Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – Mostra-se incompleto o procedimento disciplinar apresentado pela entidade empregadora quando nele não constam, designadamente, o despacho de nomeação da instrutora, a aceitação pela entidade empregadora do relatório e proposta de despedimento elaborado pela instrutora e as gravações de vídeo vigilância, a que é feita menção como meio de prova no relatório e proposta de decisão de despedimento.
II – A não junção desses elementos equivale à não junção do procedimento disciplinar pela entidade empregadora, nos termos do art. 98.º-J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho.
III – Declarada a ilicitude do despedimento da trabalhadora por incumprimento do disposto no art. 98.º-J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, fica prejudicada, por inútil, a apreciação das exceções invocadas relativas à invalidade do procedimento disciplinar por falta de fundamentos legais, bem como a apreciação de admissibilidade do pedido de indemnização formulado pela entidade empregadora, pedido esse assenta na licitude do despedimento.
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1
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Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
AA2 (Autora) intentou ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, manifestando, por via da apresentação do requerimento a que alude o artigo 98.º - C do Código de Processo do Trabalho, a sua oposição ao despedimento promovido por “BB, Lda.” (Ré).
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Foi realizada a audiência de partes, não tendo sido possível resolver o litígio por acordo, pelo que a Ré foi notificada nos termos do art. 98.º-I, n.º 4, al. a), do Código de Processo do Trabalho.
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A Ré “BB, Lda.”3 apresentou articulado motivador, juntando ao mesmo o procedimento disciplinar; tendo a Autora respondido, invocando exceções, contestando e reconvindo; e tendo, posteriormente, a Ré respondido quer às exceções quer à reconvenção formuladas.
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O tribunal da 1.ª instância proferiu despacho saneador, onde dispensou a realização da audiência prévia, fixou provisoriamente o valor da ação em €8.759,07 e tomou as seguintes decisões:
- quanto à admissibilidade do pedido de indemnização formulado pela entidade empregadora, por inadmissibilidade legal, julgou-o inadmissível, dando por não escritos os arts. 64.º a 81.º do articulado motivador;
- quanto ao pedido reconvencional apresentado pela trabalhadora, admitiu-o, nos termos do art. 98.º-L, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho;
- quanto à réplica apresentada pela entidade empregadora, admitiu-a mas apenas no que diz respeito à matéria de exceção e em resposta à reconvenção, dando por não escritos os arts. 45.º a 51.º desse articulado;
- quanto à invalidade do procedimento disciplinar por insuficiência dos factos nele constantes, declarou a ilicitude do despedimento por incumprimento do art. 353.º, n.º 1, do Código do Trabalho;
- quanto à invalidade do procedimento disciplinar por obstaculização na consulta do processo, declarou tal invalidade por ter sido criado obstáculo à cabal preparação da defesa por parte da trabalhadora; e
- quanto à nulidade por violação do art. 98.º-J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, declarou a ilicitude do despedimento, em virtude do procedimento disciplinar não ter sido junto na sua integralidade.
Concluiu, por fim, do seguinte modo:
Assim, e perante todo o exposto, decide-se declarar a invalidade do procedimento disciplinar instaurado pela Entidade Empregadora, e como tal, ilícito o despedimento da Trabalhadora AA, efetuado pela Entidade Empregadora BB, Lda. e, em consequência, condena-se, nos termos do artigo 98.º-J, n.º 3, alíneas a) e b) Código de Processo do Trabalho, a Entidade Empregadora a pagar à Trabalhadora:
a) Uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades auferidas pela Trabalhadora por cada ano completo ou fração de antiguidade da Trabalhadora na Entidade Empregadora até ao trânsito em julgado da presente decisão;
b) As retribuições que a Trabalhadora deixou de auferir da Entidade Empregadora desde a data do seu despedimento e até ao trânsito em julgado da presente decisão;
Em face do pedido reconvencional da trabalhadora e réplica da entidade empregadora, o tribunal da 1.ª instância determinou o prosseguimento do processo apenas quanto a esta parte.
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Inconformada com a decisão proferida, a Ré “BB, Lda.” veio interpor recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões:
1º - O presente recurso, vem interposto do douto despacho do Tribunal recorrido, que decidiu julgar inválido procedimento disciplinar interposto pela Recorrente contra a Recorrida Trabalhadora com o fundamento de não cumprimentos dos requisitos legais e como consequência a ilicitude do despedimento e, ainda a não admissibilidade do pedido formulado pela entidade patronal, aqui Recorrente, por considerar serem factos novos.
