PRESUNÇAO DE LABORALIDADE
ARQUITECTO
Sumário

Sumário elaborado pela relatora:
I. O artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009 estabelece uma presunção de laboralidade. A verificação de, pelo menos, duas das características discriminadas nas alíneas a) a e) do n.º 1 deste preceito legal é condição suficiente para operar o funcionamento da presunção. Trata-se de uma presunção juris tantum (artigo 350.º do Código Civil), cabendo à parte contrária demonstrar que, não obstante a verificação das circunstâncias apuradas, existem factos e contraindícios indicadores de autonomia, que sejam quantitativa e qualitativamente significativos para permitirem a descaracterização.
II. É de qualificar como contrato de trabalho a relação jurídica, iniciada em janeiro de 2013, entre um Arquiteto e uma empresa, em que aquele exerce as suas funções em locais determinados pela empresa, utilizando equipamentos e instrumentos de trabalho da mesma, inserido na estrutura organizativa estabelecida, reportando-se à diretora fabril, auferindo uma contrapartida monetária certa, com periodicidade mensal, pela prestação da atividade.

Texto Integral

P. 1756/24.0T8STR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1


I. Relatório


O Ministério Público intentou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, prevista nos artigos 186.º-K e seguintes do Código de Processo do Trabalho, contra Lusical – Companhia Lusitana de Cal, S.A., pedindo que seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a Ré e AA, com antiguidade reportada a 1 de novembro de 2011, com todas as consequências legais.


Alegou, em brevíssima síntese, que a Ré celebrou com AA, desde novembro de 2011, um designado “contrato de prestação de serviços”, no âmbito do qual este se obrigou a executar determinados serviços num contexto e circunstâncias típicas de trabalho subordinado, pelo que se impõe qualificar a relação jurídica estabelecida como contrato de trabalho.


Contestou a Ré, invocando, em súmula, que o prestador de serviço exerce a sua atividade com total independência e sem subordinação jurídica, não existindo, por isso, qualquer motivo para o considerar trabalhador subordinado, reclamando, consequentemente, a sua absolvição do pedido.


Realizado o julgamento, foi proferida sentença contendo o seguinte dispositivo:


«Face ao todo o exposto, julga-se a presente ação totalmente procedente, por provada e, em consequência reconhece-se a existência de um contrato de trabalho, por tempo indeterminado entre a Ré LUSICAL – COMPANHIA LUSITANA DE CAL, S.A. e AA, fixando-se a data do seu início em 01 de janeiro de 2013.


Custas a suportar pela Ré – artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho.


Valor da ação: € 2.000,00 – artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, 186.º-Q, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e 12.º, n.º 1, alínea e) do Regulamento das Custas Processuais e tabela I-B, anexa ao diploma.


Registe.


Notifique.


Comunique a presente sentença à Autoridade para as Condições de Trabalho e à Segurança Social, nos termos do art.º 186.º-O, n.º 9, do Código de Processo do Trabalho.


Oportunamente, arquive.»


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A Ré interpôs recurso desta decisão, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:


«i. Como se evidencia em virtude das presentes alegações, existem factos que foram erradamente dados como provados e factos relevantes para a decisão da causa que se provaram e que deveriam, por isso, ser dados como provados, não tendo a sentença recorrida feito um correto uso dos poderes conferidos ao juiz no âmbito da decisão da matéria de facto, previstos no artigo 607º, nos 4 e 5, do CPC.


ii. Em concreto no que respeita à decisão da matéria de facto, o Tribunal deu como provados factos que não foram alegados e não resultam da prova produzida nos autos.


iii. Por outro lado, atento o objeto dos presentes autos, o alegado pelas partes, bem como a globalidade da prova produzida, verifica-se que na decisão da matéria de facto a Meritíssima Juiz a quo não dá como provados factos que foram alegados e sobre os quais foi produzida prova e que, no entender da Recorrente, assumem interesse para a boa decisão da causa.


iv. Verificando-se, assim, erro na matéria de facto provada, parcialmente quanto ao ponto 11, o qual deveria transitar para os factos não provados, do seguinte modo: ponto 11, quando refere “(…) por quem é fiscalizado (…)”, na medida em que não foram alegados nem provados factos que provem qualquer fiscalização do AA por BB, tendo sido até contrariado pelo depoimento de AA, (minutos 20:58 a 21:36 e 43:24 a 44:12 do seu depoimento), cujo excertos se encontram transcritos no artigo 17.º das alegações e se dão aqui por integralmente reproduzidos, e pelo depoimento de BB, (minutos 13:23 a 14:20 e 16:04 a 17:18 do seu depoimento), cujos excertos se encontram transcritos no artigo 18.º das alegações e se dão aqui por integralmente reproduzidos.


v. Verificando-se igualmente erro na matéria de facto provada quanto ao ponto 13, o qual deveria transitar na sua totalidade para os factos não provados, pois não foi produzida qualquer prova no sentido de a Recorrente solicitar a AA as datas em que pretende gozar as suas férias, tendo aliás havido prova em sentido contrário, conforme o depoimento de AA, (minutos 21:41 a 22:13 do seu depoimento), cujo excerto se encontra transcrito no artigo 29.º das alegações e se dá aqui por integralmente reproduzido, e pelo depoimento de BB, (minutos 09:58 a 10:58 do seu depoimento), cujo excerto se encontra transcrito no artigo 30.º das alegações e se dá aqui por integralmente reproduzido.


