FRAUDE À LEI
AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Sumário


I - Ainda que do regime previsto no artigo 638.º, n.º 6 e 8 do CPC não resulte a atribuição ao recorrente (ou ao recorrido, em sede de ampliação do objeto do recurso) da faculdade de responder às questões eventualmente suscitadas pelo recorrido (ou pelo recorrente) quanto à (in)admissibilidade ou à (in)tempestividade do recurso (ou da ampliação do objeto do mesmo), tal não significa que a parte em causa não deva ter a possibilidade de se pronunciar sobre tais questões.
II - A decisão proferida no despacho saneador que apreciou e decidiu, de forma concreta, a exceção do caso julgado, julgando-a improcedente, não transitou em julgado, pelo que, tendo a decisão final - que lhe seguiu - sido favorável à ré que alegara a referida exceção, pode aquela parte como recorrida, pedir a ampliação do objeto do recurso para a reapreciação da decisão sobre o caso julgado material, para o caso de a apelação proceder.
III - A interpretação do artigo 402.º, n.º 1 do CSC permite concluir que o pacto social pode conter uma cláusula que atribua aos administradores complementos de pensões de reforma, com os limites indicados, ou seja, autoriza que o pacto social contenha uma cláusula que atribua aos administradores complementos de pensões de reforma, constituindo, assim, inequivocamente, uma norma de cariz dispositivo, não imperativo.
IV - Alegando o autor que a ré reduziu de forma artificial a remuneração do seu administrador (que serve para cálculo do complemento de reforma que lhe é devido) com vista a frustrar a consistência material do direito que lhe foi reconhecido pelos estatutos e deliberações da assembleia geral da ré (em vigor à data de cessação funções do autor como administrador da ré), é manifesto que eventuais desvios às referidas disposições estatutárias/deliberações da assembleia geral da sociedade ré nunca poderiam consubstanciar os requisitos da invocada fraude à lei, porquanto estão em causa disposições dos estatutos e não a violação de disposição legal de carácter imperativo.

Texto Integral


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

AA, propôs ação declarativa comum contra EMP01... SA., peticionando a condenação desta no pagamento do valor diferencial que a ré deve ao autor, a título de complemento de reforma, desde 2018.
Para tanto, alega que a ré reduziu formalmente a remuneração do seu administrador executivo, descendente de BB e com o vencimento mais elevado, que o valor dessa redução foi pago a este administrador por interposta pessoa, detida exclusivamente por esse mesmo administrador, através de pagamentos de serviços ficcionados e de redução de capital, e que tudo assim foi planeado com intuito de defraudar o direito do falecido autor em receber o complemento de reforma estatutariamente atribuído (e reconhecido em processo judicial anteriormente proposto).
Indicou meios de prova.
A ré contestou, pugnando pela improcedência da ação. Alegou o cumprimento do decidido no processo n.º 3396/14.3T8GMR, assim que transitara em julgado; arguiu haver caso julgado do aí decidido, impeditivo da suposta reanálise do critério de cálculo do complemento devido ao falecido autor para abarcar prestações pagas pela ré a terceiras entidades; impugnou a imputada redução de capital e redução artificial da remuneração e seu pagamento por interposta pessoa.
Indicou meios de prova.
O falecido autor exerceu o contraditório às exceções e meios de prova apresentados na contestação.
Dispensada a audiência prévia, por despacho foram os autos saneados (julgando-se improcedente a exceção do caso julgado), definidos o objeto do litígio e os temas da prova, o que mereceu reclamação da ré, não atendida, selecionados e admitidos os meios de prova, o que foi objeto de recurso pelo falecido autor, mas de que este veio a desistir, e delimitados os atos processuais a seguir.
O falecido autor apresentou articulado superveniente, procedendo à liquidação do pedido por referência ao ano de 2021, alegando, para o efeito, que houve empréstimos à terceira entidade, o que beneficiou o seu sócio, e que tal mecanismo integrou o alegado esquema de redução artificial da melhor remuneração paga pela ré a seu administrador.
Indicou meios de prova.
O articulado superveniente foi liminarmente admitido e a ré exerceu o contraditório ao mesmo, rejeitando por falsos e por não terem o significado o que o falecido autor pretende e pugnando pela improcedência do pedido tornado líquido.
Indicou meios de prova.
Procedeu-se à habilitação de herdeiros do falecido autor.
Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, absolvendo a ré do pedido formulado e da peticionada litigância de má fé.

