Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – A não integração na matéria factual de um facto alegado reflete-se a nível de erro de julgamento e não a nível da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
II – A formação prevista no art. 131.º, n.º 2, do Código do Trabalho, não se confunde com as necessárias ordens e instruções fornecidas ao trabalhador quando inicia a sua prestação laboral e sem as quais tal atividade seria impossível de realizar.
III – Não age em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium o trabalhador que peticiona créditos laborais relativos a horas de formação contínua que não lhe foram fornecidas, apesar de ter denunciado o contrato de trabalho sem pré-aviso.
IV – A simples circunstância de ter havido alguns atrasos na entrega de algumas encomendas, não permite aferir se, por tais atrasos a Ré veio a sofrer prejuízos, pelo que inexistindo prejuízo não existe direito a indemnização.
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1
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Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
AA2 (Autor) intentou a presente ação declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “BB, Sociedade Unipessoal, Lda.”3 (Ré), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente, por provada, e, em consequência, seja a Ré:
a) Condenada a pagar ao Autor quantia de €41,89 (quarenta e um euros e oitenta e nove euros) a título de subsídio de turno relativo ao mês de Abril,
b) Condenada a pagar ao Autor a quantia de €60,00 (sessenta euros) a título de subsídio de alimentação relativo ao mês de Abril (10 dias x 6,00€).
c) Condenada a pagar ao Autor a quantia de €199,20 (cento e noventa e nove euros e vinte cêntimos), a título de ajudas de custos, referentes ao mês de Abril.
d) Condenada a pagar ao Autor a quantia de €70,93 (setenta euros e noventa e três cêntimos), referentes a 13 horas de formação não realizadas;
e) Condenada a pagar ao Autor a quantia de €32,58 (trinta e dois euros e cinquenta e oito cêntimos) a título de proporcionais de subsídio de Férias;
f) Condenada a pagar ao Autor a quantia de €32,58 (trinta e dois euros e cinquenta e oito cêntimos) a título de proporcionais de subsídio de Natal;
g) Condenada a pagar ao Autor a quantia de €304,60 (trezentos e quatro euros e sessenta sentimos), referentes a 8 dias de férias não gozadas, e não pagas.
h) Condenada a pagar ao Autor a quantia de €2.047,20 (dois mil e quarenta e sete euros e vinte cêntimos) a título de horas suplementares (321h34m), calculadas nos termos da lei actualmente em vigor.
i. A pagar ao Autor uma indemnização em quantia não inferior a € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a fim de ressarcir o Autor de todos os danos morais sofridos, em virtude da sua conduta;
j) Condenada a pagar ao Autor a importância relativa aos juros legais, à taxa supletiva de 4% ao ano, sobre as supra identificadas quantias, desde a data da propositura da acção até efectivo e integral pagamento.
l) Condenada no pagamento das custas de parte.
Alegou, em síntese, que, em 06-12-2022 celebrou contrato de trabalho sem termo com a Ré para desempenhar as funções de Motorista de Pesados de Mercadorias de transportes nacionais e internacionais, tendo o Autor, em 13-04-2023 denunciado tal contrato, com efeitos a partir de 17-04-2023, porém, o mesmo cessou em 14-04-2023, por imposição da Ré.
Mais alegou que a Ré não lhe pagou os proporcionais do subsídio de férias e do subsídio de Natal, do mês de abril, nem os 8 dias de férias não gozadas, nem o subsídio de turno, de alimentação e de ajudas de custos referentes a esse mês, nem as horas de formação que não lhe foram ministradas e nem as horas de trabalho suplementar que o Autor prestou para a Ré e do qual a mesma sabia.
Referiu, por fim, que tal trabalho suplementar não teve a oposição da Ré e beneficiou esta.
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Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver o litígio por acordo.
…
A Ré apresentou contestação, impugnando os factos constantes da petição inicial, reconhecendo, porém o direito do Autor a ser pago pela Ré no montante de €1.040,00, e formulou pedido de condenação do Autor como litigante de má-fé, solicitando a condenação do Autor em multa e em indemnização à Ré em montante não inferior a €100.000,00, e formulou pedido reconvencional, onde peticionou a condenação do Autor no pagamento à Ré:
- da quantia de €2.647,67, em face da compensação entre o montante em dívida pelo Autor à Ré no montante de €3.687,67 (correspondente aos dias em falta de aviso prévio e pelos danos decorrentes dessa falta) e a quantia que a Ré deve ao Autor no montante de €1.040,00.
Para o efeito, e em síntese, alegou que o Autor, sem que fosse previsível, no dia 14-04-2023, informou a Ré de que denunciava o contrato de trabalho com efeitos a partir de 17-04-2023, tendo a Ré o informado de que não estava cumprido o prazo de aviso prévio e que a sua substituição carecia de formação e de outros requisitos, tendo o Autor abandonado, de seguida, o local de trabalho, nunca mais tendo ao mesmo regressado.
Referiu ainda que as funções desempenhadas pelo Autor para a Ré eram de grande responsabilidade , pelo que careciam de formação mais específica, a ser prestada em contexto de trabalho, por colega de trabalho mais antigo, formação essa que o Autor recebeu, sendo que, por se tratar de um processo demorado de formação e aprendizagem, não é possível a substituição imediata.