vi. Por outro lado, em face do objeto dos presentes autos e do alegado pelas partes, nomeadamente pela Ré nos artigos 61.º, 63.º, 66.º, 69.º, 120.º, 103.º, 104.º, 121.º, 122.º, 32.º, 102.º, 88.º, 89.º, 90.º, 91.º, 92.º, 93.º da Contestação, e da prova testemunhal e documental produzida, impunha-se que a matéria de facto alegada, bem como demais matéria relacionada e sobre a qual foi produzida prova de forma inequívoca fosse considerada provada.


vii. Assim, tendo em consideração o depoimento prestado pela testemunha AA, prestador de serviços (minutos 30:41 a 32:25 e 34:10 a 35:16 do seu depoimento), cujos excertos se encontram transcritos no artigo 38.º das alegações e se dão aqui por integralmente reproduzidos, e o depoimento de BB, Diretora Fabril (minutos 00:17 a 01:57 do seu depoimento), cujo excerto se encontra transcrito no artigo 39.º das alegações e se dá aqui por integralmente reproduzido, deve aditar-se à matéria de facto provada, o que desde já se requer, um novo facto com a seguinte redação: “Não obstante o previsto no contrato de prestação de serviços, AA deslocava-se tendencialmente duas vezes por semana às instalações da Lusical, havendo semanas em que ali não se deslocava, inexistindo qualquer controlo por parte da empresa ou dos seus responsáveis quanto a essas deslocações.”


viii. No que respeita à existência e controlo de horário de trabalho e registo de tempos de trabalho, tendo em consideração o depoimento prestado pela testemunha AA, prestador de serviços (minutos 30:41 a 32:25, 34:10 a 35:16 e 37:30 a 37:44 do seu depoimento), cujo excertos se encontram transcritos nos artigos 38.º e 53.º das alegações e se dão aqui por integralmente reproduzidos, o depoimento de BB, Diretora Fabril (minutos 00:17 a 01:57 do seu depoimento), cujo excerto se encontra transcrito no artigo 39.º das alegações e se dá aqui por integralmente reproduzido, e ainda o depoimento de CC, Responsável de Recursos Humanos (minutos 03:02 a 04:04 e 11:49 a 12:00 do seu depoimento), cujos excertos se encontram transcritos no artigo 52.º das alegações e se dão aqui por integralmente reproduzidos, deve aditar-se à matéria de facto provada, o que desde já se requer, dois novos factos com a seguinte redação: “AA não estava sujeito a nenhum horário de trabalho nem a registo de tempos de trabalho” e “Não eram solicitadas pela Lusical a AA justificações ou comprovativos de justificação em casos de ausência”.


ix. No que respeita às férias e ausências prolongadas, tendo em consideração o depoimento prestado pela testemunha AA, prestador de serviços (minutos 23:16 a 24:28 e 44:27 a 45:15 do seu depoimento), cujos excertos se encontram transcritos no artigo 60.º das alegações e se dão aqui por integralmente reproduzidos, o depoimento de BB, Diretora Fabril (minutos 00:17 a 01:57 do seu depoimento), cujo excerto se encontra transcrito no artigo 39.º das alegações e se dá aqui por integralmente reproduzido, e ainda o depoimento de CC, Responsável de Recursos Humanos (minutos 03:02 a 04:04 e 11:49 a 12:00 do seu depoimento), cujo excerto se encontra transcrito no artigo 52.º das alegações e se dá aqui por integralmente reproduzido, deve aditar-se à matéria de facto provada, o que desde já se requer, dois novos factos com a seguinte redação: “As ausências de AA não careciam de autorização, controlo ou aprovação por parte da Lusical, não sendo inseridas no mapa de férias dos trabalhadores” e “AA informava, por sua iniciativa, a Engenheira BB das datas das suas ausências prolongadas”.


x. No que respeita à ausência de poder disciplinar, tendo em consideração o depoimento prestado pela testemunha AA, prestador de serviços (minutos 37:30 a 37:58 do seu depoimento), cujo excerto se encontra transcrito no artigo 66º das alegações e se dão aqui por integralmente reproduzidos, assim como o depoimento CC, Responsável de Recursos Humanos (minutos 04:03 a 04:11 do seu depoimento), cujo excerto se encontra transcrito no artigo 67.º das alegações e se dá aqui por integralmente reproduzido, deve aditar-se à matéria de facto provada, o que desde já se requer, um novo facto com a seguinte redação: “AA nunca foi alvo de um processo disciplinar.”


xi. No que respeita à ausência de dever de exclusividade, tendo em consideração a prova documental e o depoimento prestado pela testemunha AA, prestador de serviços (minutos 26:53 a 28:01 do seu depoimento), cujo excerto se encontra transcrito no artigo 76º das alegações e se dá aqui por integralmente reproduzido, deve aditar-se à matéria de facto provada, o que desde já se requer, um novo facto com a seguinte redação: “AA não estava sujeito a um dever de exclusividade, prestando desde 2013 serviços a outros clientes para além da Lusical.”


xii. Por fim, quanto aos honorários, resulta da prova documental junta ao processo, que não obstante o valor certo pago mensalmente a título de honorários, foram ao longo da execução do contrato emitidas por AA diversas faturas à Recorrente a título de acertos dos serviços prestados para além do contrato de avença, pelo que deve aditar-se à matéria de facto provada, o que desde já se requer, um novo facto com a seguinte redação: “AA faturava à Recorrente, a acrescer à quantia certa acordada no âmbito do contrato de avença, faturas de outros valores, para efeitos de acerto no pagamento de serviços prestados para além dos previstos no contrato de avença.”


xiii. No que respeita à matéria de direito, dir-se-á igualmente que não assiste razão ao douto Tribunal, pois que, foram alegados e provados factos que permitam concluir que a relação contratual mantida entre AA e a Recorrente é uma relação de prestação de serviços.