Inconformados com a sentença proferida nos autos, os Habilitados/autores apresentaram-se a recorrer, terminando as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. O presente recurso é interposto da sentença recorrida proferida, a final, pelo Tribunal de 1.ª Instância, que conheceu do mérito da causa e julgou a presente acção improcedente.
2. Os presentes autos tratam-se de um caso evidente de fraude ao complemento de reforma que a lei (artigo 402.º, n.os 2 e 4, do Código das Sociedades Comerciais) permite conferir ao Autor originário dos presentes autos, mas, salvo o devido respeito, a sentença recorrida não atentou na verdadeira substância deste caso, tendo antes ficado pela mera aparência de conformidade com a lei que a Ré e o seu beneficiário efectivo, BB, usaram para contornar a verdadeira substância da lei.
3. A procedência do presente recurso é uma evidência mesmo à luz da matéria de facto que foi considerada como provada na sentença recorrida, pelo que, em rigor, a procedência deste recurso não exigiria a procedência deste recurso à impugnação da matéria de facto.
4. Sem prejuízo disto, a verdade é que, o presente recurso deve ser julgado procedente quanto à impugnação da matéria de facto, nomeadamente com base em prova gravada e documental, importando atentar, primeiro, na impugnação da matéria de facto.
5. EM PRIMEIRO LUGAR, a matéria da alínea A) dos factos não provados da sentença recorrida (capítulo II.A.2) deve ser julgada provada nos seguintes termos: “Até ao ano de 2017, BB auferiu sempre e de forma consistente e crescente uma remuneração superior a 350 mil euros/ano”.
6. Caso assim não se entenda, subsidiariamente, a matéria da alínea A) em causa deve ser considerada como parcialmente provada, nos seguintes termos: “pelo menos desde 2013 até ao ano de 2017, BB auferiu sempre e de forma consistente e crescente uma remuneração superior a 350 mil euros/ano”.
7. Esta procedência está sustentada nos fundamentos e elementos de prova indicados nas conclusões subsequentes.
8. Primeiro: relativamente à remuneração de BB, enquanto administrador da Ré, nos anos de 2013 a 2015, nos valores anuais de EUR 353 mil, EUR 364 mil e EUR 362 mil resultam dos DOCS. 1, 6, 7 e 8 da p.i. (estes valores constam dos factos provados n.ºs 59 e 60 das três decisões judiciais em causa nestes documentos).
9. Segundo: a matéria em causa na alínea A) dos factos não provados da sentença recorrida relativamente à remuneração de BB, enquanto administrador da Ré, nos anos de 2013 a 2015, resulta, também, da própria matéria constante do facto provado n.º 39 da sentença recorrida.
10. Terceiro: relativamente à remuneração de BB, enquanto administrador da Ré, nos anos de 2016 e 2017, nos valores de EUR 361 mil e EUR 375 mil, a mesma resulta dos factos provados n.ºs 27 e 40 da própria sentença recorrida.
11. Quarto: a remuneração de BB, enquanto administrador da Ré, nos anos de 2016 e 2017, nos valores de EUR 361 mil e EUR 375 mil, resulta, igualmente, da própria carta que a Ré enviou ao Autor originário em 24 de Agosto de 2020, que foi junta como DOC. 10 da petição inicial.
12. EM SEGUNDO LUGAR, a matéria da alínea B) dos factos não provados da sentença recorrida (capítulo II.A.2) deve ser considerada provada, nos seguintes termos: “A partir de finais de Outubro de 2017, a Ré e BB começaram a equacionar - e, depois, puseram em prática - uma forma de defraudar o decidido pelas Instâncias, designadamente quanto ao complemento de pensão de reforma reconhecido ao Autor na parte em que dependia da remuneração paga pela Ré a BB”.
13. Primeiro: a partir de demais factos que foram dados como provados na própria sentença recorrida, impõe-se dar a matéria de facto em causa na aludida alínea B) com base em presunção judicial (artigo 351.º do Código Civil e artigo 607.º, n.º 4 in fine, do CPC), sobretudo tratando-se de um caso em que se discute uma fraude.
14. Neste caso concreto, há seis conjuntos de factos que impõem que a matéria constante da alínea B) dos factos não provados da sentença recorrida seja dada como provada:
(i) pelos menos nos cinco anos que antecederam os anos de 2018 (ano que o salário formal de BB), o salário formal de BB foi mais do dobro do seu salário formal em 2018 e 2019, enquanto administrador da Ré, invertendo drasticamente uma evolução crescente do seu salário formal que se vinha verificando desde 2013 a 2017, o que foi compensado pelo pagamento de facturas, a alegado título de prestação de serviços desde 2019 a 2020, no total de EUR 611 mil, pela Ré à sociedade EMP02... da qual BB é beneficiário efectivo único e sócio-gerente único (com base nos elementos e factos provados já detalhados quanto à alínea A) dos factos não provados da sentença recorrida, que aqui se dão por reproduzidos e, ainda, factos provados n.ºs 27, 51 a 54, 58, 60, 61, 62, 63 e 82 a 85 da sentença recorrida);
(ii) no período de 2013 a 2018, não houve qualquer histórico de caixa, nem facturação de prestação de serviços da EMP02... à Ré, nem a qualquer outro terceiro, ao contrário do que, pela primeira vez, aconteceu a partir de 2019, tendo a facturação de prestação de serviços da EMP02... passado de zero naquele período para EUR 611 mil unicamente à Ré, no período de 3 anos de 2019 a 2021 (cfr. conjugação dos factos provados n.ºs 69 e 70 da sentença recorrida com os factos provados n.ºs 58, 60, 61, 62 e 63 da sentença recorrida);
(iii) esta facturação da EMP02... à Ré, a título de prestação de serviços, foi emitida apesar de a EMP02... ser, à data, uma sociedade SGPS e não ter qualquer trabalhador (remunerado ou não remunerado) ao seu serviço, nem ter tido qualquer gasto com remuneração de pessoal, bem como que a EMP02... usa os meios e a sede da Ré (factos provados n.ºs 67, 71, 80 e 81 da sentença recorrida;
(iv) conforme resulta das cláusulas 1. e 2. do DOC. 1 do Requerimento da Ré, de 12 de Setembro de 2022, a Ré tentou suportar parte do pagamento dos valores de serviços em causa à EMP02... (EUR 252 mil e EUR 42 mil, acrescidos de IVA), com base num alegado contrato de prestação de serviços, datado unicamente de 30 de Abril de 2019, mas que, supostamente, retroagiria a serviços no período de Janeiro de 2014 até Dezembro de 2019, no que diz respeito ao objecto “aconselhamento à administração e gestão necessário ao desenvolvimento da actividade” da Ré;
(v) o mesmo ocorre relativamente ao “contrato de prestação de serviços” junto como DOC. 9 do Requerimento da Ré, de 12 de Setembro de 2022, datado unicamente de 2 de Dezembro de 2019, com que a Ré tentou justificar a facturação de EUR 275 mil, acrescida de IVA, quanto a serviços da EMP02... à Ré, retroactivamente desde o período de Julho de 2016 a Junho de 2019 (cfr. respectivas cláusulas 2. e 3.), sendo que os serviços deste contrato e o respectivo projecto (relativo à ...) não foram concretizados na EMP02..., mas foram facturados e pagos, conforme resulta do depoimento de parte da Ré (CC) na audiência de julgamento de 7 de Maio de 2024 (depoimento de parte da Ré com referência na acta 2 da respectiva acta: “Consigna-se que o registo digital, ficou registado no sistema, no intervalo de tempo (00:00:01 a 01:40:19)”, em particular a gravação de depoimento de parte da Ré desde 00h52m26s até 00h53m11s e desde 00h59m04s até 00h59m45s) e também da inquirição da testemunha DD na audiência de julgamento de 4 de Junho de 2024 (com referência na acta 2 da respectiva acta: “Consigna-se que o registo digital, ficou registado no sistema no intervalo de tempo (00:00:01 a 01:05:08).”, maxime gravação da inquirição desta testemunha desde 00h09m15s até 00h10m42s);
(vi) o “timing” em que o salário formal de BB, enquanto administrador da Ré, foi formalmente reduzido também confirma, ainda mais, a intenção fraudulenta com quem a Ré actuou, porquanto, no processo n.º 3396/14.3T8CMR (incluindo impugnação da matéria de facto), o Tribunal da Relação julgou improcedente o recurso da Ré, em 19 de Outubro de 2017 (conforme resulta dos DOCS. 1 e 6 da petição inicial).
15. Segundo: face aos seis conjuntos de factos expostos nos artigos 60. a 94. acima, para além da presunção judicial impor a conclusão que se acabar de evidenciar, também os juízos de experiência comum impõem que a matéria da alínea B) dos factos não provados da sentença recorrida seja considerada como provada.
16. Para além do que já se disse acima os juízos de experiência comum impõem que a matéria a matéria da alínea B) dos factos não provados da sentença recorrida deve ser julgada como provada também face à absoluta inverosimilhança do depoimento de parte da Ré, através de CC, e da testemunha DD (director financeiro da Ré).
17. É que, por um lado, quer em sede de depoimento de parte da Ré, através de CC, quer em sede das declarações da testemunha DD, estes referiram que a EMP02... iria devolver à Ré os valores facturados ao abrigo do “contrato de prestação de serviços” junto como DOC. 9 do Requerimento da Ré, de 12 de Setembro de 2022 (depoimento de parte da Ré, através de CC, na audiência de julgamento de 7 de Maio de 2024, com referência na acta 2 da respectiva acta: “Consigna-se que o registo digital, ficou registado no sistema, no intervalo de tempo (00:00:01 a 01:40:19)”, maxime gravação desde 00h59m04s até 00h59m45s) (inquirição da testemunha DD, na audiência de julgamento de 4 de Junho de 2024, com referência na acta 2 da respectiva acta: “Consigna-se que o registo digital, ficou registado no sistema no intervalo de tempo (00:00:01 a 01:05:08), maxime gravação desde 00h09m15s até 00h10m42s, 00h20m50s até 00h22m15s e 00h02m37s até 00h05m23s).   
18. Terceiro: há um elemento absolutamente crucial que, por si só, desmonta toda a fraude da Ré: é que, quer da prova documental, quer da prova testemunhal, resulta claro que os serviços facturados pela EMP02... à Ré dizem respeito a serviços de “gestão” e “consultoria” que resultaram da actuação de BB, cuja actuação quanto à actividade comercial da Ré está, intrínseca e materialmente, ligada à sua posição de administrador da Ré, conforme resulta da prova testemunhal correspondente às declarações do próprio director financeiro da Ré, a testemunha DD (inquirição desta testemunha na audiência de julgamento de 4 de Junho de 2024, com referência na acta 2 da respectiva acta: “Consigna-se que o registo digital, ficou registado no sistema no intervalo de tempo (00:00:01 a 01:05:08), maxime gravação desde 00h10m49s até 00h11m26s e desde 00h23m10s até 00h25m04s).
19. Quarto: a prova quanto à matéria alínea B) dos factos não provados da sentença recorrida resulta, ainda, suportada pelos factos provados n.os 74 e 75 da própria sentença recorrida.
20. Quinto: ao contrário do que é imposto pelo artigo 397.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais, as supostas autorizações do Conselho de Administração da Ré quanto às alegadas prestações de serviços da EMP02... (através de BB) à Ré não foram sequer objecto de especificação nos relatórios anuais, nem mencionaram os pareceres do Conselho Fiscal da Ré sobre estas prestações de serviços da EMP02..., até porque estes pareceres nem sequer existiram.
21. A falta de especificação nos relatórios anuais da Ré destas autorizações do Conselho de Administração da Ré e dos pareceres do Conselho Fiscal resultam da conjugação de todos os relatórios anuais da Ré que foram juntos como DOCS. 21 a 27 e 30 a 34 da petição inicial, do DOC. 1 do requerimento do Autor originário de 9 de Setembro de 2022 e do DOC. 2 do articulado superveniente do Autor originário de 26 de Setembro de 2022.
22. Acresce que própria inexistência dos aludidos pareceres do Conselho Fiscal da Ré resulta das declarações da testemunha EE, Presidente do Conselho Fiscal da Ré, no período temporal em causa (cfr. inquirição da testemunha EE na audiência de julgamento de 2 de Julho de 2024, com referência na acta 2 da respectiva acta: “Consigna-se que o registo digital do depoimento e ficou registado no sistema no intervalo de tempo - 00:00:01 a 00:16:37”, maxime gravação desde 00h04m50s até 00h11m03s e razão de ciência desde 00h01m48s até 00h02m17s).
23. EM TERCEIRO LUGAR, face à prova produzida, a matéria da alínea C) dos factos não provados da sentença recorrida (capítulo II.A.2) deve ser considerada parcialmente provada, nos seguintes termos: “Na verdade, manteve-se a favor daquele EMP03... o pagamento do diferencial formalmente reduzido na sua remuneração, enquanto administrador da Ré, por via da empresa EMP02..., SGPS, e de forma artificial”.
24. Isto porque, face a todos os elementos de prova, presunção judicial e juízos de experiência comum invocados quanto à matéria das alíneas A) e B) dos factos não provados – que aqui se dão por integralmente reproduzidos, por economia processual -, afigura-se claro que a facturação dos serviços de EUR 611 mil pela EMP02... à Ré visou compensar BB pela redução do salário formal, enquanto administrador da Ré.
25. Neste contexto, seja para efeitos de presunção judicial, seja para efeitos de ter em linha de conta os juízos de experiência comum, recorde-se os dois aspectos referidos de seguida: (i) a EMP02... não tinha qualquer trabalhador, nem colaborador, e usava os meios e sede da Ré sendo que a “EMP02... era, literalmente, BB! (factos provados n.ºs 71, 80, 81, 83 e 86 da sentença recorrida); e (ii) antes de a Ré e BB darem início ao seu esquema fraudulento com a facturação da prestação de serviços da EMP02... à Ré em 2019, 2020 e 2021, importa atentar que a EMP02... não tinha valores relevantes facturados à EMP02..., nem a terceiros, nem histórico de caixa, conforme ficou demonstrado nos factos provados n.ºs 69., 70., 74., 75. e 90. a 92. da própria sentença recorrida.
26. Em síntese, conjugando este contexto, bem como a presunção judicial e os juízos de experiência comum, com todos os demais elementos de prova já indicados acima quanto às alíneas A) e B) dos factos não provados da sentença recorrida, , afigura-se manifesto que a facturação dos alegados serviços em causa pela EMP02... à Ré (e correspondente pagamento desta àquela) visou compensar a redução do salário formal de BB, enquanto administrador da Ré.
27. Em qualquer caso, saliente-se que, conforme resulta demonstrado quer de outros factos provados na própria sentença recorrida, quer através do relatório pericial datado de 11 de Maio de 2023 que se encontra junto aos autos (cuja produção foi, oficiosamente, determinada pelo Tribunal), depois de ter facturado e recebido da Ré a título de alegada prestação de serviços, a EMP02... distribuiu, formalmente, dividendos, a BB, após a suposta consultoria deste à Ré.
28. Se não fosse a facturação destes serviços de consultoria pela EMP02... à Ré, aquela jamais teria fundos para distribuir dividendos a BB, atentos os factos provados n.ºs 69., 70., 74. e 75. da própria sentença recorrida acima já transcritos (e que aqui se dão por reproduzidos, por manifesta economia processual).
29. A aludida distribuição de dividendos da EMP02... resulta, por um lado, dos factos provados n.ºs 56 e 58 da própria sentença recorrida e, por outro lado, a conclusão acima referida também resulta das páginas 35, 40, 41, 73, 79, 108 e 109 do relatório pericial datado de 11 de Maio de 2023 (e que foi junto a estes autos nesse mesmo dia 11 de Maio de 2023), que atesta que, no período desde 2019 a 2021, a EMP02... distribuiu dividendos a BB, no montante total de EUR 356.972,22.
30. EM QUARTO LUGAR, face à prova produzida, a matéria constante da alínea N) dos factos não provados da sentença recorrida deve ser parcialmente considerada como provada nos seguintes termos: “Para além dos dividendos a que se refere o facto provado 56., a EMP02... distribuiu a BB, pelo menos, € 110.138,89”.
31. Primeiro: conforme já referido acima, a distribuição de dividendos pela EMP02... a BB quanto ao exercício de 2020 resulta das páginas 73, 77, 79 e 109 do relatório pericial datado de 11 de Maio de 2023 (que foi junto a estes autos nesse mesmo dia 11 de Maio de 2023).
32. Segundo: a distribuição de dividendos pela EMP02... a BB quanto ao exercício de 2020, no valor de EUR 110.138,89, está, expressamente, referenciado no 2.º parágrafo da página 26 da sentença recorrida.
33. A matéria de facto relativa à alínea O) dos factos não provados da sentença recorrida deve, agora, ser considerada como provada, nos seguintes termos: “Até 2021, a EMP02... era uma SGPS e tinha o seu objecto social limitado à prestação de «serviços técnicos de administração e gestão a todas ou algumas sociedades em que detenham participações (...)»”.
34. Primeiro: esta matéria resulta da certidão comercial da EMP02... que foi junta como DOC. 28 da petição inicial, donde decorre que a EMP02... era, no período em causa, uma SGPS, e ainda do facto provado n.º 67 da sentença recorrida.
35. Segundo: por outro lado, resulta do próprio artigo 4.º, n.º 1, do Regime Jurídico das SGPS, à data dos factos, que a EMP02..., enquanto SGPS, podia apenas prestar serviços técnicos de administração e gestão a todas ou algumas sociedades em que detenham participações.
36. Terceiro: isto mesmo consta já, inclusivamente, do facto provado n.º 68 da sentença recorrida, no qual consta o seguinte: “À data, a EMP02... enquanto SGPS, podia ter como objecto social a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou algumas sociedades em que detenham participações”.
37. EM QUINTO LUGAR, a matéria constante da alínea R) dos factos não provados da sentença recorrida deve ser considerada provada, nos seguintes termos: “A EMP02... tem sido usada por BB e pela Ré, nunca tendo tido - nem tendo - substância que lhe permitisse prestar serviços efectivos à Ré EMP01..., antes consubstanciando um veículo meramente formal que foi, agora (a partir de 2019), instrumentalizado para contornar a decisão condenatória proferida na acção n.º 3396/14.3T8GMR, em benefício da remuneração de BB e em detrimento e prejuízo do falecido Autor”.
38. Os concretos fundamentos para dar como provada a matéria de facto da alínea R) dos factos não provados da sentença recorrida são, exactamente, os mesmos iguais àqueles que já foram, oportunamente, invocados e especificados acima quanto à prova da matéria da alínea B) dos factos não provados da sentença recorrida, que aqui se dá por integralmente reproduzido, por manifesta economia processual.
39. Por conseguinte, a impugnação da matéria de facto, em sede de recurso, deve ser julgada procedente.
40. Em qualquer caso, o presente recurso deve ser julgado procedente, independentemente de que a impugnação da matéria de facto seja, ou não, julgada procedente, conforme se passa a expor nas conclusões subsequentes.
41. EM PRIMEIRO LUGAR, ao contrário do que foi entendido nas páginas 29 (in fine) e 30 da sentença recorrida, o facto de estar em causa a atribuição de um complemento de reforma ao Autor originário ao abrigo do disposto no artigo 402.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, que foi concretizado através dos estatutos da Ré, não afasta a aplicação do instituto da fraude à lei.
42. Com efeito, o Autor originário reclama o direito ao complemento de reforma, nos termos da fórmula concretizada pelos mecanismos societários que já foram reconhecidos no anterior processo n.º 3396/14.3T8GMR, o qual está a coberto e sob a protecção de uma norma legal, que é o artigo 402.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais.
43. De facto, a partir do momento em que o Autor originário adquiriu o direito ao complemento de reforma devido pela Ré, nos termos da fórmula de cálculo reconhecida na decisão judicial proferida no processo n.º 3396/14.3T8GMR (por referência ao salário de BB, enquanto administrador da Ré, por ser o descendente da Família ..., que integra o Conselho de Administração da Ré), a Ré ficou vinculada e obrigada, de forma imperativa, a cumprir o complemento de reforma devido ao Autor originário.
44. Por conseguinte, a fraude ao direito subjectivo do Autor originário neste caso, é uma fraude ao seu direito protegido ao abrigo do artigo 402.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, que se impõe e é obrigatório face à Ré.
45. Caso assim não fosse e o complemento de reforma não fosse obrigatório para a Ré, por força do n.º 2 do artigo 402.º do Código das Sociedades Comerciais, a partir do momento em que o Autor originário adquiriu o seu direito, então certamente que a Ré não teria sido condenada no processo n.º 3396/14.3T8GMR, que tem força de caso julgado e se impõe a ambas as Partes.
46. De resto, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de Fevereiro de 2014, foi salientado o seguinte: “A norma estatutária desconforme com o imperativo legal será nula e, com ela, qualquer deliberação que na mesma se fundamente” (processo n.º 500/12.0TVLSB.L1-7).
47. EM SEGUNDO LUGAR, em qualquer caso, acresce que a sentença recorrida violou, frontalmente, o entendimento vertido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 5 de Maio de 2020, no processo n.º 3396/14.3T8GMR.G2.S3 (cfr. página 26 do Acórdão do STJ que foi junto como DOC. 8 da petição inicial), que referiu o seguinte: “A consagração estatutária de um regime de pensão reforma e/ou de complemento de pensão reforma dos administradores das sociedades anónimas mostra-se consentida pela lei enquanto direito de escolha da sociedade (artigo 402.º, do CSC). Esta capacidade assume, porém, natureza excepcional e o regime legal que a autoriza é imperativo não podendo ser alterado pela vontade unânime dos sócios”.
8. EM TERCEIRO LUGAR, em face do que se acaba de expor, afigura-se, igualmente, óbvio e evidente que não assiste razão à sentença recorrida quando julgou esta acção improcedente, por entender que “não se discute nesta acção as obrigações ou os direitos dos administradores, não estando em causa que o falecido Autor tem direito a um complemento de pensão de reforma. Logo, não se pode concluir pela violação de tal norma” (página 30 da sentença recorrida).
49. Com efeito, o direito subjectivo do Autor originário não se fica apenas pela mera afirmação ou negação da existência de um direito (tal como todos os direitos), em termos de “sim” ou “não”. De facto, tal como todos os direitos, o direito do Autor originário ao complemento de reforma tem um conteúdo e é por referência a este conteúdo que o direito em causa deve ser exercido e apreciado.
50. No caso concreto, o direito do Autor originário integra a fórmula de cálculo do seu complemento de pensão de reforma, por referência à remuneração de BB como administrador da Ré, tal como consta, aliás, como provado nos factos provados n.ºs 8., 11., 12. e 27. da sentença recorrida.
51. EM QUARTO LUGAR, do que se acaba de expor resulta também que o facto de que “a Ré apresentou-se a pagar ao falecido Autor o complemento de pensão de reforma estatutariamente regulado e segundo a fórmula definida no Estatuto (...) [e] foi, sim, o Autor quem discordou de uma das suas constantes (valores alusivos à melhor remuneração recebida em cada momento por EMP03...)” (cfr. página 30 da sentença recorrida), não legitima a sentença recorrida a excluir a actuação da Ré em fraude à lei e de forma abusiva.
52. É que, como demonstrado acima, a Ré não tem o direito a se “apresentar” a pagar o valor co complemento de reforma que, unilateralmente, considera ser devido. Isto porque o montante do complemento de reforma, incluindo nomeadamente a sua fórmula de cálculo, integram o direito do Autor.
53. EM QUINTO LUGAR, ao contrário do que foi referido na página 31 da sentença, o que está aqui em causa não é apenas uma “mera fraude” à decisão judicial proferida no processo n.º 3396/14.3T8GMR, mas sim e, em primeira linha, uma fraude à lei, em particular, ao artigo 402.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, tal como resulta dos artigos 317. e 320 da petição inicial.
54. EM SEXTO LUGAR, ao contrário do que foi entendido nas páginas 31 e 32 da sentença recorrida, não assiste razão à sentença recorrida quando referiu que a prova produzida não teria “logrado conduzir à formação de uma convicção segura sobre a ocorrência de fraude na conduta descrita à Ré e a terceiros”.
55. Primeiro: a prova produzida impõe que a matéria de facto deve ser alterada, nos termos aí expostos, o que determina, por si só, a procedência do presente recurso.
56. Segundo: ainda que assim não fosse e a impugnação da matéria de facto fosse julgada improcedente (sem conceder), não assiste razão à sentença recorrida quando refere que a fraude exige a prova de uma “convicção segura” (sic). Conforme já demonstrado acima, a prova de fraude basta-se com “um juízo de possibilidade”.
57. Terceiro: acresce que, mesmo que a impugnação da matéria de facto fosse julgada improcedente (sem conceder), a verdade é que os factos provados na sentença recorrida sustentar o juízo de possibilidade ou probabilidade que permite afirmar que estamos perante uma fraude à lei, em particular ao artigo 402.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, que ampara o direito do Autor originário ao complemento de reforma.
58. Para efeito, basta atentar que, na própria sentença recorrida, ficou provado o seguinte:
(a) A EMP02... entre 2012 a 2019 (inclusive) não apresentou qualquer trabalhador remunerado ou não remunerado ao seu serviço, nem qualquer gasto com remuneração de pessoal (facto provado n.º 71 da sentença recorrida), pelo que, naturalmente, foi BB a actuar pela EMP02..., na consultoria à Ré, tal como também demonstrado no capítulo 2.2 acima;
(b) A EMP02... usa meios da Ré, como programas informáticos, computadores, telefones... e tem sede social na sede social da Ré, local onde esta, efectivamente, opera há décadas (factos provados n.ºs 80 e 81 da sentença recorrida);
(c) Entre 2012 e 2018, a EMP02... não registou qualquer montante na rubrica de «vendas e serviços prestados», nem teve histórico de caixa gerada por operações desde a sua constituição em Novembro de 2012 até 2018 (factos provados n.ºs 69 e 70 da sentença recorrida);
(d) Entre 2013 e 2017, o Presidente da Administração da Ré (EMP03...) auferiu de forma consistente e crescente remuneração superior a 350.000,00/ano e apenas em 2018 é que reduziu o seu salário formal como administrador da Ré para (facto provado n.º 44 da sentença recorrida);
(e) Em Outubro de 2017, foi proferido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que confirmou a condenação da Ré a pagar ao Autor originário o complemento de reforma, incluindo por referência ao salário de BB, enquanto administrador da Ré, incluindo os complementos comercial e de marketing (factos provados 12. e 17. da sentença recorrida);
(f) Em 2018 e 2019, o salário formal de BB, enquanto administrador da Ré, foi reduzido para EUR 164.940,22 e EUR 152.103,25, respectivamente (facto provado n.º 27 da sentença recorrida);
(g) Apesar de ser uma SGPS, em 2019, 2020 e 2021, é que a EMP02... registrou prestações de serviços no total de EUR 611 mil à Ré (factos provados n.os 53., 54., 60. a 63., 67. e 68. da sentença recorrida);
(h) A Ré é detida a 100% pela EMP02... que, por sua vez, tem como sócio gerente único BB, que é o beneficiário efectivo único da Ré e da EMP02... (factos provados n.ºs 76. e 82. a 84. dos factos provados da sentença recorrida); e
(i) Desde 2019 a 2021, a EMP02... distribuiu dividendos a BB, na sequência de ter facturado as aludidas prestações de serviços à Ré (factos provados n.ºs 56 e 58 da sentença recorrida e segundo parágrafo da página 26 da sentença recorrida).
59. Este quadro factual demonstra, à saciedade, que a Ré e BB usaram a EMP02... para facturar à Ré prestações de serviços relativos ao trabalho de gestão e administração de BB relativos à própria Ré!
60. O que é verdadeiramente relevante é que, no final do dia, BB beneficiou de prestações de serviços da EMP02... à Ré, precisamente, por trabalho de administração e gestão da Ré, sendo que, em substância, a sua remuneração por esta actividade constitui um valor de referência para o cálculo do complemento de pensão do Autor originário.
61. Por conseguinte, sob pena de fraude à lei, os valores facturados pela EMP02... à Ré, a título das aludidas prestações de serviços, devem ser considerados para efeitos do cálculo do complemento de reforma do Autor originário.
62. EM SÉTIMO LUGAR, ainda que não houvesse fraude à lei (sem conceder), sempre a presente acção teria de ser julgada procedente, por manifesto abuso do direito da Ré, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334.º do Código Civil.
63. No caso concreto, face aos fundamentos acima expostos, afigura-se manifesto que haveria abuso do direito, porquanto a Ré (e BB) teria abusado da formalidade e personalidade jurídica da Ré EMP02..., sociedade que nem sequer tem meios próprios (nem humanos, nem materiais) e actua através do seu sócio-gerente único, BB (cfr. factos provados n.ºs 71., 76. e 80. a 84. da sentença recorrida).
 64. Em face do exposto, a sentença recorrida deve ser revogada e o presente recurso deve ser julgado integralmente procedente.
65. Relativamente LIQUIDAÇÃO DA CONDENAÇÃO DA RÉ, face à prova produzida, a título principal, afigura-se claro a Ré deve ser condenada a pagar aos Autores Habilitados (que assumiram a posição do Autor originário, a título do seu complemento de reforma, ao abrigo do artigo 402.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais), o seguinte:
(i) por referência anos de 2018 e/ou 2019, a Ré deve ser condenada aos Autores o valor de capital de EUR 320.750,00, por referência ao valor da facturação da prestação de serviços da EMP02... à Ré que consta dos factos provados n.ºs 53. e 54. da sentença recorrida, acrescido dos juros de mora civis à taxa de 4% vencidos de EUR 18.151,88 antes da instauração da presente acção (por referência à data da interpelação que consta do facto provado 26. da sentença recorrida ou, no limite, do facto provado n.º 31. da sentença recorrida) e, ainda, dos juros de mora vencidos e vincendos após a instauração da presente acção à taxa de 4%;
(ii) por referência anos de 2020 e 2021, face aos elementos juntos ao processo e à prova produzida que permitiu fazer a liquidação dos valores peticionados para este período, a Ré deve ser condenada aos Autores o valor de capital de EUR 290.250,00 (isto é, EUR 248.250,00 + EUR 42.000,00), por referência ao valor da facturação da prestação de serviços da EMP02... à Ré que consta dos factos provados n.ºs 60 a 63 da sentença recorrida, acrescido de juros de mora civis vencidos e vincendos desde a data da citação da Ré na presente acção, à taxa de 4%.
66. O que perfaz o total de capital de EUR 611.000,00, acrescidos de juros de mora, nos termos acima referidos.
67. Caso assim não se entenda, subsidiariamente (sem conceder), o presente recurso deve ser julgado parcialmente procedente e, por conseguinte, deve a presente ser julgada parcialmente procedente, devendo a Ré ser condenada a pagar aos Autores o capital de EUR 356.972,22 (correspondente aos dividendos distribuídos pela EMP02... a BB, a que se referem os factos provados n.ºs 56, 58, a matéria da alínea C) dos factos provados da sentença recorrida que agora deve ser julgada provada e, ainda, o 2.º parágrafo da página 26 da sentença recorrida, na sequência dos valores facturados pela EMP02... à Ré, a título de prestação de serviços, por consultoria e gestão, por referência aos factos provados n.ºs 53. e 60. a 62. da sentença recorrida), acrescido de juros de mora, calculados à taxa de juros civis de 4%, desde a data da citação da Ré, nos presentes autos.
68. Isto porque, quer no pedido principal, quer no pedido subsidiário do presente recurso, os valores em causa devem ser considerados na fórmula de cálculo do complemento de reforma a que o Autor originário tem direitos, nos termos dos factos provados n.ºs 8., 11. e 12. da sentença recorrida, que corresponde à diferença entre a reforma recebida da Segurança Social pelo Autor e a remuneração auferida pelo administrador da Ré descendente de BB, actualmente, BB. 
69. Ora, na medida em que o aludido capital de EUR 611.000 (ou, subsidiariamente, EUR 356.972,22) incrementam a variável do valor de referência relativo à “remuneração auferida pelo administrador da Ré descendente de BB, actualmente, BB” (e os valores anteriormente pagos pela Ré ao Autor originário já descontaram a pensão da segurança social deste), o aludido capital de EUR 611.000 (ou, subsidiariamente, EUR 356.972,22) corresponde ao capital devido pela Ré aos Autores.
Em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado integralmente procedente e, por conseguinte, deve a presente ser julgada integralmente procedente, devendo a Ré ser condenada a pagar aos Autores o montante de EUR 611.000,00 (resultante dos valores facturados pela EMP02... à Ré, a título de prestação de serviços, por consultoria e gestão, por referência aos valores liquidados nos factos provados n.ºs 53., 54. e 60. a 63. da sentença recorrida), acrescido de juros de mora, calculados à taxa de juros civis de 4%, sendo que, quanto a juros de mora vencidos antes da data da instauração da presente acção, encontram-se vencidos juros de EUR 18.151,88, a que acrescem demais juros vencidos e vincendos a data da citação da Ré, nos presentes autos.
Caso assim não se entenda, subsidiariamente, o presente recurso deve ser julgado parcialmente procedente e, por conseguinte, deve a presente ser julgada parcialmente procedente, devendo a Ré ser condenada a pagar aos Autores o montante de EUR 356.972,22 (correspondente aos dividendos distribuídos pela EMP02... a BB, a que se referem os factos provados n.ºs 56, 58, a matéria da alínea C) dos factos provados da sentença recorrida que agora deve ser julgada provada e, ainda, o 2.º parágrafo da página 26 da sentença recorrida, na sequência dos valores facturados pela EMP02... à Ré, a título de prestação de serviços, por consultoria  e gestão, por referência aos factos provados n.ºs 53. e 60. a 62. da sentença recorrida), acrescido de juros de mora, calculados à taxa de juros civis de 4%, desde a data da citação da Ré, nos presentes autos».
A ré apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência da apelação apresentada pelos autores e requerendo, subsidiariamente, a ampliação do objeto do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 1 do CPC, formulando a propósito as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«(…)
Subsidiariamente: ampliação do objecto do recurso ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 1, do C.P.C.:
104. ª - O Autor originário, bem como os Recorrentes, que lhe sucederam, estão obrigados a respeitar o caso julgado formado no processo n.º 3396/14.3T8GMR e não podem, por isso, nesta acção, pretender que o Tribunal novamente decida sobre qual é o conteúdo do direito ao complemento de reforma que lhe foi reconhecido naquela outra acção.
105. ª - Isso mesmo foi alegado pela Recorrida na contestação, tendo para o efeito invocado a competente excepção, que foi julgada improcedente no despacho saneador.
Prevenindo agora, por mera cautela, a eventualidade de o recurso ser julgado procedente nalguma medida, a Recorrida requer, ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 1, do C.P.C., a ampliação do objecto do recurso para conhecimento desta questão, em que decaiu em Primeira Instância.
106. ª - O caso julgado formado nessa acção tem este estrito objecto: o Tribunal reconheceu ao Autor o direito a um complemento de pensão de reforma que corresponde ao montante que é pago pela Ré a título de remuneração ao seu administrador descendente de BB, presentemente o BB, deduzido do montante que a Autor recebe da Segurança Social a título de pensão de velhice.
107. ª - Não foi reconhecido ao Autor o direito a perceber da Ré quaisquer outras quantias, nem o direito a perceber quantias que sejam pagas pela Ré a BB ou a terceiros a qualquer outro título.
108. ª - Ora, na presente acção, os Recorrentes não estão a pedir que lhes seja pago o complemento de pensão de reforma calculado nos termos definidos na sentença; estão antes a pedir que para além desse complemento, que já foi pago pela Ré, o Tribunal lhes atribua também o direito a outras quantias, apuradas por apelo a determinadas relações de conteúdo patrimonial alegadamente estabelecidas entre a Ré e a EMP02... e entre esta última e BB, o que está para além do âmbito daquela condenação.
109. ª - Isso mesmo foi esclarecido pelo S.T.J. nos autos do incidente de liquidação que o Autor tentou enxertar no processo n.º 3396/14.3T8GMR, ao recusá-lo pela razão de que a condenação contida nesse processo não é genérica mas líquida e que a determinação do montante dos complementos de reforma depende de mero cálculo aritmético.
110. ª - O que impõe a conclusão de que o respeito pela autoridade do caso julgado formado no processo n.º 3396/14.3T8GMR não permite que o Tribunal considere como conteúdo, possível, sequer, do direito ao complemento da pensão de reforma, ou da base de cálculo do mesmo, quaisquer outras pretensas quantias ou prestações efectuadas pela Ré à sua accionista EMP02....
111. ª - O recurso da Autora deve, assim, improceder, in totum.
112. ª - Consequentemente, nenhum fundamento existe para que se proceda à liquidação pretendida pelos Recorrentes nos pontos 251 e seguintes (e nas conclusões 65 a 69) das suas alegações de recurso.
Termos em que deverá julgar-se totalmente improcedente o recurso e, consequentemente, confirma-se a douta Sentença recorrida.
Caso assim não se entenda, deverá conhecer-se da ampliação do objecto do recurso deduzida ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 1, do C.P.C. e, consequentemente, julgar-se improcedente a acção, absolvendo-se a Ré dos pedidos».
Em 07-01-2025, os apelantes apresentaram requerimento que apelidaram de resposta à ampliação do objeto do recurso, alegando que a pretensão deduzida pela ré em sede de ampliação do objeto do recurso, quanto à suposta violação da ofensa do caso julgado pelo despacho saneador proferido em 10-07-2022 pela primeira instância, é imprópria e processualmente inaplicável e, ainda, intempestiva; subsidiariamente, invocam a improcedência dos fundamentos da ampliação do objeto do recurso requerida pela ré.
O Tribunal a quo proferiu o despacho previsto no artigo 641.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), admitindo o recurso apresentado pelos autores/habilitados como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo, após o que os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação.
Em 20-01-2025, a ré veio apresentar requerimento, no qual alega vir exercer o contraditório quanto à suscitada inadmissibilidade da ampliação do objeto do recurso.
Em 28-01-2025, os recorrentes vêm suscitar a nulidade do requerimento apresentado pela ré/recorrida em 20-01-2025 por constituir a prática de um ato que a lei não admite e que influi na decisão da causa, requerendo o respetivo desentranhamento, ao que a recorrida/ré respondeu, em 10-02-2025.
Corridos os vistos, cumpre decidir, sendo de admitir o recurso nos mesmos termos do despacho proferido em primeira instância.
II. Delimitação do objeto do recurso
Face às conclusões das alegações dos recorrentes, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 do CPC, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:
i) 1.ª Questão prévia: da nulidade do requerimento apresentado pela ré/recorrida em 20-01-2025 no qual exerce o contraditório quanto à suscitada inadmissibilidade da ampliação do objeto do recurso;
ii) 2.ª Questão prévia:  admissibilidade da ampliação do objeto do recurso apresentada pela ré/recorrida nas contra-alegações;
iii) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
iv) reapreciação do mérito da decisão de direito: se existe fundamento jurídico para a procedência das pretensões deduzidas pelos autores.

