RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PAINTBALL
INDEMNIZAÇÃO
Sumário


I - A atividade de paintball, nos moldes em que era desenvolvida pela 2.ª ré, com os contornos enunciados nos autos, não constitui, em concreto, uma atividade perigosa, nos termos e para os efeitos previstos no citado artigo 493.º, n.º 2 do Código Civil.
II - A presunção de culpa prevista no artigo 493.º, n.º1 do Código Civil relaciona-se com a guarda de coisas ou animais, a recair sobre quem tiver em seu poder a coisa móvel ou imóvel geradora do evento danoso e, cumulativamente, tenha o dever de a vigiar, cabendo na sua previsão apenas os danos causados pelas coisas e não os danos causados por alguém com o emprego das coisas, enquanto aos danos causados por alguém com o emprego desses mesmos animais ou coisas é aplicável o regime geral da responsabilidade civil.
III - Em face das sequelas consideráveis e permanentes para a integridade físico-psíquica do autor, com diminuição acentuada da acuidade visual do olho esquerdo, défice permanente da integridade físico-psíquica de 30 ou 31 pontos e dores físicas intensas, tanto no momento do acidente como no decurso do tratamento, sendo o quantum doloris fixável no grau 5 de 7, em conjunto com as demais consequências que decorrem da factualidade provada e ponderando os critérios adotados na jurisprudência dos tribunais superiores em casos com alguns contornos idênticos, justifica-se a indemnização de 45.000,00€ a título de danos não patrimoniais.

Texto Integral


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

AA instaurou ação declarativa com processo comum contra 1. BB 2. EMP01..., Lda., 3. CC e 4. Companhia de Seguros EMP02..., S.A., pedindo a condenação dos réus, solidariamente, a pagarem-lhe as seguintes quantias:
«a) 50.000,00 €, a título de danos morais, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
b) 5.000,00 €, a título de dano estético, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
c) 175.000,00 €, a título de dano patrimonial por perda da capacidade de ganho, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
d) 54.000,00 €, a título de dano patrimonial futuro, por perda do subsídio de isenção de horário, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
e) À soma das quantias acima peticionadas, deve ser descontada a quantia de 7.000,00 € paga pela 4ª R., por conta da indemnização devida a final, pelo que os R.R. devem ao A. uma indemnização total de 277.000,00 €, que devem ser condenados a pagar, solidariamente, ao A., acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento».
Para o efeito alegou, em síntese: a 2.ª ré é dona de um parque de aventura, onde tem um campo, no qual organiza e realiza jogos de paintball; em 29-08-2016, o autor e alguns amigos/conhecidos foram jogar paintball nesse campo; a certa altura, o 3.º réu, que era monitor da 2.ª ré, deu por terminado o jogo; sucede que, a 1.ª ré não respeitou tal ordem do 3.º réu e, de forma inesperada, apontou o marcador de paintball à cabeça do autor, quando este já não tinha a máscara de proteção colocada e, ato contínuo, disparou uma esfera que foi atingi-lo no olho esquerdo, fazendo-o perder a visão desse olho. Conclui que o sinistro ocorreu devido ao facto de os 1.º a 3.º réus terem violado os deveres de cuidado que sobre eles impendiam.
Em contestação, a 1.ª ré impugnou parte da factualidade invocada pelo autor, invocando culpa deste na ocorrência do sinistro, por ter tirado a máscara de proteção ainda dentro de campo, contrariando as instruções iniciais que o instrutor havia dado e quando ainda havia quem estivesse a realizar disparos.
Por seu turno, a 2.ª ré invocou a sua ilegitimidade, a prescrição do direito exercido pelo autor e impugnou parte da factualidade alegada, o mesmo sucedendo com o 3.º réu.
A 4.ª ré impugnou parte da factualidade invocada pelo autor, invocando ter-lhe realizado alguns pagamentos ao abrigo do contrato de seguro de acidentes pessoais que celebrado com a 2.ª ré.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente, a qual se transcreve na parte dispositiva:
«(…)
Julgamos a ação parcialmente procedente e, em consequência:
Condenamos a 1ª R. a pagar ao A., a quantia de € 148.500,00 (cento e quarenta e oito mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da presente decisão até integral pagamento;
Condenamos a 4ª R., solidariamente com a 1ª R., a pagar ao A., a quantia de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da presente decisão até integral pagamento;
Absolvemos a 1ª e 4ª R. do demais peticionado;
Absolvemos a 2ª R. e o 3º R, dos pedidos.
Custas a cargo do A. e das 1ª e 4ª R., na proporção dos respetivos decaimentos - art. 527º, do C.P.C».
Inconformado com a sentença proferida nos autos, o autor apresentou-se a recorrer, terminando as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1ª O recorrente não se conforma com a Sentença proferida, porquanto se considera que o Tribunal recorrido realizou uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
2ª O tribunal recorrido errou quanto ao julgamento da matéria de facto, pois, de facto, atentos os circunstancialismos do caso, e a prova testemunhal, por declarações, e documental que foi feita, é de concluir que foi reproduzida prova suficiente, congruente e com razão de ciência no sentido de:
- O ponto de facto provado 3), na parte em que se refere “…cede o campo…”, facto que deve ser dado como não provado, antes se substituindo aquele facto pelo seguinte facto, este sim provado, e cuja formulação se sugere (assim se dando como provados os pontos de facto alegados pelo A. em 9º, 10º e 11º, da sua p.i.): “A 2.ª R. publicita, organiza e promove o jogo de paintball, disponibiliza o terreno, fornece o material e equipamento, aos clientes, necessários à execução do jogo, mediante o pagamento de um preço”.
- O ponto de facto provado 24), na parte em que se refere “…os jogadores bloquearem as armas”, o que deve ser dado como não provado.
- O ponto de facto provado 25), no qual se escreve que “Os…começaram a dirigir-se para as bases para se desequiparem”, facto que deve ser dado como não provado, antes se substituindo aquele facto pelo seguinte facto, este sim provado, e cuja formulação se sugere: “Alguns dos jogadores que ainda estavam em campo, onde se inclui o A., retiraram o equipamento que lhes havia sido inicialmente fornecido para o efeito”.
- O ponto de facto provado 26) deve assumir o lugar do ponto de facto provado 27), e o 27) o lugar do 26);
- Dar como provados os factos referenciados na matéria de facto dada como não provada na Sentença recorrida a Pontos 1), 2) e 5), os quais deveriam ser dados como provados, com a formulação supra descrita nas alegações de recurso.
- Dar como provados os seguintes factos constantes da p.i. - 9º, 10º, 11º (conforme já supra sugerido relativamente ao ponto de facto n.º 2, e cuja alteração se peticiona), 51º, 60º, 63º, 64º, 65º, 68º, 69º, 70º, 71º, 72º, 73º, 74º, 75º e 76º;
- Dar como provados, os seguintes factos adquiridos por instrução da causa, e de acordo com a prova produzida, lançando-se mão ao disposto no artigo 5º, n.º 2, al. a), do CPC, e cuja formulação infra se sugere:
i) Entre o final do jogo e o tiro da 1.ª R. que atingiu o A., mediou um período de tempo não concretamente apurado, entre os 5 a 10 minutos;
ii) Nesse interregno de tempo, pelos 3.º R e 2.ª R. não foi dada qualquer advertência ou sinalização de perigo aos jogadores ainda em campo.
iii) No campo, e no caminho para as bases, não existia qualquer sinalização, nem qualquer sinalização de perigo.
iv) No campo não existia qualquer videovigilância.
3ª Os meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida são: i) a prova por declarações; ii) a prova por testemunhas; iii) a prova documental; e que infra se especifica.
4ª Assim, os meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida são precisamente:
- As declarações de AA, e para efeitos de dar como não provado o ponto de facto 24) na parte “os jogadores bloquearem as armas”, referenciado na Sentença como provado, para dar como provados os factos constantes dos pontos de facto 26) e 27), com a formulação e alteração de posição supra sugerida, referenciados parcialmente na Sentença como provados, para dar como provados os factos dos artigos 68º, 69º, 70º, 71º, 72º, 73º, 74º, 75º e 76º, da p.i., e ainda como provado o facto constante do ponto 2), referenciados na Sentença como não provado, e finalmente dar como provados os pontos de facto referidos supra por força do disposto no artigo 5º, n.º 2, al. a), do CPC, e a inserir nos Pontos de Facto referenciados como provados, e com a formulação que supra se sugeriu. (as declarações de parte prestadas em 11-11-2024, conforme ata de julgamento Ref.ª ...15, encontram-se registadas na gravação da audiência, anexa ao Citius, minutos [00:01 a 58:31], sendo que para efeitos de alteração das respostas à matéria de facto conforme pugnado, o A. indica as seguintes concretas passagens da gravação supratranscrita: 00:00:34 a 00:02:27; 00:04:10 a 00:04:40; 00:05:36 a 00:07:23; 00:22:33 a 00:25:34; 00:37:57 a 00:39:00);   
- As declarações de BB, e para efeitos de dar como não provado o ponto de facto 24) na parte “os jogadores bloquearem as armas”, referenciado na Sentença como provado, para dar como não provado o facto constante do ponto de facto número 24, na parte referenciada supra, e 27, também na parte referenciada supra e com a formulação e alteração de posição sugerida, referenciados parcialmente na Sentença recorrida como provados, substituindo-se a formulação daqueles pontos de facto pela formulação que supra se sugeriu, para efeitos de dar como provados os factos constantes dos pontos 68º, 69º, 70º, 71º, 72º, 73º, 74º, 75º, e 76º, da p.i., referenciados na Sentença como não provados, e finalmente pretende para efeitos de dar como provados os pontos de facto referidos supra por força do disposto no artigo 5º, n.º 2, al. a), do CPC, e a inserir nos Pontos de Facto referenciados como provados, e com a formulação que supra se sugeriu. (as declarações de parte prestadas em 11-11-2024, conforme ata de julgamento Ref.ª ...15 encontram-se registadas na gravação da audiência, anexa ao CITIUS, minutos [00:01 a 20:21], sendo que para efeitos de alteração das respostas à matéria de facto conforme pugnado, o A. indica as seguintes concretas passagens da gravação supratranscrita: 00:11:23 a 00:12:08 e 00:17:04 a 00:19:31);
- As declarações de parte CC, para efeitos de dar como provados os factos constantes dos pontos 1) e 2), referenciado na Sentença como não provados, julgando ainda como não provado o ponto 24), na parte “jogadores bloquearem as armas”, referenciado na sentença recorrida como provado. (O depoimento, prestado em 11-11-2024, conforme ata de julgamento Ref.ª ...15, encontra-se registado na gravação da audiência, anexa ao CITIUS, minutos [00:01 a 20:28];   
 - O depoimento da testemunha DD, e para efeitos de dar como não provado o ponto de facto 24) na parte “os jogadores bloquearem as armas”, referenciado na Sentença como provado, para dar como provados os factos constantes dos pontos de facto 25, 26) e 27), com a formulação e alteração de posição supra sugerida, referenciados parcialmente na Sentença como provados, dando ainda como provados os factos dos artigos 51º, 60º, 62º, 64º, 65º, 68º, 69º, 70º, 71º, 72º, 73º, 74º, 75º e 76º, da p.i., e como provados os factos constante dos pontos 1), 2) e 5), referenciados na Sentença como não provados, pretendendo ainda o recorrente com o depoimento desta testemunha dar como provados os pontos de facto referidos supra por força do disposto no artigo 5º, n.º 2, al. a), do CPC, e a inserir nos Pontos de Facto referenciados como provados, e com a formulação que supra se sugeriu. (o depoimento desta testemunha, prestado em 25-10-2024, conforma ata de julgamento Ref.ª ...16, encontra-se registado na gravação da audiência, anexa ao CITIUS, minutos [00:00:03 a 00:44:32], sendo que, para efeitos de alteração das respostas à matéria de facto conforme pugnado, o A. indica as seguintes concretas passagens da gravação supratranscrita: 00:05:02 a 00:07:29; 00:11:13 a 00:12:33; 00:19:21 a 00:20:52; 00:22:57 a 00:23:45; 00:25:51 a 00:27:19; 00:29:59 a 00:32:09; 00:33:38 a 00:34:49; 00:35:26 a 00:37:40; 00:38:32 a 00:41:18; e 00:43:16 a 00:44:24);  
- O depoimento da testemunha EE, e para efeitos de dar como não provado o ponto de facto 24) na parte “os jogadores bloquearem as armas”, referenciado na Sentença como provado, pretendendo ainda dar provados os factos constantes os factos dos artigos 51º, 60º, 62º, 64º, 65º, 68º, 69º, 70º, 71º, 72º, 73º, 74º, 75º e 76º, da p.i., como provado o facto constante do ponto 5), referenciado na Sentença como não provado, e finalmente como provados os pontos de facto referidos supra por força do disposto no artigo 5º, n.º 2, al. a), do CPC, e a inserir nos Pontos de Facto referenciados como provados, e com a formulação que supra se sugeriu. (O depoimento de EE, prestado em 11-11-2024, conforma ata de julgamento Ref.ª ...15, encontra-se registado na gravação da audiência, anexa ao CITIUS, minutos [00:01 a 30:40], sendo que, para efeitos de alteração das respostas à matéria de facto conforme pugnado, o A. indica as seguintes concretas passagens da gravação supratranscrita: 00:01:53 a 00:03:04; 00:09:10 a 00:09:27; 00:16:29 a 00:16:50; 00:21:02 a 00:21:42; 00:22:06 a 00:24:20; e 00:28:26 a 00:29:19); 
5ª Para justificar a alteração da matéria de facto nos termos requeridos, o recorrente invoca ainda o meio de prova documental, e por referência aos seguintes documentos:  
i) Do Documento 12 junto com a p.i., referenciado para dar como não provado o ponto de facto provado 24), na parte em que se refere “…os jogadores bloquearem as armas”, para dar como provados os factos constantes dos pontos de facto 25, 26) e 27), com a formulação e alteração de posição supra sugerida, referenciados parcialmente na Sentença como provados, e para dar como provados os pontos de facto 1), 2) e 5), referenciados na Sentença recorrida como não provados (conforme formulação sugerida).