xiv. Foi demonstrado que não há lugar a qualquer subordinação jurídica, dado que o prestador de serviços dispõe de total autonomia na execução dos seus serviços, não sendo este alvo de qualquer controlo nem recebendo qualquer tipo de instruções por parte de BB.


xv. O próprio prestador de serviços aqui em causa, AA, prestou depoimento no sentido de nunca lhe ter sido dadas indicações de como fazer as tarefas que lhe eram solicitadas, nem nunca o seu trabalho ter sido alvo de revisão ou fiscalização por parte de BB.


xvi. A acrescer a esta autonomia, resultou provado que AA não era alvo de poder disciplinar pela Recorrente, dispondo de total autonomia e independência no exercício dos serviços prestados, não recebendo ordens e instruções de quem quer que fosse, sem qualquer necessidade de justificar ausências ao serviço ou não deslocações à sede da Recorrente, nem estando sujeito a qualquer horário de trabalho, desenvolvendo os serviços que lhe foram contratados também fora das instalações da Recorrente.


xvii. Quanto às ausências prolongadas, ficou também provado pelo próprio depoimento do prestador de serviços que apenas informava BB das alturas em que iria estar indisponível, nunca lhe tendo sido pedido para alterar estas mesmas datas, não tendo sido estas incluídas no mapa de férias da Recorrente, nem sujeitas a qualquer autorização ou aprovação.


xviii. Da exclusividade, veja-se o depoimento de AA e ainda a prova documental junta pelo Serviço de Finanças de Cidade 1, onde se demonstra que que AA prestou, desde 2013, atividades a outros clientes que não a Recorrente, não havendo qualquer dever de exclusividade para com a Recorrente.


xix. Ficou ainda provado que, quanto à vontade das partes, AA, para além dos serviços que presta a outras entidades, trabalha com a sua mulher num espaço comercial detido por esta e que ainda teve o projeto pessoal de restauração de um imóvel, ficando patente que os outros interesses e atividades de AA são incompatíveis com a manutenção de uma relação laboral e deveres daí decorrentes.


xx. Não obstante a coordenação e interação de AA com os serviços da Recorrente, apenas normal e expectável num contrato de avença de serviços desta natureza, esta não implica o reconhecimento da existência de uma relação de trabalho, já que a Recorrente logrou alegar e provar factos que comprovem a autonomia dos serviços por aquele prestados, conforme o já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa: “Reconhecendo-se, embora, algum nível de integração do prestador de atividade na organização do beneficiário, sem que os autos revelem o exercício de poderes de autoridade por este, não se pode concluir pela existência de um contrato de trabalho entre ambos.”


xxi. Assim, impunha concluir-se que, tendo a Recorrente alegado factos que foram alvo de vastíssima prova, e que demonstram cabalmente não haver lugar a qualquer poder de direção, disciplinar ou autoridade sobre AA, não havendo por isso qualquer subordinação jurídica, não se demonstra a existência de qualquer vínculo laboral, pelo que o douto Tribunal não poderia decidir pela existência de um contrato de trabalho, verificando-se sim uma relação de prestação de serviços.


xxii. Motivo pelo qual, a ação deveria ter sido julgada como improcedente e a Recorrente absolvida dos pedidos contra ela formulados.


Termos em que, deve a douta decisão recorrida ser alterada, no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso, o que desde já se requer para todos os efeitos legais.»


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Contra-alegou o Ministério Público, propugnando pela improcedência do recurso.


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A 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.


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O processo subiu à Relação e o recurso foi mantido.


Foi elaborado o projeto de acórdão e colhidos os vistos legais.


Cumpre, em conferência, apreciar e decidir.


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II. Objeto do Recurso


É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).


Em função destas premissas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:


1.ª Impugnação da decisão da matéria de facto.


2.ª Saber se o tribunal a quo errou na qualificação do contrato de trabalho sub judice.


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III. Matéria de Facto


A 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:


1. No âmbito de ação inspetiva levada a cabo pela Autoridade Para as Condições de Trabalho em 26 de abril de 2024, foi levantado auto por utilização indevida, por parte da Ré Lusical – Companhia Lusitana de Cal, S.A., do contrato de prestação de serviços celebrado com AA, arquiteto, portador do cartão de cidadão n.º ..., o número de identificação fiscal ..., o número da segurança social ... e residente na Rua 1Local 1.


2. A Ré dedica-se à produção e comercialização de calcário, cal e seus derivados, produção e comercialização de energia.


3. Em 26 de Abril de 2024, AA encontrava-se no interior das instalações da Ré, sitas em Local 2, no departamento de urbanismo, ambiente e segurança no trabalho, juntamente com outros trabalhadores, a prestar a sua atividade de elaboração de projetos, licenças ambientais e licenciamentos industriais, mais propriamente sentado à secretária a proceder, no computador da Ré, à alteração da licença ambiental do Tua.


