiamento ter sido apenas titulado em nome do autor; prosseguem referindo que a autora tem 46 anos, exerce a profissão de terapeuta desde 2015 e que em 02/09/2019, foram-lhe detectados fragmentos de nódulo na mama esquerda da autora, através de um exame médico realizado no Hospital ...; em 01/2020, foi-lhe diagnosticado um carcinoma na mama esquerda, tendo-lhe sido atribuída em 09/02/2021 uma incapacidade permanente de 90%; esta incapacidade impede a autora de exercer a sua actividade de terapeuta ou de qualquer outra actividade compatível com as suas habilitações profissionais; a seguradora reconheceu a incapacidade, considerou-a abrangida pelas coberturas do seguro mas recusou o pagamento da indemnização contratualmente prevista, com fundamento no facto de os empréstimos estarem unicamente em nome do autor; com efeito, em 04/03/2021, a ré elaborou uma acta adicional ao contrato de seguro na qual foi convencionada a exclusão da autora com efeitos a partir de 13/01/2020; os autores não se conformam com a referida posição da ré, com fundamento no facto de terem vivido em união de facto cerca de 14 anos, tendo ambos os autores contribuído para o pagamento dos encargos inerentes ao mútuo celebrado, apesar de este somente estar titulado pelo autor, o que era do conhecimento da ré, não tendo esta colocado obstáculos à contratualização do seguro, nem à identificação da autora como interveniente no mesmo, identificando-a como »Segunda Pessoa Segura«; considera que a ré encontra-se obrigada a proceder ao pagamento do capital seguro ao beneficiário do seguro – o Banco 1..., SA; parte desse capital, vencido desde a data do sinistro até à presente data, já foi pago, estando em dívida em 13/01/2020 o montante de €14.637,92; termina formulando os pedidos acima enunciados.
A Ré apresentou contestação, tendo alegado, em suma, o seguinte: a presente acção tem a sua origem no contrato de seguro do ramo »vida« denominado Proteção Hipotecária, celebrado entre EMP03..., S.A, em representação da EMP02... e os autores; conforme alegam os autores, o contrato com a apólice n.º ...72 foi celebrado em 05/01/2016, com o capital máximo de seguro garantido de €23.000,00; das respetivas Condições Particulares constam como Tomador do Seguro e 1ª Pessoa Segura o autor AA e como 2ª Pessoa Segura a autora BB; o referido contrato de seguro encontra-se associado a um contrato de financiamento celebrado com o Banco 1..., SA, o qual passou a figurar no contrato de seguro como Beneficiário Irrevogável; mais alega resultar do texto contratual que para ser admitido como Pessoa Segura, o Candidato deveria, à data de Inicio do Contrato, cumprir cumulativamente com diversos requisitos de elegibilidade, entre os quais, »ser titular ou estar a celebrar um Contrato de Financiamento«; o contrato celebrado entre os autores e a ré destinava-se a garantir o pagamento do capital seguro, decorrente de um financiamento contraído junto do Banco 1..., até ao capital máximo de €23.000,00, o qual só ocorreria caso se verificasse a morte ou invalidez definitiva para a profissão ou atividade compatível do segurado titular do referido financiamento; ora o referido financiamento foi contraído somente pelo autor junto do Banco 1..., SA, não fazendo o referido contrato alusão à autora, a qual não figura como mutuária, garante ou avalista do referido financiamento; a única garantia associada ao aludido financiamento é a hipoteca constituída sobre o imóvel em causa, a favor do Banco mutuante; mais alega que o autor exercia a sua actividade de agente de seguros para a EMP03..., sociedade que agia como representante da ré EMP02...; consequentemente, o autor tinha um especial conhecimento acerca das condições e requisitos dos produtos da EMP03..., nomeadamente em matéria de candidaturas aos contratos de seguro por si comercializados; com efeito, o autor subscreveu a proposta de adesão ao seguro de um produto por si comercializado, enquanto profissional de seguros; nunca foi comunicado à ré a situação de união de facto dos autores, nem tão pouco do interesse de ambos no referido financiamento; aliás, na referida proposta, o autor indicou moradas diferentes dos autores; mais alega que a autora participou à ré a ocorrência de um sinistro, tendo ainda procedido à junção de Relatórios Médicos e do Atestado Multiusos, com os quais comprovou o sinistro participado; após a realização das diligências de averiguação necessárias, nomeadamente a emissão da »Declaração de Dívida« junto dos beneficiários das apólices, tendo sido comunicado pelo Banco 1..., SA em 26/02/2021 que a autora não tem qualquer responsabilidade com a mesma e que os referidos empréstimos estão unicamente em nome do autor; por emails datados de 01/03/2021, a ré informou o autor de que não tendo a autora qualquer responsabilidade junto do Banco 1..., Beneficiário Irrevogável da apólice ...72 aqui em crise, por o empréstimo se encontrar apenas em nome de AA, iria retirá-la da referida apólice à data do sinistro de 13/01/2020; em 02/03/2021, a ré confirmou que a autora não é titular do financiamento associado ao contrato de seguro em apreço, tendo procedido à sua remoção; considera que a autora não tem um interesse digno de proteção legal relativamente ao risco coberto que se encontra associado ao contrato de financiamento supra mencionado, por dele não ser titular ou mutuária; considera ainda que não tem a obrigação legal de proceder ao pagamento do capital garantido; no âmbito do enquadramento de Direito, considera aplicável o regime estabelecido no art 251º do Cód Civil, na medida em que agiu na convicção errada de que a Autora era parte no Contrato de Financiamento; mais invoca a nulidade parcial do contrato em relação à autora, por não se verificar em relação à mesma qualquer interesse digno de proteção legal relativamente ao risco coberto, nos termos e para os efeitos do disposto no art 43º, n.º 1 do RJCS; termina peticionando a absolvição da causa.
Mediante despacho com refª ...71 (09/02/2024), foi admitida a intervenção principal provocada da seguradora Banco 1..., SA, requerida pelos autores e ao lado destes, por ser a beneficiária do contrato de seguro nestes autos e a quantia dever ser paga a ela.