Referiu também que o comportamento do Autor comprometeu a execução do serviço e a sua qualidade, bem como a imagem da Ré perante o cliente e as lojas, tendo determinado atrasos nas entregas de algumas encomendas e alguns serviços adiados, pelo que o Autor deverá indemnizar a Ré pelo incumprimento do aviso prévio e pelos danos causados pela inobservância de tal prazo, devendo proceder-se à compensação entre os créditos e os débitos existentes entre ambos.
Negou que o Autor tivesse realizado trabalho suplementar, não havendo tal necessidade na organização da Ré, sendo que o Autor nunca comunicou à Ré que realizava trabalho suplementar, nem nunca reclamou qualquer valor a tal título.
Alegou igualmente que o Autor apenas não recebeu as reclamadas horas de formação porque terminou abruptamente o contrato de trabalho, pelo que reclamar tais horas configura uma situação de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
Por fim, em sede reconvencional, peticiona, por falta de aviso prévio, a quantia de €837,67 e por danos causados pela inobservância de tal prazo a quantia de €2.850,00. Peticiona ainda, por litigância de má-fé, a condenação em multa e em indemnização não inferior a €1.000,00.
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O Autor, em resposta, impugnou o pedido reconvencional, solicitando a sua absolvição do mesmo, bem como do pedido de litigância de má-fé, solicitando, porém, a condenação da Ré como litigante de má-fé em pagamento de multa e indemnização, cuja quantificação pretende que resulte do prudente arbítrio do Tribunal devendo tal indemnização sempre incluir os honoráruios do mandatário do Autor.
Em súmula, e quanto a este pedido, alegou que Ré não invocou quaisquer danos por incumprimento do prazo do aviso prévio, não tendo esses danos sequer existido. Referiu também que a Ré não apresentou qualquer fundamento para o valor de indemnização, a esse título, peticionado. Esclareceu, por fim, que as horas suplementares foram realizadas, conforme constam dos registos do tacógrafo, peticionando, em face das inverdades proferidas pela Ré, a sua condenação como litigante de má-fé, negando ter sido o Autor a ter litigado com má-fé.
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O tribunal a quo admitiu o pedido reconvencional e a respetiva resposta e apreciou os meios de prova requeridos.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida, em 08-11-2024, sentença, na qual foi fixada à ação o valor de €7.976,65, cujo teor decisório foi o seguinte:
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais supra mencionadas, o tribunal decide julgar a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condenar a Ré BB, Sociedade Unipessoal, Ldª:
a) no pagamento ao Autor da quantia de 41,89 € (quarenta e um euros e oitenta e nove cêntimos), a título de subsídio de turno do mês de Abril;
b) no pagamento ao Autor da quantia de 60,00 € (sessenta euros), a título de subsídio de alimentação;
c) no pagamento ao Autor da quantia de 199,20 € (cento e noventa e nove euros e vinte cêntimos), a título de ajudas de custo relativas ao mês de Abril;
d) no pagamento ao Autor da quantia de 70,93 € (setenta euros e noventa e três cêntimos), a título de 13 horas de formação;
e) no pagamento ao Autor da quantia de 32,58 € (trinta e dois euros e cinquenta e oito cêntimos) a título de proporcionais de subsídio de férias;
f) no pagamento ao Autor da quantia de 32,58 € (trinta e dois euros e cinquenta e oito cêntimos) a título de proporcionais de subsídio de Natal;
g) no pagamento ao Autor da quantia de 304,60 € (trezentos e quatro euros e sessenta cêntimos) a título de férias vencidas e não gozadas;
h) no pagamento ao Autor da quantia de 2.047,20 € (dois mil e quarenta e sete euros e vinte cêntimos), a título de pagamento de trabalho suplementar prestado em dias úteis no período compreendido entre Dezembro de 2022 e Abril de 2023;
i) No pagamento ao Autor dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento à taxa legal em vigor.
Absolver a Ré quanto ao demais peticionado.
O tribunal decide julgar o pedido reconvencional parcialmente procedente por provado e, em consequência:
a) condenar o Autor no pagamento à Ré da quantia de 837,67 € (oitocentos e trinta e sete euros e sessenta e sete cêntimos) a título de indemnização por violação do dever de aviso prévio.
b) Proceder ao desconto da quantia supra mencionada nas quantias devidas ao Autor, devendo a Ré ser condenada no pagamento da diferença, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Julgar o pedido reconvencional improcedente por não provado quanto ao demais, absolvendo o Autor quanto ao demais peticionado.
Custas do processo a cargo das partes, na proporção dos respectivos decaimentos.
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Registe e Notifique.
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Inconformada com a sentença, veio a Ré interpor recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões:
1. Nos termos do artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
2. É o caso da sentença ora recorrida, uma vez que o Tribunal a quo não apreciou, nem de facto, nem de direito, a matéria atinente à expressamente alegada (artigos 56.º a 64.º da Contestação) excepção de abuso de direito na modalidade de venire contra factum próprio.