4. Desempenhava tal atividade para a Ré no local de trabalho supra identificado, de forma ininterrupta, desde janeiro de 2013, com contrato de prestação de serviços reduzido a escrito, no âmbito do qual executava, entre outras, as seguintes tarefas: acompanhamento e conclusão, em cooperação com a Direção Técnica e Fabril da Ré, dos licenciamentos atualmente em curso na Câmara Municipal de Cidade 2; preparar e acompanhar o licenciamento de novos projetos/construções na Câmara Municipal de Cidade 2; preparar e apresentar à Ré o ponto da situação relativo aos elementos submetidos na plataforma REAI, liderando em articulação com a Direção Técnica e Fabril desta, o relacionamento com o Ministério da Economia com vista à obtenção do licenciamento industrial da instalação fabril da Ré; representar a Ré junto de entidades estatais competentes, APA, CCDRLVT, CCDRC, Ministério da Economia e PNSAC, fazendo-se acompanhar da Direcção-Geral ou de um representante nomeado por esta; centralizar e assumir a responsabilidade pela troca de correspondência entre a Ré e tais entidades, em coordenação com a Secretária da Direção-Geral; assegurar o cumprimento das obrigações ambientais aplicáveis à instalação industrial da Ré; preparar e concretizar os projetos estratégicos; consultar o mercado com vista à obtenção das melhores propostas técnicas e económicas para o conjunto de trabalhos que vierem a ser subcontratados, por forma a garantir a boa execução dos projetos e, uma vez realizado o trabalho de prospeção e seleção, submetê-lo à responsável de compras da Ré; e outros serviços que venham a ser acordados entre AA e a Ré.


5. Ainda no âmbito de tal contrato de prestação de serviços, AA presta serviços de segurança no trabalho para a Ré.


6. O mesmo não consta da listagem das entidades autorizadas para a prestação de serviços de segurança no trabalho.


7. Quando se encontra a trabalhar na sede da Ré, o posto físico de trabalho de AA é no departamento de urbanismo, ambiente e segurança no trabalho, juntamente com outros colegas, utilizando, entre outros equipamentos e instrumentos de trabalho pertença da Ré, uma secretária, uma cadeira, um computador e, para a elaboração de peças de desenho técnico, o software AutoCad e Office.


8. A pedido e no interesse da Ré, AA desloca-se aos locais onde se realizam as vistorias, às Câmaras Municipais, para entregar os projetos de licenciamento daquela, e à Agência Portuguesa do Ambiente, fazendo-se transportar em veículo próprio, sendo posteriormente reembolsado pela Ré das despesas suportadas com tais deslocações.


9. A Ré também lhe distribuiu botas de proteção, casaco de visibilidade e capacete de proteção, e forneceu-lhe um endereço de e-mail de serviço: ...@lhoist.com.


10. Estando prevista, no referido contrato de prestação de serviços, uma carga horária de trabalho de aproximadamente 24 horas semanais e a presença física de AA na sede da Ré em, pelo menos, dois dias por semana, o mesmo presta a descrita atividade na sede daquela, sendo-lhe fornecido o almoço pela Ré no refeitório da sede.


11. AA reporta o serviço que presta à Ré à diretora fabril desta, DD, por quem é fiscalizado. (redação alterada pelos motivos que infra se indicam)


12. Na sua ausência, AA é substituído, na execução das tarefas relacionadas com o ambiente, por EE, engenheira do ambiente, a qual pertence ao quadro de pessoal da Ré.


13. A pedido da Ré, e de forma a coordenar os trabalhos com os demais elementos da equipa do departamento de urbanismo, ambiente e segurança no trabalho da mesma, e da qual AA faz parte, este comunica as datas em que pretende gozar as suas férias. (redação alterada pelos motivos que infra se indicam)


14. Participa, juntamente com outros trabalhadores da Ré, nas reuniões de equipa, as quais têm por objeto a coordenação dos trabalhos a realizar.


15. Durante o ano de 2023, e como contrapartida da atividade prestada para a Ré, AA recebeu, com periodicidade mensal, uma quantia certa de € 2.704,00, e desde janeiro de 2024, uma quantia mensal fixa de € 2.839,20, por transferência bancária, emitindo em nome da Ré uma “fatura-recibo” de modelo aprovado pela Autoridade Tributária (“recibo verde”).


16. Por imposição da Ré, AA está sujeito a um dever de não concorrência.


17. No preenchimento do Anexo F – Informação Sobre Prestadores de Serviços – do Relatório Único da Atividade Social da Empresa, referente ao ano de 2023 e entregue em 2024-03-26, a Ré não identificou quaisquer prestadores de serviços.


(Foi acrescentado o ponto 18 por razões que infra se indicam)


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E julgou como não provados os seguintes factos:


a) Por imposição da Ré, AA presta a sua atividade em regime de exclusividade


b) Que AA preste serviços à Ré desde novembro de 2011.


c) Que AA presta a sua atividade presencial em regra às terças e quintas-feiras, observando um horário das 08h00 às 17h00, com pausa, das 13h00 às 14h00, para almoço.


(Foram aditadas as alíneas d) e e), pelas razões que, mais à frente, serão explicadas)


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IV. Impugnação da decisão da matéria de facto


A recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto. Especificamente, impugna os pontos 11 (parcialmente), 13 e reclama o aditamento de factualidade, tudo com referência ao elenco dos factos provados.


Foi observado o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral.


Consigna-se que ouvimos a gravação de toda a prova produzida em julgamento e analisámos a prova documental que foi carreada para o processo.


Assim, sem delongas, passaremos, de imediato, ao conhecimento da impugnação.


Ponto 11 dos factos provados


Consta neste ponto:


«AA reporta o serviço que presta à Ré à diretora fabril desta, DD, por quem é fiscalizado.»


Não aceita a recorrente que tenha sido julgado provada a parte final do texto transcrito («por quem é fiscalizado»), por inexistir prova que suporte a sua verificação.


E desde já adiantamos que lhe assiste absoluta razão.


Apesar desta factualidade ter sido articulado no artigo 15.º da petição inicial e constituir matéria controversa – veja-se a impugnação da mesma nos artigos 10.º e 115.º da contestação -, o certo é que não foi produzida prova consistente sobre a realidade do facto.