2º - Com tal decisão, a Recorrente não se conforma, por entender que cumpriu todos os requisitos exigidos por lei sendo que do procedimento disciplinar consta tudo quanto exigido por lei, nem adicionou factos novos, conforme seguidamente se demonstrará.
3º - No inicio do procedimento disciplinar, que se iniciou com a nota de culpa, sendo neste articulado que consta tudo o que se passou desde o dia 27 de Março de 2024 até à prolação da nota de culpa e que foi notificada à trabalhadora, aqui Recorrida, através de carta registada com aviso de recepção, onde consta a carta da entidade patronal a comunicar a interposição do procedimento disciplinar, a intenção de suspender a mesma e ainda o prazo de defesa.
4º - Na nota de culpa consta todos os fundamentos que deram origem ao mesmo, encontrando-se circunstanciado a nível temporal (entre 27 de Março e a data da recepção da carta a comunicar o procedimento disciplinar) e no espaço (dentro das instalações da Recorrente).
5º - Tal como foram juntas as provas que deram origem ao referido procedimento disciplinar, tanto as fotografias como as gravações, que foram disponibilizadas à mandatária da trabalhadora.
6º - Após a consulta do processo a Recorrida procedeu à sua defesa com indicação de prova testemunhal. Sendo que foi marcado data para inquirição das testemunhas indicadas, o que foi feito por carta registada para as moradas indicadas pela Recorrida, bem como foi a mesma informada dessa inquirição, também por carta.
8º - Já a testemunha da Recorrente foi notificado verbalmente por o mesmo se encontrar a prestar serviço nas instalações da Recorrente no dia designado para a inquirição.
9º - No dia marcado para inquirição estiveram presentes as testemunhas, o instrutor e a mandatária da Recorrida, tendo as mesma sido ouvidas sobre os factos constantes da nota de culpa e da defesa e também nesse dia, conforme solicitado, estavam as filmagens disponíveis para consulta da Ilustra Mandatária da Recorrida.
10º - Findas as inquirições, e dentro do prazo legal, foi proferido relatório com base nas provas existentes nos autos, nomeadamente fotografias, filmagens e depoimentos das testemunhas. Sendo que desse relatório, não constavam os factos dos quais não foi feita qualquer prova, apesar de constar na nota de culpa.
11º - Do mesmo relatório constava ainda a proposta de decisão, tendo por base o constante na nota de culpa e que foi considerado provado através das provas supra referidas.
12º - Após a recepção do relatório emitido pelo instrutor do processo, como a Recorrente o aceitou procedeu à elaboração da carta de despedimento que notificou à recorrida através de carta regista com aviso de recepção e da qual constava ainda cópia do referido relatório.
13º - Ora, todas as peças supra referidas constam do procedimento disciplinar, logo foram cumpridos todos os requisitos exigidos por lei.
14º - Tendo todos estes documentos sido juntos aos autos aquando da entrada do Articulado motivador do despedimento. Não existe assim, salvo melhor opinião, qualquer violação do artigo 98º-J do CPT.
15º - Ora, salvo melhor opinião, não assiste razão da qualquer razão ou fundamento ao tribunal recorrido para declarar a nulidade do procedimento disciplinar por violação do artigo 98º-J do CPT.
16º - Vem ainda o tribunal recorrido fundamentar a sua decisão pelo facto de a nota de culpa de os factos imputados à Trabalhadora não serem devidamente circunstanciados e não permitir uma correcta defesa à trabalhadora, ou seja, que se encontra violado o direito ao contraditório. O que não se pode aceitar.
17º - Ora, salvo melhor opinião, não cabe razão ao tribunal a quo, uma vez que os mesmos encontram-se devidamente identificados no tempo e lugar.
18º - Senão vejamos, tal como consta da nota de culpa, todos os factos imputados encontram-se balizados a nível de tempo, já que do mesmo consta que os mesmos começaram em 27 de Março de 2024, sendo a partir dessa data que foram praticados os factos que deram origem à nota de culpa, e terminaram na data em que foi suspensa a trabalhadora, ou seja tudo aconteceu no prazo de um mês.
19º - Mas, é bem claro na nota de culpa que, todos os factos que constam da mesma começaram em 27 de Março de 2024 e terminaram no momento da suspensão da trabalhadora, até porque se a mesma não tivesse sido suspensa durante o procedimento disciplinar muito provavelmente os comportamentos ilícitos teriam continuado por parte da trabalhadora.