3. Há, assim, nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, a qual fica aqui expressamente arguida e deverá ser declarada com todas as consequências legais.
4. Resultando da assentada, conforme acta da audiência de julgamento de dia 26-06-2024, que o Autor confessou a factualidade alegada nos seguintes artigos 8.º (sem se recordar das datas), 9.º, 13.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 46.º, 50.º, 51.º da petição inicial, e tendo o Tribunal a quo omitido, por completo, na decisão ora recorrida, referências a parte daquela matéria (artigos 8º, 9º, 23º, 50º e 51º), quando deveria, por ter sido matéria alegada, confessada e logo provada, ter integrado toda esta factualidade nos pontos provados e feito da devida ponderação em sede decisão final, há nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, a qual fica aqui expressamente arguida e deverá ser declarada com todas as consequências legais.
5. Tendo sido alegado pela Ré nos artigos 59.º, 60.º, 62.º e 63.º da petição que ao tempo da cessação, já decorrera o período experimental; que nada fazia prever que o Autor iria cessar abruptamente o contrato; que contrato teve uma duração de pouco mais de quatro meses (quatro meses e sete dias); que durante esse período a Ré não teve qualquer formação organizada, e tendo esta matéria sido objecto de discussão em audiência de julgamento, no âmbito da qual ficou devidamente provada, ao ter sido omitida por completo pelo Tribunal, na decisão ora recorrida, qualquer apreciação ou formulado qualquer juízo probatório sobre a referida factualidade, há, salvo melhor entendimento, omissão de pronúncia, o que configura nulidade da sentença, nos termos 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, a qual fica aqui expressamente arguida e deverá ser declarada com todas as consequências legais.
Sem prescindir,
6. Verifica-se um primeiro erro de julgamento na matéria de facto quando o Tribunal recorrido deixou de integrar nos factos provados, matéria que foi alegada, confessada e inscrita na assentada, a saber: o Autor chegou a seu serviço diário no dia e informou verbalmente o seu responsável de serviço, que denunciava o contrato de trabalho, não se recordando o Autor das datas – artigo 8 da pi; Naquele momento, o responsável de serviço alertou ainda o Autor de que não podia abandonar o seu serviço assim de repente visto que, como o próprio tinha conhecimento, a sua substituição carecia de formação e reconhecimento físico, emissão de códigos e entrega de chaves dos locais de entra de mercadoria afectas ao seu trabalho – artigo 9.º da pi; Tal serviço era prestado ao operador logístico TW, cliente da Ré – artigo 23.º da pi; O autor, durante execução do contrato, nunca comunicou à Ré que realizara trabalho suplementar – artigo 50.º da pi.; O autor, durante a execução do contrato, nunca reclamou da Ré qualquer valor a título de trabalho suplementar, pois sabe que nunca o realizou – artigo 51.º da pi.
7. A decisão sobre a matéria de facto deve, pois, ser alterada devendo tal matéria provada passar a integrar o quadro de pontos assentes.
8. Observa outro erro de julgamento quando o Tribunal a quo não formulou qualquer juízo probatório sobre a factualidade alegada nos artigos 59.º, 60.º, 62.º e 63.º da petição inicial.
9. Efectivamente, face à prova produzida nos presentes autos, nomeadamente documental e testemunhal, tal matéria mostra-se provada.
10. Quanto à duração do período experimental e do próprio contrato, veja-se o documento junto com a petição inicial sob o n.º 1 (contrato de trabalho, em particular a cláusula 4.º) e o email de resolução do contrato junto como documento n.º 1 da contestação.
11. Por outro lado, a demais factualidade resulta provada, a partir do depoimento da testemunha CC prestado na audiência de julgamento de 09-10-2020 conforme gravação áudio do sistema habilus, num primeiro momento relevante entre os minutos 00:05:00 e 00:07:30, e noutro momento também relevante, os 00:21:30 e 00:25:10, do depoimento da testemunha DD prestado na audiência de julgamento de 09-10-2020 conforme gravação áudio do sistema habilus entre os minutos 00:04:20 e 00:05:00, e do depoimento da testemunha depoimento da testemunha EE prestado na audiência de julgamento de 09-10-2024 conforme gravação áudio do sistema habilus, num primeiro momento relevante entre os minutos 00:11:20 e 00:05:00,
12. Face à referida prova deverá a matéria de facto ser alterada passando a integrar nos pontos provados a seguinte factualidade:
- Ao tempo da cessação, já decorrera o período experimental;
- Nada fazia prever que o Autor iria cessar abruptamente o contrato;
- O contrato teve uma duração de pouco mais de quatro meses (quatro meses e sete dias);
- Durante esse período a Ré não teve qualquer formação organizada.
13. Observa-se um terceiro erro de julgamento fáctivo quando o Tribunal a quo considerou não provada a seguinte factualidade:
B – Que, mercê da falta de observação do pré-aviso legal por parte do Autor, a Ré tenha sofrido graves prejuízos organizacionais e reputacionais e que esses prejuízos se computem em 2.850,00 €.