O Banco 1..., SA apresentou contestação onde admitiu a celebração de um contrato de mútuo com o autor em 28/10/2016, identificado pelo n.º interno ...13, no valor de €17.900,00, tendo celebrado com a ré um contrato de seguro destinado a cobrir o risco de morte ou invalidez permanente, como reforço da garantia hipotecária, titulado pela apólice n.º ...72, a qual tinha como pessoas seguras o autor marido e a autora mulher; a ré, em derrogação das condições particulares da apólice, excluiu dela a autora, com efeitos a partir de 13/01/2020; o banco não assumiu a celebração de um contrato de seguro pela autora por esta não figurar como mutuária ou garante no contrato de mútuo; termina peticionando que a acção seja julgada em conformidade com a prova que vier a ser produzida, tendo em atenção o direito aplicável.
Realizado o julgamento foi proferida sentença a julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido.
Inconformados vieram os Autores interpor recurso de apelação da sentença proferida nos autos. O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.
Nas alegações de recurso que apresentam, os apelantes formulam as seguintes Conclusões:
1ª- Tendo o documento, cuja junção foi requerida, a data da sessão de julgamento, bemcomo que o teor do mesmo contraria o depoimento da testemunha que depôs sobre umfacto que constava do mesmo, e ainda porque o teor do documento é relevante para aboa decisão dos autos, a sua junção, nos termos do disposto no art. 423º, nº 3, do CPC,deveria ter sido admitida.
2ª- Tendo em consideração o depoimento prestado pela testemunha CC, de acordo com os excertos identificados no corpo das alegações, o teor das declarações de parte, também identificadas no corpo das alegações e ainda a prova documental resultante do e-mail junto na sessão de julgamento de 11.10.2024 e das Condições Gerais e Especiais do seguro, junto como doc. 3 com a contestação da ré seguradora, devem ser alteradas as respostas dadas aos factos 32 e 33 da matéria de facto não provada, dando-se como provado que:
- A ré foi informada, aquando da celebração do contrato de seguro, que o mútuo referido em 5) iria ser outorgado somente em nome do autor;
- A ré não colocou obstáculos à celebração de seguro referido em 9), nem à identificação da autora como interveniente no mesmo;
3ª- Provado, como está, que os autores viveram em comunhão de cama, mesa e habitação, em condições análogas às dos cônjuges, entre 2004 e 2019, data em que se separaram (facto 1 dos factos provados); que decidiram proceder à aquisição de uma fração autónoma destinada a comércio, com a finalidade de a autora instalar e explorar um estabelecimento comercial de terapias (facto 2 dos factos provados) e que decidiram adquirir o imóvel mediante contrato de compra e venda (facto 3 dos factos provados), é forçoso concluir pelo legítimo interesse da autora mulher em celebrar o seguro de vida dos autos.
4ª- Para além da garantia pessoal dada pelo mutuário, existe uma garantia real traduzida na hipoteca do imóvel adquirido com o recurso ao crédito, imóvel esse adquirido por ambos os autores (facto 5 dos factos provados), garantia essa que, em sede de execução, prevalece sobre a garantia pessoal.
5ª- Emerge desta garantia real, o legítimo interesse que a autora BB tem em ver esta responsabilidade, para cuja regularização também contribuiu atenta a relação de facto existente, garantida por um seguro de vida que garanta o pagamento da dívida no caso de perda de rendimentos do casal.
6ª- Da comprovada relação de união de facto e da aquisição do imóvel, resulta a obrigação da autora mulher contribuir, como numa normal economia doméstica, para o pagamento do crédito que financiou essa aquisição, pelo que garantir a manutenção dos meios económicos para o cumprimento dessa obrigação, em caso da sua morte ou da sua incapacidade para o trabalho, é um interesse legítimo.
7ª- As condições gerais do contrato de seguro em análise nestes autos revestem a natureza de cláusulas contratuais gerais, sujeitas ao regime legal que disciplina o uso deste tipo de cláusulas que, como resulta da experiência comum, foram inseridas no contrato subscrito pelos autores por imposição da ré seguradora, sem, como é de regra, qualquer tipo de negociação prévia com as partes contratantes.
8ª- Da matéria de facto dada como assente, não ficou provado que os autores tivessem sido informados sobre esta condição particular – necessidade de as pessoas seguras serem titulares do contrato de crédito.
9ª- Esta obrigação não fica afastada pelo facto do autor AA exercer a profissão de agente de seguros para a EMP03..., conforme factos 7 e 8, pois também não se provou que este autor, no exercício desta atividade, tinha sido, de facto, informado sobre esta condição.
10ª- Nas declarações de parte do autor AA ficou bem evidenciada a sua convicção de que a celebração deste contrato era admitida pela seguradora.
11ª- O autor AA interveio no contrato de seguro como pessoa segura e não como agente de seguros, pelo que as obrigações de informação da seguradora se mantinham intactas, tal qual como para qualquer outro proponente do contrato.
12ª- Mesmo que se considere que a ré seguradora não estava obrigada a prestar ao autor AA as informações pré contratuais por o mesmo ser agente de seguros, esta obrigação mantinha-se relativamente à autora BB, também contratante do contrato de seguro.
13ª- O ónus da prova do cumprimento da obrigação de informar e esclarecer as cláusulas contratuais gerais que excluem o direito dos autores é integralmente da ré e, ao não ter sido cumprido, deve levar este Tribunal de recurso a conhecer desta matéria de direito, por se tratar de matéria do conhecimento oficioso, e concluir pela exclusão destas cláusulas contratuais.
14ª- No doc. 3 junto com a petição inicial – Proposta de Adesão –, na parte referente à primeira pessoa segura é dito que este interveniente é “obrigatoriamente o 1º titular do contrato de financiamento (pessoa singular que celebra o contrato de financiamento com a entidade financeira (…)”.
15ª- Na parte referente à segunda pessoa segura, nada é dito quanto à obrigação de ser titular do contrato de crédito.