As testemunhas FF e GG, ambos inspetores da ACT, que realizaram a visita inspetiva que deu início ao presente processo judicial, não concretizaram a verificação de qualquer competência de fiscalização do trabalho executado por AA, por parte da diretora fabril, DD.


As testemunhas HH (diretor administrativo e financeiro da recorrente) e II (responsável pelos recurso humanos da recorrente), também não revelaram possuir conhecimento direto do facto.


AA, não obstante tenha referido que informava a diretora fabril se o trabalho que tinha em mãos estava, ou não, terminado, nada referiu sobre a sujeição desse trabalho à supervisão ou fiscalização daquela. Aliás, negou, expressamente, que o seu trabalho fosse revisto pela diretora fabril.


Por seu turno, a testemunha DD – a diretora fabril – foi perentória quando mencionou que não supervisionava, nem revia, o trabalho executado por AA, até porque não tinha conhecimentos técnicos para tal apreciação/avaliação.


Dos contratos designados de «prestação de serviços» carreados para os autos também não é possível extrair a impugnada competência de fiscalização por parte da diretora fabril.


Em suma, não existe, efetivamente, suporte probatório para considerar verificada a parte final do ponto 11 do elenco dos factos assentes.


Por conseguinte, procede, nesta parte, a impugnação.


Assim sendo, o ponto 11 passará a ter a seguinte redação:


- AA reporta o serviço que presta à Ré à diretora fabril desta, DD.


E adita-se ao conjunto dos factos não provados a seguinte alínea d):


- Que o serviço prestado por AA fosse fiscalizado pela diretora fabril, DD.


Ponto 13 dos factos provados


Eis o seu teor:


«A pedido da Ré, e de forma a coordenar os trabalhos com os demais elementos da equipa do departamento de urbanismo, ambiente e segurança no trabalho da mesma, e da qual AA faz parte, este comunica as datas em que pretende gozar as suas férias.»


Pugna a recorrente para que esta materialidade passe a constar do elenco dos factos não provados, tendo em consideração os depoimentos prestados por AA e DD.


Vejamos.


Dos mencionados depoimentos resulta claro que AA informa, realmente, a diretora fabril sobre as datas em que estará ausente a gozar férias.


Porém, AA referiu que o faz por motivos éticos e que tenta gozar apenas uma semana, ou duas no máximo, em períodos que não sejam críticos para o trabalho.


A testemunha Carla confirmou ser informada do período de férias e justificou tal comunicação por serem uma estrutura organizada e pequena (praticamente familiar), em que há uma boa comunicação entre todos, e salientou que não faz qualquer controlo dessas férias.


Ou seja, não resulta desta prova, que a comunicação das datas em que pretende gozar férias, feita por AA, resulte de um específico pedido feito pela Ré (recorrente) por forma a possibilitar a coordenação do trabalho com os demais elementos da equipa do departamento de urbanismo, ambiente e segurança no trabalho.


Acresce que a responsável pelos recursos humanos da recorrente, II, também afirmou que nem sequer sabe quando é que AA está ausente por motivo de férias, não constando este de qualquer mapa de férias da empresa.


Enfim, a única parte do ponto 13 que resultou demonstrada é que AA comunica à diretora fabril as datas em que vai estar ausente a gozar férias, mas não se apurou que o faça a pedido da Ré, para que esta coordene os trabalhos com os demais elementos da equipa do departamento de urbanismo, ambiente e segurança no trabalho.


Quanto à integração de AA nesta equipa, afigura-se-nos que se trata de uma conclusão que deve ser extraída, se for o caso, da matéria de facto, pelo que não consideraremos esta parte do ponto 13.


Seja como for, a impugnação procede, ainda que parcialmente.


Na sequência, o ponto 13 dos factos provados passará a ter a seguinte redação:


- AA comunica à diretora fabril as datas em que estará ausente a gozar férias.


E adita-se ao elenco dos factos não provados a seguinte alínea e):


- Que a comunicação a que alude o ponto 13 seja feita a pedido da Ré, de forma a coordenar os trabalhos com os demais elementos da equipa do departamento de urbanismo, ambiente e segurança no trabalho.


Do visado aditamento de factualidade


Refere a recorrente que o tribunal a quo deveria ter integrado no elenco dos factos provados a materialidade alegada nos artigos 61.º, 63.º, 66.º, 69.º, 120.º, 103.º, 104.º, 121.º, 122.º, 32.º, 102.º, 88.º, 89.º, 90.º, 91.º, 92.º e 93.º da contestação. Na sequência, pugna para que sejam aditados os seguintes factos, que, segundo afirma, resultaram provados:


- Não obstante o previsto no contrato de prestação de serviços, AA deslocava-se tendencialmente duas vezes por semana às instalações da Lusical, havendo semanas em que ali não se deslocava, inexistindo qualquer controlo por parte da empresa ou dos seus responsáveis quanto a essas deslocações.


- AA não estava sujeito a nenhum horário de trabalho nem a registo de tempos de trabalho.


- Não eram solicitadas pela Lusical a AA justificações ou comprovativos de justificação em casos de ausência.


- As ausências de AA não careciam de autorização, controlo ou aprovação por parte da Lusical, não sendo inseridas no mapa de férias dos trabalhadores.


- AA informava, por sua iniciativa, a Engenheira BB das datas das suas ausências prolongadas.


- AA nunca foi alvo de um processo disciplinar.


- AA não estava sujeito a um dever de exclusividade, prestando desde 2013 serviços a outros clientes para além da Lusical.


- AA faturava à Recorrente, a acrescer à quantia certa acordada no âmbito do contrato de avença, faturas de outros valores, para efeitos de acerto no pagamento de serviços prestados para além dos previstos no contrato de avença.