Subsidiariamente, a ser admitida a ampliação do objeto do recurso, e em caso de procedência dos fundamentos da apelação, reapreciação da decisão proferida em sede de saneador, que julgou improcedente a exceção do caso julgado, em função do decidido no âmbito da ação que correu termos sob o n.º 3396/14.3T8GMR, invocada pela ré na contestação (contra-alegações da ré/recorrida).
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:
1. O falecido Autor foi administrador executivo da Ré desde janeiro de 1966 até março de 2007 e assessor da administração da Ré desde abril de 2007 até março de 2009, altura em que se reformou com 65 anos.
2. Por força da sua reforma, dos estatutos e deliberações da assembleia geral da Ré, onde participara, o falecido Autor adquiriu o direito a receber um complemento de reforma pago pela Ré.
3. Atualmente, o falecido Autor é o único dos anteriores membros do Conselho de Administração da Ré que aufere tal complemento de reforma.
4. A Ré pagou, voluntariamente, ao falecido Autor os aludidos complementos de reforma que se foram vencendo a partir de abril de 2009 e até ao final do ano de 2011.
5. A partir do início de 2012, a Ré deixou de dar cumprimento a esta obrigação de pagar o complemento de reforma ao falecido Autor.
6. A 11.12.2014, o falecido Autor intentou uma ação declarativa de condenação contra a Ré, que correu termos no Juízo Central Cível de Guimarães, J..., sob o n.º 3396/14.3T8GMR.
7. Por tal ação, o falecido Autor peticionou a condenação da Ré ao pagamento do capital em dívida, a título de complementos de reforma vencidos desde janeiro de 2012 (acrescido dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos) e ainda os complementos de reforma que se viessem a vencer no futuro até ao falecimento do Autor.
8. O falecido Autor deduziu então um pedido genérico por, no momento da propositura da ação, não ter elementos suficientes para liquidar o montante exato devido pela Ré, dado que o cálculo do complemento de reforma dependia de se conhecer, a cada momento, o valor da remuneração auferida por BB (doravante, EMP03...), atual Presidente do Conselho de Administração da Ré e descendente da Família ... nesse órgão societário.
9. No decurso da produção de prova em 1.ª Instância, a Ré juntou aos autos os documentos que permitiam proceder ao cálculo dos complementos de pensão de reforma devidos até dezembro de 2015 (inclusive).
10. O que permitiu, ainda antes de ser proferida sentença, ao falecido Autor proceder à liquidação do pedido por referência ao período de janeiro de 2012 a dezembro 2015.
11. A 19.12.2016 proferida nesse processo proferida sentença onde se decidiu que os Estatutos da Ré (em vigor à data de cessação funções do Autor como administrador da Ré) conferem a este falecido Autor o direito a um complemento de reforma no montante que seja necessário para que este aufira, de prestação global de reforma, uma quantia igual ao salário recebido, em cada momento, pelo administrador executivo da Ré que seja descendente de BB e que tenha vencimento mais elevado (Ou seja, Prestação social paga pela Segurança Social ao Autor + Complemento de reforma a pagar pela Ré = Salário auferido pelo administrador em exercício com funções executivas que seja descendente de BB e com vencimento mais elevado).
12. A decisão proferida a 19.12.2016, julgando procedente a ação n.º 3396/14.3T8GMR: - condenou a Ré no pagamento de € 1.055.890,37, correspondente aos complementos de reforma do período de janeiro de 2012 a dezembro de 2015 (inclusive); e
- condenou a Ré «na quantia correspondente aos complementos de reforma vencidos desde Janeiro de 2016 até à presente data e nos complementos de reforma que se venham a vencer até ao falecimento do Autor, em montante correspondente à diferença entre a reforma recebida da Segurança Social pelo Autor e a remuneração auferida pelo administrador da Ré descendente de BB, atualmente, BB».
13. A Ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães da sentença proferida pela 1.ª Instância.
14. E não procedeu ao pagamento do valor que se mostrava liquidado na sentença da 1.ª Instância.
15. Paralelamente, a 06.10.2017, o Autor propôs ação executiva para obter o pagamento desse valor líquido, paralelamente à ação declarativa (entretanto em recurso), que correu termos sob o n.º 6619/17.3T8VNF -J... do Juízo de Execução de VN Famalicão.
16. Citada, a Ré deduziu embargos de executado a tal execução.
17. Entretanto, a 19.10.2017, o Tribunal da Relação de Guimarães proferiu Acórdão, confirmando a sentença da 1.ª Instância proferida no proc. n.º 3396/14.3T8GMR, apenas com uma clarificação quanto ao cálculo dos juros moratórios.
18. A notificação postal deste Acórdão às partes foi expedida a 20.10.2017 (6f).
19. Notificada, a Ré interpôs recurso do id. Acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça.
20. Por acórdão proferido a 13.11.2018, o STJ anulou a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19.10.20217, tendo determinado que a 2.ª Instância reapreciasse matéria de facto que não havia apreciado na instância recursiva.
21. Nessa sequência, em 24.01.2019 foi proferido um novo acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães que manteve o dispositivo do acórdão da Relação proferido em 19 de outubro de 2017, que confirmava a decisão da 1.ª Instância.
22. Deste, a Ré voltou a interpor recurso, de revista excecional, para o Supremo Tribunal de Justiça.
23. A 05.05.2020, o Supremo Tribunal de Justiça julgou a revista improcedente e confirmou a condenação da Ré a pagar ao falecido Autor o complemento de reforma, nos termos que já constavam das decisões até então proferidas (uma da 1.ª Instância e duas da Relação de Guimarães).
24. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça transitou em julgado e os autos baixaram à 1.ª Instância.
25. Na sequência da baixa dos autos, em Julho de 2020 a Ré dirigiu-se ao falecido Autor, por carta nos seguintes termos: «Na sequência do trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 3396/14.3T8GMR do Juízo Central Cível de Guimarães, Juiz ..., e com vista a ficar habilitada a dar cumprimento ao aí decidido, a EMP01..., S.A. vem solicitar que lhe sejam fornecidos elementos comprovativos dos montantes que V. Exa. recebeu a título de pensão de reforma da Segurança Social após Dezembro de 2015 e do valor atual dessa mesma pensão de reforma».
26. A 23.07.2020, o falecido Autor respondeu, por carta, à Ré indicando os montantes que tinha recebido da Segurança Social desde Janeiro de 2016, por forma a permitir à Ré fazer o exercício de cálculo do complemento de reforma e solicitou que lhe fossem disponibilizados os valores em substância recebidos por BB desde janeiro de 2016 (inclusive), por forma a dispor de todos os elementos que permitissem proceder à liquidação do valor que haveria de lhe ser pago a título de complemento de reforma.
27. A 24.08.2020, a Ré enviou ao falecido Autor os elementos e valores que, no entender daquela, seriam necessários ao cálculo dos complementos de reforma devidos ao Autor no período desde 2016 a 2019, incluindo quadro resumo, conforme segue, da remuneração paga pela Ré ao referido BB (descendente da Família ...), cópia dos recibos de vencimento de BB desde Janeiro de 2016, bem como os supostos comprovativos de retenção na fonte a título de IRS, por referência aos anos de 2016 a 2020:

MÊS / ANO
       MÊS / ANO

SEG. SOCIAL (VALORES BRUTOS)

REMUNERAÇÃO EMP03... (VALORES BRUTOS)
COMPLEMENTO DE REFORMA (VALORES BRUTOS)
       Jan/16        4.292,88     26.541,66        22.248,78
       Fev/16        4.292,88     26.541,68        22.248,80
       Mar/16        4.292,88     26.541,66        22.248,78
       Abr/16        4.292,88     26.541,66        22.248,78
       Mai/16        4.292,88      26.541,68        22.248,80
       Jun/16        4.292,88     26.541,66        22.248,78
       Jul/16        8.255,54     38.791,66        30.536,12



       Ago/16        4.292,88     26.541,68        22.248,80
       Set/16        4.292,88     26.541,66         22.248,78
       Out/16        4.292,88     26.541,66        22.248,78
       Nov/16        4.292,88     26.541,68        22.248,80
       Dez/16        4.292,88     57.291,66        52.998,78
       SUB-TOTAL55.477,22       361.500,00         306.022,78
       Jan/17         4.292,88     34.337,11         30.044,23
       Fev/17         4.292,88     26.541,68         22.248,80



       Mar/17        4.292,88       26.541,66        22.248,78
       Abr/17         4.292,88     26.541,66        22.248,78
       Mai/17         4.292,88     26.541,68         22.248,80
       Jun/17         4.292,88     26.541,66        22.248,78
       Jul/17         8.255,54      38.791,66        30.536,12
       Ago/17         4.292,88       26.541,6822.248,80
       Set/17         4.292,88       26.541,66         22.248,78
       Out/17         4.292,88       26.541,66         22.248,78



       Nov/17         4.292,88        26.541,68         22.248,80
       Dez/17         4.292,88       63.791,66         59.498,78
       SUB TOTAL         55.477,22       375.795,45         320.318,23
       Jan/18         4.004,27         14.000,00         9.995,73
       Fev/18           4.004,27         14.000,00         9.995,73
       Mar/18         4.004,27         14.000,00         9.995,73
       Abr/18         4.004,27         14.000,00         9.995,73
       Mai/18         4.004,27         14.000,00         9.995,73



       Jun/18         4.004,27         14.000,00         9.995,73
       Jul/18         8.008,54         28.000,00         19.991,46
       Ago/18         4.004,27         14.000,00         9.995,73
       Set/18         4.004,27         14.000,00         9.995,73
       Out/18         4.004,27         14.000,00         9.995,73
       Nov/18         4.004,27         14.000,00         9.995,73
       Dez/18         8.008,54         53.000,00         44.881,46
       SUB-TOTAL         56.059,78        221.000,00        164.940,22



       Jan/19         4.035,50         14.000,00          9.964,50
       Fev/19         4.035,50          14.000,00          9.964,50
       Mar/19         4.035,50          14.000,00          9.964,50
       Abr/19         4.035,50           14.000,00          9.964,50
       Mai/19         4.035,50         14.000,00         9.964,50
       Jun/19         4.035,50           20.784,75         16.749,25
       Jul/19         8.071,00           28.000,00         19.929,00
       Ago/19          4.035,50          14.000,00          9.964,50



       Set/19         4.035,50           14.000,00          9.964,50
       Out/19          4.035,50           19.815,50         15.780,00
       Nov/19         4.035,50           14.000,00          9.964,50
       Dez/19         8.071,00            28.000,00         19.929,00
       SUB-TOTAL         56.497,00          208.600,25         152.103,25
       Jan/20         4.035,50           14.000,00          9.964,50
       Fev/20         4.035,50           14.000,00          9.964,50
       Mar/20          4.035,50           14.000,00          9.964,50



       Abr/20         4.035,50           15.400,00         11.364,50
       Mai/20         4.035,50            14.000,00          9.964,50
       Jun/20         4.035,50            14.000,00          9.964,50
       Jul/20         8.071,00            28.000,00          19.929,00
       SUB-TOTAL         32.284,00           113.400,00          81.116,00
       TOTAL         255.795,22        1.280.295,70            1.024.500,48