D - Que a Ré organizasse o serviço dos seus motoristas e do Autor em particular de forma que não fosse necessária realização de trabalho suplementar.
14. Face aos depoimentos das testemunhas DD – depoimento prestado na audiência de julgamento de 09-10-2024 conforme gravação áudio do sistema habilus entre os minutos 00:05:00 e 00:10:00 – e EE – depoimento prestado na audiência de julgamento de 09-10-2024 conforme gravação áudio do sistema habilus, num primeiro momento relevante entre os minutos 00:14:20 e 00:18:20, e noutro momento relevante, entre os minutos 00:22:20 e 00:24:30 – deve dar-se como provado que mercê da falta de observação do pré-aviso legal por parte do Autor, a Ré tenha sofreu graves prejuízos organizacionais e reputacionais
15. Com base nos depoimentos das testemunhas CC – depoimento prestado na audiência de julgamento de 09-10-2020 conforme gravação áudio do sistema habilus entre os minutos 00:13:00 e 00:16:30 – e EE – depoimento prestado na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 5-11-2024 conforme gravação áudio do sistema habilus entre os minutos 00:09:40 e 00:12:00, bem como o depoimento complementar prestado em audiência de julgamento na sessão de 05-11-2024, conforme gravação áudio do sistema habilus entre os minutos 00:00:01 e 00:06:30 – deve dar-se como provado, integrando-se tal ponto na matéria assente, que a Ré organizava o serviço dos seus motoristas e do Autor em particular de forma que não fosse necessária realização de trabalho suplementar
16. Surpreende-se um quarto erro de julgamento fáctico quando o Tribunal recorrido não levou, como se impunha, ao abrigo do artigo 72.º, n.º 1 do Código do processo do Trabalho, com referência ao artigo 5.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, à matéria de facto provada factualidade nova que decorre da prova produzida em audiência de julgamento, a qual, articulada com os factos alegados e provados em sede Contestação, é relevantíssima para a boa decisão da causa, a saber:
- Alguns motoristas da Ré que asseguravam a referida rota, entre os quais o Autor, sem o conhecimento daquela, manipulavam o tacógrafo, procedendo a registos desconformes à realidade, nomeadamente, colocando o tacógrafo em descanso, quando, na verdade estava a descarregar mercadoria.
- Tais motoristas que asseguravam a referida rota, entre os quais o Autor, agiam desse modo, por sua iniciativa e sempre sem o conhecimento da Ré, para assim não terem de fazer os períodos de descanso obrigatório e regressarem mais cedo a casa.
17. Tal factualidade resulta demonstrada a partir dos depoimentos das testemunhas FF – depoimento produzido na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 26-06-2024 conforme gravação áudio do sistema habilus, num primeiro momento relevante entre os minutos 00:04:30 e 00:05:00, e num segundo momento relevante entre os minutos 00:16:57 e 00:18:30 – e EE – depoimento prestado na sessão da audiência de julgamento do dia 05-11-2024, conforme gravação áudio do sistema habilus entre os minutos 00:00:01 e 00:07:00 – bem como no contexto da prova por acareação, as declarações de FF – acareação realizada na sessão da audiência de julgamento do dia 05-11-2024 conforme gravação áudio do sistema habilus entre os minutos 00:16:57 e 00:18:30 – e de EE – prova por acareação realizada no dia 05-11-2024, em sessão da audiência de julgamento, conforme gravação áudio do sistema habilus entre os minutos 00:00:01 e 00:06:30).
18. Tal factualidade - Alguns motoristas da Ré que asseguravam a referida rota, entre os quais o Autor, sem o conhecimento daquela, manipulavam o tacógrafo, procedendo a registos desconformes à realidade, nomeadamente, colocando o tacógrafo em descanso, quando, na verdade estava a descarregar mercadoria; Tais motoristas que asseguravam a referida rota, entre os quais o Autor, agiam desse modo, por sua iniciativa e sempre sem o conhecimento da Ré, para assim não terem de fazer os períodos de descanso obrigatório e regressarem mais cedo a casa – deverá, pois, passar a fazer parte do elenco de factos provados.
19. Vislumbra-se um quinto erro no julgamento fáctico quanto ao ponto 8 da matéria provada (Entre o dia 7 de Dezembro de 2022 e o dia 14 de Abril de 2023, o Autor trabalhou ao serviço da Ré em viagens por esta determinadas, durante 321 horas e 34 minutos de trabalho suplementar em dias úteis), uma vez que inexiste nos autos qualquer prova que, de modo directo, claro e inequívoco, permita sustentar tal factualidade, bem pelo contrário.
20. Os talões do tacógrafo não constituem prova plena de que tenha efectivamente sido realizado o trabalho suplementar, pois deles apenas se extrai que o Autor registou no tacógrafo os referidos tempos, não que tenha efectivamente realizado o trabalho.
21. Os talões teriam, portanto, uma natureza meramente indiciária.
22. Resulta integralmente confessado o alegado em 51.º da petição inicial, conforme assentada inscrita na acta da sessão da audiência de julgamento do dia 26-06-2024, ou seja, que o Autor, durante a execução do contrato, nunca reclamou da Ré qualquer valor a título de trabalho suplementar, pois sabe que nunca o realizou.