16ª- Qualquer pessoa normal, segundo os padrões sociais, cívicos e familiares da sociedade, como é o caso dos autores, colocada perante esta proposta, sem acesso a outras informações, concluirá que apenas a primeira pessoa segura tem de ser titular do contrato de crédito.
17ª- No doc. 3 junto com a contestação da ré seguradora, no seu artigo 1º - Definições, é definida a pessoa segura como sendo “A pessoa singular no interesse da qual o contrato é celebrado ou a pessoa sujeita aos riscos que, nos termos acordados, são objeto deste contrato e que poderá contribuir para o pagamento dos prémios”.
18ª- A autora BB, face à constituição da hipoteca sobre a fração adquirida, era titular de um legítimo interesse na celebração do seguro, pelo que, independentemente de ser ou não titular do contrato de crédito, preenchia os requisitos de elegibilidade para ser parte contratante neste seguro.
19ª- A ré seguradora teve acesso à proposta de crédito apresentada pelos autores ao banco financiador, conforme a matéria de facto cuja alteração se requereu, pelo que não podia deixar de considerar esta circunstância na análise da proposta de seguro e, ou recusar a sua celebração, ou solicitar esclarecimentos complementares aos proponentes de forma que estes pudessem suprir a falta deste requisito.
20ª- Não pode a ré seguradora, através da sua ineficiência, aceitar a celebração do seguro, emitindo a respetiva apólice, cobrar os prémios do seguro e, depois da ocorrência do sinistro, negar a sua responsabilidade, traindo a confiança dos segurados de que o seguro estava validamente celebrado.
21ª- O dever de diligência e o profissionalismo a que os seus profissionais estão obrigados, emergentes do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), designadamente os previstos nos art. 73º (Competência técnica), 74º (Outros deveres de conduta) e 75º (Critério de diligência), obrigava a ré a adotar um comportamento diferente do adotado.
22ª- Ao abrigo da teoria da confiança não pode a ré seguradora furtar-se ao cumprimento das suas obrigações, quando pela sua inépcia celebrou o contrato de seguro, criando a legítima convicção nos segurados de que o seguro tinha sido validamente celebrado, para depois, perante o sinistro, negar essa validade.
23º- Os autores não sonegaram qualquer informação que conduzisse a seguradora à aceitação do seguro, pelo que esta atuação da ré traduz um abuso de direito, que não merece a tutela do direito.
24ª- A sentença recorrida ao ter julgado a ação improcedente, não fez, com o devido respeito, uma aplicação correta do art. 43º e 44º do Regime Jurídico do Contrato do Seguro previsto no decreto Lei 72/2008 de 16 de abril, do Regime Jurídico da Proteção das Uniões de Facto previsto na Lei 7/2001 de 11 de maio, do art. 8º do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, previsto no Decreto Lei nº 446/85 de 25 de outubro, dos art. 73º, 74º e 75º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) previsto no Dec. Lei nº 298/92 de 31 de dezembro e do art. 334º do CC. Foram proferidas contra-alegações, tendo-se concluído.
À CAUTELA: DA IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO QUANTO AO DESPACHO DE NÃO ADMISSÃO DA JUNÇÃO DO DOCUMENTO REQUERIDA NA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO DE 11.10.2024
A. No decurso da sessão de julgamento que teve lugar no dia 11.10.2024, os Recorrentes requereram a junção aos autos de um documento. O Tribunal a quo indeferiu a sua junção, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos do artigo 423.º, n.º 3 do CPC.
B. No presente caso, a circunstância de o documento se encontrar datado de 11.10.2024 não tem a virtualidade de preencher nenhuma das hipóteses previstas no n.º 3 do artigo 423.º do CPC.
C. Isto porque, conforme bem assinalado pelo Tribunal a quo, “pese embora o documento tenha a data de hoje, isto é, dia 11 de Outubro de 2024, na medida em que se refere a um contrato que tem como data de início 15/02/2016 e data de fim 14/11/2031, o mesmo já poderia perfeitamente ter sido junto aos autos”15.
D. Note-se que o que os Recorrentes pretendem através da sua junção é demonstrar que a apólice não foi cancelada em relação à 2.ª Pessoa Segura no ano de 2020. Assim sendo, desde essa data que esteve ao alcance dos Autores, ora Recorrentes, querendo, fazer a junção do referido documento.
E. Deve a pretensão dos Recorrentes ser julgada improcedente, mantendo-se o despacho que rejeitou a junção do documento em plena audiência de julgamento, que não merece qualquer reparo.
F. Sem prejuízo, cumpre evidenciar que o mesmo não tem a virtualidade de colocar em causa a credibilidade do depoimento da testemunha CC, nem de demonstrar que a Ré geriu este processo de seguro de forma ineficiente.
G. Resulta da prova documental junta aos autos (cf. Documentos n.ºs 8 e 11 da Contestação) que a Sr.ª DD já não se encontrava segurada no âmbito da apólice em causa desde ../../2020 – circunstância que foi dada como provada pelo Tribunal a quo nos factos n.º 21 a 24 da Sentença, e que não merece qualquer reparo.
H. Deve, assim, em qualquer circunstância, ser julgada improcedente a pretensão dos Recorrentes, mantendo-se o despacho na íntegra, bem como a factualidade dada como provada por respeito a esta matéria (a saber: a constante dos factos n.ºs 21 a 24 da Sentença).
DA IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO
I. Entendem os Recorrentes que a factualidade dada como não provada nos pontos 32 e 33 da Sentença deve ser dada como provada, socorrendo-se, para o efeito, do depoimento prestado por CC e das declarações de parte prestadas pelo Autor.
J. Não assiste razão aos Recorrentes.
K. Resulta do depoimento prestado pela testemunha CC – que merece toda a credibilidade - que (i) a Ré não tinha qualquer conhecimento de que o contrato de mútuo apenas iria ser outorgado pelo Autor e não por ambos os Autores e que (ii) caso a Ré soubesse que a Autora não era titular do crédito hipotecário, nunca teria aceitado a cobertura, por tal violar as disposições das condições particulares do contrato de seguro– cf. depoimento prestado por CC na audiência de julgamento de 11.10.2024, Ficheiro áudio n.º Diligencia_4838-23.2T8BRG_2024-10-11_16-05-04, entre os minutos [00:09:08.0]e [00:14:15.7].