28. Nem todos os recibos de vencimento de BB desde janeiro de 2016 puderam ser tidos em consideração, mas as partes lograram chegar a acordo quanto ao montante devido pela Ré ao Autor a título de complemento de reforma relativamente aos seguintes períodos: i) de janeiro de 2012 a dezembro de 2015, tendo então apresentado um requerimento conjunto dando conta do mesmo, no processo executivo supra id. e que se encontrava em curso; e ii) de janeiro de 2016 a dezembro de 2017, atendendo aos valores comunicados pela Ré.
29. Os pagamentos relativos a estes dois períodos já foram realizados pela Ré e o falecido Autor já deu a correspondente quitação à Ré.
30. Porém, os valores respeitantes aos anos de 2018 e 2019 que foram comunicados pela Ré ao falecido Autor não foram aceites, por este entender não corresponderem à remuneração real paga, em substância, pela Ré a BB.
31. Assim, a 23.02.2021, pretendendo liquidar os montantes dos complementos de reforma devidos pela Ré por referência aos anos de 2018 a 2019, o falecido Autor propôs incidente de liquidação, no contexto do próprio processo n.º 3396/14.3T8GMR, alegando aí que os valores comunicados pela Ré por referência aos anos de 2018 a 2019 não podiam ser tomados como bons para efeitos do cálculo do complemento de reforma devido ao Autor, por assentarem num esquema de fraude à lei e à sentença de 19 de Dezembro de 2016, devendo o cálculo do complemento de reforma devido ao falecido Autor abranger, também, os valores pagos pela Ré a BB, através da sociedade unipessoal SGPS detida a 100% por este (e da qual é sócio-gerente).
32. A 05.05.2021, a 1.ª Instância rejeitou o incidente de liquidação iniciado pelo falecido Autor e absolveu a Ré da instância, julgando verificada uma exceção dilatória inominada.
33. O Autor interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães, que a revogou por Acórdão de 16.09.2021 e que julgou admissível o incidente e ordenou o prosseguimento dos autos.
34. Porém, na sequência de recurso de revista interposto pela ora Ré, a 18.01.2022 o STJ revogou o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, por entender que «o acórdão recorrido violou duplamente o caso julgado:
- por considerar, contra o que havia sido decidido na acção, que a obrigação era ilíquida e que não estava dependente de simples cálculo aritmético;
- e que o incidente de liquidação era o meio apropriado.
Ao assim entender, dando razão ao apelante, permitira a este discutir, de novo, a obrigação da ré e os seus montantes, à margem do objeto da forma escolhida - o incidente de liquidação nos termos do n.º 2 do art.º 358.º do CPC - e em manifesta violação da autoridade do caso julgado formado com o trânsito em julgado da aludida sentença condenatória (cfr. art.ºs 619.º, n.º 1, e 628.º, ambos do CPC).
Por isso, tal acórdão não pode ser mantido.
Deve, pois, ser concedida a revista, ficando prejudicada a 2.ª questão nela suscitada.»
35. Neste seguimento, o falecido Autor decidiu propor a presente ação a ../../2022.
36. No que ora importa e relativamente à remuneração de EMP03..., entre 2007 e 2011 foram as seguintes as remunerações brutas do Presidente do Conselho de Administração da Ré (BB):
- de janeiro de 2007 a fevereiro de 2008, a quantia de 13.154,62€/mensais; - de Março de 2008 a Dezembro de 2011 a quantia de 13.467,30€/mensais.
37. Entre janeiro de 2012 e setembro de 2013, foi a seguinte a remuneração global paga pela Ré a BB:
- Em janeiro de 2012 foi de € 13.467,30 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 8.892,45;
- Entre fevereiro de 2012 e junho de 2012 foi de € 13.467,30 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 8.690,45;
- Em julho de 2012 foi de € 26.934,60 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 17.380,90;
- Entre agosto e novembro de 2012 foi de € 13.467,30 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 8.690,45;
- Em dezembro de 2012 foi de € 26.934,60 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 18.690,45;
- Em janeiro de 2013 foi de € 13.467,30 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 8.320,93;
- Em fevereiro de 2013 foi de € 15.711,86 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 8.854,59;
- Em março de 2013 foi de € 14.589,56 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 8.590,74;
- Entre abril e junho de 2013 foi de € 14.589,58 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 8.588,76;
- Em julho de 2013 foi de € 21.323,21 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 12.736,10;
- Em agosto de 2013 foi de € 14.589,58 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 8.648,48 (ponto 59 da factualidade provada 3396/14.3T8GMR.
38. A partir de setembro de 2013, os valores recebidos por BB passaram a incluir também um valor ilíquido de € 10.500,00, pago pela Ré a título de complemento eventual por desempenhar em acumulação as funções de Diretor Comercial e Marketing, conforme decisão da Comissão de Remunerações da Ré de 24 de setembro de 2013, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2013.
39. Entre setembro de 2013 e dezembro de 2015 e na sequência desta decisão, foram os seguintes os valores pagos ao Presidente do Conselho de Administração da Ré:
- Em setembro de 2013 foi de € 27.674,75 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 18.741,10;
- Em outubro de 2013 foi de € 26.541,66 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 15.237,29;
- Em novembro de 2013 foi de € 26.541,68 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 15.237,31;
- Em dezembro de 2013 foi de € 49.338,66 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 14.630,46;
- Em janeiro, março e abril de 2014 foi de € 26.541,66 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 12.954,08;
- Em fevereiro e maio de 2014 foi de € 26.541,66 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 12.954,10;
- Em junho de 2014 foi de € 33.326,41 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de 15.656,50;
- Em julho de 2014 foi de € 38.791,66 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 18.932,58;
- Em agosto de 2014 foi de € 26.541,68 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 12.954,10;
- Em setembro de 2014 foi de € 26.541,66 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 12.940,08;
- Em outubro de 2014 foi de € 26.541,66 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 12.969,08;
- Em novembro de 2014 foi de € 26.541,66 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 12.955,10;
- Em dezembro de 2014 foi de € 53.791,66 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 12.456,14;
- Em janeiro de 2015 foi de € 26.541,66 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 13.060,08;
- Em fevereiro de 2015 foi de € 26.541,66 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 13.058,10;
Em março e abril de 2015 foi de € 26.541,66 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 13.058,08;
- Em maio de 2015 foi de € 26.541,68 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 13.058,10;
- Em junho de 2015 foi de € 26.541,66 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 13.058,08;
- Em julho de 2015 foi de € 38.791,66 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 19.084,58;
- Em agosto de 2015 foi de € 26.541,66 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 13.058,10;
- Em setembro e outubro de 2015 foi de € 26.541,66 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 13.058,08;
- Em novembro de 2015 foi de € 26.541,66 (bruto), a que correspondeu o vencimento líquido de € 13.058,10;
- Em dezembro de 2015 foi de € 58.791,66, a que correspondeu o vencimento líquido de € 12.555,54.
40. Entre janeiro de 2016 e dezembro de 2017 a Ré continuou a pagar e registar a JAE o aludido vencimento base e o complemento eventual supra id., concretamente:
- Em 2016: a Ré pagou a EMP03... €361.500,00 dos €772.863,50 que pagou no seu todo aos seus órgãos sociais, tendo apresentado um resultado líquido de €1.175.836,06.
- Em 2017: a Ré pagou a EMP03... € 375.795,45 dos € 831.613,00 que pagou no seu todo aos seus órgãos sociais, tendo apresentado um resultado líquido de €1.1412.380,96.
41. Até ao ano de 2017 (incl), BB foi sempre o membro mais bem pago do conselho de administração da Ré,
42. Recebendo cerca de 45% do total das remunerações pagas pela Ré aos membros dos seus órgãos sociais.
43. Até 2017 a Ré contava com 5 administradores.
44. Entre 2013 e 2017, o Presidente da Administração da Ré (EMP03...) auferiu de forma consistente e crescente remuneração superior a 350.000,00/ano.
45. No período entre 2018-2021 a Ré passou a ter 4 administradores.
46. Em 2018, a Ré negociou uma alteração aos órgãos sociais e compensou por isso um dos seus membros (FF).
47. Em 2018, a Ré pagou a BB € 221.000,00 dos €1.334.778,55 que pagou a todos os seus órgãos sociais.
48. E em 2019, a Ré pagou a BB € 208.600,25 dos € 469.350,55 que pagou a todos os seus órgãos sociais.
49. A Ré pagou menos remuneração a EMP03... num cenário em que os seus resultados foram positivos e melhoraram em 2018 e 2019 face aos anos anteriores de 2016 e 2017, concreta e respetivamente, de € 1.760.594,01 e de € 2.088.130,97.
50. Em reunião do Conselho de Administração da Ré de 25.10.2017, BB pronunciou-se nos seguintes termos: «… A terminar, BB recordou aos presentes que, em acumulação com as funções de Administração e Presidente do Conselho de Administração, vinha desempenhando as funções de Diretor Comercial, desde janeiro de 2012, portanto há cerca de 6 anos, e que considera que chegou o momento de a EMP01... o substituir nessas funções extremamente desgastantes e que absorvem todo o seu tempo, por uma pessoa mais jovem e com o perfil adequado às atuais exigências do mercado global e que possa interagir com as equipas e coordenar a força comercial que construiu ao longo destes últimos anos. Informou ainda que, a partir do momento em que se concretize esta alteração, deixará de receber a verba de 10.500,00€ mensais, respeitante ao exercício da função de Diretor de Vendas & Marketing, que vinha recebendo desde janeiro de 2013 e que atualmente integra o seu vencimento base. Assim, continuou, iria tentar que esta alteração se efetivasse já no início de 2018, para que possa dedicar de imediato mais tempo a repensar a estratégia da empresa, a acompanhar os novos projetos e as novas equipas e à função institucional atribuível ao Presidente da empresa. Os administradores presentes consideraram que esta alteração se justifica plenamente, que este é o timing certo para a implementar, preparando a força comercial da EMP01... para o futuro, designadamente, renovando a sua coordenação operacional e aprovaram um voto de louvor pelo trabalho persistente e bem-sucedido nessa vertente por BB que, ora, culmina num período de cinco anos consecutivos de crescimento das margens e de resultados líquidos positivos, em contraste com largos períodos anteriores de prejuízos sucessivos e que conduziram a empresa a um estado de falência nos anos de 2009/2011…»
51. Na sequência desta deliberação, partir de 2018, o vencimento mensal de BB foi reduzido de € 26.541,66 mensais para € 14.000,00 por mês.
52. Eliminando-se o pagamento referente ao complemento eventual de remuneração, no valor de € 10.5000,00.
53. No ano de 2019, a EMP01... registou e atribuiu a favor da EMP02..., SGPS, o valor de € 320.750,00 a título de prestação de serviços,
54. Sendo que todas as «vendas e serviços prestados» que constam das contas da EMP02... dizem respeito a valores devidos e liquidados, exclusivamente, pela Ré e no mesmo valor de € 320.750,00.
55. No mesmo exercício de 2019, a EMP02... apresentou resultados contabilísticos no valor de € 322.716,34 e de pagamento de imposto no valor de € 71.188,10.
56. E apresentou o resultado líquido de € 251.528,24, que foi distribuído da seguinte forma: i) € 220.833,33, a BB, a título de antecipação de dividendos em julho, ii) € 1.000,00, para constituição de reservas legais e iii) € 29.694,91, para os resultados transitados.
57. Houve erro no registo da quantia de €100.000,00 pela EMP02..., pois tal quantia deveria ter sido registada na linha A...29 e não, como foi, na linha A...28 (“reduções de capital”).
58. Em 2019, BB retirou da EMP02..., pelo menos, € 220.833,33 (brutos), pagos através de dividendos antecipados,
59. O que, dividindo-se por dois anos (€ 110.416,66/ano) e somado à remuneração que foi recebida da Ré nos anos de 2018 e 2019, corresponde ao recebimento:
- Em 2018 [€ 221.000,00 (Ré) + € 110.416,66 (EMP02...)], de € 331.416,66
- Em 2019 [€ 208.600,25 (Ré) + € 110.416,66 (EMP02...)], de € 319.016,91.
60. No ano de 2020, a EMP01... registou e atribuiu a favor da EMP02..., SGPS, o valor de € 248.250,00 a título de prestação de serviços.
61. A EMP02... registou este mesmo valor de € 248.250,00 em «vendas e serviços prestados» em 2020.
62. No ano de 2021, a EMP02... registou ter vendido e prestado serviços à Ré no valor total de € 42.000.
63. Este valor coincide com os € 42.000 anuais a que se refere o “contrato de prestação de serviços de aconselhamento à administração e gestão necessários ao desenvolvimento da actividade” celebrado entre a Ré e a EMP02... em 30 de Abril de 2019.
64. Em 2021, a Ré registou também um financiamento à EMP02..., SGPS, no valor de € 70.000,00.
65. Valor esse que acresceu aos € 170.000,00 que constam nas contas já como emprestados pela Ré, pelo menos, desde 2020.
66. A Ré é uma sociedade operacional do Grupo EMP01....
67. A EMP02..., à data dos factos aqui em causa, uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS).
68. À data, a EMP02... enquanto SGPS, podia ter como objeto social a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou algumas sociedades em que detenham participações.
69. Entre 2012 e 2018, a EMP02... não registou qualquer montante na rubrica de «vendas e serviços prestados».
70. A EMP02... não tem histórico de caixa gerada por operações desde a sua constituição em novembro de 2012 até 2018;
71. A EMP02... entre 2012 a 2019 (inclusive) não apresentou qualquer trabalhador remunerado ou não remunerado ao seu serviço, nem qualquer gasto com remuneração de pessoal.
72. A EMP02... não teve, em 2019, nem entre 2012 e 2018, gastos relevantes com «fornecimentos externos e serviços», ainda que em regime de outsourcing, pois foram os seguintes entre 2012 e 2019: em 2012, € 360,00; em 2013, € 13.327,15; em 2014, € 832,81; em 2016, € 605,14; em 2017, € 1.883,36; em 2018, € 1.625,44 e em 2019, € 9.437,86.
73. A evolução dos resultados antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos da EMP02..., entre 2012 e 2019, foi a seguinte: em 2012, € 360,00 (negativos); em 2013, € 13.705,15 (negativos); em 2014, € 832,81 (negativos); em 2015, € 740,04 (negativos); em 2016, € 605,14 (negativos); em 2017, € 9.175,14 (mas cujo resultado líquido acabou por ser de €174,95); em 2018, € 20.720,31 (mas cujo resultado líquido acabou por ser de € 2.291,72); e em 2019, € 340.660,04 (cujo resultado líquido foi de € 251.528,24).
74. A evolução do capital próprio, da caixa gerada por operações e do fluxo de caixa das atividades operacionais da EMP02... entre 2012 e 2018, apresentam registos próximos de zero ou mesmo negativos,
75. Em 2019, o capital próprio e os fluxos de caixa aumentaram e exclusivamente em função dos «serviços» pelos quais a Ré remunerou a EMP02....
76. O gerente único da EMP02... é BB, que é o Presidente do Conselho de Administração da Ré;
77. O administrador da Ré, CC, é procurador da EMP02...;
78. O funcionário da Ré que elabora a contabilidade da Ré, GG, elabora, igualmente, a contabilidade da EMP02...;
79. A Sociedade Revisora Oficial de Contas da Ré é, também, SROC da EMP02...,
80. A EMP02... usa meios da Ré, como programas informáticos, computadores, telefones…
81. A EMP02... tem sede social na sede social da Ré, local onde esta, efectivamente, opera há décadas.
82. O capital social da Ré é detido a 100% (e até 2017, em 90%) pela sociedade EMP02... SGPS, Sociedade Unipessoal Lda. (“EMP02...”), titular do NIPC ...30.
83. Desde a sua constituição (em 2011) que o capital social da EMP02... (anteriormente designada EMP04... SGPS Unipessoal Lda.) é integralmente detido (a 100%) por BB, sócio-único da EMP02....
84. Desde 2014 que BB está indicado como beneficiário da Ré.
85. No capítulo histórico do site da Ré consta: «2013: BB assume a totalidade do capital social da EMP01..., concluindo-se o processo de recapitalização e de reestruturação financeira, que permite reforçar a competitividade da empresa. Neste ano, inicia-se também o Programa Horizontes, um programa de desenvolvimento contínuo dos recursos humanos, dirigido a todos os colaboradores.»
86. Em setembro de 2013 (e com efeitos retroactivos desde 1 de janeiro de 2013 e também para futuro), BB, enquanto sócio-gerente da EMP02..., foi quem definiu a remuneração do mesmo BB enquanto administrador da EMP01....
87. Em 15 de Novembro de 2021, a denominação social da EMP02... foi alterada para “EMP01..., Unipessoal, Lda.” e o seu objecto social foi alterado de forma a que a mesma deixasse de ser uma SGPS.
88. Até 2012 a Ré não teve resultados operacionais positivos.
89. Em 2014 o endividamento da Ré ascendia a € 94.378.962,78.
90. Entre 2013 e 2016, a Ré nada pagou à EMP02....
91. Em 2017, a Ré apenas pagou despesas de pequenos montantes à EMP02....
92. Em 2018, a Ré apenas pagou despesas de pequenos montantes à EMP02....
93. Antes de 2019, os fundos libertados pela Ré e decorrentes dos resultados operacionais positivos que começaram a surgir em 2013 foram canalizados para abater dívida e investir no negócio, modernizando-o, investindo em EMP05..., por forma a procurar estar um passo à frente da concorrência.
94. Os Bancos que financiaram a reestruturação financeira da Ré exigiram da EMP02... que esta suportasse uma parte do endividamento da Ré, através da aquisição de uma parcela das chamadas Obrigações EMP01... 2013/2027, num valor de mais de 400.000€.
95. Para tanto, a EMP02... teve, ela própria, de em 27.06.2017 se financiar junto da Banca (Banco 1...), daí resultando encargos com juros num valor anual de cerca de 20.000€, pagos semestralmente.
96. Para além dos juros, é essencial que a EMP02... consiga, no final do prazo, amortizar as referidas obrigações, para o que terá de pagar quantia superior a €400.000,00 a quem lhe emprestou o dinheiro.
97. As ações de que a EMP02... é titular no capital social da Ré são objeto de penhor financeiro (Banco 1...), para garantir financiamento feito à Ré.
98. A EMP02... foi avalista num mútuo de € 1.000.000,00 concedido à Ré (Banco 2...) para apoio à exploração, por 60 meses, a 12.09.2017.
99. No ano de 2019 a Ré havia já diminuído o seu passivo em cerca de 24.713.443,55€, situando-se o seu endividamento nos 69.665.519,23€.
100. A EMP02... é avalista num mútuo de € 5.000.000,00 concedido à Ré (Banco 3...) para investimento, por 60 meses, a 04.03.2020.
101. A EMP02... é avalista num mútuo de € 500.000,00 concedido à Ré para necessidades de tesouraria (Banco 3...), por 36 meses, a 15.05.2020.
102. A EMP02... é avalista num mútuo de € 4.000.000,00 concedido à Ré (Banco 1...) para fundo de maneio, por 57 meses entre 29.04.2022.
103. Por outro lado, a Ré estabeleceu a favor da EMP02... uma linha de crédito até €200.000,00 para cobertura de carências de tesouraria e pelo prazo de 05 anos, por contrato escrito de 25.09.2019.
104. Por outro lado, a Ré estabeleceu a favor da EMP02... uma linha de crédito até € 50.000,00 para cobertura de carências de tesouraria e pelo prazo de 05 anos, por contrato escrito de 13.12.2021.
105. O falecido Autor recebeu da Segurança Social os seguintes montantes a título de pensão de reforma:
- 2018: valor anual de € 56.059,78 (correspondente a 14 prestações de € 4.004,27 cada);
- 2019: valor anual de € 56.497,00 (correspondente a 14 prestações de € 4.035,50);
- 2020: montante total (bruto) anual de € 56.497,00; e
- 2021: o montante total (bruto) anual de € 56.497,00€.
106. O falecido Autor foi casado e era o único titular do complemento de pensão de reforma em causa.
107. A taxa da retenção na fonte aplicável aos valores anteriormente pagos pela Ré ao falecido Autor em 2020 (por referência aos complementos de pensão de reforma desde 2012 a 2015) correspondeu a 34,3%.
1.2. O Tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos:
A. Até ao ano de 2017, BB auferiu sempre e de forma consistente e crescente uma remuneração superior a 350 mil euros/ano.
B. A partir de finais de outubro de 2017, a Ré e BB começaram a equacionar - e, depois, puseram em prática - uma forma de defraudar o decidido pelas Instâncias, designadamente quanto ao complemento de pensão de reforma reconhecido ao Autor na parte em que dependia da remuneração paga pela Ré a BB.
C. Na verdade, manteve-se a favor daquele EMP03... o pagamento do diferencial formalmente reduzido na sua remuneração, enquanto administrador da Ré, por via da empresa EMP02..., SGPS, e de forma artificial (com distribuição de dividendos e por etapas: pagamentos de serviços, redução de capital e empréstimos).  
D. Foi BB, enquanto sócio e administrador único da EMP02..., detentora de 100% do capital da Ré, quem fez a eliminação em 2017 do registo da remuneração.
E. Foi BB – enquanto Administrador da Ré e da EMP02... - quem determinou que semelhante quantia à que foi reduzida da sua remuneração como administrador da Ré lhe fosse paga pela (“via”) EMP02... e de acordo com etapas que previamente delineou.
F. Entre as quais, em 2019, a EMP02... efetuou uma redução do seu capital em €100.000,00, para que, naturalmente, beneficiasse, como beneficiou., o sócio e único, EMP03....
G. Assim e nesta sequência, em 2019, BB retirou da EMP02... € 320.833,33 (€ 220.833,33 pagos através dos dividendos antecipados e € 100.000,00 de capital liberado através da redução de capital).
H. O que, dividindo-se por dois anos, corresponde a € 160.416,66/ano,
I. O que, por sua vez, somado à remuneração de BB que foi recebida da Ré nos anos de 2018 e 2019 (anos em que formalmente foi reduzida a remuneração paga pela Ré a EMP03...), corresponde a:
2018: € 221.000,00 (Ré) + € 160.416,66 (EMP02...) = € 381.416,66
2019: € 208.600,25 (Ré) + € 160.416,66 (EMP02...) = € 369.016,91
J. O valor global/ano encontrado enquadra-se na linha remuneratória de EMP03... na Ré desde 2013.
K. Por sua vez, no ano de 2020 foram distribuídos € 220.833,33 pela EMP02... a BB via «distribuições» a «detentores de capital».
L. Em 2021 ocorreu uma alteração do esquema defraudatório, fruto da circunstância de já se tê-lo exposto durante o ano de 2020, em outros contextos judiciais.
M. Concretamente, a EMP02... passou a distribuir a favor de BB também os montantes recebidos a título de empréstimos por parte da Ré (e id. na matéria dada como provada).
N. Assim, após receber de prestação de serviços € 42.000,00 e de empréstimo €70.000,00, a EMP02... distribuiu a BB € 110.138,89, grosso modo, os € 112.000,00 entregues pela Ré.
O. Até 2021, a EMP02... era uma SGPS e tinha o seu objecto social limitado à prestação de «serviços técnicos de administração e gestão a todas ou algumas sociedades em que detenham participações (...)»
P. As alterações ao seu regime de governo ocorreram cerca de dois meses depois de o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16 de Setembro de 2021, ter admitido o incidente de liquidação iniciado pelo Autor e ter ordenado o prosseguimento dos autos, o que pressupunha, então, que fosse apreciado o respectivo mérito, nomeadamente no que se refere ao aí alegado esquema fraudulento e que pressupõe a instrumentalização e confusão de esferas entre a EMP02... e BB (também, mas não só) à luz das limitações atinentes às SGPS.
Q. Foi no contexto de redução de divida e de investimento na produção, que, a partir de 2019, a Ré pode passar a compensar a EMP02... pelos serviços de aconselhamento à administração e gestão necessários ao desenvolvimento da atividade da Ré desde 2013 (contrato outorgado a 30.04.2019), pelos serviços de apoio na definição de estratégias de outsourcing da Ré no mercado indiano (contrato outorgado a 02.12.2019), pelos serviços de contabilidade (a EMP02... pode pagar os valores necessários ao respectivo Técnico Oficial de Contas e ao respectivo Revisor Oficial de Contas); e pelos encargos suportados com o endividamento com origem na Ré.
R. A EMP02... tem sido usada por BB e pela Ré, nunca tendo tido - nem tendo - substância que lhe permitisse prestar serviços efectivos à Ré EMP01..., antes consubstanciando um veículo meramente formal que foi, agora (a partir de 2019), instrumentalizado para contornar a decisão condenatória proferida na ação n.º 3396/14.3T8GMR, em benefício da remuneração de BB e em detrimento e prejuízo do falecido Autor.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Questão prévia (1.ª)
Em 20-01-2025 a ré apresentou requerimento, alegando vir exercer o contraditório quanto à suscitada inadmissibilidade da ampliação do objeto do recurso[1].
Por requerimento apresentado em 28-01-2025, os recorrentes suscitaram a nulidade do(s) requerimento(s) apresentado(s) pela ré/recorrida em 20-01-2025/21-01-2025, nos termos do disposto nos artigos 195.º, n.º 1, 197.º a 200.º do CPC, por consubstanciar/em a prática de um ato que a lei não admite e que influi na decisão da causa.
Apreciando a nulidade suscitada, importa salientar que as nulidades processuais - que são habitualmente classificadas em principais, nominadas ou típicas, tal como previstas nos artigos 186.º, 187.º, 191.º, 193.º e 194.º CPC e, por outro lado, secundárias, inominadas ou atípicas[2], estas residualmente incluídas na previsão geral do artigo 195.º CPC[3] - têm como uma das particularidades o regime de arguição perante o tribunal que omitiu o ato.
No caso vertente, está em causa a invocação de uma nulidade processual, dependente, como se viu, da prática de um ato que a lei não admita, sendo certo, ainda assim, que tal omissão só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Segundo alegam os recorrentes, a resposta à ampliação do objeto do recurso prevista no n.º 8 do artigo 638.º do CPC é a última peça processual legalmente admissível nas “trocas” de peças processuais entre o recorrente e o recorrido, não havendo norma legal que, após o n.º 8 do citado artigo, admita uma “resposta à resposta” da ampliação ao recurso; de forma similar, o artigo 638.º, n.º 6, do CPC prevê, especificamente, que “na sua alegação, o recorrido pode impugnar a admissibilidade ou a tempestividade do recurso, bem como a legitimidade do recorrente”, sendo que, na tramitação subsequente prevista nesta norma especial, não é atribuído ao recorrente o direito a apresentar uma nova peça processual. Ora, se isto é assim relativamente às questões da inadmissibilidade e intempestividade do recurso, então, por igualdade de razão (senão mesmo por maioria de razão, atento a ampliação do pedido se suscitar já numa fase processual subsequente), a mesma regra é aplicável à inadmissibilidade e intempestividade da ampliação do objeto do recurso, que possa ser suscitada pelo recorrente na resposta à ampliação ao recurso prevista no artigo 638.º, n.º 8, do CPC; cabendo ao recorrido o ónus processual de verificar (e, se assim entender necessário, fundamentar na resposta ao recurso) se a ampliação do objeto recurso é admissível e tempestiva.
Ainda que do regime previsto no artigo 638.º, n.º 6 e 8 do CPC não resulte a atribuição ao recorrente (ou ao recorrido, em sede de ampliação do objeto do recurso) da faculdade de responder às questões eventualmente suscitadas pelo recorrido (ou pelo recorrente) quanto à (in)admissibilidade ou à (in)tempestividade do recurso (ou da ampliação do objeto do mesmo), tal não significa que a parte em causa não deva ter a possibilidade de se pronunciar sobre tais questões.
Com efeito, o artigo 3.º, n.º 3 do CPC estabelece que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Este preceito consagra o denominado princípio do contraditório, do qual decorre que «as partes devem ter sempre a possibilidade de se pronunciar sobre as questões a decidir pelo juiz. Apenas se ressalvam as questões cuja decisão não tem, em si mesmo, qualquer repercussão sobre a instância, não sendo relevante, ainda que reflexamente, para a decisão do litígio, ou que, pela sua natureza, não compreenda o contraditório prévio»[4].
Ora, no âmbito do regime processual dos recursos, o artigo 655.º, n. º1 do CPC prevê que se o relator entender que não pode conhecer-se do objeto do recurso, antes de proferir decisão, ouvirá cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias, estabelecendo o n.º 2 do mesmo preceito que, sendo a questão suscitada pelo apelado, na sua alegação, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo anterior[5].
Deste modo, por força do preceito em referência, sempre que o relator, por si ou por sugestão de algum dos adjuntos, ou por iniciativa de alguma das partes, constatar a verificação de circunstância impeditiva da apreciação do recurso, deve assegurar-se do cumprimento do contraditório[6].
Neste enquadramento, invocando os apelantes, na resposta à matéria da ampliação do objeto do recurso, que a requerida ampliação é imprópria e processualmente inaplicável e, ainda, intempestiva, sempre haveria que determinar, nesta instância, o cumprimento do contraditório em relação à recorrida que requereu a ampliação do objeto do recurso, nos termos aplicáveis do disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 6.º e 655.º, n.º 2 do CPC.
 Deste modo, ainda que cumpra ao relator assegurar-se do cumprimento do contraditório, nos termos antes enunciados, julgamos que a irregularidade cometida pela recorrida/ré - ao apresentar espontaneamente um requerimento de resposta não expressamente previsto no artigo 638.º do CPC -, não implica a nulidade suscitada pelos apelantes, porquanto, independentemente de tal iniciativa da recorrida, sempre lhe seria facultado o contraditório,  nos termos aplicáveis do disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 6.º e 655.º, n.º 2 do CPC.
Como tal, entendemos que a referida irregularidade não tem influência no exame ou na decisão da causa, conforme determina a parte final do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, não se verificando a nulidade invocada pelos apelantes.
2.2. Questão prévia (2.ª): da admissibilidade da ampliação do objeto do recurso apresentada pela ré/recorrida nas contra-alegações
Os recorrentes suscitaram expressamente a inadequação/inaplicabilidade da ampliação do objeto do recurso apresentada pela ré/recorrida nas contra-alegações e intempestividade da impugnação da decisão da 1.ª instância que apreciou a alegada violação do caso julgado.
Para o efeito sustentam que a ora recorrida foi oportunamente notificada do despacho saneador [notificação elaborada no citius em 11 de julho de 2022], não tendo recorrido de tal decisão, apesar de a mesma ser recorrível de forma autónoma; não tendo sido interposto recurso autónomo pela ré, a decisão que julgou improcedente a ofensa do caso julgado produz efeitos de caso julgado formal dentro deste processo, ao abrigo do n.º 1 do artigo 620.º do CPC, não podendo agora ser colocada em causa, de forma imprópria e intempestiva, através do instituto de ampliação do objeto do recurso, o qual não se destina a recorrer de decisões recorríveis e, muito menos, a colmatar a deficiência da parte vencida na decisão interlocutória autonomamente recorrível em ter deixado decorrer o prazo de recurso, sem que tenha interposto o necessário recurso.
O artigo 636.º, n.º 1 do CPC - com a epígrafe Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido - prevê que, no caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
Tal como salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[7],  em anotação ao artigo em referência, «[a] parte recorrida pode suscitar nas contra-alegações do recurso a reapreciação dos fundamentos em que tenha decaído, prevenindo os riscos de uma eventual resposta favorável do tribunal de recurso às questões que tenham sido suscitadas pelo recorrente ou mesmo a outras questões de conhecimento oficioso (…).
Aos motivos referidos deve juntar-se ainda, por via do elemento racional, a possibilidade de o recorrido impugnar subsidiariamente decisões interlocutórias em que ficou vencido e das quais não pôde recorrer, por não se incluírem na norma do n.º 2 do art. 644º, mas cujo provimento possa reforçar a manutenção do resultado final».
A este propósito, esclarece Abrantes Geraldes[8]: «Nestas circunstâncias, uma vez que a parte vencida em relação a tais decisões não as pôde impugnar imediatamente, se o recurso da decisão final for interposto pela outra parte, tem de se reconhecer àquela a possibilidade de requerer, nas contra-alegações, a sua reapreciação, desde que uma resposta favorável à questão possa servir para impedir a procedência do recurso interposto.
Repare-se que, em tais situações, nem sequer se pode invocar a possibilidade prevista no n.º 4 do art. 644.º, a qual pressupõe precisamente que não tenha havido recurso da decisão final.
(…)
Outro exemplo:
O réu suscitou a nulidade da citação, questão que foi decidida a seu desfavor; tal decisão não admite recurso imediato, prosseguindo os autos. Se, apesar disso, o réu for absolvido do pedido, não tem legitimidade para interpor recurso daquela decisão interlocutória, mas já terá interesse em que no recurso de apelação apresentado pelo autor inscreva também a reapreciação da questão da nulidade da sua citação, resguardando-se, deste modo, da eventual procedência do recurso e da consequente condenação no pedido.
Não se encontrando no disposto no art. 636.º cobertura expressa para esta possibilidade, a concatenação deste preceito com o disposto no art. 644.º e, além disso, a necessidade de, a todo o custo, se evitar que a justiça material possa ser afetada por questões eminentemente formais, determinam que se extraia do ordenamento jurídico, ainda que através de analogia, a faculdade de ampliar o objeto do recurso também reclamada pelo princípio da igualdade»[9].