23. Foi, portanto, o próprio Autor quem confessou “saber que nunca realizou trabalho suplementar”.
24. Além disso, mais nenhuma outra prova foi produzida, nomeadamente por declarações do Autor ou depoimento testemunhal, quanto à efectiva realização do trabalho suplementar que aparece registado nos talões.
25. Acresce ter ficado provado que o trabalho era organizado pela Ré de modo a não ser necessária a realização de trabalho suplementar.
26. E, finalmente, os talões do tacógrafo, nos quais o Tribunal sustentou a sua convicção, não podem ter qualquer valia probatória, quando também ficou provado, como atrás sustentámos, que alguns motoristas da Ré que asseguravam aquela rota, entre os quais o Autor, sem o conhecimento daquela, manipulavam o tacógrafo, procedendo a registos desconformes à realidade, nomeadamente, colocando o tacógrafo em descanso, quando, na verdade estava a descarregar mercadoria e que tais motoristas, entre os quais o Autor, agiam desse modo, por sua iniciativa e sempre sem o conhecimento da Ré, para assim não terem de fazer os períodos de descanso obrigatório e regressarem mais cedo a casa.
27. Tendo ficado provado que havia manipulação do tacógrafo por parte do Autor não podem os talões, in casu, ter qualquer valia probatória, uma vez que os mesmos integram distorções ou faltas de correspondência efectiva com a realidade.
28. Atenta a ausência de qualquer prova, o ponto 8 da matéria assente deverá ser eliminado.
29. Finalmente, há, ainda, erro na decisão da matéria de facto no ponto 11 dos factuso provado, por integrar, atento o modo como está formulado, matéria conclusiva e de direito, o que não é aceitável!
30. Não podem, na matéria de facto, integrar-se formulações ou conclusões de natureza jurídica ou valorativa.
31. Efectivamente, ao escrever-se ali que “o Autor não recebeu as 13 horas de formação profissional devidas”, já se está a antecipar a conclusão jurídica!
32. Este ponto, deve, pois, ser reformulado, passando a ter o seguinte teor:
No ano 2023, e até à cessação do contrato em Abril de 2023, o Autor não recebeu horas de formação profissional disponibilizada pela Ré e ministrada por entidades externas.
33. A matéria de facto provada deve, assim, ser definitivamente fixada do seguinte modo:
1º A Ré é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte rodoviário de mercadorias e actividades conexas como manuseamento de cargas, gestão e organização de frotas e transportes.
2º O Autor foi admitido ao seu serviço em 6/12/2022 como motorista de pesados, desempenhando as funções de motorista de Transportes Rodoviários de Mercadorias Nacional e Internacional.
3º O horário do Autor era de 40 horas semanais.
4º O Autor auferia remuneração com componente fixa, sendo 837,67 € de salário base, acrescido de 19,92 €/dia a título de ajudas de custo e de 83,77 € a título de subsídio de trabalho nocturno.
4º-A - o Autor chegou a seu serviço diário no dia e informou verbalmente o seu responsável de serviço, que denunciava o contrato de trabalho, não se recordando o Autor das datas – artigo 8 da pi
4.º B - Naquele momento, o responsável de serviço alertou ainda o Autor de que não podia abandonar o seu serviço assim de repente visto que, como o próprio tinha conhecimento, a sua substituição carecia de formação e reconhecimento físico, emissão de códigos e entrega de chaves dos locais de entra de mercadoria afectas ao seu trabalho.
5º Em 13 de Abril de 2023 o Autor enviou e-mail à Ré manifestando a sua intenção de cessar o contrato de trabalho com efeitos a partir do dia 17/04/2023.
6º Apesar do supra exposto, o Autor não se apresentou mais ao serviço da Ré depois do dia 14 de Abril de 2023.
7º O trabalho diário do Autor era organizado pela Ré, que definia os clientes, locais de carga e locais de descarga, bem como o horário em que deveria iniciar em cada cliente.
8º (eliminado, por não provado)
9º A Ré não pagou ao Autor, as férias vencidas e não gozadas, bem como os proporcionais do ano 2023, ano da cessação do seu contrato.
10º A Ré não pagou ao Autor os proporcionais do subsídio de natal do ano 2023, ano da cessação do seu contrato.
11º - No ano 2023, e até à cessação do contrato em Abril de 2023, o Autor não recebeu horas de formação profissional disponibilizada pela Ré e ministrada por entidades externas.
12º A Ré não pagou ao Autor subsídio de turno, subsídio de alimentação nem ajudas de custo relativas ao mês de Abril de 2023, mês da cessação do seu contrato.
13 – No âmbito da actividade melhor referida em 1, a Ré presta serviços de transportes para várias empresas, entre elas, a operadora logística TW.
14 – No âmbito da sua actividade, o Autor desempenhava funções de motorista de entregas de mercadorias do grupo Inditex (roupas) como as marcas Bershka, Massimo Dutti, Oysho, Stradivarius, Lefties, Pull&Bear e Deichmann.