L. Desta forma, andou bem o Tribunal a quo ao ter considerado a factualidade elencada nos pontos 32 e 33 da Sentença como não provada.
M. Termos em que, deve a pretensão dos Recorrentes em ver os factos n.ºs 32 e 33 serem dados como provados ser julgada improcedente, por não provada; mantendo-se a Sentença Recorrida, que não merece qualquer reparo.
DA IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO
N. Os Recorrentes entendem que o Tribunal a quo andou mal ao ter considerado que a Autora não tem nenhum interesse legítimo na celebração do seguro de vida e ao ter, em consequência, declarado a nulidade parcial do contrato de seguro em relação à Autora, nos termos previstos nos artigos 43.º do RJCS e 292.º do Código Civil (“CC”).
O. Entendem, em concreto, que o Tribunal a quo apenas decidiu deste modo por ter “desconsiderado” a “comprovada relação de união de facto relação de união de facto” e a “aquisição do imóvel”.
P. A verdade é que o Tribunal a quo não desconsiderou essas circunstâncias, tendo apenas – com um forte apoio legal, jurisprudencial e doutrinal (cf. pp. 15 a 18 da Sentença) – extraído conclusão diversa da que foi extraída pelos Recorrentes – e que, como veremos, não merece qualquer reparo.
Q. No caso dos autos o interesse digno de proteção jurídica relativamente ao risco coberto é o cumprimento das obrigações relativas ao Contrato de Financiamento, ou seja, o interesse patrimonial associado ao cumprimento das obrigações decorrentes do mútuo.
R. Com o contrato de seguro visa-se assegurar que, em caso de ocorrência de sinistro, o mutuário, obrigado às prestações contratuais, terá o cumprimento das mesmas salvaguardado pelo seguro contratado.
S. Ora, a Autora não figura como mutuária no Contrato de Financiamento e não existe uma relação jurídica entre a Autora e o mutuante, em especial no que diz respeito à exigibilidade das prestações de que o mutuário está obrigado por força do contrato.
T. Só não seria assim caso os Recorrentes fossem casados num regime de bens em que houvesse comunicabilidade de dívidas. Ora, na medida em que os Recorrentes não são casados, não lhes é aplicável este regime previsto no artigo 1691.º, n.º 1, al. c) e n.º 3, do CC.
U. Pelo contrário, – mais uma vez, socorrendo-nos das palavras acertadas do Tribunal a quo – “por força do regime previsto no art 3º da Lei nº 7/2001 de 11/05, os unidos de facto não são responsáveis perante terceiros pelas dívidas contraídas pelo outro, ainda que o tenham sido para benefício da comunhão de vida constituída entre os dois”.
V. Por esta razão, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que a Autora não tem qualquer interesse digno de proteção legal, conforme este conceito tem vindo a ser entendido pela doutrina e jurisprudência, e bem andou ao declarar a nulidade parcial do contrato de seguro em relação à Autora. Pelo que, também nesta parte, não merece a Sentença qualquer tipo de censura. O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (artº 635º-nº4 do CPC), atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar: - requerida revogação de despacho do tribunal “a quo” que não admitiu a junção de documento aos autos e, - requerida junção aos autos do indicado documento nos termos do artº 651º, ex-vi art. 425º do CPC
- reapreciação da matéria de facto: - factos não provados nº 32 e 33
- do mérito da causa: - o ónus da prova do cumprimento da obrigação de informar e esclarecer as cláusulas contratuais gerais que excluem o direito dos autores é integralmente da ré ?
- da relação contratual dos autos e legitimidade e interesse da Autora mulher no contrato de seguro dos autos
- A autora BB, face à constituição da hipoteca sobre a fração adquirida, era titular de um legítimo interesse na celebração do seguro, independentemente de ser ou não titular do contrato de crédito ? - invocado abuso de direito
FUNDAMENTAÇÃO
I) OS FACTOS (factos declarados provados, e não provados, na sentença recorrida):
1. Os autores viveram em comunhão de cama, mesa e habitação, em condições análogas às dos cônjuges, entre 2004 e 2019, data em que se separaram.
2. Os autores decidiram proceder à aquisição de uma fracção autónoma destinada a comércio, com a finalidade de a autora instalar e explorar um estabelecimento comercial de terapias.
3. Os autores decidiram adquirir o imóvel mediante contrato de compra e venda.
4. O autor solicitou ao Banco 1..., SA a concessão do referido financiamento, tendo sido aprovado em 20/09/2016 um financiamento no valor de €17.900,00, no âmbito processo de crédito imobiliário n.º ...94.
5. Em 28/10/2016, foi celebrado um documento escrito intitulado »mútuo com hipoteca« entre o autor e o Banco 1..., SA, através do qual este emprestou àquele a quantia de €17.900,00, a ser reembolsado em 180 prestações, iguais e sucessivas, nos termos previstos no contrato e nas condições particulares, tendo ainda sido convencionada como garantia do crédito e demais prestações devidas por força do contrato a constituição de uma hipoteca a favor do banco sobre a fracção autónoma designada pela letra »A« integrante do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal descrito na ... Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...77 – ... (...), inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...40.
6. Por exigência do Banco 1..., SA, o autor deveria celebrar um seguro de vida para garantia do pagamento do crédito concedido em caso de morte ou de incapacidade permanente do mutuário.
7. O autor exerce a profissão de agente de seguros e de perito avaliador, tendo optado por celebrar um seguro de vida com a ré.
8. O autor exercia a sua profissão de agente de seguros para a EMP03..., a qual agia como representante da ré, mediante contrato de mediação datado de 30/04/2013.
9. Os autores subscreveram em 04/01/2016 uma proposta de adesão a seguro de proteção hipotecária, tendo o autor agido na tripla qualidade de mediador, tomador do seguro e de pessoa segura.