20º - Não podendo a trabalhadora, aqui Recorrida, vir alegar que não pode se defender correctamente por não saber quando os factos aconteceram, já que é bem claro quando estes ocorreram.
21º - Pelo que, não pode ser aceite que não se consegue concretizar os factos a nível temporal, sendo que esse período está bem definido na nota de culpa enviada à trabalhadora, aqui Recorrida.
22º - Quanto a nível de localização dos factos, os mesmos também estão bem identificados, já que sempre se disse que os factos ocorreram dentro das instalações da entidade patronal, aqui Recorrente, e durante os períodos de trabalho da Recorrida.
23º - Como pode a Recorrida dizer que os factos não estão localizados no espaço, se se trata de um processo disciplinar levantado pela entidade patronal, é lógico que o espaço onde os factos ocorreram só poderia ser nas instalações onde a Recorrida prestava trabalho.
24º - Não deixando assim, qualquer duvida de quando, onde e durante que período aconteceram os factos constantes da nota de culpa.
25º - Também os comportamentos imputados à trabalhadora foram identificados correctamente, já que os mesmos foram identificados e descritos na nota de culpa, e tal como consta da mesma, estas foram de recusa de qualquer tipo de ordens dadas pela gerente da entidade patronal, recusa em fazer as limpezas na loja nos dias em que lhe competi, ou seja, nos dias em que estava a trabalhar, recusa em contar o dinheiro da caixa no final do turno, logo, nos dias em que estava a trabalhar, a retirada de produtos das prateleiras e envio dos mesmos para o lixo, por entender que os mesmos estavam fora de prazo, o que acontecia quando estava a trabalhar, as asneiras que dizia enquanto estava a atender e dizer mal da entidade empregadora e da sua gerente, dizendo aos clientes que os patrões eram pessoas que não prestam, mal formadas, que não fazem limpeza do estabelecimento, que tem produtos fora de prazo, que estão a enganar os clientes.
26º - Pelo que, como se verifica os comportamentos da trabalhadora estão bem identificados na nota de culpa. Ora, não pode proceder o fundamento de que os comportamentos da trabalhadora que deram origem à nota de culpa, não se encontra bem descriminados e bem localizados no tempo e local.
27º - Em face disto também não pode proceder o fundamento de que a trabalhadora não podia apresentar a sua defesa por não saber quando, onde e o quê de que se trata a nota de culpa, uma vez que a trabalhadora podia entender muito bem todos os circunstancialismos da nota de culpa, conhecendo muito bem os factos e quando e onde os mesmo aconteceram.
28º - Pelo que, contrariamente ao decidido pela decisão recorrida, o princípio do contraditório não se encontra violado, já que a trabalhadora podia e pode muito bem apresentar a sua defesa correctamente, contrapondo todos os factos individualmente já que os mesmos estão bem identificados e situados. Se não o fez, foi porque assim não o entendeu.
29º - Ora, tendo em conta o supra alegado, verificamos que os três requisitos legais para apurar a existência de justa causa de despedimento encontram-se reunidos, ou seja os factos que deram origem ao despedimento encontram-se descritos na nota de culpa enviada à trabalhadora, devidamente identificado e delimitados. Os mesmos factos encontram-se descritos e delimitado na decisão punitiva e foram provados na acção de impugnação do despedimento.
30º - Assim sendo, não existe qualquer razão ou fundamento para a Meritíssima Juiz decidir da forma que decidiu, uma vez que, salvo melhor opinião, a nota de culpa não incumpriu qualquer norma legal, muito menos o disposto no artigo 353º e 382º do C. Trabalho.
31º - Outro dos fundamentos invocados pela douta decisão do tribunal recorrido no despacho saneador é o facto de ter havido obstaculização na consulta do processo por parte da trabalhadora, aqui Recorrida. Fundamento este que, não poderá proceder por não corresponder à verdade, conforme melhor se explicará.
32º - Quando do envio da carta a comunicar o inicio do procedimento disciplinar com a nota de culpa foi, como previsto na lei, comunicado à trabalhadora o prazo para proceder à sua defesa e que o processo se encontrava disponível para consulta, sendo que nessa data as filmagens se encontravam disponíveis para consulta, através do sistema de gravações.
33º - Para que não se perdessem as imagens, foi ordenado ao responsável para que procedesse à passagem das referidas imagens para um disco externo, ficando assim as mesmas salvaguardadas e consultáveis sempre que necessário.