ii) Do Documento 2 junto com o requerimento ref.ª ...06 da Companhia de Seguros EMP02..., SA., referenciado para dar como provado o ponto de facto 3), e cuja formulação se sugere (assim se dando como provados os pontos de facto alegados pelo A. em 9º, 10º e 11º, da sua p.i.).        
6ª E se dúvidas existissem, o Tribunal a quo deveria então ter lançado mão ao disposto nos artigos 389º do CC, e 5º, n.º 2, alínea a) do CPC, e formular os pontos de facto de acordo com a prova produzida, e nos termos supra melhor aludidos no corpo das alegacões.    
7ª Para o recorrente pedir a alteração das respostas à matéria de facto, alicerça-se na prova por declarações do AA, de BB, e de CC, e bem assim por consideração da prova testemunhal de DD e EE, alicerçando-se ainda na prova documental, dando como reproduzida a apreciação crítica da prova que realizou nas alegações do presente recurso.  
8.º Dados como provados e não provados os factos acima indicados, com a respetivas reformulações que se sugeriram no corpo das alegações, invoca o recorrente a sua discórdia do entendimento propugnado pelo Tribunal a quo em sede de apreciação jurídica, e designadamente naquilo em que ficou vencido.  
9.º Alteradas as respostas à matéria de facto, conforme pugna o recorrente, inelutavelmente, e salvo melhor opinião, também a matéria de direito merecerá outra resposta.
10.º Ainda que o A. considere que a atividade de paintball é uma atividade perigosa, no sentido aliás da jurisprudência do Acórdão do STJ de 17-01-2022, Proc. 291/07.6TBLRA.C1, aí funcionando a presunção de culpa prevista no n.º 2, do art.º 493º, do CC, mesmo que assim não se considere, sempre a atividade de paintball e a utilização de uma arma de paintball e tudo o que lhe está associado, deve condensar uma presunção de culpa, nos termos do artigo 493º, n.º 1, do CC (presunção de culpa in vigilando). (Alegação do A. que o tribunal não abordou).
11.º Em qualquer das perspetivas por que se enfocasse a questão sempre ela se viria a converter numa inversão do ónus da prova, a cargo dos demandados, decorrente de uma presunção de culpa que a exploração de uma atividade sujeita a riscos acrescido e imprevisíveis importaria, nos termos do citado artigo 493.º do Código Civil. 
12.º Com efeito, a necessidade de, pelo dever de vigilância, se atribuir às empresas – parques aquáticos e similares - o ónus da prova prende-se, principalmente, com a circunstância de ser para elas mais fácil demonstrar o cumprimento de um dever próprio do que ao lesado provar uma conduta omissiva daquela.   
13.º De facto, é a R. EMP01... que, por ter a seu cargo uma atividade de paintball e dispor dos meios técnicos e logísticos necessários, pessoais e materiais, quem melhor conseguirá identificar e avaliar os perigos ou o apuramento das circunstâncias que rodeiam acidentes que ocorram no seu espaço, tarefa especialmente dificultada aos utentes ou a terceiros.
14.º Nessa avaliação não podem ignorar-se as inevitáveis limitações do parque na execução da sua tarefa, compreendendo-se que esta não poderá assegurar em absoluto as condições de segurança e reduzir simplesmente a zero o risco de acidente.  
15.º Mas tal não deve traduzir-se na condescendência com uma atuação que não seja claramente diligente e esforçada no sentido de garantir a segurança dos clientes de um jogo (perigoso) como é o jogo de paintball. Dito de outro modo, não podemos prescindir, nessa apreciação, de critérios de elevada exigência no cumprimento das obrigações da entidade responsável.   
16.º Em suma, caberá à entidade responsável, em cumprimento do ónus de prova que sobre si impende nos termos do nº 1 do art. 493º do CC, demonstrar que encetou todos os procedimentos adequados e se rodeou de todas as cautelas necessárias ao seu alcance tendentes a evitar o concreto perigo a que ali se alude para os utentes.   
17.º Ora, com o devido respeito, para ilidir a referida presunção de incumprimento não basta a alegação genérica de que cedeu um campo, o equipamento e o material para o paintball, que só lá está para receber o grupo que paga o preço, e que encarrega uma pessoa para acompanhar os jogadores, dar uma breve palestra, e controlar o terminus das munições dos jogadores e o decurso do tempo. Também não bastará a prova genérica de que antes do jogo foi “ministrado” um “briefing” com as regras de segurança por um monitor, e de que os jogadores sabiam as regras de segurança (prova que, neste último caso, nem se fez).
18º Com efeito, dispõe o art. 350, nº 2, do C.C., que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, o que significa que para ilidir a presunção o onerado com a mesma terá de demonstrar que o facto presumido não ocorreu, não sendo suficiente colocar em dúvida a verificação desse facto. 
19º Não resulta da prova que a R. EMP01..., dentro dos elevados padrões de exigência no cumprimento a considerar, tenha esgotado todas as possibilidades que estavam ao seu alcance para, num plano de razoabilidade, impedir a 1.ª R. de fazer o que fez.
20º Na verdade, para além de referências, genéricas e tabelares, ao cumprimento abstrato das suas obrigações de vigilância, temos apenas que no local apenas estava um monitor jovem inexperiente para aquela dezena de jogadores. Se 1 monitor jovem e inexperiente não é suficiente, e demonstrou-se que não, então era obrigação da R. ter no campo mais um monitor.  
21.º A 2.ª R. também não provou, nem foi alegado: i) se tinha instalado no referido campo de paint-ball e em funcionamento, na ocasião, algum sistema de vigilância eletrónica (por meio de câmaras digitais, de vídeo ou fotográficas) que permitisse a deteção (em tempo real) de quebras de regra de segurança; ii) se havia sinalização de perigo, se existia sinalização a encaminhar os jogadores para as bases ou para fora do campo; iii) se o 3.º R. tinha de facto formação para vigiar um jogo de paintball, como o dos autos; iv) se o 3.º R., ou alguém a seu mando, deu ordem aos jogadores para travarem os marcadores e entregarem as armas após o final do jogo;
v) se tinha mais pessoas a vigiar o campo; vi) Se existia algum painel/sinal indicador da proibição de utilização da arma após o final do jogo; vii) Se existia algum painel/sinal com a descrição dos cuidados de segurança mais básicos a ter no jogo de paintball, e designadamente que a bala de paintball teria a capacidade de ferir/cegar; viii) se o parque possuía regulamento interno, donde constasse a proibição dos utentes usarem a arma de paintball após o final do jogo, e a proibição dos utentes atirarem aos jogadores desprotegidos (sem máscara, equipamento), e que era proibido aos jogadores gastarem as munições que não gastaram no decurso do jogo. 
22.º Ou seja, a 2.ª R. não demonstrou que promoveu uma qualquer ação de aconselhamento, instrução, sinalização e vigilância, para evitar o que sucedeu.
23.º O que se provou é que o A. foi atingido com um tiro certeiro no olho, já após o fim do jogo que todos percecionaram, numa altura em que o A. devia estar seguro de qualquer lesão desse tipo.   
24º E o que se provou é que entre o final do jogo e o tiro da 1.ª R. que atingiu o A., mediou um período de tempo não concretamente apurado, entre os 5 a 10 minutos. Esse tempo é muito tempo para se considerar inesperado o que sucedeu, e para se considerar que os RR. Não poderiam ter feito mais do que fizeram. E é muito tempo para que inexista uma qualquer advertência/sinalização por parte dos RR.    
25º A omissão de regras de segurança adequadas, de sinalização e de advertências por um tão longo período de tempo criou uma fonte de perigo geradora de uma forte probabilidade de ocorrerem acidentes e de molde a criar riscos anormais que justificam o surgimento de um dever de agir, e, correspondentemente, na falta da sua observação, a violação de deveres objetivos de cuidado.
26º A ideia da existência de um dever geral de prevenção do perigo destinada a proteger os interesses alheios, enquanto finalidade que a própria responsabilidade civil por factos ilícitos também está consagrada no nº 1 do art. 483º do Código Civil.
27º Nestas circunstâncias cremos que será a favor do lesado, e não do EMP01..., que a dúvida terá de resolver-se, de acordo com o disposto no art. 350 do C.C.. 
28º Afastar-se a presunção, pela mera alegação de que uma pessoa encarregada lá estava, e que aos jogadores foi fornecido todo o equipamento de segurança, é subverter a própria presunção de culpa legalmente estabelecida, a qual assim passa a constituir-se como um mero requisito formal, facilmente contornável.
29º Ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, o A. entende que a 2.ª R. não tomou todos os cuidados que lhe eram exigíveis para prevenir situações as situações de perigo potencial que a atividade encerra e desencadeia. 
30º No mesmo sentido, pugna o A. pela responsabilização do 3.º R., considerando que a factualidade cuja alteração de respostas se peticiona no presente recurso, permitirá concluir pela prática de atos e/ou omissões culposas do 3.º R.
31.º O tribunal recorrido desrespeitou a aplicação e interpretação das seguintes normas: artigos 350º, 483º, 562º, 564º, n.º 1, 487º, n.º 2, 493º, números 1 e 2, 500º e 799º, n.º 1, todos do Código Civil.   
32.º Finalmente, o comportamento do A. não contribuiu para a produção do dano, nem a sua atuação é censurável à luz do critério de apreciação da culpa consagrado no art. 487º, n.º 2, do CC, pelo menos na medida de 25% determinada pelo tribunal recorrido, daí que se considere violada a correta aplicação e interpretação dos artigos 487º, n.º 2, 570º e 572º do CC.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve a decisão recorrida nas partes aqui impugnadas ser revogada, substituindo-a por outra que determine a procedência do presente recurso, conforme alegado e concluído, seguindo-se os demais termos legais, assim se fazendo a costumada e boa JUSTIÇA».
Também a 1.ª ré, BB, apresentou recurso, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«A. O presente recurso tem como objecto a impugnação da Sentença proferida pela Tribunal “A Quo”, referente à matéria de facto, com a reapreciação da Prova Testemunhal gravada em sede de julgamento (nas sessões de 25.10.2024 e 11.11.2024), com a inerente alteração de parte da factualidade provada e não provada, bem como a matéria de direito, através da demonstração da errada interpretação e aplicação do direito substantivo tudo tendo em conta as questões que foram elencadas na fundamentação da Sentença recorrida e que, na ótica do Tribunal “a quo”, conduziram à prolação da Sentença em 16 de janeiro de 2025, a qual consubstancia, salvo melhor opinião, um manifesto erro na apreciação da prova produzida.
B. Os factos que a Recorrente entende mal julgados pelo Tribunal recorrido são os seguintes: factos provados 4, 22, 24, 28, 29, 30 e 65; factos não provados 5. 
C. Facto Provado 4 - 4. “A 2ª R. dá ordens e instruções aos seus monitores para executarem as tarefas de marcar o ponto de encontro e/ou de reunião dos participantes/jogadores, de disponibilizar equipamento de proteção, de vigiar a execução do jogo, de prestar esclarecimentos aos participantes, de conceder as informações de segurança aos participantes, advertindo-os dos perigos inerentes ao jogo e às armas”, atenta a ausência de outro meio de prova para este ponto, cremos que, a prova testemunhal produzida na acção foi insuficiente para concluir pela prova deste facto, como resulta da reapreciação dos depoimentos prestados a este respeito: Testemunha DD (cfr. Minutos 05.43 a 06: 23 da gravação com referência ...11), Testemunha EE (cfr. Minutos 2:00- 2:36 e Minutos 3:45- 6:30 da gravação com a referência Diligência_1868-20.0T8VRL_2024-11-11_10-21-27), Autor cfr. minutos 1:20 - 2:00 da gravação com a Referência Diligencia_1868-20.0T8VRL_2024-11-11_11-23-46), 1.ª Ré (cfr. Minutos 3:45- 6:30 da gravação com a referência Diligência_1868-20.0T8VRL_2024-11-11_10-21-27) e 3.º Réu(cfr. Minutos 0:53- 2:58 da gravação com a referência Diligencia_1868-20.0T8VRL_2024-11-11_15-01-32). 
D. Em face da insuficiência da prova produzida em julgamento a este respeito, assente apenas nos enxertos dos depoimentos melhor identificados nas motivações supra, cremos que o Tribunal “A Quo” deveria ter decidido pela não prova deste facto e nessa medida, impunha-se ao Tribunal A Quo elencar nos Factos Provados que:

O 3.º RR, enquanto Monitor do jogo de paintball em causa, não alertou os seus participantes para a perigosidade associada à prática do paintball, nem os advertiu dos perigos concretos inerentes à prática do jogo e ao manuseamento das armas disponibilizadas para esse efeito”.
E. Quanto à prova do Facto Provado 24. “A certa altura, o 3º R. deu ordem para terminar o jogo, para cessarem os tiros, os jogadores bloquearem as armas e saírem do campo”, além dos fundamentos melhor elencados na sua motivação supra, é entendimento da Recorrente, que o Tribunal “A Quo” andou mal ao considerar este facto como provado, uma vez que a prova (testemunhal, Declarações e Depoimento de Partes) produzida na acção foi insuficiente para concluir pela prova deste facto, como resulta da reapreciação dos depoimentos prestados a este respeito: Testemunha DD (cfr. Minutos 07.30 a 09.05, minutos 23.01 a 27:25 e minutos 29.56 a 33:23 da gravação com referência ...11), Testemunha EE (cfr. Minutos 07:20-08:54 da gravação com a referência Diligência_1868-20.0T8VRL_2024-11-11_10-21-27), Autor cfr. minutos 1:20 – 2:00 da gravação com a Referência Diligencia_1868-20.0T8VRL_2024-11-11_11-23-46), 1.ª Ré(cfr. Minutos 3:45- 6:30 da gravação com a referência Diligência_1868-20.0T8VRL_2024-11-11_10-21-27) e 3.º Réu(cfr. Minutos 0:53-2:58 da gravação com a referência Diligencia_1868-20.0T8VRL_2024-11-11_15-01-32).
G. Em face da da prova produzida em julgamento a este respeito, assente apenas nos enxertos dos depoimentos melhor identificados nas motivações supra, cremos que o Tribunal “A Quo” deveria ter decidido pela prova deste facto nos seguintes termos: 
H. “A certa altura, o 3º R. deu ordem para terminar o jogo, mas não deu ordem para que os jogadores que ainda se encontravam em campo cessassem os tiros, bloqueassem as armas e saíssem do campo, nem adoptou nenhuma medida ou comportamento destinada a acautelar que esses mesmos jogadores acatassem tais regras de segurança”.
I. Quanto à prova dos Factos Provados Facto Provado 28 -“Altura em que, a 1ª R., de forma inesperada, apontou o marcador de paintball à cabeça do A.” e 29. “E, ato contínuo, disparou uma esfera que foi atingi-lo no olho esquerdo.” e 30 “A 1ª R. bem sabia que assim agindo podia vir a atingir o A. no olho.”, além dos fundamentos melhor elencados na sua motivação supra, é entendimento da Recorrente, que o Tribunal “A Quo” andou mal ao considerar este facto como provado, uma vez que a prova (testemunhal, Declarações e Depoimento de Partes) produzida na acção foi insuficiente para concluir pela prova deste facto, como resulta da reapreciação dos depoimentos prestados a este respeito: Testemunha DD (cfr. minutos 21:53 a 23:00 e minutos 10.50 a 11:11 da gravação com referência ...11). Testemunha EE (cfr. minutos 9:04-13:58 da gravação com a referência Diligência_1868-20.0T8VRL_2024-11-11_10-21-27), Autor ((– cfr. 2:00 – 3:50 da gravação com a Referência Diligencia_1868-20.0T8VRL_2024-11-11_11-23-46), 1.ª Ré (cfr. Minutos 01:15-2:40 da gravação com a referência Diligência_1868-20.0T8VRL_2024-11-11_10-21-27) e 3.º Réu (cfr. Minutos 03:45- 6:22- d da gravação com a referência Diligencia_1868-20.0T8VRL_2024-11-11_15-01-32).   
J. De todas as pessoas ouvidas em Julgamento nenhuma viu qual terá sido afinal o participante do jogo de paintball que ainda se encontravam no campo “a gastar balas” que afinal terá dado aquele fatídico tiro ao Autor.
K. Ninguém disse ter visto a 1.ª Ré a fazê-lo!!!
L. Pelo que atenta a total ausência de prova produzida em Julgamento a este respeito, devia tal matéria passar a constar dos Factos Não provados, nos termos seguintes:
“ - Altura em que, a 1ª R., de forma inesperada, apontou o marcador de paintball à cabeça do A.” e que “E, ato contínuo, disparou uma esfera que foi atingi-lo no olho esquerdo.
- E, ato contínuo, disparou uma esfera que foi atingi-lo no olho esquerdo.
- A 1ª R. bem sabia que assim agindo podia vir a atingir o A. no olho.”  
M. No que concerne ao Facto 65. “Foi e é acompanhado a nível psiquiátrico”
N. A sua contraprova emerge da análise do teor da informação médica consignada no Relatório Pericial elaborado pelo Gabinete Médico-Legal e Forense do Douro, na sequência de Exame Pericial a que o Autor foi sujeito em 12.01.2024, junto aos autos em 15.01.2024, a que corresponde a Ref.ª Citius 3513713.
O. Em face deste relatório médico, não se nos afigura que se pudesse concluir na Sentença Recorrida que “o Autor continua ser acompanhado a nível psiquiátrico” mas apenas se poderá dar como facto provado que: “Na sequência da ocorrência do sinistro, o Autor foi acompanhado a nível psiquiátrico até finais de 2018”.
Q. Acerca do Facto não provado 5. “O 3º R. sabia que a 1ª R. podia vir a atingir o A. e conformou-se com essa Possibilidade”, além dos fundamentos melhor elencados na sua motivação supra, é entendimento da Recorrente, que o Tribunal “A Quo” andou mal ao considerar este facto como provado, uma vez que a prova (testemunhal, Declarações e Depoimento de Partes) produzida na acção foi insuficiente para concluir pela prova deste facto, como resulta da reapreciação dos depoimentos prestados a este respeito:
Testemunha DD (cfr. minutos 23.01 a 27:25 e minutos 29.56 a 33:23 da gravação
com referência ...11).
R. Pelo que, nessa conformidade, e em abono da prova efectivamente recolhida nos presentes autos em sede de Julgamento, deverá passar a constar dos Factos Provados o seguinte: “O 3º R. sabia que a 1ª R. ou qualquer um dos outros participantes, ao continuarem a disparar, mesmo depois de este ter sinalizado o fim do jogo, podiam vir a atingir o A. ou qualquer um dos outros jogadores, e conformou-se com essa possibilidade, já que não ordenou que parrassem com os disparos, não ordenou que bloqueassem as armas, não ordenou que se deslocassem para a saída do campo e não adaptou nenhuma diligencia em concreto para evitar a ocorrência do sinistro.”.   
S. No que concerne matéria de direito, entendemos que a Sentença recorrida viola o preceituado no artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil, na parte do segmento decisório em que concluiu não ser censurável o comportamento do 3.º Réu, à luz do critério de apreciação da culpa consagrado naquela norma legal.
T. Isto porque, entendemos que o comportamento do 3.º Réu, ao não adoptar nenhuma atitude ou diligência em concreto para alertar os participantes para o facto de o jogo ter terminado, e como tal, os disparos tinham de cessar, constitui uma omissão culposa do mesmo, a qual por sua vez se assume censurável ao abrigo da supra citada norma legal.
U. Não tendo ficado demonstrado nos autos recorridos que o 3.ª Réu tivesse adoptado todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir a ocorrência do sinistro. 
V. A este respeito, a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores já vem defendendo de uma forma unânime que o jogo de paint ball é considerado uma actividade perigosa, nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil, tal como se cita a título meramente exemplificativo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 05.11.2013, proferido no âmbito do Processo n.º 1001/09.9TBAVR.C1.
W. E em complemento, não se pode concluir que no caso em apreço o jogo de paintball em crise tenha sido praticado com observância de todas as suas regras de segurança já que ficou demonstrado que depois do 3.º Réu ter sinalizado o termo do jogo, pelo menos 4 dos seus participantes não pararam de disparar, não travaram os seus marcadores, não os baixaram e não se dirigiram para a saída, as bases ou zona de segurança.
Y. Tão pouco se provou que o 3.º Réu, durante o briefing que ministrou aos participantes do jogo de paint ball em causa, os tenha alertado para a perigosidade associada ao jogo de paint ball.
X. E, em consequência, responsabilizando-se o 3.º Réu pelos danos sofridos pelo Autor, também terá de se responsabilizar a 2.ª Ré, com fundamento na responsabilidade pelo risco, nos termos do preceituado no artigo 500.º do Código Civil.   
Z. Por fim, a Sentença Recorrida viola o estatuído no artigo 570.º do Código Civil ao concluir em suma que: “Cremos que a atuação da A. é muito mais censurável que a do A” e em consequência ao ter reduzido a indemnização a atribuir ao A. apenas em 25%.”.
AA. Tal entendimento parece desvalorizar o facto de o Autor ter contribuído para a ocorrência do sinistro, ao retirar a máscara de protecção quando ainda se encontrava em pleno jogo do campo, quando aí ainda se encontravam outros 4 participantes a disparar, já que se o Autor não o tivesse feito, não teria sido atingido por nenhuma esfera na sua vista esquerda.
AB. Veja-se a este propósito a Decisão elencada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 03.06.2019, Proc. 2589/13.5TBGDM.P1, no qual não foi atribuída nenhuma indemnização ao lesado, em virtude de ter sido atingido numa vista depois de ter retirado a máscara de proteção em zona de jogo.
AC. Por fim, o Tribunal A Quo decidiu condenar a ora Recorrente a pagar ao Autor a quantia de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) a título de danos morais, sendo que uma vez mais, tal condenação se nos assume manifestamente exagerada, desajustada e absolutamente desproporcional.
AD. Decidiu o Tribunal A Quo condenar a 1. Ré na quantia de € 198.000,00 e no que ao Autor diz respeito apenas a percentagem de 25%, nos termos do disposto no artigo 570.º, n.º 1, do Código Civil, perfazendo um total a cargo da Recorrente no valor de € 148.500,00.
AE. Pelo que se impõe uma reapreciação deste segmento decisório, o qual desde já consideramos manifestamente excessivo e desproporcional face ao efectivo grau de culpa do Autor, já que se impõe um aumento do grau de culpa a atribuir ao Autor, o qual atentos os fundamentos supra expostos nunca poderá ser fixado em grau percentual inferior a 50%.
AF. Decisão essa que por si só, implicará uma redução substancial ou até total do quantum indemnizatório que possa vir a ser devido ao Autor.
AG. As normas jurídicas que a Recorrente entende terem sido violadas pelo Tribunal A Quo na prolação da Sentença Recorrida (nos seus termos iniciais) são as seguintes:
- artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil;
- artigo 500.º do Código Civil;
- artigo 570.º do Código Civil.
AH. Porquanto, tais pontos da Decisão Recorrida violam todas as normas de direito substantivo e de direito adjectivo citadas em suporte desta Apelação, fazendo uma inadequada aplicação das normas legais supra citadas.

Termos em que, CONCEDENDO V/EXAS., TOTAL PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E EM CONSEQUÊNCIA, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA DEVERÁ, EM SUA SUBSTITUIÇÃO, LAVRAR-SE ACÓRDÃO COM ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO AGORA MPUGNADA E APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO COLOCADA EM CRISE NO PRESENTE RECURSO, E EM CONSEQUÊNCIA SER A DECISÃO RECORRIDA REVOGADA NESSES TERMOS, ASSIM FAZENDO V/EXAS., COMO HABITUALMENTE INTEIRA JUSTIÇA!».

Os réus, CC, EMP01..., Lda., e Companhia de Seguros EMP02..., S.A., apresentaram contra-alegações.
Também o autor respondeu ao recurso apresentado pela 1.ª ré.
Ambos os recursos foram admitidos como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações dos recorrentes, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), importa apreciar as seguintes questões:

i)impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
ii)reapreciação do mérito da causa: aferir da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil relativamente aos réus e respetiva medida;
iii)aferir da adequação do valor fixado na sentença recorrida a título de compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor em resultado dos factos em causa nos presentes autos [conclusão AC do recurso da 1.ª ré].
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:
1. A 2ª R. é uma sociedade por quotas, que tem por objeto a atividade de parque de diversões aquáticas, parque de campismo e caravanismo, diversões desportivas várias, (minigolfe, kartcross, moto 4, btt, etc.), restaurante, minimercado, venda de produtos regionais, venda de produtos de merchandising, quinta pedagógica, espaço didático infantil, passeios a cavalo, barco a pedal, eventos musicais e outros eventos.
2. A 2ª R. é dona de um parque aventura, situado na Quinta ..., .../..., em ..., onde tem um campo, no qual pode ser jogado paintball.
3. A 2ª R. cede o campo e fornece o material e equipamento, aos clientes, necessários à execução do jogo, mediante o pagamento de um preço.
4. A 2ª R. dá ordens e instruções aos seus monitores para executarem as tarefas de marcar o ponto de encontro e/ou de reunião dos participantes/jogadores, de disponibilizar equipamento de proteção, de vigiar a execução do jogo, de prestar esclarecimentos aos participantes, de conceder as informações de segurança aos participantes, advertindo-os dos perigos inerentes ao jogo e às armas.
5. No jogo de paintball, cada jogador está munido de uma arma de ar comprimido que dispara munições constituídas por bolas de tinta.
6. A força com que as munições são projetadas é tal que é exigido o uso, nomeadamente, de proteções faciais.
7. No dia 29-08-2016, o 3º R. exercia funções de monitor por conta e ordem da 2ª R.
8. A 2ª R. celebrou com a 4ª R. um contrato de seguro do ramo EMP02... Acidentes Pessoais Grupo, titulado pela apólice n º ...34, com início as 00.00 horas do dia 19-06-2016, anualmente renovável, por um ano e seguintes, a partir de 20-06-2017.
9. O seguro contratado, para os utentes da Quinta ..., em ..., tinha como risco, nomeadamente, a atividade de paintball.
10. Os capitais mínimos seguros eram, nomeadamente, de: invalidez permanente por acidente - € 28.000,00 e despesas de tratamento por acidente - € 5.000,00, com franquia de € 120,00 por pessoa e despesas com operações de salvamento, busca e transporte de sinistrados - € 1.000,00.
11. De acordo com a cobertura de invalidez permanente, consta o art. 2º, c), das condições particulares, em caso de invalidez permanente por acidente clinicamente constatada, na condição de que se comprovasse que a mesma foi consequência direita do acidente coberto pela apólice, a 4ª R. pagaria a parte do capital da cobertura, correspondente ao grau de desvalorização resultante do acidente.
12. A 4ª R. reembolsou o A. no montante de € 591,12, a título de despesas de tratamento;
13. E, considerando uma invalidez permanente do A. de 25 pontos, a 4ª R. indemnizou-o no valor de € 7.000,00, correspondente ao capital da cobertura correspondente ao referido grau de desvalorização do A.
14. A 2ª R. celebrou com a 4ª R. um contrato de seguro de responsabilidade civil EMP02... Responsabilidade Civil Exploração, titulado pela apólice n º ...58, com início às 09.51 horas do dia 24-09-2012 até às 24.00 horas do dia 23-09-2013 e desde 24-09-2013 renovável anual e automaticamente, e vigor em 29-08-2016.
15. Tal contrato cobria o risco atividade: empresas de animação turística (seguro obrigatório); identificação do objeto do seguro: animação de espaços; artes gráficas; organização de eventos; visitas a monumentos, museus e outros locais de relevante interesse turístico; salas de congressos e eventos, danças de salão; enoturismo;
16. Com um limite de € 50.000,00 por lesado;
17. Estando excluídos das garantias do contrato de seguro os danos resultantes de atividades que se revestissem de especial perigosidade.
18. O A. só teve conhecimento do contrato de seguro identificado em 14, após a 2ª R. ter apresentado a sua contestação.
19. A 1ª R. nasceu em ../../1989.
20. No dia 29 de agosto de 2016, o A., a 1ª R. e outros, foram jogar paintball, no campo referido supra em 2.
21. Antes de iniciado o jogo, o monitor da 2ª R., o 3º R., forneceu e entregou aos participantes, o equipamento necessário à prática do paintball, designadamente, o camuflado/fato, máscara de proteção e marcador de paintball.
22. Mais lhes explicou as regras de segurança do jogo, nomeadamente, que só poderiam disparar respeitando uma certa distância entre eles, não poderiam tirar o equipamento, nomeadamente a máscara, durante o jogo e, só poderiam desequipar-se dentro das bases.
23. Realizou-se então o jogo.
24. A certa altura, o 3º R. deu ordem para terminar o jogo, para cessarem os tiros, os jogadores bloquearem as armas e saírem do campo.
25. Os jogadores que ainda estavam em campo começaram a dirigir-se para as bases para se desequiparem.
26. Enquanto faziam tal percurso, ainda dentro do campo de jogo, alguns deles, porque ainda tinham algumas balas, com o intuito de as gastarem, efetuaram alguns disparos;
27. Nessas circunstâncias, o A. tirou a máscara de proteção;
28. Altura em que, a 1ª R., de forma inesperada, apontou o marcador de paintball à cabeça do A.;
29. E, ato contínuo, disparou uma esfera que foi atingi-lo no olho esquerdo.
30. A 1ª R. bem sabia que assim agindo podia vir a atingir o A. no olho.
31. O 3º R., após ter dado ordem para terminar o jogo, não retirou o marcador de paintball à 1ª R., o que lhe possibilitou continuar a usá-lo.
32. O A. foi transportado pelo INEM para o Centro Hospitalar ....
33. Onde fez episódio de urgência e foi sujeito a triagem.
34. Apresentava dor severa, numa escala de 8, com prioridade clínica de MUITO URGENTE (LARANJA).
35. Foi assistido na especialidade de oftalmologia.
36. Apresentava traumatismo ocular esquerdo com bola e paintball.
37. Bem como olho normotenso ao toque.
38. E bio de erosões corneanas.
39. Bem como CA sem hifema, mas com algum pigmento.
40. E Iridodialise inferior (180 graus) com desvio superior.
41. Assim como Cristalino transparente e Vitreo transparente.
42. O A. teve alta a 29 de agosto de 2016, para a Companhia de Seguros.
43. O A. foi observado e tratado na EMP03... - Clínica Oftalmológica, sita no ....
44. No diagnóstico a 01/09/2016, o A. apresentava OE - Traumatismo contundente com grande edema corneano, hifema, laceração/desinserção inferior da íris, sinequias posteriores, opacidade do cristalino e vítreo na câmara anterior por subluxação inferior cristalino.
45. O A. realizou cirurgia a 13/09/2016 ao olho esquerdo, com vitrectomia anterior e posterior, facofagia, sutura da iris e LIO em suspensão escleral.
46. Em 03/10/2016 apresentava no olho esquerdo - queratite herpética e hipertensão ocular grave.
47. O Acuidade visual do A. era olho direito - 6/10 com correção e olho esquerdo - < 1/10.
48. O A. fez as seguintes consultas/tratamentos/cirurgias na EMP03... - Clínica Oftalmológica:
01/09/2016 - Consulta, retinografia, OCT e ecografia;
07/09/2016 - Consulta, oftalmoscopia indireta, biomicroscopia especular e biometria;
13/09/2016 - OE – Vitrectomia e Facoemulsificação com colocação de lente em suspensão escleral;
14/09/2016 - Consulta sem honorários;
19/09/2016 - Consulta sem honorários;
26/09/2016 - Consulta;
29/09/2016 - Consulta sem honorários;
03/10/2016 - Consulta;
06/10/2016 - Consulta sem honorários;
10/10/2016 - Consulta;
17/10/2016 - Perimetria computorizada e OCT;
04/11/2016 - Eletro-retinografia e potenciais occipitais evocados;
11/11/2016 - Consulta;
19/12/2016 - Consulta;
20/02/2017 - Consulta e OCT.
49. Em consequência do ocorrido, o A. ficou com diminuição acentuada da acuidade visual do olho esquerdo.
50. O A. foi acompanhado pela Dra. FF, médica especialista em psiquiatria, por quadro clínico compatível com o diagnóstico de perturbação de stress pós-traumático - ICD10 - F43.1;
51. O A. vivia revivências intrusivas e perturbadoras de trauma através de imagens, pensamentos e sonhos e comportamentos de evitamento de tudo o que possibilitasse a recordação do que ocorreu.
52. O A. passou a ter anedonia, baixa autoestima e autoimagem, estado permanente de autovigilância e estímulos externos.
53. A dermatite atópica de que o A. já sofria, agudizou-se com o sinistro.
54. O A. tem alteração do sono, com períodos de insónia, sono agitado, havendo pesadelos relacionados com o evento.
55. O A. sofreu:
a) Diminuição acentuada da visão do olho esquerdo quase total;
b) Limitação da condução e nas deslocações que antes fazia;
c) Limitação da capacidade de trabalho, nomeadamente cansaço ao trabalhar no computador.
56. O A. padeceu de:
a) Sintomas de tristeza, ansiedade, tensão e revolta com esta situação, dado que lhe provocou mudanças no seu projeto de vida sentindo-se injustiçado;
b) Ansiedade e preocupação pelo facto de só ter visão num olho, pelo que não faz atividades (de lazer ou outras) em que pode haver algum risco;
c) Antecipação do futuro negativa, com focalização nas incapacidades presentes e nas impossibilidades de conseguir atingir objetivos definidos;
d) Irritabilidade presente, sentimentos de desanimo e baixa autoestima e autoimagem.
57. Em 2019, o A. apresentava queixas de hipovisão e fotofobia do olho esquerdo;
58. Perda da noção da profundidade/estereopsia;
59. Necessitando de uso diário de lubrificante ocular.
60. Em 2019, o A. apresentava:
Refração automática:
Olho direito: 2.50x30º
Olho esquerdo: 1.75 -0.50x100º
Acuidade visual:
Olho direito: 10/10 com correção
Olho esquerdo: Conta Dedos a 10 cm
Biomicroscopia:
Olho direito: sem alterações, fáquico
Olho esquerdo: Ausência sectorial traumática da íris. Pseudofaquia
Fundo Ocular:
Olho direito: sem laterações relevantes para a classe etária.
Olho esquerdo: maculopatia atrófica. Retina aplicada.
61. Do evento resultaram as seguintes sequelas oftalmológicas no olho esquerdo do A.: hipovisão (conta dedos a 10 cm); fotofobia; ausência sectorial traumática da íris; pseudofaquia; maculopatia atrófica.
62. Atualmente, o A. apresenta midríase média, sem reatividade à luz.
63. Durante algum tempo, não conseguiu conduzir.
64. O A. entrou em depressão, passando a padecer de stress pós-traumático.
65. Foi e é acompanhado a nível psiquiátrico.
66. Sente cansaço visual.
67. Dorme mal, tem insónias e pesadelos.
68. Foi medicado, nomeadamente, com cortisona;
69. O que lhe piorou a dermatite atópica;
70. O A. residia em ....
71. E trabalhava na Banco 1... de ....
72. Durante algum tempo teve de se deslocar de ... para ..., de boleia com colegas.
73. O A. vive desconfortável, nervoso, irritado, triste, abatido e deprimido com o ocorrido, sobretudo quando se lembra do que aconteceu;
74. Tendo, por vezes, crises de choro.
75. O A. nasceu em ../../1981.
76. Em 29-08-2016, trabalhava, como bancário, na Banco 1..., S.A.;
77. Auferindo a remuneração mensal de cerca de € 1.229,00.
78. Em consequência do ocorrido, o A. sofreu um défice funcional temporário total de 2 dias;
79. Um défice funcional temporário parcial de 174 dias;
80. Um quantum doloris de grau 5.
81. Um défice permanente da integridade físico-psíquica de 30 ou 31 pontos;
82. As sequelas que sofreu são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares;
83. O A. sofreu um dano estético de grau 1, decorrente das alterações pupilares à esquerda.
1.2. O Tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos:
1. Terminado o jogo, o 3º R. deu ordem para os jogadores se desequiparem.
2. A maioria dos jogadores começaram a retirar e, já haviam retirado, o equipamento que lhes havia sido inicialmente fornecido para o efeito.
3. O A. era o único que estava sem a máscara de proteção quando foi atingido no olho.
4. A 1ª R. conformou-se com a possibilidade de atingir o A. no olho.
5. O 3º R. sabia que a 1ª R. podia vir a atingir o A. e conformou-se com essa possibilidade.
6. O relacionamento afetivo do A. com a sua namorada terminou, por este não se poder deslocar ao ... com regularidade, cidade na qual a namorada habitava.
7. O A. ficou com receio e constrangimento em sair à rua.
8. O A. tem o olho esquerdo “torto”.
9. O olho esquerdo do A. “não está proporcional” com o olho direito.
10. O A. está em risco de ser exonerado das suas funções atuais pela entidade patronal.
11. Poderá perder o subsídio por isenção de horário, na ordem dos 150,00 € mensais.
2. Apreciação sobre o objeto do recurso
2.1. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
a) O recorrente/autor impugna a decisão relativa à matéria de facto incluída na sentença recorrida, pretendendo:
i) a exclusão do segmento - «…cede o campo…» -, constante do ponto 3 dos factos provados, reformulando-se a redação do mesmo facto em consonância com o alegado pelo autor em 9.º, 10.º e 11.º da petição inicial, passando a ter a seguinte redação: «A 2.ª R. publicita, organiza e promove o jogo de paintball, disponibiliza o terreno, fornece o material e equipamento, aos clientes, necessários à execução do jogo, mediante o pagamento de um preço»;
ii) a exclusão das referências - «…os jogadores bloquearem as armas…», constantes do facto provado 24, devendo ser dadas como não provadas;
iii) a reformulação da redação do facto provado em 25, passando a ter a redação seguinte: «Alguns dos jogadores que ainda estavam em campo, onde se inclui o A., retiraram o equipamento que lhes havia sido inicialmente fornecido para o efeito»;
iv) O ponto de facto provado 26 deve assumir o lugar do ponto de facto provado 27, e o 27 o lugar do 26;
v) os factos referenciados nos pontos 1, 2 e 5 da matéria não provada devem considerar-se provados e integrar a matéria de facto provada com a seguinte formulação descrita nas alegações de recurso: «1. Terminado o jogo, o 3.º R. deu ordem para os jogadores se desequiparem; 2. Alguns dos jogadores começaram a retirar e, já haviam retirado, o equipamento que lhes havia sido inicialmente fornecido para o efeito; 5. O 3.º R. sabia que a 1.ª R. podia vir a atingir o A.»;
vi) o aditamento à matéria provada dos factos 51º, 60º, 63º, 64º, 65º, 68º, 69º, 70º, 71º, 72º, 73º, 74º, 75º e 76º da petição inicial;
vii) o aditamento à matéria provada dos seguintes factos:
- «Entre o final do jogo e o tiro da 1.ª R. que atingiu o A., mediou um período de tempo não concretamente apurado, entre os 5 a 10 minutos»;
- «Nesse interregno de tempo, pelos 3.º R e 2.ª R. não foi dada qualquer advertência ou sinalização de perigo aos jogadores ainda em campo».
- «No campo, e no caminho para as bases, não existia qualquer sinalização, nem qualquer sinalização de perigo»;
- «No campo não existia qualquer videovigilância».
b) por seu turno, a 1.ª ré/recorrente impugna os factos provados em 4., 22., 24., 28., 29., 30., 65 e o ponto 5.º dos factos não provados, nos seguintes termos:
i) em face da insuficiência da prova produzida em julgamento a este respeito, o Tribunal a quo deveria ter decidido pela não prova do facto 4 e, nessa medida, elencar nos factos provados que: «O 3.º RR, enquanto Monitor do jogo de paintball em causa, não alertou os seus participantes para a perigosidade associada à prática do paintball, nem os advertiu dos perigos concretos inerentes à prática do jogo e ao manuseamento das armas disponibilizadas para esse efeito»;
ii) em face da insuficiência da prova produzida em julgamento a este respeito, o Tribunal a quo deveria ter decidido pela prova do facto 24 nos seguintes termos: «A certa altura, o 3º R. deu ordem para terminar o jogo, mas não deu ordem para que os jogadores que ainda se encontravam em campo cessassem os tiros, bloqueassem as armas e saíssem do campo, nem adotou nenhuma medida ou comportamento destinada a acautelar que esses mesmos jogadores acatassem tais regras de segurança».
iii) a exclusão da matéria provada dos factos 28., 29 e 30, devendo tal matéria passar a constar dos factos não provados;
 iv) a reformulação da redação do facto provado em 65, passando a ter a redação seguinte: «Na sequência da ocorrência do sinistro, o Autor foi acompanhado a nível psiquiátrico até finais de 2018»;
v) o facto referenciado no ponto 5 da matéria não provada deve passar a constar dos factos provados, com a seguinte redação: «O 3º R. sabia que a 1ª R. ou qualquer um dos outros participantes, ao continuarem a disparar, mesmo depois de este ter sinalizado o fim do jogo, podiam vir a atingir o A. ou qualquer um dos outros jogadores, e conformou-se com essa possibilidade, já que não ordenou que parassem com os disparos, não ordenou que bloqueassem as armas, não ordenou que se deslocassem para a saída do campo e não adaptou nenhuma diligencia em concreto para evitar a ocorrência do sinistro».
Conforme resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
Atenta a impugnação deduzida cumpre analisar previamente se a matéria que, no entender dos recorrentes, suscita as alterações ou os aditamentos preconizados integra os poderes de cognição do tribunal em sede de decisão sobre a matéria de facto, bem como se é suscetível de assumir relevância jurídica que permita levar a decisão diferente da anteriormente alcançada sobre o mérito da causa, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ao objeto da ação e às diversas soluções plausíveis de direito.
No caso, os concretos enunciados fácticos agora indicados pelo recorrente/autor em sede de apelação, vertidos em a) - vii) supra, não foram oportunamente alegados por qualquer das partes em sede de articulados, nem consistem em factos instrumentais dos inicialmente alegados, antes traduzindo matéria fáctico-jurídica de natureza essencialmente estruturante e inovadora, à luz dos fundamentos invocados pelo autor na petição inicial e que delimitam o objeto da ação. Acresce que em momento algum, anterior à interposição do presente recurso, o ora recorrente manifestou o propósito de deles se aproveitar ou justificou a sua atendibilidade em sede de sentença final.
Neste contexto, resulta inequívoco que não pode proceder a ampliação da matéria de facto agora proposta pelo recorrente em sede de apelação, quanto à concreta factualidade enunciada em a) - vii) supra, por não integrar os poderes de cognição deste Tribunal de recurso em sede de julgamento da matéria de facto.
Como tal, decide-se rejeitar, nessa parte, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, assim improcedendo as correspondentes conclusões do apelante.
Também os aditamentos que a 1.ª ré/recorrente pretende agora introduzir na matéria de facto provada e, nessa medida, elencar nos factos provados que - «o 3.º RR, enquanto Monitor do jogo de paintball em causa, não alertou os seus participantes para a perigosidade associada à prática do paintball, nem os advertiu dos perigos concretos inerentes à prática do jogo e ao manuseamento das armas disponibilizadas para esse efeito»; «A certa altura, o 3º R. deu ordem para terminar o jogo, mas não deu ordem para que os jogadores que ainda se encontravam em campo cessassem os tiros, bloqueassem as armas e saíssem do campo, nem adotou nenhuma medida ou comportamento destinada a acautelar que esses mesmos jogadores acatassem tais regras de segurança» - não foram oportunamente alegados por qualquer das partes em sede de articulados, sendo certo ainda que da não prova de certo facto não se pode retirar a prova do facto contrário.
Com efeito, o que a 1.ª ré alegou em sede de contestação sobre esta matéria foi algo substancialmente diferente: «Assim que chegaram ao parque, foi-lhes fornecido o equipamento necessário e as instruções e regras de segurança pelo monitor» [art.º 5.º da contestação]; «Entre as regras de segurança foi-lhes dito que jamais poderiam tirar o equipamento durante o jogo, que só poderiam desequipar-se dentro das "bases" e que só podiam "disparar" respeitando uma certa distância entre eles (mais ou menos 3 metros)» [art.º 6.º da contestação]; «Isto porque as bases situam-se já fora do campo onde se joga (embora dentro do mesmo recinto) e por isso, por razões de segurança, só nas bases os jogadores podem tirar o equipamento de proteção» [art.º 8.º da contestação]; «No final do jogo, o monitor deu ordem para terminarem o jogo e todos os jogadores, incluindo a Ré começaram a dirigir-se para as "bases" para se desequiparem e procederem a devolução do equipamento» [art.º 9.º da contestação].
Como tal, decide-se rejeitar, nessa parte, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, assim improcedendo os aditamentos preconizados pela apelante.
Por outro lado, os enunciados alegados em 51.º, 60.º, 62.º, 63.º, 64.º, 65.º, 68.º, 69.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º, 74.º, 75.º e 76.º da petição inicial reproduzem meras invocações ou raciocínios valorativos relativos a premissas que se desconhecem, pressupondo ou envolvendo necessariamente a formulação de valorações jurídicas eventualmente baseadas em determinados factos e/ou referências normativas que não decorrem da respetiva redação, antes devendo resultar da especificidade factual do evento, excedendo desta forma o âmbito da decisão em sede de matéria de facto.
Assim, os aditamentos enunciados em a) - vi) supra traduzem enunciados meramente conclusivos, pelo que não pode proceder a ampliação agora proposta pelo recorrente/autor em sede de impugnação da matéria de facto.
Como tal, decide-se rejeitar a impugnação relativa à matéria de facto enunciada em a) - vi) supra.
A impugnação da decisão de facto feita perante a Relação não se destina a que este Tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª Instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação no que respeita à delimitação do objeto do recurso na vertente de facto e à respetiva fundamentação[1].