10. O seguro de proteção hipotecária foi celebrado em 05/01/2016, titulado pela apólice n.º ...72, com o capital seguro inicial de € 23.000,00, a ser actualizado anualmente em função da amortização do capital mutuado, tendo sido convencionada a cobertura de morte + invalidez definitiva para a profissão ou actividade compatível (por acidente ou doença).
11. Resulta o seguinte do seguro de proteção hipotecária referido em 9):
a. Art 1º
i. Candidato: pessoa que se propõe a Tomador do Seguro e/ou Pessoa Segura mediante o preenchimento da Proposta de Adesão;
ii. Pessoa segura: a pessoa singular no interesse da qual o Contrato é celebrado ou a pessoa sujeita aos riscos que, nos termos acordados, são objeto deste Contrato;
iii. Contrato de Financiamento: Contrato de mútuo hipotecário celebrado entre a Entidade Financeira e o Tomador do Seguro e/ou Pessoa Segura que estabelece as condições do crédito hipotecário celebrado entre ambos;
iv. Beneficiário Irrevogável: Entidade Financeira aceitante dos benefícios resultantes deste Contrato;
b. Art 4º
i. Art 4.1: para ser admitido como Pessoa Segura, o Candidato deverá, à data de Inicio do Contrato, cumprir cumulativamente os seguintes requisitos de elegibilidade;
1. d) ser titular ou estar a celebrar um Contrato de Financiamento cujo valor financiado (ou total em dívida) seja superior a €15.000,00 e a duração total (inicial ou remanescente) esteja compreendida entre 48 meses e 600 meses;
ii. art 4.5: o Candidato tem de ser titular ou estar a celebrar um Contrato de Financiamento, não podendo ser fiador ou avalista de um contrato de financiamento;
12. Os autores constam do referido seguro de proteção hipotecária referido em 9), respectivamente, como »primeira pessoa segura« e »segunda pessoa segura« e o Banco 1... , SA como »beneficiário irrevogável«.
13. A autora nasceu em ../../1975 e tem, actualmente, 49 anos de idade.
14. A autora exerce as funções de terapeuta desde 2015.
15. Em 02/09/2019, através de um exame médico realizado no Hospital ..., foram detetados na autora fragmentos de nódulo na mama esquerda.
16. Em consequência, foi encaminhada para o IPO ..., tendo-lhe sido diagnosticado um carcinoma na mama esquerda, com metastização hepática e pulmonar, em 01/2020.
17. Mediante atestado médico de Incapacidade Multiuso datado de 09/02/2021, foi atribuída à autora uma incapacidade de 90%.
18. A autora comunicou à ré a situação referida em 16) e 17) mediante um documento intitulado »participação de sinistro«, datado de 22/02/2021, instruído com Relatórios Médicos e do Atestado Multiusos.
19. A ré promoveu, junto do Banco 1..., SA, na qualidade de »beneficiário irrevogável« das apólices contratadas, pela emissão da respetiva »Declaração de Dívida«, por forma a proceder ao pagamento das indeminizações associadas.
20. Em 26/02/2021, a ré solicitou ao Banco 1..., SA o envio de uma »Declaração onde conste o montante total em dívida à Data do Sinistro/ Data da Invalidez da 2ª Pessoa Segura – 13 de Janeiro de 2020«.
21. Em 26/02/2021, o Banco 1..., SA informou que a autora »BB (NIF: ...97) não tem qualquer responsabilidade connosco, desde 2003 que deixou de ser nossa cliente. Os empréstimos apenas estão em nome do Sr. AA (NIF: ...09)«.
22. A ré reconheceu a situação referida em 16) e 17) e considerou-a abrangida pelas coberturas do contrato de seguro referido em 9), tendo-se recusado a proceder ao pagamento do capital seguro à data de 01/2020.
23. A ré recusou-se a proceder ao pagamento do capital seguro com fundamento no facto de ter sido informada pelo Banco que a autora não tinha qualquer responsabilidade com o banco desde 2003, estando os empréstimos apenas em seu nome, em conformidade com o exposto em 21).
24. Em 04/03/2021, a ré elaborou uma acta adicional ao contrato de seguro referido em 9), designada »Ata adicional nº 1« na qual foi determinada a exclusão da autora com efeitos a partir de 13/01/2020.
25. O capital em dívida, em 13/01/2020, ascendia a €14.637,92.
Factos não provados:
26. Que os autores tenham solicitado, ambos, o financiamento ao Banco 1..., SA.
27. Que o Banco 1..., SA tenha aprovado a referida proposta apenas em nome do autor, por os autores não serem casados entre si.
28. Que o mútuo referido em 5) tenha previsto como garantia a emissão de livrança com aval do cônjuge, in casu, a autora.
29. Que, à data da aprovação do crédito, o Banco 1..., SA tivesse conhecimento de que os autores viviam em união de facto.
30. Que, à data do negócio referido em 9), a ré tivesse conhecimento:
a. da circunstância de os autores viverem em condições análogas às dos cônjuges;
b. das finalidades do mútuo;
c. que ambos tinham interesse na celebração do mútuo referido em 5) e;
d. que ambos iriam comparticipar no pagamento dos prémios do seguro.
31. Que o pagamento do mútuo referido em 5) tenha sido feito sempre com os rendimentos do trabalho auferidos pelos dois autores.
32. Que a ré tenha sido informada, aquando da celebração do contrato de seguro, que o mútuo referido em 5) iria ser outorgado somente em nome do autor.
33. Que a ré não tenha colocado obstáculos à celebração do seguro referido em 9) nem à identificação da autora como interveniente no mesmo.
34. Que o autor e os seus colegas tenham tido informação de que a adesão ao seguro poderia ser efectuada por outra pessoa segura que não fosse interveniente directa no contrato de mútuo objeto do seguro. II) O DIREITO APLICÁVEL
A) Nas Alegações do recurso requereram os apelantes revogação do despacho do Tribunal “a quo” proferido na Audiência de Julgamento de 11/10/2024 que não admitiu a junção de documento aos autos, e, mais requerem a junção aos autos do indicado documento, nos termos do artº 651º, ex-vi art. 425º do CPC, com as alegações de recurso de apelação.