Tal como prevê o artigo 644.º, n.º 1 do CPC, com a epígrafe «Apelações autónomas», cabe recurso de apelação:

a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente; 
b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
Cumpre atender, ainda, ao disposto no n.º 2 do citado preceito legal, nos termos do qual, cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;
c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova; 
e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual; 
f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo; 
g) De decisão proferida depois da decisão final;
h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.

Acrescenta o n.º 3 do preceito que as restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.
Por último, tal como dispõe o n.º 4 do citado preceito, se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão.
Como se vê, o artigo 644.º do CPC distingue as decisões que admitem recurso imediato, elencando, designadamente, as decisões intercalares que admitem apelação autónoma e relegando a impugnação das demais para momento ulterior.
Ora, a decisão que, no despacho saneador, julgou improcedente a exceção de caso julgado arguida pelo réu, não se inscreve em nenhuma das alíneas do n.º 2 do artigo em referência, nem decide do mérito da causa ou absolve da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos [al. b) do n. º1 do mesmo preceito].
Assim sendo, tal decisão não admite apelação autónoma, apenas podendo ser impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão final, conforme dispõe expressamente o n.º 3 do citado artigo 644.º do CPC.
Deste modo, a decisão proferida no despacho saneador que apreciou e decidiu, de forma concreta, a exceção do caso julgado, julgando-a improcedente, não transitou em julgado[10],  pelo que, tendo a decisão final - que lhe seguiu - sido favorável à ré que alegara a referida exceção, pode aquela parte como recorrida, pedir a ampliação do objeto do recurso para a reapreciação da decisão sobre o caso julgado material, para o caso de a apelação proceder[11].
Em consequência, não existe fundamento para a rejeição liminar da ampliação do objeto do recurso apresentada pela ré/recorrida nas contra-alegações, assim improcedendo a questão prévia suscitada pelos apelantes.