Enunciando os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artigo 640.º do CPC:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
No que concerne à restante matéria impugnada, os apelantes indicam expressamente os concretos pontos que considera incorretamente julgados.
Nas conclusões da apelação a recorrente/ré manifesta o propósito de impugnar o ponto 22 dos factos provados.
Porém, em relação a este ponto da matéria de facto, não se vislumbra que tenha a apelante cumprido o ónus de alegação constante da alínea b) do n.º 1, do citado artigo 640.º CPC, no que respeita ao(s) concreto(s) meio (s) probatório (s) que determinem decisão diversa relativamente ao referido segmento da matéria de facto, também não especificando a decisão que, no seu entender, deve ser proferida em sede de impugnação sobre tal enunciado de facto, o que impede se considere cumprido os ónus impostos pelas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º CPC.
 O incumprimento dos referidos ónus conduz à rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto atinente às als. a) e e) da matéria não provada, conforme expressamente dispõe o n.º 1 do aludido artigo 640.º CPC, o que afasta qualquer possibilidade de vir este Tribunal da Relação a convidar o recorrente a suprir tal deficiência.
Pelo exposto, decide-se rejeitar o recurso na parte relativa à impugnação da decisão de facto vertida no ponto 22 dos factos provados.
O apelante/autor defende a reformulação da redação do ponto 3 dos factos provados, em consonância com o alegado em 9.º, 10.º e 11.º da petição inicial, nos termos enunciados em a) - i) supra, indicando como meio de prova a atender o documento 2 junto com o requerimento com a ref.ª ...06 (junto aos autos pela recorrida/4.ª ré em 21-12-2020).
Reapreciado o documento em referência, não vemos que o mesmo permita justificar a alteração da decisão da matéria de facto no sentido pretendido pelo recorrente, antes se impondo um juízo de total concordância quanto à motivação enunciada na sentença recorrida a propósito da análise dos meios de prova que levaram a considerar provado o ponto da matéria de facto agora em causa.
Improcede, assim, a impugnação atinente ao ponto 3 dos factos provados.
A apelante/ré pretende a reformulação do ponto 65 dos factos provados no sentido de passar a constar que, «[n]a sequência da ocorrência do sinistro, o Autor foi acompanhado a nível psiquiátrico até finais de 2018».
Indica, como meio de prova a atender, o teor da informação médica consignada no relatório pericial de 12-01-2024 (junto aos autos a 15-01-2024).
Contudo, sobre este ponto da matéria de facto nenhum reparo temos a fazer à decisão impugnada, atento o teor do documento n.º 27 junto com a petição inicial (relatório médico), visto e integrado à luz das declarações de parte prestadas pelo autor em sede de audiência final, elementos estes que que serviram para formar a convicção do Tribunal a quo sobre esta matéria.
Como tal, improcede a impugnação atinente ao ponto 65.º dos factos provados, mantendo-se, em conformidade, a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo sobre tal matéria.
No que concerne à restante matéria impugnada, o apelante/autor pretende a reapreciação de determinados segmentos dos depoimentos das testemunhas DD (pontos 24, 25, 26, 27 dos factos provados e pontos 1, 2 e 5 dos factos não provados), EE (ponto 24 dos factos provados e 5 dos não provados), das declarações de parte do autor AA (pontos 24, 26 e 27 dos factos provados e ponto 2 dos factos não provados), da 1.ª ré BB (pontos 24, 26, 27 dos factos provados), do 3.º réu CC (pontos 24 dos factos provados e pontos 1 e 2 dos factos não provados) e com a ponderação do documento 12 junto com a petição inicial[2].
No caso em referência, a globalidade da prova produzida foi analisada pelo Tribunal recorrido de acordo com as regras da experiência e a livre convicção, o que se mostra explicitado de forma fundamentada, clara e coerente na motivação da decisão sobre a matéria de facto, permitindo inferir quais as provas e os critérios em que se baseou para formar a respetiva convicção quanto aos factos ora impugnados.
No intuito de assegurar a completa perceção da facticidade impugnada pelo recorrente, evitando conclusões descontextualizadas sobre tal matéria, foram revistos e analisados integralmente todos os meios probatórios indicados pelo recorrente, sem esquecer os factos já devidamente consolidados no processo, sendo que da respetiva análise não decorrem motivos consistentes que imponham a alteração preconizada pelo apelante quanto aos aludidos segmentos controvertidos da matéria de facto.
Com relevo para o apuramento da matéria constante do ponto 24 em análise, destacamos o depoimento da testemunha DD, indicada pelo autor, resultando da audição do registo da gravação do respetivo depoimento a referência à indicação feita pelo 3.º réu para sair do campo e pormos as armas bloqueadas [00:23:50], circunstâncias que foram devidamente corroboradas pelas declarações de parte do réu CC [00:04:01].
Daí que se considere que não existe erro de julgamento no que respeita ao facto vertido no ponto 24 dos factos provados.
Também as circunstâncias vertidas em 25 dos factos provados [Os jogadores que ainda estavam em campo começaram a dirigir-se para as bases para se desequiparem] foram suficientemente sustentadas pelas declarações de parte do autor AA, da ré BB e da testemunha EE, sendo que nem sequer vem impugnada a materialidade enunciada nos pontos 26 e 27, em estreita conexão com o facto vertido em 25., ainda que o autor defenda que o ponto de facto provado 26 deve assumir o lugar do ponto de facto provado 27, e o 27 o lugar do 26.
Porém, feita a reapreciação crítica e concatenação de toda a prova produzida, não se alcança fundamento probatório suficiente para alterar a ordem dos factos constantes dos impugnados pontos 26 e 27, tanto mais que o próprio autor, em sede de declarações de parte, não logrou confirmar se já tinham sido feitos disparos quando tirou a máscara ou se todos os disparos foram feitos posteriormente, admitindo que quando tal aconteceu estava ainda dentro do terreno do jogo, a sair do mesmo.
De forma idêntica, entendemos que os concretos meios de probatórios produzidos em audiência não permitem sustentar um juízo de suficiente probabilidade que permita dar como provados os pontos 1, 2 e 5 da matéria não provada, ainda que na formulação descrita nas alegações de recurso.
Sustenta o recorrente que a ponderação do documento 12 junto com a petição inicial, consubstanciado na sentença penal condenatória, já com trânsito em julgado - proferida no processo n.º 258/17.6T9VRL do Juízo Local Criminal de Vila Real - Juiz ... - ulteriormente confirmada pelo Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-01-2021 - processo 258/17.6T9VRL.G1 -, implica necessariamente que se dê como não provado o ponto de facto provado 24., na parte em que se refere “…os jogadores bloquearem as armas”, bem como a prova dos factos constantes dos pontos de facto 25, 26 e 27, com a formulação e alteração de posição sugerida, referenciados parcialmente na sentença como provados, o mesmo sucedendo com os pontos de facto 1., 2 e 5., referenciados na sentença recorrida como não provados (conforme formulação sugerida).
Neste domínio, prescreve o artigo 623.º do CPC que a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração.
Perante a enunciada força probatória da sentença penal condenatória, com os efeitos jurídicos acabados de explicitar, resulta desde logo indiscutível que no caso os 2.º, 3.º e 4.ºs réus na presente ação cível não foram parte no processo crime, sendo terceiros para os efeitos do artigo 623.º do CPC.
Contudo, entendemos que a sentença penal - e o ulterior acórdão do Tribunal da Relação de 25-01-2021 que a confirmou - não revestem qualquer eficácia probatória extraprocessual legal no âmbito dos presentes autos, no que concerne ao segmento impugnado do ponto 24 e aos restantes factos impugnados pelo apelante/autor, porquanto estes não integram os factos relativos aos pressupostos da punição, elementos do tipo legal, e às formas do crime, não revestindo a natureza de facto constitutivo em que se tenha baseado a condenação da aqui 1.ª ré, arguida no processo crime, pela prática de um crime de  ofensa à integridade física simples, agravado pelo resultado, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1 e 147.º, n.º 2, do Código Penal.
Ademais, julgamos que os factos vertidos nos pontos 25 a 27 dos factos provados nem sequer estão em contradição com a matéria vertida nos pontos dados como provados na sentença penal, posto que naquela sentença se considerou provado, entre o mais, que, no final do jogo, o monitor deu ordem para terminarem o jogo e todos os jogadores, incluindo a arguida, começaram a dirigir-se para as bases para se desequiparem e procederem à devolução do equipamento [ponto 13.º dos factos provados da sentença penal] ainda dentro do campo, o ofendido AA, por sua iniciativa, tirou a máscara de proteção [ponto 14.º dos factos provados da sentença penal].
Como tal, entende-se que o disposto no artigo 623.º do CPC é inaplicável à impugnação deduzida pelo recorrente/autor aos pontos da matéria de facto em apreciação nos presentes autos.
O mesmo já não se dirá relativamente aos pontos 28 [Altura em que, a 1ª R., de forma inesperada, apontou o marcador de paintball à cabeça do A.], 29 [E, ato contínuo, disparou uma esfera que foi atingi-lo no olho esquerdo] e 30 [A 1ª R. bem sabia que assim agindo podia vir a atingir o A. no olho] que vêm impugnados pela 1.ª ré/recorrente, arguida no processo n.º 258/17.6T9VRL do Juízo Local Criminal de Vila Real - Juiz ... -, atento o que ficou provado no processo penal[3].
Com efeito, ainda que do enunciado artigo 623.º do CPC apenas resulte de forma expressa o relevo a atribuir à mesma sentença relativamente a terceiros[4], decorre implicitamente da mesma norma que, em relação aos próprios arguidos, os factos referidos na mesma norma devem ser considerados provados no processo civil, sob pena de não fazer sentido a ressalva dela constante quando se trate de terceiros[5].
Deste modo, a possibilidade de ilidir a presunção juris tantum, conferida a terceiros, nunca é concedida ao arguido condenado, mas apenas aos sujeitos processuais não intervenientes no processo criminal, em homenagem ao princípio do contraditório[6].
Em todo o caso, resulta inequívoco que os enunciados fácticos vertidos nos impugnados pontos 28., 29 e 30., dos factos provados mereceram suficiente comprovação face à prova produzida em sede de julgamento realizado nos presentes autos, em concreto, ao depoimento da testemunha DD, às declarações de parte do autor AA, da 1.ª ré BB e do 3.º réu CC, todos vistos e conjugados entre si, à luz das regras gerais da experiência comum e alicerçados em juízos de probabilidade e de normalidade social aplicáveis ao caso.
Feita a reapreciação de toda a prova produzida, partindo da ponderação dos concretos meios de prova indicados pelos apelantes, em conjunto com os factos já tidos como assentes, esta Relação formula convicção idêntica à que ficou plasmada na decisão recorrida no que se refere aos pontos 3., 4., 24., 25., 26., 27., 28., 29., 30 e 65., dos factos provados, a qual se afigura rigorosa e inteiramente adequada à globalidade da prova produzida, não resultando da respetiva análise qualquer constatação ou elemento que permita sustentar uma adequada confirmação das concretas circunstâncias enunciadas em 1., 2., e 5., dos factos não provados.
Em consequência, julga-se integralmente improcedente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada pelos apelantes, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre os factos vertidos em 1.1. e 1.2. supra.