Dispõe o artº 639º-nº1 do CPC que “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
Ainda, nos termos do artº 635º do CPC devendo o apelante no recurso interposto proceder à “Delimitação subjectiva e objectiva do recurso”, nos termos que o indicado preceito legal determina e impõe, sendo que, nos termos do nº4 do citado artigo “Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Os apelantes não fazem menção às indicadas pretensões nas Conclusões do recurso de apelação, termos em que as mesmas se terão por legalmente excluídas do objecto de conhecimento.
Sempre se dirá, porém, e caso assim se não entendesse, ter o indicado despacho judicial transitado em julgado nos termos do artº 628º do CPC, e, integrando-se a indicada decisão no elenco normativo do artº 644º, designadamente, do nº2-al.d), da mesma cabendo recurso de apelação autónomo e que não foi deduzido, tendo-se formado caso julgado formal.
E, desde logo, nestes precisos termos, improcedendo a requerida junção aos autos do aludido documento com as alegações de recurso.
B) Reapreciação da matéria de facto
Nos termos do artº 662º-nº1 do CPC “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, dispondo o artº 640º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto”:
Nº1 – Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Atento o comando do art.º 640º do Código de Processo Civil e os ónus que por via do indicado preceito legal são impostos aos recorrentes que pretendam impugnar a matéria de facto, impõe-se aos impugnantes a indicação especificada do concreto meio probatório constante das indicadas gravações de que resultava e se impunha decisão diversa, e relativamente a cada ponto de facto impugnado, tal como expressamente estatuí o artº 640º- nº 1-al.b), sendo seu Ónusexclusivo.
Impugnam os apelantes os pontos da matéria de facto não provada, nº 32 e 33, com o teor supra indicado, alegando que “tendo em consideração o depoimento prestado pela testemunha CC, de acordo com os excertos identificados no corpo das alegações, o teor das declarações de parte, também identificadas no corpo das alegações e ainda a prova documental resultante do e-mail junto na sessão de julgamento de 11.10.2024 e das Condições Gerais e Especiais do seguro, junto como doc. 3 com a contestação da ré seguradora, devem ser alteradas as respostas dadas aos factos 32 e 33 da matéria de facto não provada, dando-se como provado”.
Relativamente ao depoimento da testemunha CC do mesmo não se mostra infirmada a matéria de facto declarada não provada, nem nenhum extracto de depoimento nesse sentido é especificado pelos apelantes em cumprimento do ónus legalmente previsto no artº 640º do CPC, e, sendo insuficientes, por si só, quais quer declarações de parte do Autor nesse sentido, igualmente nada resultando no sentido da alteração factual pretendida do documento que incorpora as Condições Gerais e Especiais do seguro e que se encontra reproduzido, na parte relevante, no elenco factual fixado.
O documento e.mail, em referência, cuja junção foi requerida na Audiência de Julgamento de 11/10/2024 não foi admitido, por despacho judicial transitado em julgado, nenhuns efeitos produzindo nos autos.
Consequentemente, improcedendo a impugnação deduzida.
C) – do mérito da causa
a) - Alegam os Autores em sede do presente recurso de apelação que “o ónus da prova do cumprimento da obrigação de informar e esclarecer as cláusulas contratuais gerais que excluem o direito dos autores é integralmente da ré”, requerendo a exclusão das “cláusulas contratuais em discussão”.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 635º-nº3 do CPC, não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “( artº 608º-nº2 do CPC).- Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 21/10/93, CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, tomo 3, pg.84, e, de 12/1/95, in CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano III, tomo I, pg. 19. E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o Tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos do artº 5º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas, tratando-se a decisão de recurso de decisão de “reexame” da decisão recorrida.
Compulsados os autos verifica-se que a questão ora suscitada não foi levada a discussão nos autos perante o Tribunal de 1ª instância, não sendo de conhecimento oficioso dos Tribunais ( artº 5º do CPC ).
Consequentemente está a “Questão” em referência excluída do objecto de conhecimento do recurso.
Salientando-se, porém, em qualquer caso, que os Autores conheciam o teor e alcance das cláusulas contratuais contratadas cfr. resulta óbvia e manifestamente dos factos provados nº 8 e 9.
b) Com relevância à decisão resulta dos factos provados:
5. Em 28/10/2016, foi celebrado um documento escrito intitulado »mútuo com hipoteca« entre o autor e o Banco 1..., SA, através do qual este emprestou àquele a quantia de €17.900,00, a ser reembolsado em 180 prestações, iguais e sucessivas, nos termos previstos no contrato e nas condições particulares, tendo ainda sido convencionada como garantia do crédito e demais prestações devidas por força do contrato a constituição de uma hipoteca a favor do banco sobre a fracção autónoma designada pela letra »A« integrante do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal descrito na ... Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...77 – ... (...), inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...40.
6. Por exigência do Banco 1..., SA, o autor deveria celebrar um seguro de vida para garantia do pagamento do crédito concedido em caso de morte ou de incapacidade permanente do mutuário.
10. O seguro de proteção hipotecária foi celebrado em 05/01/2016, titulado pela apólice n.º ...72, com o capital seguro inicial de € 23.000,00, a ser actualizado anualmente em função da amortização do capital mutuado, tendo sido convencionada a cobertura de morte + invalidez definitiva para a profissão ou actividade compatível (por acidente ou doença).