No seu entendimento, esta materialidade resultou demonstrada através dos depoimentos das testemunhas AA, DD e II, e pela prova documental junta.


Apreciemos.


No que respeita aos dois primeiros factos que se pretendem acrescentar (“Não obstante o previsto no contrato de prestação de serviços, AA deslocava-se tendencialmente duas vezes por semana às instalações da Lusical, havendo semanas em que ali não se deslocava, inexistindo qualquer controlo por parte da empresa ou dos seus responsáveis quanto a essas deslocações” e “AA não estava sujeito a nenhum horário de trabalho nem a registo de tempos de trabalho”), entendemos que o facto provado 10 e a alínea c) dos factos não provados – não impugnados - esgotam a matéria alegada na petição inicial, respeitante à carga horária semanal estabelecida, ao número de dias de deslocação às instalações da recorrente acordado, e ao concreto horário de trabalho praticado – não provado, neste último caso - sendo que competia ao Ministério Público o ónus probatório desta materialidade.


Aliás, os artigos 61.º, 63.º, 66.º e 69.º da contestação, invocados pela recorrente, não são mais do que uma impugnação motivada do que foi alegado na petição inicial (cf. artigos 60.º a 74.º da contestação), dado que visam contradizer a matéria alegada na petição.


E, assim sendo, a decisão de facto só tinha que incidir sobre os factos constitutivos do direito reclamado na petição inicial, de acordo com as regras do ónus probatório.


Não estando, deste modo, em causa qualquer exceção perentória invocada na contestação, não há razão/fundamento para acrescentar ao elenco dos factos provados os dois primeiros factos apresentados pela recorrente.


Improcede, consequentemente, nesta parte, a impugnação.


Prosseguindo.


Relativamente ao terceiro, ao quarto e ao quinto facto cujo aditamento se reclama (“Não eram solicitadas pela Lusical a AA justificações ou comprovativos de justificação em casos de ausência”, “As ausências de AA não careciam de autorização, controlo ou aprovação por parte da Lusical, não sendo inseridas no mapa de férias dos trabalhadores” e “AA informava, por sua iniciativa, a Engenheira BB das datas das suas ausências prolongadas”), entendemos que os pontos 12 e 13 dos factos provados comportam já matéria relevante para a boa decisão da causa, relacionada com as ausências de AA.


Do referido pela recorrente sobra, apenas, em termos de materialidade, a alegada desnecessidade de autorização/aprovação e controlo, pela Ré, das ausências, bem como a desnecessidade de apresentação de qualquer justificação das mesmas.


Tal materialidade, alegada em sede de contestação, é suscetível de relevar como contraindício em matéria de subordinação jurídica, pelo que, tendo a mesma resultado demonstrada pelos depoimentos das testemunhas AA, DD e II, deverá ser acrescentada ao elenco dos factos provados, por forma a completar-se, com exatidão, a realidade histórica sobre a qual incidiram tais depoimentos.


Um nota final: a referência mencionada no quinto facto de que AA informava, por sua iniciativa, as datas das suas ausências prolongadas (ou seja, períodos de gozo de férias), não foi alegada na contestação e, por isso, não é aqui considerada, nem foi considerada aquando da apreciação da impugnação ao ponto 13.2


Face ao exposto, procede parcialmente impugnação, pelo que se acrescenta ao elenco dos factos provados o ponto 18 com o seguinte teor:


- As ausências de AA não careciam de autorização, controlo ou aprovação por parte da Lusical, nem tinham de ser justificadas, não sendo inseridas no mapa de férias dos trabalhadores.


Pugna a recorrente para que se adite à materialidade provada que “AA nunca foi alvo de um processo disciplinar”.


Salvo o devido respeito, que é muito, ainda que esteja em causa matéria alegada no artigo 120.º da contestação, não vislumbramos a utilidade da mesma para a boa decisão da causa, pois trata-se de um facto absolutamente inócuo para o desfecho da lide. Nenhuma consequência jurídica se pode extrair de tal facto, uma vez que a não instauração de um processo disciplinar é, felizmente, apanágio de muitos trabalhadores subordinados, não sendo possível, assim, extrair de tal factualidade qualquer contributo para a qualificação do contrato sub judice.


Como tal, deve este tribunal abster-se de conhecer a impugnação quanto ao mesmo, atento o disposto no artigo 130.º do Código de Processo Civil, pois tratar-se-ia de um ato absolutamente inútil, sem quaisquer consequências jurídicas – cf. Acórdãos desta Secção Social de 31-10-2018 (Proc. n.º 2216/15.6T8PTM.E1) e de 24-05-2018 (Proc. n.º 207/14.3TTPTM.E1).3


O sétimo facto que a recorrente pretende ver aditado é o seguinte: “AA não estava sujeito a um dever de exclusividade, prestando desde 2013 serviços a outros clientes para além da Lusical”.


Ora, no que concerne a esta materialidade, a mesma esgota-se na alínea a) dos factos não provados, pelo que nada mais há a acrescentar.


Por fim, quanto ao oitavo facto que a recorrente pretende ver adicionado (“AA faturava à Recorrente, a acrescer à quantia certa acordada no âmbito do contrato de avença, faturas de outros valores, para efeitos de acerto no pagamento de serviços prestados para além dos previstos no contrato de avença”), digamos que a matéria relevante para a qualificação contratual, no âmbito da vertente da retribuição, consta já do ponto 15 conjugado com o ponto 10, quanto à carga horária estipulada.


O facto que a recorrente pretende ver aditado mostra-se, pois, inócuo para o desfecho da lide.


Por conseguinte, não se apreciará, nesta parte, a impugnação, em obediência ao artigo 130.º do Código de Processo Civil.