2.2. Da reapreciação do mérito da decisão de direito

Atenta a improcedência/rejeição da impugnação da matéria de facto resulta evidente que os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados sob o ponto 1.1., supra.
O quadro fáctico que releva para a subsunção jurídica é exatamente o mesmo que serviu de base à sentença recorrida.
No caso, a sentença recorrida concluiu que não se verificavam os pressupostos normativos previstos nos artigos 483.º e 799.º do CC, para fazer despoletar a responsabilidade  extracontratual ou contratual dos 2.º a 4.º réus, face à inexistência de qualquer facto que permitisse sustentar uma atuação culposa quer do 3.º réu - que, no dia 29-08-2016, exercia funções de monitor por conta e ordem da 2.ª ré - quer da 2.ª ré[7], afastando neste domínio quer a imputação pelo regime da responsabilidade objetiva ou pelo risco do comitente pelos factos danosos praticados pelo comissário, prevista no artigo 500.º do CC, como ainda a responsabilidade subjetiva, seja por via da presunção de culpa consagrada no n.º 1 do artigo 799.º do CC (responsabilidade contratual) quer pela presunção de culpa atinente à responsabilidade extracontratual subjetiva, estabelecida no n.º 2 do artigo 493.º do CC, por entender, quanto a esta, que o jogo de paintball, segundo as circunstâncias apuradas no caso em apreciação, não é suscetível de ser qualificado como atividade perigosa.
Nos recursos agora em apreciação tanto o autor como a 1.ª ré discordam da qualificação feita pelo Tribunal recorrido, sustentando o apelante que em face das alterações propostas à matéria de facto deve funcionar a presunção de culpa prevista no n.º 2 do artigo 493.º, do CC; mesmo que assim não se considere, sempre a atividade de paintball, a utilização de uma arma de paintball e tudo o que lhe está associado deve condensar uma presunção de culpa, nos termos do artigo 493.º, n.º 1, do CC (presunção de culpa in vigilando), segundo defende.
Analisados mais de perto os fundamentos enunciados na sentença recorrida para concluir pela não aplicação ao caso da presunção prevista no artigo 493.º, n.º 2 do CC, entendemos que o Tribunal a quo fez uma correta ponderação da questão em face da matéria de facto que se mostra provada nos autos e considerando os critérios legais aplicáveis.
À luz do que estabelece o artigo 493.º, n.º 2 do CC, «quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir».
A propósito deste preceito, esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela[8]: «[n]ão se diz, no n.º 2, o que deve entender-se por uma actividade perigosa. Apenas se admite, genericamente, que a perigosidade derive da própria natureza da actividade, como a navegação marítima ou aérea, o fabrico de explosivos, o comércio de substâncias ou materiais inflamáveis (…), ou da natureza dos meios utilizados (tratamentos médicos com raios X, ondas curtas, etc.). É matéria, pois, a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias.
(…)
Quanto aos danos causados no exercício de actividades perigosas, o lesante só poderá exonerar-se da responsabilidade, provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar. Afasta-se indirecta, mas concludentemente, a possibilidade de o responsável se eximir à obrigação de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam verificado por uma outra causa (causa virtual…), mesmo que ele tivesse adoptado todas aquelas providências».
A propósito da definição de atividade perigosa, enquanto conceito indeterminado, também a jurisprudência vem decidindo que “[a] perigosidade é apurada caso a caso, em função das características casuísticas da actividade que gerou os danos, da forma e do contexto em que ela é exercida. Trata-se afinal de um conceito indeterminado e amplo a preencher pelo intérprete e aplicador da norma na solução do caso concreto, o que deve ser feito tendo por base a «directriz genérica» indicada pelo legislador”[9].
Deste modo, “[o] preenchimento de tal conceito pressupõe uma especial probabilidade de «aquela concreta atividade» causar um dano a terceiro, significando isto que é necessário que a concreta atividade desenvolvida pelo lesante acarrete um perigo que vá para além do que é normal noutras atividades, sendo expectável que dela possam resultar danos que, em termos de normalidade, não ocorreriam noutra atividade.
(…) “Atividade perigosa” é, assim, aquela, cujo perigo, que objetivamente a encerra, acompanha o seu correto e adequado exercício, mesmo enquanto «tudo correr bem» e ainda que «tudo corra bem», e não aquela que apenas recebe tal qualitativo quando algo corre mal e o dano acontece, pois que a perigosidade é aferida a priori, residindo no próprio processo, e não no resultado danoso, muito embora a magnitude deste possa evidenciar o grau de perigosidade da atividade”[10].
No enquadramento enunciado, e perante os factos que permanecem provados, a sentença recorrida entendeu que o paintball, quando «jogado com as condições de segurança necessárias, em concreto, com o uso de uma máscara de proteção (e a não retirada da mesma senão nas bases), não envolve uma probabilidade maior de causar danos (concretamente, na face ou num olho) do que a verificada nas restantes atividades em geral. Aliás, cremos não envolver sequer qualquer risco relevante de tal ocorrer.
E era assim que a 2ª R. explorava a atividade em causa, fornecendo (como forneceu, no caso concreto) equipamento de proteção, especificamente uma mascara de proteção da cabeça e, explicava (como explicou no caso concreto) antes de o jogo de paintball começar, que os jogadores não poderiam tirar o equipamento, nomeadamente a máscara, durante o jogo, só o podendo fazer fora do campo de jogo, dentro das bases.
A atividade em causa, observando estas regras, não nos parece que possa qualificar-se como perigosa, para efeitos do preceito legal supra mencionado, por não apresentar mais risco de causar danos do que qualquer outra atividade.
(…)
A infelicidade ocorrida parece-nos não ter decorrido da perigosidade em concreto daquela atividade, mas sim da inobservância, por terceiros, das regras de segurança estabelecidas e informadas por quem explorava a atividade e, em concreto, da atuação negligente do A. que, inexplicavelmente e indevidamente, criou, ele mesmo (ao retirar a máscara de proteção), uma fonte de perigo que, em termos de normalidade, a atividade não envolvia.
Parece-nos ainda, não se poder concluir que a 2ª R. haja causado danos a outrem, conforme redação do art. 493º, n º 2, do C.C., por entendermos que não foi a 2ª R. que causou danos ao A., mas sim a 1ª R., mediante um ato voluntário, praticado já findo o jogo, com quebra do nexo causal que pudesse existir entre o possível risco que pudesse estar inerente ao exercício da atividade explorada pela 2ª R. e o dano sofrido pelo A.
Concluímos assim, parecer-nos não ter aplicação, ao caso dos autos, o disposto no art. 493º, n º 2, do C.C.».
Sobre esta questão o Tribunal recorrido seguiu de perto o decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-06-2019[11], relatando situação fáctica com contornos similares aos dos presentes autos.