11. Resulta o seguinte do seguro de proteção hipotecária referido em 9):
a. Art 1º
i. Candidato: pessoa que se propõe a Tomador do Seguro e/ou Pessoa Segura mediante o preenchimento da Proposta de Adesão;
ii. Pessoa segura: a pessoa singular no interesse da qual o Contrato é celebrado ou a pessoa sujeita aos riscos que, nos termos acordados, são objeto deste Contrato;
iii. Contrato de Financiamento: Contrato de mútuo hipotecário celebrado entre a Entidade Financeira e o Tomador do Seguro e/ou Pessoa Segura que estabelece as condições do crédito hipotecário celebrado entre ambos;
iv. Beneficiário Irrevogável: Entidade Financeira aceitante dos benefícios resultantes deste Contrato;
b. Art 4º
i. Art 4.1: para ser admitido como Pessoa Segura, o Candidato deverá, à data de Inicio do Contrato, cumprir cumulativamente os seguintes requisitos de elegibilidade;
1. d) ser titular ou estar a celebrar um Contrato de Financiamento cujo valor financiado (ou total em dívida) seja superior a €15.000,00 e a duração total (inicial ou remanescente) esteja compreendida entre 48 meses e 600 meses;
ii. art 4.5: o Candidato tem de ser titular ou estar a celebrar um Contrato de Financiamento, não podendo ser fiador ou avalista de um contrato de financiamento;
12. Os autores constam do referido seguro de proteção hipotecária referido em 9), respectivamente, como »primeira pessoa segura« e »segunda pessoa segura« e o Banco 1... , SA como »beneficiário irrevogável«.
24. Em 04/03/2021, a ré elaborou uma acta adicional ao contrato de seguro referido em 9), designada “Ata adicional nº 1” na qual foi determinada a exclusão da autora com efeitos a partir de 13/01/2020.
Nos termos do artº 405º do Código Civil “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir as cláusulas que lhes aprouver”.
Mais dispondo o artº 406º, do citado diploma legal, sob a epígrafe “Eficácia dos contratos” que – nº1: “O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”.
No caso sub judice, e atento o factualismo apurado, formou-se entre as partes o contrato de seguro dos autos, o seguro de protecção hipotecária definido nos termos do facto provado nº 11, encontrando-se o mesmo viciado nos seus termos na medida em que resulta ter sido admitida a contratar a Autora mulher sem que relativamente à mesma se verificassem os requisitos de elegibilidade previstos no artº 4º do contrato em referência, designadamente, i. Art 4.1: para ser admitido como Pessoa Segura, o Candidato deverá, à data de Inicio do Contrato, cumprir cumulativamente os seguintes requisitos de elegibilidade;
1. d) ser titular ou estar a celebrar um Contrato de Financiamen-to cujo valor financiado (ou total em dívida) seja superior a €15.000,00 e a duração total (inicial ou remanescente) esteja compreendida entre 48 meses e 600 meses;
ii. art 4.5: o Candidato tem de ser titular ou estar a celebrar um Contrato de Financiamento, não podendo ser fiador ou avalista de um contrato de financiamento;
Veio a Ré, em 04/03/2021, a elaborar uma acta adicional ao contrato de seguro referido em 9), designada “Ata adicional nº 1” na qual foi determinada a exclusão da autora com efeitos a partir de 13/01/2020 (facto provado nº 24).
Relativamente a este aditamento tratando-se de alteração contratual unilateral deverá dar-se por inexistente atento o disposto no artº 406º-nº1, 2ª parte do Código Civil.
Não se tratando, ainda, de mero erro de escrita que legítima e permite a rectificação da declaração negocial nos termos do artº 249º do citado diploma legal.
Invocando a Ré a verificação de erro e anulabilidade do negócio nos termos do artº 251º do Código Civil, alegando ter a Ré seguradora contratado nos termos descritos em “Erro”, designadamente no tocante à circunstância de apenas o Autor e não a Autora, a “segunda pessoa segura” não ser titular do Contrato de Financiamento e Mútuo que baseou a contração.
Relativamente à disciplina legal do “Erro” regem os artº 247º e seguintes, do Código Civil, tornando a declaração negocial anulável em caso de verificação de erro relevante na contratação.
No caso sub judice, tal pedido de anulação não foi formalizado, em sede de Reconvenção, irrelevando, mantendo-se válido o contrato, e, consequentemente a Autora como parte outorgante, na qualidade de “segunda segurada”.
c) Discute-se nos autos a nulidade parcial do contrato em relação à Autora nos termos do artº 43º-nº1 do RJCS, DL nº 72/2008 de 16/4/2008, e o legítimo interesse da Autora no contrato de seguro celebrado com a Ré.
Nos termos do artº 43º-nº1 do RJCS que “O segurado deve ter um interesse digno de protecção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato”.
Tratando-se de norma legal imperativa (art.º 12º da LCS)
“A existência de um interesse segurável constitui, com efeito, um dos princípios fundamentais do direito do contrato de seguro. “O interesse no seguro não é um simples aspecto particular do regime jurídico do contrato de seguro, é um elemento essencial, do qual depende a validade do contrato; e essa essencialidade do interesse manifesta-se, além do mais, na natureza absolutamente imperativa da disposição (art. 12.°) (…) é configurado como a relação que liga uma pessoa ao objecto desse interesse (…) O interesse apresenta, assim, uma dupla dimensão: por um lado é a relação entre um sujeito e o objecto desse interesse [v.g. art. 125.°, n.ºs 2 e 3], e, por outro lado, é o valor pecuniário (do interesse) exposto ao risco” “ – Ac. STJ de 8/11/2018, P. 1069/16.1T8PVZ.P1.S1.
(…) O interesse será a relação económica existente entre um sujeito (o segurado) e um bem exposto ao risco, a qual assumirá uma feição jurídica, na medida em que releva a relação jurídica que lhe está subjacente.
Fundamenta-se na decisão recorrida:
“(…) in casu, na medida em que a autora não era parte do contrato de mútuo, a mesma não podia constar do contrato como pessoa segura, com base nas próprias condições contratuais, pelo que a mesma não tem qualquer interesse digno de proteção legal, o que determina a nulidade do contrato em relação a si (à autora), nos termos previstos no art 43º, n.º 1 do RJCS.
(…) na medida em que não são casados, residindo em união de facto, não se lhes aplica o disposto no art 1691º, n.º 1, al.c) e n.º 3 do Cód Civil; por força do regime previsto no art 3º da Lei nº 7/2001 de 11/05, os unidos de facto não são responsáveis perante terceiros pelas dívidas contraídas pelo outro, ainda que o tenham sido para benefício da comunhão de vida constituída entre os dois.