2.3. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Os recorrentes impugnam a decisão relativa à matéria de facto incluída na sentença recorrida, nos seguintes termos:
i) o facto referenciado na al. A) da matéria não provada - «Até ao ano de 2017, BB auferiu sempre e de forma consistente e crescente uma remuneração superior a 350 mil euros/ano» - deve ser julgada provado ou, subsidiariamente, considerada como parcialmente provado, nos seguintes termos: «pelo menos desde 2013 até ao ano de 2017, BB auferiu sempre e de forma consistente e crescente uma remuneração superior a 350 mil euros/ano».
ii) os factos referenciados nas alíneas B) - «A partir de finais de Outubro de 2017, a Ré e BB começaram a equacionar - e, depois, puseram em prática - uma forma de defraudar o decidido pelas Instâncias, designadamente quanto ao complemento de pensão de reforma reconhecido ao Autor na parte em que dependia da remuneração paga pela Ré a BB» -, R) - «A EMP02... tem sido usada por BB e pela Ré, nunca tendo tido - nem tendo - substância que lhe permitisse prestar serviços efetivos à Ré EMP01..., antes consubstanciando um veículo meramente formal que foi, agora (a partir de 2019), instrumentalizado para contornar a decisão condenatória proferida na ação n.º 3396/14.3T8GMR, em benefício da remuneração de BB e em detrimento e prejuízo do falecido Autor» - da matéria não provada devem considerar-se provados; o facto constante da al. C) - «Na verdade, manteve-se a favor daquele EMP03... o pagamento do diferencial formalmente reduzido na sua remuneração, enquanto administrador da Ré, por via da empresa EMP02..., SGPS, e de forma artificial (com distribuição de dividendos e por etapas: pagamentos de serviços, redução de capital e empréstimos)» - deve ser considerada parcialmente provado, nos seguintes termos: «Na verdade, manteve-se a favor daquele EMP03... o pagamento do diferencial formalmente reduzido na sua remuneração, enquanto administrador da Ré, por via da empresa EMP02..., SGPS, e de forma artificial»;
iii) o facto referenciado na al. N) da matéria não provada - «Assim, após receber de prestação de serviços € 42.000,00 e de empréstimo €70.000,00, a EMP02... distribuiu a BB € 110.138,89, grosso modo, os € 112.000,00 entregues pela Ré» - deve ser parcialmente considerada como provado, nos seguintes termos: «Para além dos dividendos a que se refere o facto provado 56., a EMP02... distribuiu a BB, pelo menos, € 110.138,89»;
iv) o facto referenciado na al. O) da matéria não provada - «Até 2021, a EMP02... era uma SGPS e tinha o seu objecto social limitado à prestação de «serviços técnicos de administração e gestão a todas ou algumas sociedades em que detenham participações (...)» - deve ser julgada provado.
Conforme resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
Atenta a impugnação deduzida, cumpre analisar se a matéria que no entender dos recorrentes suscita as alterações ou os aditamentos preconizados integra os poderes de cognição do tribunal em sede de decisão sobre a matéria de facto.
Tal como resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito, por não poder ser objeto de prova, sendo certo, por outro lado, que o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto só se justifica quando recaia sobre matéria com relevância para a decisão da causa[12].
Assim, a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto visa corrigir erros de julgamento que facultem ao impugnante a modificação daquela de modo a obter, por essa via, um efeito juridicamente útil para a decisão a proferir»[13].
Com efeito, a impugnação da decisão da matéria de facto, atento o seu carácter instrumental, não constitui um fim em si mesma, mas antes um meio ou mecanismo para atingir um determinado objetivo, mostrando-se por isso absolutamente pacífica a orientação jurisprudencial dos nossos Tribunais superiores no sentido de que a Relação não deverá reapreciar a matéria de facto se a sua reapreciação se afigurar inútil ou inócua do ponto de vista da decisão a proferir, sob pena de levar a cabo uma atividade processual inconsequente e inútil que, por isso, lhe está vedada pela lei, atento o disposto no artigo 130.º do CPC[14].
Tal como salienta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-09-2017[15], «muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos».
Neste âmbito, deve entender-se como questão de facto «tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior», sendo que os «quesitos não devem pôr factos jurídicos; devem pôr unicamente factos materiais», entendidos estes como «as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens», enquanto por factos jurídicos devem entender-se os factos materiais vistos à luz das normas e critérios do direito[16].
Como tal, a jurisprudência tem entendido que são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio. Por outro lado, a natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. No primeiro caso, o facto conclusivo deve ser havido como não escrito. “No segundo, a solução depende de um raciocínio de analogia entre o juízo ou conclusão de facto e a questão de direito, devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito”[17].
Deste modo, a inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva - contemplando com tal expressão toda a matéria que se reconduza à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum[18] - configura uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação, tal como decorre do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC.
Analisando o âmbito da impugnação deduzida, observa-se que na concreta formulação da matéria supra enunciada em ii) [que os recorrentes pretendem passe a integrar o elenco dos factos provados] não estão em causa simples ocorrências objetivas ou eventos materiais e concretos, mas antes juízos conclusivos, genéricos e indeterminados, eventualmente sustentados em elementos de facto que não constam da respetiva redação.
Com efeito, nos segmentos em causa não estão em causa factos objetivos, mas antes meras alegações genéricas ou raciocínios conclusivos relativos a premissas que se desconhecem, pressupondo necessariamente a referência a determinadas circunstâncias de facto e a contextos causais específicos que permitam consubstanciar tais juízos valorativos, consistindo por isso em matéria de direito/conclusiva.
Note-se que a matéria vertida nas impugnadas als. A) e B), dos factos não provados, foi oportunamente alegada pelos autores/recorrentes em conjunto com determinadas circunstâncias objetivas suscetíveis de conferir relevo autónomo a tal matéria: em concreto, que «manteve-se a favor daquele EMP03... o pagamento do diferencial formalmente reduzido na sua remuneração, enquanto administrador da Ré, por via da empresa EMP02..., SGPS, e de forma artificial (com distribuição de dividendos e por etapas: pagamentos de serviços, redução de capital e empréstimos)[19]». Sucede que na impugnação em referência os recorrentes pretendem apenas que este Tribunal da Relação considere parcialmente provada tal matéria, nos seguintes termos: «Na verdade, manteve-se a favor daquele EMP03... o pagamento do diferencial formalmente reduzido na sua remuneração, enquanto administrador da Ré, por via da empresa EMP02..., SGPS, e de forma artificial».
Como tal, os recorrentes nem sequer suscitam o aditamento ao elenco dos factos provados do aludido segmento final da al. C) dos factos não provados, suscetível de conferir sustentação fáctica aos segmentos da matéria em referência, que assim se considera já definitivamente como não provado[20].
Também o aditamento referente à al. R) da matéria não provada, que os recorrentes pretendem agora introduzir nos factos provados - «A EMP02... tem sido usada por BB e pela Ré, nunca tendo tido - nem tendo - substância que lhe permitisse prestar serviços efetivos à Ré EMP01..., antes consubstanciando um veículo meramente formal que foi, agora (a partir de 2019), instrumentalizado para contornar a decisão condenatória proferida na ação n.º 3396/14.3T8GMR, em benefício da remuneração de BB e em detrimento e prejuízo do falecido Autor» - reproduz meras invocações genéricas e raciocínios conclusivos relativos a premissas que se desconhecem, pressupondo ou envolvendo necessariamente a formulação de valorações de natureza jurídica a extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, que não decorrem da respetiva redação, excedendo desta forma o âmbito da decisão em sede de matéria de facto. 
Neste enquadramento, a eventual discussão sobre a matéria enunciada em B), R) e C), dos factos não provados - este último com a formulação genérica que os recorrentes pretendem se dê como provada - não respeita à averiguação sobre a vertente de facto, sendo ademais manifestamente inconsequente e irrelevante para o desfecho da causa.
Tal constatação implica, desde já, a rejeição da impugnação relativa à matéria de facto nos segmentos em referência [als. B), R) e C), dos factos não provados], uma vez que os juízos conclusivos que os recorrentes pretendem aditar à matéria de facto provada não integram os poderes de cognição do Tribunal na vertente de facto.
Pelo exposto, decide-se rejeitar, nesta parte, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
O mesmo sucede relativamente à matéria vertida na al. O) dos factos não provados, que os apelantes pretendem ver acrescentado à matéria de facto provada. Com efeito, saber se até 2021, a EMP02... era uma SGPS e tinha o seu objeto social limitado à prestação de «serviços técnicos de administração e gestão a todas ou algumas sociedades em que detenham participações (...)», implica um prévio juízo valorativo/de natureza jurídica a retirar dos demais factos provados.
Note-se que os recorrentes não impugnam outros pontos da matéria de facto que refletem e contextualizam o juízo probatório formulado pelo Tribunal a quo a propósito da matéria agora em causa, conforme resulta dos enunciados vertidos nos pontos 67 e 68 dos factos provados.
Como tal, decide-se rejeitar a impugnação da decisão relativa à na al. O) dos factos não provados.
Os apelantes pretendem o aditamento aos factos provados do facto referenciado na al. A) da matéria não provada - «Até ao ano de 2017, BB auferiu sempre e de forma consistente e crescente uma remuneração superior a 350 mil euros/ano»; subsidiariamente, pedem que o mesmo seja considerado como parcialmente provado, nos seguintes termos: «pelo menos desde 2013 até ao ano de 2017, BB auferiu sempre e de forma consistente e crescente uma remuneração superior a 350 mil euros/ano», indicando como meios de prova a atender os documentos 1, 6, 7, 8 e 10 da petição inicial, em conjunto com a matéria constante dos factos provados 27.º, 39.º e 40.º da sentença recorrida.
Porém, não vemos que os documentos em referência permitam justificar o aditamento aos factos provados do facto referenciado na al. A) da matéria não provada, tal como decorre aliás dos valores enunciados em 36.º e 37.º dos factos provados, com referência às remunerações anteriores a 2013.
Além disso, a reformulação suscitada pelos recorrentes a título subsidiário revela-se manifestamente inútil e desnecessária, face ao que decorre dos segmentos fácticos já definitivamente tidos como provado, em especial do ponto 44.º dos factos provados.
Improcede, assim, a impugnação atinente à al. A) dos factos não provados.
Vêm ainda os apelantes impugnar a al. N) dos factos não provados - «Assim, após receber de prestação de serviços € 42.000,00 e de empréstimo €70.000,00, a EMP02... distribuiu a BB € 110.138,89, grosso modo, os € 112.000,00 entregues pela Ré» - pretendendo que o referido facto passe a integrar a matéria de facto provada, reformulado com a seguinte redação que propõem: «Para além dos dividendos a que se refere o facto provado 56., a EMP02... distribuiu a BB, pelo menos, € 110.138,89».
Indicam, como meio de prova a atender, o relatório pericial datado de 11-05-2023, junto aos autos na mesma data, na parte relativa à distribuição de dividendos da EMP02..., quanto ao exercício de 2020.
Contudo, não vemos que o meio de prova em referência permita justificar a pretendida alteração do referenciado ponto da matéria de facto. Assim, o facto em questão [al. N) dos factos não provados] reporta-se ao que foi concretamente alegado pelos recorrentes/autores em relação ao exercício de 2021 - cf. o teor das als. L), M) dos factos não provados e os pontos 62.º, 63.º e 64.º dos factos provados - sendo que em 2021 foi apurado um resultado líquido positivo de 36.028,23 €, propondo a gerência que, desse resultado líquido, a quantia de 26.000,00 € seja convertida em dividendos, de acordo com o que resulta de fls. 108 do relatório pericial datado de 11-05-2023.
Pelo exposto, não vemos razões para alterar a resposta vertida pelo Tribunal a quo relativamente à al. N) dos factos provados, o que conduz à improcedência da correspondente impugnação.
2.4. Reapreciação do mérito da decisão de direito
O quadro fáctico que releva para a subsunção jurídica da causa é exatamente o mesmo que serviu de base à decisão ora recorrida.
Pela presente ação os autores pretendem a condenação da ré no pagamento de determinadas quantias, acrescidas de juros de mora, a título de diferencial de remuneração paga ao seu administrador BB (EMP03...) e para efeitos de complemento de reforma a que o falecido autor alegadamente tem direito, referente aos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021, assentando a correspondente causa de pedir na alegação de que a ré e EMP03... utilizaram abusivamente uma suposta relação de serviços entre aquela e a sociedade EMP02..., destinada a atribuir e manter nestes anos e através desta  uma remuneração equivalente à remuneração formal que EMP03... auferiu enquanto administrador da ré desde 2013 a 2017, tudo com o objetivo de não fazer repercutir toda remuneração realmente recebida por aquele no cálculo do complemento de reforma devido pela ré ao autor e em prejuízo deste.
Os autores fundamentaram de direito a sua pretensão no instituto da fraude à lei, sustentando, entre o mais, que «a ré e BB utilizaram e abusaram de um mecanismo formal para atingir um resultado proibido por lei, que é a violação do direito do autor, ao abrigo do artigo 402.º, n.º 2, do CSC, que já foi reconhecido e declarado por decisão judicial» - a decisão judicial proferida na ação n.º 3396/14.3T8GMR, que reconheceu o direito do autor ao complemento de pensão de reforma, ao abrigo da referida norma legal.
A sentença recorrida começou por enquadrar as questões de natureza jurídica relevantes para o objeto da presente ação, explicitando - e bem - o seguinte:
“(…)
Comecemos, portanto, por analisar o instituto da fraude à lei, em que o Autor suporta a ação.
A fraude à lei consiste num modo de agir em si lícito mas provocador de resultado antijurídico, proibido.
«O legislador não delineou genericamente a figura da fraude à lei, que apenas tratou em sede de direito internacional privado e no âmbito da aplicação das normas de conflitos (…) Assim, existirá fraude à lei quando se lança mão de uma norma de cobertura para lograr ultrapassar - ou incumprir - a norma defraudada, ou seja a que seria a aplicável à relação jurídica.
Trata-se de, por via indirecta, por através da prática de um ou vários actos lícitos (já com propósito de defraudar, numa concepção subjectivista; ou mesmo sem tal propósito, se aderindo a uma concepção objectiva) obter um resultado que a lei proíbe.» (cfr. Ac. STJ de 20.10.2009, Proc. n.º 115/09.0TBPTL, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
«A fraude à lei, em face da inexistência no nosso ordenamento jurídico de regra de índole geral que trate o conceito (para lá das referências, entre outras, nos arts. 21.º, n.º 2, 330.º, n.º 1, 418.º e 2067.º todos do CC), obtém-se pela via da interpretação da lei e do negócio jurídico no sentido de as situações criadas para evitar a aplicação de regras que seriam aplicáveis serem irrelevantes/ineficazes.
Na verificação da existência de fraude à lei exige-se, como requisitos, a regra jurídica que é objeto de fraude (a norma a cujo imperativo se procura escapar); a regra jurídica a cuja proteção se acolhe o fraudante; a atividade fraudatória e resultado que a lei proíbe, pela qual o fraudante procurou e obteve a modelação ilícita de uma situação coberta por esta segunda regra, não sendo exigível a alegação e prova de intenção fraudatória.», embora o seja «para alguns autores, pelo menos, uma intenção fraudatória (animus fraudanti) - Luís Filipe Pires de Sousa Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, Coimbra, Almedina, 2016, pp. 66 e 67.» (cfr. Ac. do STJ de 17.11.2021, Proc. n.º 700/10.7TBABF, disponível para consulta em www.dgsi.pt). O que releva, smo, é a verificação de um nexo causal entre o ato ou atos ilícios e o resultado proibido, não ética e juridicamente desejado.
Os atos são fraudulentos quando se propõem contornar ou circunvir uma disposição legal, tentando chegar ao mesmo resultado por caminhos diversos dos que a lei designadamente previu e proibiu; são aqueles que, por essa forma, pretendem burlar a lei.
Lei essa que deverá ser imperativa, isto é, exprime, impõe, uma obrigação ou uma proibição.
Por normas imperativas devem entender-se «aquelas cuja disciplina, atenta a importância dos interesses tutelados (indisponíveis por natureza), se impõe às partes, de forma que nem sequer por acordo destas é possível estabelecer disciplina oposta ou divergente àquelas, ou seja são as também chamadas normas inderrogáveis. Pelo contrário, as normas dispositivas são, à partida, as susceptíveis de derrogação pelas partes.
O que distingue umas das outras não é o facto de umas não poderem ser violadas (supostamente as imperativas) e outras poderem sê-lo (supostamente as dispositivas). O que as distingue é, como se viu, a susceptibilidade de o respectivo conteúdo (entenda-se, disciplina legal) poder ser afastado, ou não, pois, violável, toda a norma jurídica o pode ser por natureza.
(…) foquemo-nos apenas nas imperativas, para dizer que a sua derrogação é cominada com a nulidade. (…)
É o conteúdo da norma imperativa que justifica a diferença do desvalor do acto que a viola. A norma imperativa não visa proteger apenas os interesses das partes actuais, mas também das partes futuras, de terceiros e o interesse público em sentido estrito. É neste contexto que foi acolhido na doutrina, na jurisprudência e na lei o princípio de que "só há nulidade (...) quando a contrariedade a normas imperativas se traduz no conteúdo - e não no procedimento, no modo ou processo de formação - das deliberações.» (art.º 294.º do CC) (cfr. Ac. 20.12.2017, Proc. n.º 1524/12.2TVLSB.L1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Ou seja, a consequência da verificação dos requisitos vindos de enunciar é a afirmação da ilicitude e consequente nulidade do negócio em fraude à lei.
[Ainda, as figuras da simulação e da fraude à lei distinguem-se na base do critério da vontade: o negócio em fraude à lei suporta-se numa vontade real (uma interposição real de pessoas); diversamente, o negócio simulado caracteriza-se por uma vontade fictícia ou aparente (uma interposição fictícia de pessoas).» (cfr. Ac. Relação do Porto de 04.05.2022, Proc. 2688/17.4T8VNG, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
(…)».
Apreciando a questão enunciada o Tribunal recorrido concluiu que no caso não se verificam os requisitos da invocada fraude à lei, desde logo porque o preceito legal mencionado pelos autores (o artigo 402.º, n.º 2 do CSC) configura uma norma de cariz dispositivo, não imperativo, para além de que na presente ação não se discutem as obrigações ou os direitos dos administradores, não estando em causa que o falecido autor tem direito a um complemento de pensão de reforma, tal como aliás foi oportunamente definido na sentença proferida no processo n.º 3396/14.3T8GMR, assim não se podendo concluir pela violação de tal preceito legal.

Para o efeito, o Tribunal recorrido exarou a seguinte fundamentação:
«(…)
Revertendo ao caso dos autos, de concreto alegou o falecido Autor ter sido violada a norma do art.º 402.º do CSC e o decidido, por sentença, no Proc. 3396/14.3T8GMR.
Ora, dispõe o art.º 402.º do CSC, sob a epígrafe “reforma dos administradores”, que:
«1 - O contrato de sociedade pode estabelecer um regime de reforma por velhice ou invalidez dos administradores, a cargo da sociedade.
2 - É permitido à sociedade atribuir aos administradores complementos de pensões de reforma, contanto que não seja excedida a remuneração em cada momento percebida por um administrador efectivo ou, havendo remunerações diferentes, a maior delas.
3 – (…)
4 - O regulamento de execução do disposto nos números anteriores deve ser aprovado pela assembleia geral.» (itálico nosso).