15 – O Autor era responsável pelo serviço de entrega de mercadorias e era acompanhado, na sua execução, por outro colega motorista.
15.º-A - Tal serviço era prestado ao operador logístico TW, cliente da Ré.
16 – As tarefas e funções do Autor careciam de formação específica que lhe foi assegurada em contexto de trabalho por colegas mais antigos.
17 – Essa formação implicou o reconhecimento das rotas e locais de entrega, constituídos pelas lojas de roupa das marcas melhor identificadas em 14, situadas em centros comerciais de Cidade 1 e Cidade 2.
18 – Mercê do supra exposto, o Autor era portador de códigos de segurança, individuais e intransmissíveis tendo em vista operar os procedimentos de abertura das lojas e alarmes.
19 – Para o desempenho da sua actividade, os códigos de segurança eram disponibilizados ao Autor antecipadamente, após solicitação prévia ao operador logístico TW, ao grupo Inditex e ao grupo de segurança Prossegur.
20 – O conhecimento dos procedimentos a adoptar é um processo que normalmente demora cerca de duas semanas a estar concluído.
20-A - Mercê da falta de observação do pré-aviso legal por parte do Autor, a Ré sofreu graves prejuízos organizacionais e reputacionais.
21 – A saída do Autor, sem pré-aviso, implicou uma reorganização do serviço e a movimentação de motoristas de outras rotas, bem como a solicitação, junto do cliente TW, de troca de motorista autorizado.
22 – Mercê do supra exposto, a Ré sofreu alguns atrasos na entrega de algumas encomendas.
23 – A Ré organizava o serviço dos seus motoristas e do Autor em particular de forma que não fosse necessária realização de trabalho suplementar.
24 - O autor, durante execução do contrato, nunca comunicou à Ré que realizara trabalho suplementar.
25 - O autor, durante a execução do contrato, nunca reclamou da Ré qualquer valor a título de trabalho suplementar, pois sabe que nunca o realizou.
26 - Alguns motoristas da Ré que asseguravam a referida rota, entre os quais o Autor, sem o conhecimento daquela, manipulavam o tacógrafo, procedendo a registos desconformes à realidade, nomeadamente, colocando o tacógrafo em descanso, quando, na verdade estava a descarregar mercadoria.
27 - Tais motoristas que asseguravam a referida rota, entre os quais o Autor, agiam desse modo, por sua iniciativa e sempre sem o conhecimento da Ré, para assim não terem de fazer os períodos de descanso obrigatório e regressarem mais cedo a casa.
28 - Ao tempo da cessação, já decorrera o período experimental;
29 - Nada fazia prever que o Autor iria cessar abruptamente o contrato;
30 - O contrato teve uma duração de pouco mais de quatro meses (quatro meses e sete dias)
31 - Durante esse período a Ré não teve qualquer formação organizada.
34. Quanto à matéria de direito, não tendo ficado demonstrado que o Autor tivesse efectivamente realizado trabalho suplementar, há nesta parte, erro de julgamento na decisão de direito.
35. Deverá, pois, a decisão ora em recurso, ser revogada e substituída por outra que absolva a Ré do pedido de condenação no pagamento de trabalho suplementar.
36. Há outrossim erro de julgamento de direito relativamente ao pedido de pagamento de horas de formação, pois, tendo ficado, nomeadamente, provado que as tarefas e funções do Autor careciam de formação específica que lhe foi assegurada em contexto de trabalho por colegas mais antigos., que essa formação implicou o reconhecimento das rotas e locais de entrega, constituídos pelas lojas de roupa das marcas melhor identificadas em 14, situadas em centros comerciais de Cidade 1 e Cidade 2 e o conhecimento dos procedimentos a adoptar é um processo que normalmente demora cerca de duas semanas a estar concluído deve concluir-se que a Ré disponibilizou ao Autor a devida formação inicial, em contexto de trabalho, e este tempo (de cerca de duas semanas) deve ser considerado para efeitos do computo global das hora formação legalmente devidas.
37. Sem prescindir quanto à excepção de abuso de direito, sendo legalmente devidas 13 horas de formação, mas tendo o Autor recebido formação inicial em contexto de trabalho durante duas semanas, deve entender-se que o Autor recebeu largamente todas as referidas horas de formação, nada sendo, pois, devido pela Ré.
38. A decisão deve, pois, ser nesta parte revogada e substituída por outra que conclua pela absolvição da Ré quanto ao pedido de pagamento de horas de formação.
39. E a mesma solução decisória deve ser dada no caso desse Venerando Tribunal entender que a matéria de facto deve permanecer inalterada, pois resultou provado – na versão do Tribunal a quo – que houve efectivamente formação profissional inicial em contexto de trabalho durante duas semanas.
40. Além disso, face à matéria que se entende provada, verifica-se uma clara situação de abuso de direito na modalidade de venire contra factum próprio, pois foi efectivamente o Autor quem tornou impossível, com a cessação abrupta, inesperada e sem aviso prévio, a frequência de horas de formação a que teria direito no ano civil em curso aquando da cessação.