Em suma, a impugnação da matéria de facto procede, apenas, parcialmente, com a alteração dos pontos 11 e 13 e o aditamento do ponto 18 em relação aos factos provados, e o aditamento das alíneas d) e e) aos factos não provados.


*


V. Qualificação do contrato


A 1.ª instância qualificou a relação jurídica que se aprecia nos autos como contrato de trabalho.


A recorrente não se conforma com esta decisão, que impugna em sede de recurso.


Apreciemos.


Primeiramente, importa destacar que a relação contratual sub judice teve o seu início em janeiro de 2013, inferindo-se do acervo dos factos provados que esta relação não sofreu alterações significativas desde então.


Há muito que esta Secção Social segue o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça de que para a qualificação do contrato como de trabalho se deve atender à legislação vigente à data da sua celebração, desde que não tenham ocorrido alterações relevantes ao longo do tempo, com repercussão na caracterização do contrato – v.g. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09-09-2015 (Proc. n.º 3292/13.1TTLSB.L1.S1), de 15-04-2015 (Proc. n.º 329/08.0TTCSC.L1.S1) e de 02-05-2007 (Proc. n.º 06S4368).4


Deste modo, mostra-se aplicável o atual Código do Trabalho e o artigo 1152.º do Código Civil.


Prescreve esta última norma:


«Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta».


Por seu turno, o artigo 11.º do Código do Trabalho dispõe:


«Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas».


Todavia, o Código do Trabalho consagra, no artigo 12.º, uma presunção legal da existência de contrato de trabalho.


De harmonia com o estatuído no n.º 1 do mencionado artigo 12.º, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiem, se verifiquem algumas das características elencadas nas diversas alíneas desse número.


Utilizando a lei a palavra “algumas”, tal significa que, pelo menos, têm de estar reunidas duas das circunstâncias previstas no n.º 1 do artigo 12.º para poder operar a presunção legal - cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-10-2017 (Proc. n.º 1333/14.4TTLSB.L2.S2), de 07-09-2017 (Proc. n.º 2242/14.2TTLSB.L1.S1) e de 02-07-2015 (Proc. n.º 182/14.4TTGRD.C1.S1).5


Analisemos, então, se os índices de laboralidade previstos nas diversas alíneas se mostram preenchidos no caso que nos ocupa.


A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado – alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º.


Na apreciação desta circunstância de laboralidade escreveu-se na sentença recorrida:


«No caso sub judice, verifica-se que no 26 de abril de 2024, encontrava-se no interior das instalações da Ré, sitas em Local 2, no departamento de urbanismo, ambiente e segurança no trabalho, juntamente com outros trabalhadores, a prestar a sua atividade de elaboração de projetos, licenças ambientais e licenciamentos industriais, mais propriamente sentado à secretária a proceder, no computador da Ré, à alteração da licença ambiental do Tua. O local de trabalho foi determinado pela Ré por contrato, em que impõe a sua presença física naquelas instalações pelo menos em dois dias por semana – sendo certo que no primeiro semestre do ano, AA vai à sede todos os dias. Também se desloca aos clientes, câmaras municipais e outros locais indicados pela Ré, no exercício das funções por ela incumbidas. Assim, pese embora haja prestação de trabalho à distância, não é o que acontece na maior parte do tempo de execução do contrato, pelo que se entende como preenchida a alínea a) do artigo 12.º do Código do Trabalho (factos provados 3, 4, 7, 8 e 10).»


Ora, esta análise merece a nossa concordância.


Efetivamente, o que resulta dos factos provados assinalados é que AA, por determinação da recorrente, e desde janeiro de 2013, tinha de se apresentar, pelo menos dois dias por semana, na sede desta, para além de se deslocar, a pedido e no interesse da recorrente, a locais onde se realizam vistorias, às Câmaras Municipais, para entregar os projetos de licenciamento e à Agência Portuguesa do Ambiente. E, na sequência do determinado pela recorrente, encontrava-se, no dia da visita inspetiva, a exercer as suas funções nas instalações da recorrente.


Ora, em face do apurado, é manifesto que se mostra preenchida a alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º.


Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade - alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º.


Depreende-se do acervo fáctico provado que, para o exercício da atividade, AA utilizava uma secretária, uma cadeira, um computador, botas de proteção, casaco de visibilidade e capacete de proteção e, para a elaboração de peças de desenho técnico, o software AutoCad e Office, aos quais acede através do e-mail de serviço: ...@lhoist.com, todos fornecidos pela recorrente – pontos 3, 7 e 9 dos factos provados.


Acompanhando a sentença recorrida, consideramos, igualmente, preenchida a alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º.


O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma – alínea c) do n.º 1 do artigo 12.º.


Sobre esta matéria, nada resultou demonstrado.


Apenas se apurou que ficou acordada uma carga horária de trabalho de aproximadamente 24 horas semanais (facto provado 10), mas o Ministério Público não logrou provar a factualidade descrita na alínea c) dos factos não provados, que se reportava, precisamente, a este índice de laboralidade.


Como tal, não se mostra preenchida a alínea c) do n.º 1 do artigo 12.º.


Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma – alínea d) do n.º 1 do artigo 12.º.


Relativamente a este índice de laboralidade escreveu-se na sentença recorrida:


«Também a alínea d) do artigo 12.º do Código do Trabalho se tem como verificada, pois que, pese embora a Ré refira tratar-se de uma avença mensal – tal afirmação é coerente na medida em que defende estar perante um contrato de prestação de serviços. Não deixa, contudo, de ser verdade que se trata de um pagamento com uma periodicidade mensal, de uma quantia certa e que é contrapartida direta da sua atividade, pretendendo-se uma “estabilidade dos pagamentos. Note-se, também, que, nas ausências do serviço ou nas duas semanas que era habitual usufruir para férias, não deixa de receber a mesma quantia certa.»