34º - Tendo entretanto a trabalhadora comunicado que pretendia consultar o processo, o que lhe foi disponibilizado de imediato. Acontece que, por problemas técnicos não tinha sido ainda possível passar as filmagens para o referido disco. Facto que foi comunicado à Ilustre Mandatária da trabalhadora, aqui Recorrida. Tendo sido combinado um dia, consoante a agenda da referida mandatária, para que esta tivesse acesso às referidas gravações, já que o restante processo foi consultado logo por esta.
35º - No dia marcado, repete-se, consoante a agenda da Ilustre Mandatária da Recorrida, as gravações estavam disponíveis para consulta. Sendo que esta, as consultou pelo tempo que assim entendeu. Não se podendo imputar à Recorrente o facto de a Ilustre Mandatária da trabalhadora só tivesse disponibilidade no dia combinado.
36º - Posteriormente, foi por esta solicitado nova consulta das gravações, o que lhe foi logo concedido. Não tendo esta consultado as mesmas porque assim não quis. Tendo podido consultar o processo, incluindo as gravações durante o tempo que entendesse.
37º - Pelo que, não pode agora vir invocar que houve qualquer tipo de obstaculização no acesso ao processo, por não corresponder à verdade, já que, repete-se, todo o processo esteve sempre disponível para a consulta.
38º - Pelo que, não tem razão o douto tribunal recorrido, quando invoca que houve obstaculização por parte da Recorrida no acesso ao processo disciplinar por parte trabalhadora, aqui Recorrida.
39º - Face ao supra exposto, e salvo melhor opinião, mal andou a Meritíssima Juiz ao declarar a invalidade do procedimento disciplinar instaurado pela Recorrente contra a Recorrida, por falta de fundamentos legais para tal, já que não existe qualquer violação dos princípios legais.
40º - Devendo para tal ser revogada a douta decisão proferida pelo tribunal recorrido e substituída por outra que declara o procedimento disciplinar válido e licito e determinar o prosseguimento dos autos.
41º - Vem também o tribunal recorrido declarar a inadmissibilidade do pedido de ressarcimento dos prejuízos causados à Recorrente como consequência dos actos e comportamentos da Recorrida. Decisão com a qual não pode a Recorrente conformar, pelos motivos a seguir explanados.
42º - Quando da instauração do procedimento disciplinar a Recorrente verificou que os actos e comportamentos da trabalhadora lhe tinham causado vários prejuízos, não tendo sido naquela altura, e tendo em conta os prazos legais, contabilizados.
43º - Pelo que, aquando da elaboração da nota de culpa foi mencionado que os comportamentos e atitudes provocaram diversos prejuízos e que estavam a ser contabilizados e que iriam ser exigidos.
44º - Ora, quando a Recorrente deduziu o seu Articulado motivador do despedimento no seu final, vem deduzir o seu pedido de ressarcimento dos prejuízos consequente dos comportamentos e atitudes levadas a cabo pela Recorrida. Tendo nesse articulado apenas concretizado os prejuízos sofridos e que foram mencionados na nota de culpa. Pelo que, se a trabalhadora poderia tê-los contestado na sua defesa.
45º - Constando também no relatório efectuado no final do procedimento disciplinar a factualidade de os comportamentos e atitudes tomadas pela trabalhadora, Aqui Recorrida, terem causado elevados prejuízos à Recorrente que estavam a ser contabilizados e que iriam ser exigidos.
46º - Logo, contrariamente ao invocado na douta decisão recorrida, a Recorrente não invocou factos que não estivessem na nota de culpa e no relatório e proposta de decisão. Apenas os concretizou, como informou que o iria fazer.
47º - Ora, a Recorrente não invocou quaisquer factos novos que não constassem do processo disciplinar. Assim sendo, não existe nenhuma violação do artigo 98º-J do C.P.T.
48º - Tendo assim, salvo diferente opinião, mal decidido o tribunal recorrido ao não admitir o pedido de ressarcimento dos prejuízos requerido pela Recorrente com o fundamento na violação do artigo 98º-J do CPT.
49º - Devendo assim, também nesta parte, ser revogado o douto despacho e em substituição proferido decisão que admita o pedido formulado pela entidade patronal, prosseguindo os autos também quanto a esta parte.