A este respeito, por ler-se neste último aresto:
«Conceitualmente a norma acima transcrita não define o que seja uma actividade perigosa, referindo apenas a “actividade perigosa, por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados”.
Estamos, pois, em presença de um conceito indeterminado, cuja interpretação e densificação deve ser feita - como sustenta OLIVEIRA ASCENSÃO em relação a este tipo de conceitos (…) - tendo por base o “critério valorativo fixado na cláusula geral”, sendo efectivamente necessário atender ao caso concreto.
Tornando-se necessária uma apreciação casuística, tendo em conta as circunstâncias, serve, contudo, de orientação a definição proposta por VAZ SERRA(…), segundo a qual devem ser como tal consideradas as actividades que criam para terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber um dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada de outras actividades.
A jurisprudência (…), à semelhança da generalidade da doutrina pátria (…), têm acolhido a posição de Vaz Serra convergindo na afirmação de que é actividade perigosa, para o efeito, aquela que possui uma especial aptidão produtora de danos, um perigo especial, uma maior susceptibilidade ou aptidão para provocar lesões de gravidade e mais frequentes, e que essa perigosidade deve ser aferida a priori e em abstracto e não em função dos resultados danosos, em caso de acidente, muito embora a magnitude destes possa evidenciar o grau de perigosidade da actividade ou risco dessa actividade.
Portanto, na prática, o que interessa é que, na qualificação de uma actividade como perigosa, seja tida em conta a sua especial aptidão para produzir danos, aptidão que há de resultar da sua própria natureza ou da natureza dos meios utilizados, cabendo ao julgador concretizar o conceito em face do próprio caso, posto que, em última análise, uma actividade é ou não casuisticamente perigosa, consoante o circunstancialismo concreto em apreciação.
Assim, no caso vertente, tudo está em saber se a forma como se desenvolve o jogo de “paintball” constitui (ou não) uma actividade perigosa no apontado sentido, isto é, se a sua prática implica uma especial aptidão para produzir danos.
Como é consabido, esse jogo ou actividade (…) consiste, em termos gerais, na simulação de “jogos de guerra”, cuja finalidade última é a eliminação dos jogadores da equipa adversária; para tanto, cada jogador está munido de uma arma de ar comprimido (“tipo pistola metralhadora”) que dispara munições constituídas por bolas de tinta; as bolas de tinta são projectadas, em modo de rajada ou em tiros isolados, e, quando atingem o alvo, rebentam, deixando marcas; a força com que as munições são projectadas exige o uso de protecções faciais e de pescoço, bem como é aconselhável o uso de vestimenta adequada.
Recorrendo a experiência jurisprudencial nesta matéria registamos a existência de um acórdão que se pronunciou sobre a questão, concretamente o acórdão da Relação de Coimbra de 5.11.2013 (…) (que o apelante invoca abundantemente em arrimo da sua pretensão recursiva), no qual se considerou que “o jogo do paintball consubstancia uma actividade perigosa, em particular devido à força com que as munições são projetadas”, acrescentando que tal perigosidade é “tanto maior quando o jogo é praticado nas circunstâncias descritas nos autos, ou seja, sem que haja uma zona em que os jogadores que já terminaram de jogar e continuam a assistir ao jogo e demais pessoas que assistam ao evento possam estar resguardados de qualquer bola perdida que as possa atingir”.
Contudo, cotejando o quadro factual apurado nestes autos com a materialidade que foi considerada no referido acórdão, verifica-se inexistir identidade no respectivo substrato fáctico, posto que, no caso vertente - e ao invés do que sucedia na hipótese considerada nesse aresto -, no local onde o jogo decorria existia uma “zona de segurança” ou “zona morta”, que não faz parte da área do jogo e para a qual os jogadores se devem retirar após terem sido “eliminados” (por terem sido atingidos por uma bola de tinta). Na situação analisada pelo Tribunal da Relação de Coimbra o lesado foi atingido já após ter terminado o jogo e quando se foi sentar num alpendre (depois de ter entregado as protecções do corpo), não existindo aí qualquer “zona de segurança”. Não é essa a realidade em apreciação no presente processo, porquanto, in casu, o autor foi atingido no olho direito em plena “área de jogo” quando decidiu retirar (sem que se tivesse apurado o motivo porque o fez, nem sequer o esclareceu em tribunal aquando da sua audição no julgamento, onde declarou - conforme ficou exarado em ata - “não ter qualquer memória do dia em que ocorreu o sinistro”) a máscara de protecção, o que estava expressamente proscrito, como, aliás, fora previamente alertado antes do início do jogo.
É facto que, como se referiu, na actividade em causa são disparadas bolas de tinta que, potencialmente, podem provocar danos, dada a intensidade do disparo, que visa possibilitar o rebentamento da bola e a libertação da tinta que se encontra no seu interior.
Questão que então se coloca é a de saber se essa realidade é, per se, razão bastante para qualificar a prática do paintball como actividade perigosa para os efeitos da supra citada dimensão normativa.
Como emerge das considerações supra expendidas, a qualificação de uma actividade como perigosa não se compadece com uma construção apriorística, devendo antes emergir do facto concreto, não dispensando um juízo de prognóstico posterior, sendo certo que, como bem enfatiza VAZ SERRA (…), a perigosidade da actividade deve existir no exercício da actividade considerada in abstracto, sem se atender à inexperiência de quem a exerce, pois, sempre que tal não suceda, a solução invariavelmente passará por aplicar a regra geral do art. 483º, nº 1 do Cód. Civil.
Ora, como deflui da materialidade apurada, a actividade em causa não pode ser desenvolvida sem que os participantes estejam devidamente equipados (nomeadamente com colete, calças, botas, luvas, protecção de pescoço e máscara), equipamento esse (que, como se provou, foi efectivamente fornecido pela 1ª ré e que se encontrava em bom estado de funcionamento) que se destina, precisamente, a evitar lesões que poderiam resultar dos disparos, o que significa, pois, que o risco de potenciais lesões mostra-se afastado sempre que os participantes no jogo observem as regras de segurança e que, no caso, passariam pela proibição de retirada de qualquer parte do equipamento que lhes foi disponibilizado (maxime a máscara, destinada, exatamente, a proteger os olhos - cfr., facto provado nº 21) enquanto estiverem em plena “área do jogo”, somente podendo fazê-lo na área a tanto reservada, concretamente na “área de segurança” ou “zona morta”.
Afigura-se-nos, assim, que a actividade de paintball, quando praticada com observância das respectivas regras de segurança, não constitui uma actividade perigosa para efeitos do preenchimento da previsão normativa do citado nº 2 do art. 493º do Cód. Civil, sendo que na densificação desse conceito não pode, naturalmente, ser levado em linha de conta o comportamento (negligente) do participante que não cumpra essas regras.
Transpondo esse entendimento para o caso sub judicio (na justa medida em que a 1ª ré disponibilizou todo o equipamento necessário para evitar que qualquer dos participantes no jogo pudessem sofrer lesões), não se antolha em que medida a referida actividade, nos moldes em que era desenvolvida, constituísse, em concreto, uma actividade perigosa».
Revertendo ao caso em apreciação, temos como provado que, no jogo de paintball cada jogador está munido de uma arma de ar comprimido que dispara munições constituídas por bolas de tinta, sendo exigido o uso, nomeadamente, de proteções faciais devido à força com que as munições são projetadas. Porém, no caso também resultou definitivamente assente que a 2.ª ré dá ordens e instruções aos seus monitores para executarem as tarefas de marcar o ponto de encontro e/ou de reunião dos participantes/jogadores, de disponibilizar equipamento de proteção, de vigiar a execução do jogo, de prestar esclarecimentos aos participantes, de conceder as informações de segurança aos participantes, advertindo-os dos perigos inerentes ao jogo e às armas, mais se tendo apurado que, antes de iniciado o jogo, o monitor da 2.ª ré, o 3.º réu, forneceu e entregou aos participantes, o equipamento necessário à prática do paintball, designadamente, o camuflado/fato, máscara de proteção e marcador de paintball, mais lhes tendo explicado as regras de segurança do jogo, nomeadamente, que só poderiam disparar respeitando uma certa distância entre eles, não poderiam tirar o equipamento, nomeadamente a máscara, durante o jogo e, só poderiam desequipar-se dentro das bases. Resulta ainda da materialidade apurada que, a certa altura, o 3.º réu deu ordem para terminar o jogo, para cessarem os tiros, os jogadores bloquearem as armas e saírem do campo; os jogadores que ainda estavam em campo começaram a dirigir-se para as bases para se desequiparem; enquanto faziam tal percurso, ainda dentro do campo de jogo, alguns deles, porque ainda tinham algumas balas, com o intuito de as gastarem, efetuaram alguns disparos; nessas circunstâncias, o autor tirou a máscara de proteção; altura em que, a 1.ª ré, de forma inesperada, apontou o marcador de paintball à cabeça do autor; e, ato contínuo, disparou uma esfera que foi atingi-lo no olho esquerdo.
No enquadramento enunciado, e sufragando o entendimento assumido no citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-06-2019, concluímos que a atividade de paintball, nos moldes em que era desenvolvida pela 2.ª ré, não constitui, em concreto, uma atividade perigosa, nos termos e para os efeitos previstos no citado artigo 493.º, n.º 2 do CPC.
Daí que a decisão recorrida não mereça censura nesta parte.
Não obstante, o apelante/autor vem alegar que sempre a atividade de paintball, a utilização de uma arma de paintball e tudo o que lhe está associado deve condensar uma presunção de culpa, nos termos do artigo 493.º, n.º 1, do CC (presunção de culpa in vigilando).
 Estipula o normativo agora em referência que, «quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua».
Trata-se de norma que «estabelece um título de imputação de responsabilidade civil extracontratual, respeitante aos danos causados por animais e coisas, móveis e imóveis, para aqueles que tiverem o dever de os vigiar. Estão abrangidos apenas os danos causados por esses animais ou por essas coisas, não os danos causados por alguém com o emprego desses mesmos animais ou coisas, enquanto instrumentos da ação delitual - nesse caso, aplica-se o regime geral da responsabilidade civil delitual»[12].
 Por conseguinte, entendemos que a situação dos autos também não é subsumível na previsão do artigo 493.º, n.º 1 do CC.
O apelante/autor pugna, ainda, pela responsabilização do 3.º réu, considerando que a factualidade cuja alteração de respostas se peticiona no presente recurso, permitirá concluir pela prática de atos e/ou omissões culposas do mesmo réu.
Porém, a solução que o recorrente invoca na referida conclusão pressupunha a modificação da decisão de facto constante da sentença, a que não ocorreu.
Em todo o caso, importa considerar o princípio geral em matéria de responsabilidade por factos ilícitos, plasmado no artigo 483.º, n.º 1 do CC, norma que impõe a quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
São, assim, vários os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto voluntário do agente, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Relativamente à ilicitude, enquanto requisito necessário para que o ato seja gerador de responsabilidade civil extracontratual, a mesma tanto pode consubstanciar a violação de direitos subjetivos - os quais podem ser absolutos (direitos de personalidade, direitos reais), mas também direitos familiares, de conteúdo patrimonial ou, mesmo, pessoal - como a de uma norma protetora de um interesse alheio.
Já a culpa pondera o lado subjetivo do comportamento do agente do facto, pressupondo um juízo de censura ou de reprovação da conduta, podendo surgir fundamentalmente na modalidade de mera culpa (culpa em sentido estrito ou negligência), nos casos em que o agente não previu o resultado ilícito ou, tendo-o previsto, confiou temerariamente na sua não ocorrência, ou de dolo, quando o agente, tendo previsto o resultado, o aceitou como possível, isto é, não deixou de atuar em razão dessa possibilidade[13].
Nos termos do artigo 487.º, n.º 2 do CC, a culpa é sempre apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada situação.
Mas o facto ilícito culposo só implica responsabilidade civil caso ocorra um dano ou prejuízo a ressarcir, consubstanciado este de forma genérica como toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica[14].
Por último, além do facto e do dano, exige-se o nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que o facto constitua causa do dano, requisito que desempenha a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar[15].
Ora, do enunciado dos factos definitivamente provados nos autos resulta que o 3.º réu tomou todas as diligências e os cuidados que lhe eram exigíveis em face das circunstâncias do caso. Como bem se refere na sentença recorrida, «[o] único facto que, a nosso ver, permitiria sustentar uma atuação culposa do 3º R., seria o de, após o 3º R. ter dado ordem para terminar o jogo, não ter retirado o marcador de paintball à 1ª R., o que lhe possibilitou continuar a usá-lo e, assim, ter efetuado o fatídico disparo.
Porém, cremos que, tal atuação/omissão do 3º R. não se mostra censurável, à luz do critério de apreciação da culpa consagrado no art. 487º, n º 2, do C.C.
Só usando-se de um critério de apreciação da culpa - distinto do legal - que considerasse censurável uma conduta quando o agente não usasse de todos os cuidados que pudesse ter tido, ainda que ao arrepio da normalidade das coisas e do princípio da confiança, é que seria possível considerar a atuação/omissão do 3º R. censurável/culposa.
Isto porque, a 1ª R. era uma pessoa adulta, com 26 anos de idade, não se sabendo que tivesse qualquer limitação cognitiva (e, consequentemente, que não percebesse o que lhe foi dito e que não soubesse da perigosidade e das possíveis consequências de efetuar um disparo na direção da cabeça de alguém).
O 3º R. deu ordem para, nomeadamente, a 1ª R., terminar o jogo, para cessar os tiros, bloquear a arma e sair do campo. Tal terá gerado a convicção ao 3º R. de que, a 1ª R. cumpriria essa ordem (por ser o que seria normal acontecer).
A 1ª R. começou, então, a dirigir-se para as bases para se desequipar.
Enquanto fazia tal percurso - tal como o A. -, de forma inesperada, apontou o marcador de paintball à cabeça do A. e, ato contínuo, disparou uma esfera que foi atingi-lo no olho esquerdo, quando este já tinha tirado a máscara de proteção.
Cremos que, o 3º R. nunca terá pensado/previsto que a 1ª R., depois de lhe ter ordenado que terminasse o jogo, cessasse os tiros, bloqueasse a arma e saísse de campo, quando se deslocavam para fora do campo de jogo, fosse apontar a arma à cabeça do A. e efetuasse um disparo sobre a mesma.
E qualquer homem medianamente cuidadoso, no lugar do 3º R., também tal não teria pensado/previsto - nem era normal que o pudesse pensar/prever - pois confiaria que a 1ª R. cumpriria com o que lhe foi ordenado e, mais do que isso, que nunca apontaria a arma à cabeça de terceiro e nunca efetuaria um disparo sobre a mesma, quando este já não tinha a máscara de proteção colocada; pois que qualquer cidadão sabe (tal como a 1ª R. sabia) que isso poderia ter as consequências que, infelizmente, se vieram a verificar.
Mais cremos que, também nunca o 3º R. terá pensado/previsto (e qualquer homem medianamente cuidadoso, no lugar do 3º R. não teria pensado/previsto) que, depois de ter explicado que, os jogadores não poderiam tirar o equipamento, nomeadamente a máscara, durante o jogo e de que só poderiam desequipar-se dentro das bases, o A., um adulto (sabedor dos perigos associados a tirar a máscara de proteção), fosse desobedecer a essa ordem e fosse tirar a máscara ainda dentro do campo de jogo.
Acresce que, tudo terá ocorrido de forma inesperada.
Neste contexto, não conseguimos fazer um juízo de censura - á luz do critério legal de apreciação da culpa supra enunciado - à atuação/omissão do 3º R».
Deste modo, não se podendo responsabilizar o 3.º réu por força do regime geral da responsabilidade civil, fica igualmente excluída a responsabilidade da 2.ª ré com fundamento em responsabilidade objetiva, ou pelo risco, tal como prevista no artigo 500.º do CC[16], posto que, nos termos do preceito legal agora em referência, o comitente responde apenas se, em concreto, se apurar a responsabilidade do comissário pelo facto danoso que praticou[17].
Além disso, perante os factos que permanecem provados, em especial os vertidos em 4., 7., 21., 22., 24., 25., 26., 27., 28., 29 e 30, entendemos que a 2.ª ré logrou ilidir a presunção consagrada no artigo 799.º, n. º1 do CC[18], tanto mais que o padrão da diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias  de cada caso é também o utilizado na responsabilidade civil contratual (artigo 799.º, n.º 2 do CC).
Assim, afigura-se-nos que a 2.ª ré cumpriu as obrigações contratuais que lhe eram exigíveis, dando ordens e instruções aos seus monitores para executarem as tarefas de marcar o ponto de encontro e/ou de reunião dos participantes/jogadores, de disponibilizar equipamento de proteção, de vigiar a execução do jogo, de prestar esclarecimentos aos participantes, de conceder as informações de segurança aos participantes, advertindo-os dos perigos inerentes ao jogo e às armas, fornecendo e entregando aos participantes, por intermédio de monitor,  o equipamento necessário à prática do paintball, designadamente, o camuflado/fato, máscara de proteção e marcador de paintball, o que fez antes de iniciado o jogo, mais lhes explicando as regras de segurança do jogo, nomeadamente, que só poderiam disparar respeitando uma certa distância entre eles, não poderiam tirar o equipamento, nomeadamente a máscara, durante o jogo e, só poderiam desequipar-se dentro das bases.
Mais se verifica que, a certa altura, o 3.º réu, que exercia funções de monitor por conta e ordem da 2.ª ré, deu ordem para terminar o jogo, para cessarem os tiros, os jogadores bloquearem as armas e saírem do campo, altura em que os jogadores que ainda estavam em campo começaram a dirigir-se para as bases para se desequiparem. Por último, enquanto faziam tal percurso, ainda dentro do campo de jogo, alguns deles, porque ainda tinham algumas balas, com o intuito de as gastarem, efetuaram alguns disparos. Nessas circunstâncias, o autor tirou a máscara de proteção, altura em que, a 1ª ré, de forma inesperada, apontou o marcador de paintball à cabeça do autor e, ato contínuo, disparou uma esfera que foi atingi-lo no olho esquerdo, bem sabendo que assim agindo podia vir a atingir o autor no olho.
Assim, não se mostra possível estabelecer qualquer juízo de censura ou de reprovação sobre concretos atos ou omissões da 2.ª ré que tenham determinado ou concorrido causalmente para os danos ou seu agravamento.
Em consequência, entendemos que a 2.ª ré não é passível de incorrer em responsabilidade civil, seja ela contratual ou extracontratual, na situação em análise, tal como entendeu a decisão impugnada.
Ponderando o que decorre da matéria de facto assente quanto às concretas circunstâncias em que ocorreu o acidente em apreciação, entendemos que o mesmo teve na sua origem o comportamento gravemente negligente e imprevisto da ora 1.ª ré, que, contrariando ordem expressa do 3.º réu, para terminar o jogo, para cessarem os tiros, os jogadores bloquearem as armas e saírem do campo, e quando os jogadores que ainda estavam em campo começaram a dirigir-se para as bases para se desequiparem, apontou o marcador de paintball à cabeça do autor e, ato contínuo, disparou uma esfera que foi atingi-lo no olho esquerdo, numa altura em que este já tinha tirado a máscara de proteção.
Como tal, também sobre esta questão, julgamos que a decisão recorrida fez uma adequada e correta ponderação dos normativos legais aplicáveis à luz do quadro fáctico apurado nos autos, constituindo-se a 1.ª ré na obrigação de indemnizar os danos causados ao autor.
Não obstante, o Tribunal recorrido entendeu que também a conduta do autor foi culposa e causal do sinistro e dos danos dele decorrentes, pois que, se o autor não tivesse tirado a máscara de proteção, nunca o sinistro teria ocorrido.
Assim, apesar de ter concluído que a atuação da 1.ª ré é muito mais censurável que a do autor, porque contrariou a ordem de parar os disparos, porque apontou à cabeça do Autor, porque efetuou um disparo em relação a essa cabeça e porque o fez quando o A. já não tinha máscara posta, sabendo que, nestas circunstancias, poderia vir a ocorrer o sinistro em causa, a primeira instância atribuiu relevo à conduta do lesado no processo causal do sinistro e dos danos dele decorrentes, com os seguintes fundamentos: «Ora, afigura-se-nos ter o A. atuado censuravelmente, porque poderia e deveria ter atuado de forma distinta daquela que foi a sua atuação.
(Como acima já referimos) apesar de o 3º R. ter explicado, antes de ter começado o jogo, que os jogadores não poderiam tirar o equipamento, nomeadamente a máscara, durante o jogo e que só poderiam desequipar-se dentro das bases, o A. tal não respeitou e, ainda no campo de jogo, fora das bases - e quando havia disparos - tirou a máscara, expondo-se assim ao risco de poder vir a ser atingido, como foi, por um dos projéteis que estavam a ser disparados.
E assim sendo, também a conduta do A. nos parece ter sido culposa e causal do sinistro e dos danos dele decorrentes, pois que, se o A. não tivesse tirado a máscara de proteção, nunca o sinistro teria ocorrido.
Havendo concurso de culpas do lesante e do lesado, há que aplicar o disposto no art. 570º, do C.C., cabendo assim ao tribunal determinar, com base na gravidade dessas culpas e das consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou excluída.
Cremos que a atuação da A. é muito mais censurável que a do A. (porque contrariou a ordem de parar os disparos, porque apontou à cabeça do A., porque efetuou um disparo em relação a essa cabeça e porque o fez quando o A. já não tinha máscara posta, sabendo que, nestas circunstancias, poderia vir a ocorrer o sinistro em causa), em consequência do que, cremos ser de reduzir a indemnização a atribuir ao A. em 25%».
Nos recursos que interpuseram, tanto o autor como a 1.ª ré discordam deste segmento decisório, entendendo o recorrente/autor que o seu comportamento não contribuiu para a produção do dano, nem a sua atuação é censurável à luz do critério de apreciação da culpa consagrado no artigo 487.º, n.º 2 do CC, pelo menos na medida de 25% determinada pelo tribunal recorrido, enquanto a apelante/ré considera que a culpa a atribuir ao autor nunca poderá ser fixada em grau percentual inferior a 50% por ter contribuído para a ocorrência do sinistro, ao retirar a máscara de proteção quando ainda se encontrava em pleno jogo do campo, quando aí ainda se encontravam outros 4 participantes a disparar, já que se o autor não o tivesse feito, não teria sido atingido por nenhuma esfera na sua vista esquerda.
O artigo 570.º, n.º 1 do CC estabelece que, quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
Para efeitos deste preceito, «[a] conduta culposa do lesado pode ser ativa ou omissiva, concorrendo para o evento ou consequente a ele, como será, em regra, o caso do agravamento danoso»[19].
No caso, como decorre dos correspondentes pontos 21 a 28., mostra-se provada matéria de facto que é suscetível de alicerçar a imputação de ato do lesado suscetível de concorrer causalmente para os danos, o que leva à aplicação da regra prevista no artigo 570.º, n.º 1 do CC, sendo inequívoco que o grau de censurabilidade que decorre da conduta da 1.ª ré é considerável e os fundamentos de impugnação apresentados pelos recorrentes não são idóneos a sustentar qualquer alteração na imputação das consequências indemnizatórias.
Por conseguinte, não vislumbramos qualquer razão relevante para nos afastarmos da proporção fixada pela primeira instância, que se revela acertada, mantendo-se a redução da indemnização a atribuir ao lesado, ora, apelante, em 25%, conforme decidido na sentença recorrida.
O recorrente/autor não questiona em sede de recurso a amplitude dos danos apurados nem o valor indemnizatório fixado pelo Tribunal recorrido, quer a título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais, quer a título de danos patrimoniais, nem se alcança motivo relevante para alterar a sentença neste último segmento, pelo que deve manter-se a ponderação efetuada pelo Tribunal a quo na quantificação dos danos patrimoniais.
Também a apelante/ré não vem questionar a existência de danos, nem a sua ressarcibilidade, discordando, porém, da amplitude e do valor indemnizatório de 45.000,00€ fixado pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais, alegando genericamente que tal condenação se nos assume manifestamente exagerada, desajustada e absolutamente desproporcional [conclusão AC do recurso da 1.ª ré].
No âmbito da responsabilidade por factos ilícitos, o artigo 496.º, n.º 1 do CC prevê que na fixação da indemnização se atenda aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Nas palavras de Mário Júlio de Almeida Costa[20] “[d]istingue-se entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária. Quer dizer, os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral.
Representam danos patrimoniais, por exemplo, os estragos feitos numa coisa ou a privação do seu uso, a incapacitação para o trabalho em resultado de ofensas corporais. Constituem danos não patrimoniais, por exemplo, o sofrimento ocasionado pela morte de uma pessoa, o desgosto derivado de uma injúria, as dores físicas produzidas por uma agressão. Observe-se que o mesmo facto pode provocar danos das duas espécies”.
Neste domínio, referem Pires de Lima e Antunes Varela[21], «[o] Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos», cabendo assim ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica. A este propósito, enunciam ainda os autores antes citados algumas situações possivelmente relevantes, como a dor física, a dor psíquica resultante de deformações sofridas, a ofensa à honra ou reputação do indivíduo ou à sua liberdade pessoal, o desgosto pelo atraso na conclusão dum curso ou duma carreira, sublinhando ainda a propósito, que os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais, citando para o efeito vários acórdãos do STJ.
Trata-se de indemnização que visa compensar o lesado pela dor ou sofrimento, de ordem física ou psicológica, ou outras consequências de natureza não patrimonial, através do recebimento de uma quantia pecuniária que possa mitigar os efeitos do ato lesivo. Deste modo, «ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir para sancionar a conduta do agente»[22].
Nos termos que resultam do disposto no artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil, a equidade constitui critério de quantificação do montante a arbitrar a título de indemnização por danos não patrimoniais, devendo atender-se à extensão e gravidade dos danos causados, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso que se justifique atender.
Neste domínio, refere ainda o citado Ac. do STJ de 13-07-2017, «no critério a adotar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC.
Para tal efeito, são relevantes, além do mais: a natureza, multiplicidade e diversidade das lesões sofridas; as intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos e medicamentosos a que o lesado teve de se submeter; os dias de internamento e o período de doença; a natureza e extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris, o dano estético, se o houver».
Na valoração do dano não patrimonial inserem-se, nomeadamente, «o (pretium doloris) ou compensação das dores físicas e angústias, que compreendem não só a valorização da dor física resultante dos ferimentos sofridos e dos tratamentos que implicaram, como a dor vivenciada do ponto de vista psicológico; o (pretium pulchritudinis), também designado por dano estético caracterizado por cicatrizes, deformações, dissimetrias e mutilações, com diminuição ou reflexo na beleza ou harmonia física do lesado; o dano da distracção ou passatempo (em francês: dommage «d'agrément»), correspondente à privação de actividades extra-profissionais de carácter lúdico e o dano existencial ou de afirmação pessoal»[23].
Impõe-se, assim, encontrar a solução mais equilibrada, tendo em conta o que decorre da factualidade provada e ponderando os padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes, sem esquecer que a jurisprudência constante dos Tribunais Superiores em matéria de danos não patrimoniais vem entendendo que a indemnização, ou compensação, para responder de forma atualizada ao comando do artigo 496.º do CC e constituir uma efetiva possibilidade compensatória deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista ou meramente simbólica[24].
No caso em apreciação, o autor reclamou na ação, o valor de 50.000,00 € a título de danos morais e o montante de 5.000,00€ a título de dano estético.
A sentença recorrida fixou esses danos em 45.000,00 €, ponderando essencialmente que os danos não patrimoniais sofridos pelo autor são “significativos”, a culpa da produção do sinistro foi, essencialmente, da 1.ª ré, aparentando o autor ter uma situação económica “razoável”, bem como os valores que os tribunais superiores vêm fixando em casos semelhantes.
Os factos enunciados na matéria de facto assente são bem demonstrativos das consequências advindas para o autor em resultado do acidente  em apreciação, evidenciando as sequelas consideráveis e permanentes dele decorrentes para a integridade físico-psíquica do autor, tudo com relevante e indiscutível repercussão na sua vida pessoal, com diminuição ou reflexo na harmonia física do lesado e em termos psicológicos, com consequências que persistirão ao longo da sua vida, importando destacar que as lesões sofridas provocaram ao autor dores físicas intensas, tanto no momento do acidente como no decurso do tratamento, sendo o quantum doloris fixável no grau 5 de 7 e dano estético de grau 1, decorrente das alterações pupilares à esquerda.
Neste domínio, importa destacar que, não obstante ter realizado cirurgia ao olho esquerdo, com vitrectomia anterior e posterior, facofagia, sutura da iris e LIO em suspensão escleral, bem como diversas consultas e tratamentos descritos nos autos, do evento resultaram  diversas sequelas oftalmológicas no olho esquerdo do autor - hipovisão (conta dedos a 10 cm); fotofobia; ausência sectorial traumática da íris; pseudofaquia; maculopatia atrófica - tendo ficado com diminuição acentuada da acuidade visual do olho esquerdo, em consequência do ocorrido, apresentando um défice permanente da integridade físico-psíquica de 30 ou 31 pontos. As sequelas que sofreu são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
Acresce ainda que em consequência do ocorrido, o autor entrou em depressão, passando a padecer de stress pós-traumático, foi e é acompanhado a nível psiquiátrico, sente cansaço visual, dorme mal, tem insónias e pesadelos, vive desconfortável, nervoso, irritado, triste, abatido e deprimido com o ocorrido, sobretudo quando se lembra do que aconteceu, tendo, por vezes, crises de choro.
No caso, alega a recorrente/ré que as circunstâncias concretas e os danos que estiveram na base do decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2019[25], referenciado na sentença recorrida, não são comparáveis aos da situação em análise.
Recorrendo ao método comparativo e ponderando alguns dos critérios adotados na jurisprudência dos tribunais superiores em casos com alguns contornos idênticos, ainda que necessariamente distintos atentas as circunstâncias concretas de cada caso, como sucede com o aresto antes citado, importa considerar que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a julgar adequado o montante indemnizatório de 60.000,00€ por danos não patrimoniais decorrentes de lesão consubstanciada na perda total e irreversível da visão de um dos olhos[26].
Tudo ponderado, em face das sequelas consideráveis e permanentes na integridade físico-psíquica do autor, com diminuição acentuada da acuidade visual do olho esquerdo, em consequência do ocorrido, apresentando um défice permanente da integridade físico-psíquica de 30 ou 31 pontos, não vemos razões para considerar desajustada a compensação fixada pela primeira instância a título de danos não patrimoniais, pelo que deve manter-se a ponderação efetuada pelo Tribunal recorrido.
Daí que a decisão recorrida não mereça censura, improcedendo na íntegra as apelações apresentadas pelo autor e pela 1.ª ré.