41. O contrato teve uma duração curtíssima de pouco mais de quatro meses e, naturalmente, não se pode exigir à Ré que disponibilize formação aos seus trabalhadores em todos os meses do ano civil, tendo acontecido que, durante os referidos quatro meses, a Ré não realizou qualquer acção de formação.
42. Caso o Autor tivesse permanecido ao serviço da Ré, certamente iria beneficiar de acções externas de formação durante o ano de modo a assegurar a frequência das horas legalmente exigidas e, além disso, sempre seria possível à Ré, caso o Autor tivesse respeitado o aviso prévio, disponibilizar as 13 horas de formação, para que o mesmo as pudesse frequentar durante os dias do aviso prévio.
43. Ao não ter dado tal aviso prévio, também impossibilitou estoutra solução.
44. Donde, verificando-se uma clara situação de abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, sendo, por consequência, ilegítimo tal direito, deve improceder o pedido de condenação no pagamento das horas de formação.
45. A decisão recorrida deve, pois, também nesta parte ser revogada e substituída por outra que absolva a Ré do pedido de condenação no pagamento das horas de formação.
46. Finalmente, há ainda manifesto erro de julgamento quanto ao pedido reconvencional, na parte relativa ao pagamento da quantia de 2.850,00 € a título de indemnização pelos graves prejuízos organizacionais e reputacionais alegadamente sofridos em virtude da necessidade de ajustar o serviço, decorrente da inobservância pelo Autor, do pré-aviso devido.
47. O Tribunal erra claramente ao concluir que a verificação de alguns atrasos na entrega de algumas mercadorias não são danos reputacionais e organizacionais com relevo suficiente que mereça tutela indemnizatória.
48. Esta conclusão é reveladora do mais profundo desconhecimento da realidade das empresas de transportes de mercadorias em geral, onde qualquer incumprimento de prazos ou horários de entrega de encomendas é fonte geradora de potenciais conflitos e, por aí, de danos reputacionais.
49. Como é do conhecimento geral, em particular neste tipo de serviço de entrega de roupas em que a mercadoria tem de entrar a horas nas lojas, qualquer atraso imputável à transportadora é particularmente grave!
50. Além disso, a Ré teve necessidade de proceder a uma reorganização do serviço e a movimentação de motoristas de outras rotas, bem como a solicitação, junto do cliente TW, de troca de motorista autorizado, o que, por si só, configura um dano indemnizável.
51. A decisão deve, pois, ser revogada e substituída por outra que condene o Autor no pagamento de indemnização à Ré pelos danos organizacionais e reputacionais provocados pela falta de cumprimento do aviso prévio, em valor não inferior a €2.850,00 euros, a qual se considera equitativa face ao comportamento do Autor e à natureza e extensão dos danos.
52. A sentença recorrida é ilegal, por violadora, nomeadamente, dos artigos 131.º, n.º 2 e 401.º, n.º 1, ambos do Código do Trabalho, do artigo 5.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, do artigo 72.º n.º 1 do Código do Processo do Trabalho, e do artigo 334.º do Código Civil, os quais deveriam ter sido mobilizados pelo tribunal, face à factualidade provada, de modo diverso.
53. A presente Apelação deverá, pois, ser julgada totalmente procedente e, em consequência revogada a sentença recorrida, devendo a mesma ser substituída por decisão que absolva a Ré dos pedidos formulados pelo Autor, nos termos atrás especificados, e condene integralmente o Autor no pedido reconvencional formulado pela Ré, com todas as demais consequências legais.
Vossas Excelência, contudo, julgarão, com Douto suprimento, como for de Direito e Justiça!
…
O Autor apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
…
O tribunal de 1.ª instância pronunciou-se sobre as invocadas nulidades, pugnando pela sua improcedência, e admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Já neste Tribunal, o recurso foi admitido nos seus exatos termos e em cumprimento do disposto no art. 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
Não houve respostas ao parecer.
Após os autos terem ido aos vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
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II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
2) Impugnação da matéria de facto;
3) Trabalho suplementar;
4) Horas de formação;
5) Abuso de direito; e
6) Graves prejuízos organizacionais e reputacionais da Ré.
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III – Matéria de Facto
O tribunal da 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1º A Ré é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte rodoviário de mercadorias e actividades conexas como manuseamento de cargas, gestão e organização de frotas e transportes.
2º O Autor foi admitido ao seu serviço em 6/12/2022 como motorista de pesados, desempenhando as funções de motorista de Transportes Rodoviários de Mercadorias Nacional e Internacional.
3º O horário do Autor era de 40 horas semanais.
4º O Autor auferia remuneração com componente fixa, sendo 837,67 € de salário base, acrescido de 19,92 €/dia a título de ajudas de custo e de 83,77 € a título de subsídio de trabalho nocturno.
5º Em 13 de Abril de 2023 o Autor enviou e-mail à Ré manifestando a sua intenção de cessar o contrato de trabalho com efeitos a partir do dia 17/04/2023.
6º Apesar do supra exposto, o Autor não se apresentou mais ao serviço da Ré depois do dia 14 de Abril de 2023.