50º - Não tendo o tribunal recorrido qualquer fundamento para que fosse proferida um despacho a não aceitar o pedido formulado pela Recorrente e a considerar inválido o procedimento disciplinar, uma vez que não foram violados quaisquer preceitos legais e, ao tomar esta decisão o tribunal recorrido sim violou os preceitos legais e os direitos da Recorrente
51º - Pelo que, salvo melhor opinião, deve pois, ser revogada o douto despacho recorrido e substituído por outra que considere válido e regular o procedimento disciplinar instaurado pela Recorrente contra a trabalhadora, aqui Recorrida, e ainda que admita o pedido formulado pela entidade patronal quanto aos prejuízos causados por aquela trabalhadora como consequência dos seus comportamentos e atitudes.
Assim, se fará Justiça
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A Autora AA apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
Já neste tribunal foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, pugnando a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer pela improcedência do recurso.
A Ré, em resposta, pugnou pela procedência do recurso.
Tendo sido mantido o recurso nos seus precisos termos, foram colhidos os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Cumprimento do art. 98.º-J do Código de Processo do Trabalho;
2) Validade do procedimento disciplinar; e
3) Admissibilidade do pedido de indemnização formulado pela Ré.
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III – Matéria de Facto
A matéria factual que releva é a que consta do relatório que antecede.
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IV – Enquadramento jurídico
1 – Cumprimento do art. 98.º-J do Código de Processo do Trabalho
Considera a recorrente que juntou ao processo judicial, aquando da entrada do articulado motivador do despedimento, todas as peças a que é feita menção na nota de culpa e no relatório final, pelo que não houve violação do art. 98.º-J do Código de Processo do Trabalho.
Dispõe o art. 98.º-J, nº 3, do Código de Processo do Trabalho, que:
3 - Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador, e:
a) Condena o empregador a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, caso o trabalhador tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar-lhe, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho;
b) Condena ainda o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento;
c) Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho.
A decisão recorrida fundamenta a violação do art. 98.º-J, nº 3, do Código de Processo do Trabalho, nos seguintes termos:
Alega a trabalhadora que foi junto um conjunto de documentos avulsos referentes ao procedimento disciplinar, contudo, não junta, auto de notícia, despacho inicial referente à deliberação de instaurar procedimento disciplinar, nomeação de instrutor, decisão da Ré a aceitar o proposto pela Instrutora, que o procedimento disciplinar não se encontra sequer numerado, desconhecendo-se quando foram juntas as provas, que é indicado um mapa junto como doc. n.º 4, que nunca foi sequer apresentado em sede de consulta do processo, e que nessa medida não é válido, que não consta, emails remetidos à Entidade Empregadora e à Instrutora, tal como não consta, as alegadas filmagens, amplamente referidas pela Ré, quer no Procedimento Disciplinar, quer no AMD.
Da consulta dos documentos que a recorrente juntou aquando da apresentação do articulado motivador do despedimento, constata-se que o primeiro documento que se reporta ao procedimento disciplinar4 é a carta enviada pela entidade empregadora à trabalhadora a dar-lhe conhecimento da instauração de processo disciplinar, da suspensão da sua prestação de trabalho sem perda de retribuição e da nota de culpa.
No documento seguinte consta a resposta da trabalhadora à nota de culpa, seguido da notificação da testemunha que esta indicou, bem como da notificação da sua advogada, da data para comparecerem à inquirição e o respetivo auto de inquirição dessa testemunha, inquirição essa realizada por CC, que se intitulou como instrutora do processo.
De seguida foram juntas 40 páginas com fotografias.
Por fim, foram juntos dois autos de inquirição de testemunhas realizados por CC, relatório e proposta de decisão de despedimento, assinado por quem se identifica como instrutora, e a carta enviada à trabalhadora a comunicar o despedimento imediato, indicando que o relatório seguiria em anexo, como documento 1, bem como a cópia do aviso de receção enviado.
Verifica-se, assim, que não foi apresentado um processo disciplinar, antes sim, um conjunto de páginas que não se encontram numeradas.
Acresce que não se compreende se existe ou não uma cronologia entre tais páginas, uma vez que entre a primeira inquirição e as duas outras inquirições, todas elas realizadas no dia 03-06-2024, constam 40 páginas de fotografias.
Desconhece-se ainda se a trabalhadora foi efetivamente notificada do relatório, visto que o anexo 1 não se mostra junto.