Mais uma vez, corroboramos a fundamentação da sentença recorrida.


O que se infere do ponto 15 dos factos provados é que, pelo menos nos anos de 2023 e 2024, a recorrente pagou uma quantia mensal certa, como contrapartida da atividade prestada.


Por isso, mostra-se preenchida a alínea d) do n.º 1 do artigo 12.º.


O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa – alínea e) do n.º 1 do artigo 12.º.


Não ressalta da matéria provada que AA tenha desempenhado quaisquer funções de direção ou chefia.


Consequentemente, está excluído o preenchimento da alínea e) do n.º 1 do artigo 12.º.


Resumindo, encontram-se preenchidas três das características previstas no n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho.


Por outras palavras, resultou demonstrada a base da presunção legal consagrada neste artigo.


Acresce que o Ministério Público logrou provar, ainda, elementos de relevante importância. São eles:


- AA trabalha em cooperação e articulação com a direção técnica e fabril da recorrente (ponto 4);


- o trabalho de prospeção e seleção das ofertas do mercado tem de ser submetido à responsável de compras da recorrente (ponto 4);


- o seu posto de físico de trabalho, na sede da recorrente, é no departamento de urbanismo, ambiente e segurança no trabalho, juntamente com outros colegas (ponto 7);


- quando faz deslocações ao serviço da recorrente, é reembolsado por tais deslocações (ponto 8);


- reporta o serviço prestado à diretora fabril da recorrente (ponto 11);


- na sua ausência, é substituído, na execução das tarefas relacionadas com o ambiente, por EE, engenheira do ambiente, a qual pertence ao quadro de pessoal da recorrente (ponto 12);


- comunica à diretora fabril as datas em que estará ausente para gozar férias (ponto 13);


- participa, juntamente com outros trabalhadores da recorrente, nas reuniões de equipa, as quais têm por objeto a coordenação dos trabalhos a realizar (ponto 14);


- por imposição da Ré, está sujeito a um dever de não concorrência (ponto 16);


- no preenchimento do Anexo F – Informação Sobre Prestadores de Serviços – do Relatório Único da Atividade Social da Empresa, referente ao ano de 2023 e entregue em 2024-03-26, a recorrente não identificou quaisquer prestadores de serviços (ponto 17).


Deste conjunto de factos infere-se que AA estava perfeitamente inserido na organização empresarial da recorrente, trabalhando em equipa e sujeitando-se às regras e normas em vigor na empresa.


O contexto em que a relação contratual se desenvolveu e desenvolve é, pois, de manifesta subordinação jurídica: AA está inserido na estrutura organizativa da recorrente, reporta-se à diretora fabril, utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho da recorrente, tem posto de trabalho fixo nas instalações e recebe uma contrapartida monetária certa, com periodicidade mensal, pela execução das suas funções.


É certo que a presunção prevista no referido artigo 12.º é ilidível, porém afigura-se-nos que a recorrente não logrou demonstrar factos e contraindícios indicadores de autonomia que sejam quantitativa e qualitativamente significativos para permitirem a descaracterização do contrato como de trabalho.


A emissão de recibos eletrónicos, comumente designados por “recibos verdes” (ponto 15) e a circunstância das ausências não carecerem de autorização, controlo ou aprovação e não terem de ser justificadas, bem como a não integração no mapa de férias dos trabalhadores (ponto 18) não são significativas, quando comparadas com os demais elementos apurados, sendo, aliás, habituais neste tipo de situações em que a empresa não quer assumir a existência de uma relação laboral, munindo-se a relação de aspetos formais que não correspondem às reais circunstâncias em que a mesma se desenvolve.


Em suma, entendemos que a base da presunção de laboralidade estabelecida no artigo 12.º ficou consistentemente demonstrada, complementada por aspetos que evidenciam a existência de subordinação jurídica, sendo certo que a recorrente não conseguiu ilidir a presunção.


Em consequência, sufragamos a qualificação contratual feita pela 1.ª instância.


Destarte, impõe-se concluir que o recurso não pode proceder.


-


As custas do recurso deverão ser suportadas pela recorrente, nos termos previstos pelo artigo 527.º do Código de Processo Civil.


*


VI. Decisão


Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.


Custas do recurso a suportar pela recorrente.


Notifique.


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Évora, 18 de setembro de 2025


Paula do Paço


Emília Ramos Costa


Mário Branco Coelho

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1. Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho↩︎

2. Os poderes conferidos pelo artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho de dar como provados factos não articulados são exclusivos do julgamento em 1.ª instância, não competindo à Relação ampliar o elenco dos factos provados com outros, que não tendo sido alegados, adquira por força da reapreciação da prova, nem pode ordenar à 1.º instância que o faça, na medida em que o poder de reenviar o processo à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto está reservado para as situações em que os factos foram alegados – cf. Hermínia Oliveira e Susana Silveira no “VI Colóquio sobre Direito do Trabalho”, realizado no Supremo Tribunal de Justiça em 22.10.2014, in “Colóquios”, disponível em www.stj.pt, e, também, Acórdãos da Relação de Évora de 31.10.2018 (Proc. n.º 2216/15.6T8PTM.E1) e de 26.04.2018 (Proc. n.º 491/17.0T8EVR.E1).↩︎

3. Acessíveis em www.dgsi.pt.↩︎

4. Idem.↩︎

5. Idem.↩︎