Síntese conclusiva:


IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedentes as apelações apresentadas pelo autor e pela 1.ª ré, assim confirmando a sentença recorrida.
Custas em ambas as apelações pelos respetivos apelantes.

Guimarães, 18 de setembro de 2025

(Acórdão assinado digitalmente)
Paulo Reis
(Juiz Desembargador - relator)
Alcides Rodrigues
 (Juiz Desembargador - 1.º adjunto)
Ana Cristina Duarte
(Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)


[1] Cf., por todos, o Ac. do STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), revista n.º 405/09.1TMCBR.C1. S1 - 7.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
[2] Consubstanciado na sentença penal condenatória, já com trânsito em julgado - proferida no processo n.º 258/17.6T9VRL do Juízo Local Criminal de Vila Real - Juiz ... - ulteriormente confirmada por Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-01-2021 - processo 258/17.6T9VRL.G1 - , referenciado para dar como não provado o ponto de facto provado 24), na parte em que se refere “…os jogadores bloquearem as armas”, para dar como provados os factos constantes dos pontos de facto 25, 26 e 27, com a formulação e alteração de posição sugerida, referenciados parcialmente na sentença como provados, e para dar como provados os pontos de facto 1., 2 e 5., referenciados na sentença recorrida como não provados (conforme formulação sugerida).
[3]   Designadamente, que: Ora, quando o ofendido AA já se encontrava sem a máscara de proteção, a arguida, não obedecendo às instruções para cessar o jogo, de forma inesperada e por razões que não foi possível apurar, apontou o marcador de paintball à cabeça do ofendido e disparou uma esfera não metálica, constituída por tinta hidrossolúvel e biodegradável não poluente contida em invólucro de gelatina, destinada precisamente a ser disparada no jogo por aquele marcador, a qual veio a atingir o olho esquerdo do ofendido AA [ponto 3.º]; Ao agir da forma descrita, a arguida BB, ao disparar uma esfera não metálica em invólucro de gelatina, própria para ser disparada num jogo de paintball, no qual por via da capacidade agressiva de tal esfera, se impõe a obrigatoriedade de uso de capacete de proteção, como a arguida não desconhecia, na direção do ofendido AA o poderia atingir, conformando-se com essa possibilidade [ponto 7.º]; Bem sabia a arguida que assim podia vir a atingir o ofendido no olho como atingiu e que, dessa foram, podia colocar, como colocou, a visão do ofendido em perigo e/ou desfigurá-lo de forma séria e permanente e causar-lhe danos psicológicos, ignorando a possibilidade desse resultado como podia e devia [ponto 8.º]; A arguida agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua descrita conduta era proibida e punida por lei [ponto 9.º].
[4] Concretamente, o estabelecimento duma presunção ilidível da existência dos factos em que a condenação se tiver baseado.
[5] Cf. o Ac. TRE de 23-02-2017 (relator: Manuel Bargado), p. 268/11.7TBRDD.E1; neste sentido, cf. ainda, entre outros, os Acs. TRL de 18-04-2023 (relator: José Capacete), p. 24651/20.8T8LSB.L1-7; TRG de 21-03-2019 (relatora: Vera Sottomayor), p. 601/12.2TVBRG.G1; todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[6] Cf. o Ac. do STJ de 13-01-2010 (Relator: Pinto Hespanhol, p. 1164/07.8TTPRT.S1 - 4.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
[7] Enquanto dona de um parque aventura, situado na Quinta ..., .../..., em ..., onde tem um campo, no qual pode ser jogado paintball; a 2. ré cede o campo e fornece o material e equipamento, aos clientes, necessários à execução do jogo, mediante o pagamento de um preço.
[8] Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 495 a 496.
[9] Cf., o Ac. do STJ de 17-05-2017 (relator: António Piçarra), p. 1506/11.1TBOAZ.P1. S1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Cf. o Ac. TRL de 22-06-2021 (relator: José Capacete), p. 1694/18.6T8PDL.L1-7, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Relator: Miguel Baldaia de Morais, p. 2589/13.5TBGDM.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[12] Cf. Maria da Graça Trigo/Rodrigo Moreira, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações - Das Obrigações em Geral - Coord. José Brandão Proença, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2021, p. 321.
[13] Cf., Ana Prata, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 627-628.
[14] Cf., Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, p. 591.
[15] Cf., Mário Júlio de Almeida Costa - obra citada -, p. 605.
[16] (Responsabilidade do comitente)
1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.
3. O comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte; neste caso será aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 497.º
[17] Cf. Maria da Graça Trigo/Rodrigo Moreira - obra citada -, p. 387.
[18] (Presunção de culpa e apreciação desta)
1. Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
2. A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil.
[19] Cf. José Brandão Proença, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações - Das Obrigações em Geral - Coord. José Brandão Proença, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2021, p. 577.
[20] Cf. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, p. 592.
[21] Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pg. 499.
[22] Cf. o Ac. do STJ de 13-07-2017 (relator: Manuel Tomé Soares Gomes), p. n.º 3214/11.4TBVIS.C1. S1 - 2.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
[23] Cf. o Ac. do STJ de 06-10-2016 (relator: António Piçarra), p. n.º 1043/12.7TBPTL.G1. S1 - 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
[24] Cf. o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09-05-2002 - publicado no Diário da República, Série I-A, n.º 146, de 27-06-2002 (Revista ampliada n.º 1508/01-1).
[25] Relator: Afonso Cabral de Andrade, p. 3335/17.0T8VCT.G1 disponível em www.dgsi.pt.; aresto que confirmou o valor de 50.000,00€ arbitrado pela primeira instância a título de compensação pelos danos não patrimoniais, para um lesado que  à data do acidente tinha 21 anos de idade, em consequência do acidente sofreu traumatismo crânio encefálico, com cegueira do olho esquerdo, traumatismo de costelas com perfuração dos pulmões e traumatismo dos ombros e braços; esteve internado e em coma durante oito dias; sofreu um quantum doloris de grau 5 e um dano estético permanente de grau 3, bem como ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 30 pontos, sendo que as sequelas de que padece são compatíveis com a actividade profissional, mas implicam esforços suplementares; exerce a profissão de canalizador, e auferia à data do sinistro a retribuição anual de € 8.997,30.
[26] Cf. os Acs. do STJ de 20-05-2021 (relator: Nuno Manuel Pinto Oliveira), p. 470/14.0TVPRT.P1. S1; de 05-07-2012 (relator: João Bernardo), p. 1451/07.5TBGRD.C1. S1; disponíveis em www.dgsi.pt.