Por fim, efetivamente não constam das páginas apresentadas, apesar da sua fundamental relevância, qualquer despacho a dar início ao procedimento disciplinar e a nomear o respetivo instrutor, nem a decisão da entidade empregadora a aceitar o relatório e a proposta de decisão da alegada instrutora, visto competir apenas à empregadora, e não à alegada instrutora, o exercício do poder disciplinar.
Refira-se, ainda, que não consta da documentação junta com o articulado motivador do despedimento as gravações de vídeo vigilância, a que é feita menção como meio de prova no relatório e proposta de decisão de despedimento.
Temos, então, de concluir que o procedimento disciplinar junto com o articulado motivador do despedimento não se mostra completo, nele faltando partes fundamentais desse procedimento, quer para garantir a sua legalidade, quer para permitir o respeito pelo princípio do contraditório.
É verdade que no caso que ora nos ocupa não estamos perante uma mera não apresentação do procedimento disciplinar, mas sim perante uma situação de apresentação parcial, e não integral, de tal procedimento, porém, conforme amplamente consagrado na jurisprudência5, existe uma equiparação entre ambas as situações.
Atente-se que não foram sequer apresentadas as peças essenciais que compõe, um processo disciplinar, designadamente a aceitação pela entidade empregadora do relatório e proposta de despedimento, visto que apenas com tal aceitação é que esse relatório se converte em decisão final. Por outro lado, a não apresentação do despacho de nomeação da instrutora, invalida, no processo disciplinar apresentado, todos os atos por esta praticados. Por fim, na esteira do acórdão do TRP, proferido em 17-04-2023, no processo n.º 2705/21.3T8AVR.P1,6 deve também ser junto com o articulado motivador do despedimento “todo o acervo documental que foi utilizado pelo empregador para apurar e demonstrar os factos imputados, bem como todos os documentos que eventualmente sejam juntos pelo trabalhador para sustentar a sua defesa e, ainda, todos os documentos que respeitem à instrução do processo, como seja, a recolha de testemunhos.”7
Na realidade, a não junção desses documentos com o procedimento disciplinar põe em causa o direito de defesa do trabalhador, visto que lhe impede o acesso aos meios de prova que fundamentaram a decisão proferida no âmbito do procedimento disciplinar.
Por incumprimento do disposto no art. 98.º-J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, bem andou a 1.ª instância ao declarar, de imediato, a ilicitude do despedimento da Autora.
Pelo exposto, improcede, nesta parte, a pretensão da recorrente.
Esta improcedência, ao determinar a imediata ilicitude do despedimento da Autora torna inútil a apreciação das questões relativas à validade ou invalidade do procedimento disciplinar, apesar de as mesmas terem também sido apreciadas na decisão recorrida, visto que mesmo que, nesta parte, o recurso procedesse, a ilicitude do despedimento da Autora sempre se manteria. Ora, nos termos do art. 130.º do Código de Processo Civil, é proibida a prática de atos inúteis.
De igual modo, com a declaração de ilicitude do despedimento da Autora por incumprimento do disposto no art. 98.º-J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, é inútil apreciar se o pedido de indemnização formulado pela Ré deveria, ou não, ter sido admitido, uma vez que tal pedido assenta na licitude do despedimento, o que, como foi decidido, não se comprovou.
Assim, todas as demais questões, por prejudicadas, não serão apreciadas.
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, por ter decaído no recurso (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
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Évora, 18 de setembro de 2025
Emília Ramos Costa (relatora)
Paula do Paço
Mário Branco Coelho
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1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Paula do Paço; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.↩︎
2. Doravante AA.↩︎
3. Doravante “BB, Lda.↩︎
4. Visto que antes desse documento se encontra junto o contrato de trabalho acordado entre Autora e Ré, dois recibos de vencimento e um mapa do exercício.↩︎
5. Entre muitos, os acórdãos, do TRE proferido em 03-07-2014 no âmbito do processo n.º 639/12.1TTSTR-A.E1; do TRP proferido em 14-07-2021 no âmbito do processo n.º 12110/20.3T8PRT-A.P1; do TRL, proferido em 11-04-2018 no âmbito do processo n.º 2271/16.1T8FNC.l1-4; e do TRL proferido em 20-06-2018 no âmbito do processo n.º 2041/17.0T8BRR-A.L1; consultáveis em www.dgsi.pt.↩︎
6. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎
7. Veja-se no mesmo sentido o acórdão desta secção social proferido em 27-03-2025 no processo n.º 4828/23.5T8STB.E1, consultável no mesmo site.↩︎