(…) afigura-se pacífico que a autora jamais seria responsável por ele, perante a entidade bancária: desde logo, por não ser parte do contrato, portanto não seria vinculada pelo mesmo (art 406º, nº 2 do Cód Civil); por outro lado, ainda que o tenha sido para efeitos da comunhão de vida que mantinha com o autor, a autora jamais seria responsável perante o banco pela dívida, por força do disposto no art 3º da Lei nº 7/2001 de 11/05”.
E, conclui-se na sentença:
“Nestes termos, pode ter-se como pacífico que a autora não é titular de qualquer risco que o contrato de seguro se destine a cobrir e que, como consequência desse risco, a cobertura, tenha para ela alguma utilidade; o que os autores pretendem, na realidade, é que o seguro cubra o crédito contraído por um deles, sem que o outro seja responsável pelo dito crédito em qualquer circunstância, por fonte contratual ou legal.
Termos em que consideramos que a autora não tem qualquer interesse digno de proteção legal, conforme este conceito tem vindo a ser entendido pela doutrina e jurisprudência, o que determina a nulidade parcial do contrato de seguro em relação a si, nos termos previstos nos arts 43º do RJCS e 292º do Cód Civil.”
Alegam os apelantes que a autora BB, face à constituição da hipoteca sobre a fração adquirida, era titular de um legítimo interesse na celebração do seguro, independentemente de ser ou não titular do contrato de crédito.
Acompanhamos quanto a este fundamento a decisão recorrida.
Com efeito, o “interesse” em análise e a que se alude no citado artº 43º do RJSC reporta-se ao “risco” garantido pelo contrato de seguro e este, in casu, e como resulta dos factos provados, refere-se à garantia de pagamento do valor do mútuo contratado junto do beneficiário de seguro irrevogável, Banco 1..., SA (factos provados nº 5, 6, 12).
Assim, deverá concluir-se que o seguro contratado não garante qualquer responsabilidade da Autora, não sendo esta titular de risco pela garantia do mútuo, nos termos acima expostos, não tendo interesse digno de protecção legal relativamente ao risco coberto, uma vez que não corre qualquer risco patrimonial de responsabilidade civil em caso de sinistro relativamente ao indicado pagamento e dívida ao banco mutuário.
“O segurado do contrato de seguro facultativo por danos, deve ter um interesse digno de protecção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato, constituindo o interesse segurável, um dos princípios fundamentais do direito do contrato de seguro”- Ac. STJ citado. d) – invocado abuso de direito
Alegam os apelantes que ao abrigo da teoria da confiança não pode a ré seguradora furtar-se ao cumprimento das suas obrigações, quando pela sua inépcia celebrou o contrato de seguro, criando a legítima convicção nos segurados de que o seguro tinha sido validamente celebrado, para depois, perante o sinistro, negar essa validade, mais referindo que os autores não sonegaram qualquer informação que conduzisse a seguradora à aceitação do seguro, pelo que esta atuação da ré traduz um abuso de direito, que não merece a tutela do direito.
Dispõe o artº 334º do Código Civil que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Como refere P.Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 5ª edição, pg. 262 “ A jus-eticidade desempenha um papel importante na substância do direito subjectivo. Esta exige um direito de mérito, de conformidade com as coordenadas axiológicas, ético-jurídicas, do Direito (…). De entre os princípios ético jurídicos avultam, entre outros, a boa fé e os costumes (art.º 334º e 762º-n.º 2 do Código Civil)”, dispondo, ainda, este preceito legal, a par do já estatuído pelo art.º 334º, do citado diploma legal, que “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”.
“O abuso de direito é (…) contradição entre o respeito por uma estrutura formal ( através da qual se invoca um “direito” ) e a violação da intenção material em que normativamente se funda o mesmo direito que aquela estrutura pretende traduzir – Castanheira Neves - Questão de Facto - Questão de Direito ou o Problema Metodológico da Juridicidade, pg. 524”.
Analisados os autos, na sua globalidade, e o factualismo apurado, afigura-se não se poder concluir no caso concreto pelo abusivo exercício do direito por parte da Ré seguradora.
Com efeito, não obstante tenha a Ré seguradora admitido (!) a ser parte no contrato de seguro pessoa sem interesse digno de protecção e sem qualquer relação com o “risco” segurado, resulta dos factos provados que a “irregularidade na contratação” sempre foi do conhecimento dos Autores- provando-se que: “O autor exercia a sua profissão de agente de seguros para a EMP03..., a qual agia como representante da ré, mediante contrato de mediação datado de 30/04/2013; Os autores subscreveram em 04/01/2016 uma proposta de adesão a seguro de proteção hipotecária, tendo o autor agido na tripla qualidade de mediador, tomador do seguro e de pessoa segura; Resulta o seguinte do seguro de proteção hipotecária referido em 9):(…)b. Art 4ºi. Art 4.1: para ser admitido como Pessoa Segura, o Candidato deverá, à data de Inicio do Contrato, cumprir cumulativamente os seguintes requisitos de elegibilidade: 1. d) ser titular ou estar a celebrar um Contrato de Financiamento cujo valor financiado (ou total em dívida) seja superior a €15.000,00 e a duração total (inicial ou remanescente) esteja compreendida entre 48 meses e 600 meses; ii. art 4.5: o Candidato tem de ser titular ou estar a celebrar um Contrato de Financiamento, não podendo ser fiador ou avalista de um contrato de financiamento;”.
Nesta medida, não se poderá concluir pela clamorosa violação das expectativas dos Autores que caracteriza o abuso de direito; conhecendo estes, ou tendo os elementos necessários a tal, que a Autora figurava como segunda segurada no contrato de seguro sem efectivo direito material que tal legitimasse.
E, nestes termos se confirmando a eficácia da declaração de nulidade do contrato dos autos.
Concluindo-se, nos termos expostos, pela improcedência do recurso de apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a apelação.
Custas pelos apelantes.
Guimarães, 18 de Setembro de 2025
( Luísa Ramos ) ( Paulo Reis ) ( António Figueiredo de Almeida )