Pois bem, da leitura e análise deste normativo, contextualizando-o nos demais direitos e deveres dos órgãos sociais de uma sociedade, extrai-se, s.m.o, a sua disponibilidade às partes, o que é caraterístico de uma norma de cariz dispositivo, não imperativo (que impõe um comportamento ou que o proíbe).
Por conseguinte, perece o argumento do falecido Autor, por não estarmos diante de uma regra jurídica, fonte de direito, de conteúdo imperativo e regulador necessária a não poder dever ser derrogada.
Ainda que assim não se entendesse, sempre se dirá que não se discute nesta ação as obrigações ou os direitos dos administradores, não estando em causa que o falecido Autor tem direito a um complemento de pensão de reforma. Logo, não se pode concluir pela violação de tal norma.
Por outro lado, ao nível dos factos, da matéria apurada e dada como provada, não resultam demonstrados factos que revelem a violação do artigo em referência, pois provado está que a Ré apresentou-se a pagar ao falecido Autor o complemento de pensão de reforma estatutariamente regulado e segundo a fórmula definida no Estatuto. Foi, sim, o Autor quem discordou de uma das suas constantes (valores alusivos à melhor remuneração recebida em cada momento por EMP03...) e acabou por propor a presente ação.
Não se verifica, portanto, factualidade provada à conclusão da fraude à lei.
Igual desfecho se alcança quanto ao decidido, no que ora importa, pela sentença proferida no Proc. n.º 3396/14.3T8GMR e que condenou a Ré no pagamento [d]«na quantia correspondente aos complementos de reforma vencidos desde Janeiro de 2016 até à presente data e nos complementos de reforma que se venham a vencer até ao falecimento do Autor, em montante correspondente à diferença entre a reforma recebida da Segurança Social pelo Autor e a remuneração auferida pelo administrador da Ré descendente de BB, actualmente, BB».
Primeiramente, a sentença em si não se traduz numa regra (norma) jurídica, antes num facto jurídico praticado por um juiz que reproduz a sua reflexão jurídica sobre uma determinada questão que lhe é suscitada, realizando, dessa forma, o “acto final de cumprimento do seu dever de julgar” (cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 127).
Traduz-se numa fonte do conhecimento do direito ou, noutras palavras, numa fonte mediata de direito, porque a sua juricidade dependente de uma outra fonte (esta imediata e relevante no nosso sistema) que é a lei.
Segundo, para ser fonte de direito, logo, poder interpretar-se no caso concreto como “lei” defraudada, teria de se assumir, o que não acontece, como jurisprudência vinculativa, como o são os acórdãos com força obrigatória geral (do STJ), os acórdãos normativos do TR (que declaram a inconstitucionalidade ou ilegalidade de normas) e os acórdãos dos tribunais administrativos com força obrigatória geral (que declararam a ilegalidade de regras administrativas), na medida em que a jurisprudência, como fonte de direito, refere-se a um valor negativo, pois impede, através de um juízo de inconstitucionalidade ou ilegalidade, que desta fonte possa ser retirada uma regra jurídica.
Por fim, mesmo que se entendesse a sentença como a “lei” defraudada, a parte imperativa que dela se pode retirar, enquanto comando, é unicamente o dever de condenação no pagamento, não a relacionada com “diferença entre a reforma recebida da Segurança Social pelo Autor e a remuneração auferida pelo administrador da Ré descendente de BB, actualmente, BB”, pois esta parte é, precisamente, a prescrição (fórmula) que importa preencher, não tendo sido concretizado em absoluto tal comando.
Por conseguinte e ao nível do plano jurídico, não se mostra preenchido um dos primeiros requisitos do instituto da fraude à lei.
(…)».
Na presente apelação os recorrentes insurgem-se contra este entendimento, sustentando que o facto de estar em causa a atribuição de um complemento de reforma ao autor originário ao abrigo do disposto no artigo 402.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais, que foi concretizado através dos estatutos da ré, não afasta a aplicação do instituto da fraude à lei, mais alegando que, a partir do momento em que o autor originário adquiriu o direito ao complemento de reforma devido pela ré, nos termos da fórmula de cálculo reconhecida na decisão judicial proferida no processo n.º 3396/14.3T8GMR (por referência ao salário de BB, enquanto administrador da ré, por ser o descendente da Família ..., que integra o Conselho de Administração da Ré), a ré ficou vinculada e obrigada, de forma imperativa, a cumprir o complemento de reforma devido ao autor originário e, por  conseguinte, a fraude ao direito subjetivo do autor originário neste caso, é uma fraude ao seu direito protegido ao abrigo do artigo 402.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais, que se impõe e é obrigatório face à ré.
Porém, à luz dos fundamentos de direito invocados e ponderando o que decorre da matéria de facto definitivamente provada resulta inequívoco que o Tribunal a quo fez uma correta ponderação das questões suscitadas pelos apelantes, pelo que se impõe um juízo de total concordância em relação à decisão proferida.
 Tal como esclarece Luís A. Carvalho Fernandes[21], «[e]m certos casos, o objecto do negócio ofende frontal ou directamente uma norma legal proibitiva; há então ilicitude directa e o negócio diz-se contra legem, Mas também pode acontecer que, perante uma proibição legal, as partes procurem obviar a esse obstáculo, contornando-o, ou seja, celebrando um negócio que permita alcançar, por via indirecta, o resultado proibido. Existe aqui um negócio em fraude à lei; trata-se, ainda, de uma situação de ilicitude, que se designa por indirecta».
Deste modo, na verificação da existência de fraude à lei exige-se, como requisitos, a regra jurídica a cuja proteção se acolhe o fraudante, o resultado que a lei proíbe e a atividade fraudatória pela qual o fraudante procurou e obteve a modelação ilícita de uma situação coberta pela regra jurídica que é objeto de fraude: a norma a cujo imperativo se procura escapar[22].
Assim, por via indireta, através da prática de um ou vários atos lícitos, logra obter-se um resultado que a lei previu e proibiu[23], pelo que só a violação de uma norma imperativa pode acarretar a nulidade[24], como previsto no artigo 294.º do Código Civil (CC), ao prever que os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei.
Com efeito, o fundamento normativo da nulidade do negócio em fraude à lei é o artigo 294.º do CC, preceito que sanciona o negócio contrário à lei imperativa, assim como outras hipóteses de patologia negocial não especialmente previstas na lei[25];
Daí que para efeitos da aplicação do regime em questão se imponha a necessidade de identificar as disposições legais injuntivas, por contraposição às dispositivas[26], sendo que relativamente às normas imperativas ou injuntivas (ius cogens), o correspondente regime não pode ser afastado pela vontade das partes, por configurar direito irrenunciável, não assim se relativa a direitos disponíveis, se tratar de norma dispositiva (ius dispositivum)[27].
No caso, o invocado artigo 402.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) estabelece que é permitido à sociedade atribuir aos administradores complementos de pensões de reforma, contanto que não seja excedida a remuneração em cada momento percebida por um administrador efetivo ou, havendo remunerações diferentes, a maior delas, norma que surge na sequência do n.º 1 do mesmo preceito, prevendo este que o contrato de sociedade pode estabelecer um regime de reforma por velhice ou invalidez dos administradores, a cargo da sociedade.
Ora, a interpretação do preceito em causa permite concluir que o pacto social pode conter uma cláusula que atribua aos administradores complementos de pensões de reforma, com os limites indicados, ou seja, o artigo 402.º, n.º 1 do CSC autoriza que o pacto social contenha uma cláusula que atribua aos administradores complementos de pensões de reforma, constituindo, assim, inequivocamente, uma norma de cariz dispositivo, não imperativo, conforme se concluiu na sentença recorrida.
Em todo o caso, também resulta evidente que na presente ação não está em causa saber se o falecido autor tem direito a um complemento de pensão de reforma, porquanto resulta definitivamente assente nos autos que os estatutos e deliberações da assembleia geral da ré (em vigor à data de cessação funções do autor como administrador da ré) conferem a este falecido autor o direito a um complemento de reforma no montante que seja necessário para que este aufira, de prestação global de reforma, uma quantia igual ao salário recebido, em cada momento, pelo administrador executivo da ré que seja descendente de BB e que tenha vencimento mais elevado (ou seja, prestação social paga pela Segurança Social ao autor + complemento de reforma a pagar pela ré = salário auferido pelo administrador em exercício com funções executivas que seja descendente de BB e com vencimento mais elevado).
Acresce que, como dos autos também resulta, há caso julgado quanto ao conteúdo do direito do autor ao complemento de pensão de reforma e no que toca à sua forma de cálculo, em conformidade com o decidido na ação n.º 3396/14.3T8GMR [pontos 11 a 24 dos factos provados], pelo que os factos em causa na presente ação nunca poderiam consubstanciar qualquer violação, direta ou indireta, da norma meramente dispositiva prevista no artigo 402.º, n.º 2 do CSC.
Assim, alegando o autor que a ré reduziu de forma artificial a remuneração do seu administrador (que serve para cálculo do complemento de reforma que lhe é devido) com vista a frustrar a consistência material do direito que lhe foi reconhecido pelos estatutos e deliberações da assembleia geral da ré (em vigor à data de cessação funções do autor como administrador da ré) - cf. os pontos 2 e 11 dos factos provados - é manifesto que eventuais desvios às referidas disposições estatutárias/deliberações da assembleia geral da sociedade ré nunca poderiam consubstanciar os descritos requisitos da fraude à lei, porquanto estão em causa disposições dos estatutos, enquanto negócios jurídicos conformados pela autónoma vontade dos sócios[28].
Acresce que eventuais atos/deliberações sociais da ré que violem disposições quer da lei, quer do contrato de sociedade, estão sujeitas ao regime-regra da invalidade previsto no domínio das deliberações sociais, que é o da anulabilidade [cf. o artigo 58.º, n.º 1, al. a), do CSC], o que nem sequer integra o objeto da ação, de acordo com a configuração dada pelo autor na petição inicial.
Entendemos, pois, à semelhança do decidido na sentença recorrida, que os factos em apreciação não permitem consubstanciar os requisitos da invocada fraude à lei, enquanto fundamento das pretensões formuladas na presente ação.
Argumentam os recorrentes que a ré incorreu em abuso do direito porquanto, em conjunto com BB, teria abusado da formalidade e personalidade jurídica da EMP02..., sociedade que nem sequer tem meios próprios (nem humanos, nem materiais) e atua através daquele seu sócio-gerente único.
O artigo 334.º do CC com a epígrafe «Abuso do direito» dispõe que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Tal como decorre do citado preceito legal a verificação do abuso do direito pressupõe o exercício anormal, excessivo ou ilegítimo dos poderes inerentes a determinado direito.
Tal como esclarece Luís A. Carvalho Fernandes[29], a propósito do citado artigo 334.º do CC, «[o] preceito  identifica como abusivo o exercício de um direito com manifesto excesso dos limites que assim lhe são impostos. Esta nota, que, num exame preliminar, parece conduzir o abuso a uma figura unitária, não tem, porém, esse significado, porquanto das diferentes fontes desses limites resultam múltiplas e diversas situações de exercício abusivo, que não é possível reduzir a uma única categoria dogmática, pelo que respeita às suas modalidades e às suas consequências».
Ora, das circunstâncias genericamente enunciadas pelos apelantes não é possível vislumbrar quaisquer dos vícios em que se concretiza a figura do abuso do direito, a qual assenta necessariamente em pressupostos fácticos complexos, os quais não se mostram suficientemente demonstrados nos autos.
Por outro lado, em relação à questão do alegado abuso da personalidade jurídica da sociedade EMP02... (que não é parte nesta ação), através do seu sócio-gerente único, novamente suscitada pelos recorrentes, também não existem razões que levem à alteração ou revogação da decisão recorrida, em face da matéria de facto apurada nos autos.
Ademais, independentemente do acerto dos fundamentos aduzidos pelo Tribunal recorrido para decidir a questão agora em análise, o qual é manifesto, revela-se evidente que o instituto da desconsideração da personalidade coletiva apenas pode servir para responsabilizar o património pessoal do próprio administrador, o que não sucede no caso dos autos, uma vez que o mesmo nem sequer é parte no processo[30].
Por todo o exposto, em face do quadro fáctico apurado nos autos, não se revela possível extrair diferente entendimento relativamente aos fundamentos de facto e de direito que ditaram a total improcedência da ação, os quais sufragamos, sendo por isso de manter integralmente a decisão alcançada na 1.ª Instância.
Daí que a sentença recorrida não mereça censura, improcedendo na íntegra a apelação.
Como se viu, a recorrida/ré suscitou, a título subsidiário, a ampliação do objeto do recurso, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 636.º, n.º 1 do CPC, pretendendo a reapreciação da decisão proferida em sede de saneador, que julgou improcedente a exceção do caso julgado, em função do decidido no âmbito da ação que correu termos sob o n.º 3396/14.3T8GMR, invocada pela ré na contestação (contra-alegações da recorrida).
Como tal, em face da total improcedência da apelação, fica prejudicada a apreciação da questão suscitada pela recorrida no âmbito da ampliação do objeto do recurso, deduzida a título subsidiário.

Síntese conclusiva:

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Guimarães, 18 de setembro de 2025
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis
(Juiz Desembargador - relator)
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
(Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Afonso Cabral de Andrade
(Juiz Desembargador - 2.º adjunto)



[1] Em 21-01-2025, a ré apresentou requerimento neste Tribunal da Relação de Guimarães (ref. ª ...19), com teor idêntico ao apresentado perante a primeira instância, em 20-01-2025 (ref. ª ...67).
[2] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pg. 236.
[3] Dispõe o artigo 195.º do CPC, com a epígrafe Regras gerais sobre a nulidade dos atos:
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.
[4] Cf. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, Coimbra, Almedina, 2013, p. 27.
[5] Dispõe o artigo 654.º, n.º 2 do CPC, com a epígrafe Erro quanto ao efeito do recurso:
(…)
2 - Se a questão tiver sido suscitada por alguma das partes na sua alegação, o relator apenas ouve a parte contrária que não tenha tido oportunidade de responder.
[6] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 791. 
[7] Obra citada, p. 763.
[8] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 - 5.ª edição -, p. 129-130.
[9] Essa é a solução propugnada no Ac. do STJ de 26-05-2015 [relator: João Camilo; p. 169/13.4TCGMR.G2.S1, disponível em www.dgsi.pt.] para a decisão que no despacho saneador julgou improcedente a exceção de caso julgado arguida pelo réu. Tendo-lhe sido favorável a sentença que a final foi proferida e sendo interposto recurso de apelação pelo autor, o réu tem interesse em suscitar nas contra-alegações a impugnação daquela primeira decisão prevenindo a eventualidade de ser provida a apelação interposta pelo autor. Sendo formulado esse pedido de ampliação, mas improcedendo os fundamentos da apelação, não pode essa ampliação do âmbito do recurso ser conhecida.
[10] Ac. do STJ de 06-06-2019 [relatora: Maria Rosa Oliveira Tching]; p. 276/13.3T2VGS.P1. S2, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Cf., o citado Ac. do STJ de 26-05-2015.
[12] Cf., o Ac. do STJ de 24-05-2022 (relator: Tibério Nunes da Silva), p. 1610/20.5T8STR.E1. S1 disponível em www.dgsi.pt.
[13] Ac. do STJ de 11-02-2015 (relator Gregório Silva Jesus), p. 422/2001.L1. S1 - 1.ª Secção - com o sumário disponível em www.stj.pt.
[14] Neste sentido, cf., por todos, os acórdãos do STJ de 09-02-2021 (relatora: Maria João Vaz Tomé), p. 26069/18.3T8PRT.P1. S1; 14-03-2019 (relatora: Maria do Rosário Morgado), p. 8765/16.16.1T8LSB.L1. S2; 13-07-2017 (relator: Fonseca Ramos), p. 442/15.7T8PVZ.P1. S1; 17-05-2017 (relatora: Fernanda Isabel Pereira), p. 4111/13.4TBBRG.G1. S1; disponíveis em www.dgsi.pt.
[15] Relatora: Fernanda Isabel Pereira, p. n.º 809/10.7TBLMG.C1. S1 - 7.ª Secção; disponível em www.dgsi.pt.
[16] Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. III, 4.ª edição (Reimpressão), Coimbra, 1985 - Coimbra Editora, pgs. 206 e 209.
[17] Cf. o Ac. do STJ de 01-10-2019 (relator: Fernando Samões), p. 109/17.1T8ACB.C1. S1; disponível em www.dgsi.pt.
[18]   Cf. os Acs. do STJ de 11-07-2012 (relator: Fernandes da Silva), p. 3360/04.0TTLSB.L1. S1; de 22-05-2012 (relator: Paulo Sá), p. 5504/09.7TVLSB.L1. S1; de 19-04-2012 (relator: Pinto Hespanhol), p. 30/80.4TTLSB.L1. S1; de 23-09-2009 (relator: Bravo Serra), p. 238/06.7TTBGR.S1 - 4.ª Secção; todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[19] Sublinhado nosso.
[20] A falta de impugnação pelos recorrentes do concreto segmento em referência, delimita necessariamente os poderes de cognição do Tribunal ad quem, tal como decorre do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPC.
[21] Teoria Geral do Direito Civil II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 5.ª edição - revista e atualizada, Lisboa, 2017, Universidade Católica Editora, p. 161.
[22] Cf., o Ac. do STJ de 17-11-2021 (relator: Manuel Capelo), p. 700/10.7TBABF.E3. S1, disponível em www.dgsi.pt.
[23] Cf., o Ac. do STJ de 20-10-2009 (relator: Sebastião Póvoas), p. 115/09.0TBPTL.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[24] Cf., o Ac. do STJ de 20-12-2017 (relator: Pedro Lima Gonçalves), p. 1524/12.2TVLSB.L1. S1, disponível em www.dgsi.pt.
[25] Cf., o Ac. do STJ de 12-09-2019 (relatora: Catarina Serra), p. 8049/15.2TPRT.P1. S3.S1, disponível em www.dgsi.pt e a doutrina no mesmo citada.
[26] Código Civil, Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 364.
[27] Cf., o Ac. do STJ de 17-02-2005 (relator: Oliveira Barros), p. 04B4662, disponível em www.dgsi.pt.
[28] Cf., Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial - Das Sociedades - Vol. II - 8.ª edição, Almedina, 2024, p. 148.
[29] Cf. Luís A. Carvalho Fernandes - obra citada -, p. 624.
[30] Cf., o Ac. do STJ de 13-10-2020 (relator: Acácio das Neves), p. 22024/16.6.T8PRT.P1. S1, disponível em www.dgsi.pt.