7º O trabalho diário do Autor era organizado pela Ré, que definia os clientes, locais de carga e locais de descarga, bem como o horário em que deveria iniciar em cada cliente.
8º Entre o dia 7 de Dezembro de 2022 e o dia 14 de Abril de 2023, o Autor trabalhou ao serviço da Ré em viagens por esta determinadas, durante 321 horas e 34 minutos de trabalho suplementar em dias úteis.
9º A Ré não pagou ao Autor, as férias vencidas e não gozadas, bem como os proporcionais do ano 2023, ano da cessação do seu contrato.
10º A Ré não pagou ao Autor os proporcionais do subsídio de natal do ano 2023, ano da cessação do seu contrato.
11º No ano 2023, o Autor não recebeu as 13 horas de formação profissional devidas. (Alterado, conforme fundamentação infra)
12º A Ré não pagou ao Autor subsídio de turno, subsídio de alimentação nem ajudas de custo relativas ao mês de Abril de 2023, mês da cessação do seu contrato.
Resultou ainda provado que:
13 – No âmbito da actividade melhor referida em 1, a Ré presta serviços de transportes para várias empresas, entre elas, a operadora logística TW.
14 – No âmbito da sua actividade, o Autor desempenhava funções de motorista de entregas de mercadorias do grupo Inditex (roupas) como as marcas Bershka, Massimo Dutti, Oysho, Stradivarius, Lefties, Pull&Bear e Deichmann.
15 – O Autor era responsável pelo serviço de entrega de mercadorias e era acompanhado, na sua execução, por outro colega motorista.
16 – As tarefas e funções do Autor careciam de formação específica que lhe foi assegurada em contexto de trabalho por colegas mais antigos.
17 – Essa formação implicou o reconhecimento das rotas e locais de entrega, constituídos pelas lojas de roupa das marcas melhor identificadas em 14, situadas em centros comerciais de Cidade 1 e Cidade 2.
18 – Mercê do supra exposto, o Autor era portador de códigos de segurança, individuais e intransmissíveis tendo em vista operar os procedimentos de abertura das lojas e alarmes.
19 – Para o desempenho da sua actividade, os códigos de segurança eram disponibilizados ao Autor antecipadamente, após solicitação prévia ao operador logístico TW, ao grupo Inditex e ao grupo de segurança Prossegur.
20 – O conhecimento dos procedimentos a adoptar é um processo que normalmente demora cerca de duas semanas a estar concluído.
21 – A saída do Autor, sem pré-aviso, implicou uma reorganização do serviço e a movimentação de motoristas de outras rotas, bem como a solicitação, junto do cliente TW, de troca de motorista autorizado.
22 – Mercê do supra exposto, a Ré sofreu alguns atrasos na entrega de algumas encomendas.
(Acrescentado o facto 23, conforme fundamentação infra)
…
E deu como não provados os seguintes factos:
A - Que a Ré tenha provocado danos e prejuízos ao Autor com a cessação do seu contrato de trabalho e que esses prejuízos se computem em 1.500,00 €.
B – Que, mercê da falta de observação do pré-aviso legal por parte do Autor, a Ré tenha sofrido graves prejuízos organizacionais e reputacionais e que esses prejuízos se computem em 2.850,00 €.
C – Que, nas circunstâncias descritas em 6 dos factos provados, tenha sido a Ré a dizer ao Autor que não precisava mais de se apresentar ao serviço.
D – Que a Ré organizasse o serviço dos seus motoristas e do Autor em particular de forma que não fosse necessária realização de trabalho suplementar.
E – Que Autor e Ré tenham deduzido pretensão que sabiam não lhes ser devida, alterando deliberadamente a verdade dos factos e agindo contra as regras da boa fé processual.
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IV – Enquadramento jurídico
1 – Nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Entende a recorrente que a sentença é nula, (i) por não ter apreciado a exceção de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium; (ii) por não ter incluído na matéria de facto dada como provada os factos constantes dos arts. 8º, 9º, 23º, 50º e 51º da contestação4 e que foram confessados pelo Autor; e (iii) por não ter incluído na matéria de facto dada como provada os factos alegados pela Ré nos arts. 59º, 60º, 62º e 63 da contestação.5
Dispõe o art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, que:
1 - É nula a sentença quando:
[…]
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
Determina também o art. 608.º, n.º 2, do mesmo Diploma Legal, que:
2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A nulidade por omissão de pronúncia verifica-se, assim, quando o tribunal não decide uma questão que lhe tenha sido colocada, salvo se tal questão estiver prejudicada pela solução dada a outras.
Porém, não se deve confundir questões com considerações, argumentos ou razões.
Conforme bem referiu Alberto dos Reis:6
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
E, a ser assim, a sentença não padece de nulidade quando não aborda todos os fundamentos invocados pela parte para justificar determinada opção jurídica, desde que aprecie a questão jurídica invocada, apresentando a sua própria fundamentação.
Por outro lado, não se pode confundir omissão de pronúncia, que se terá de entender como ausência de apreciação, com deficiente ou obscura fundamentação.
Cita-se o que consta da obra O Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, de António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa:7 8
4. Acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso.
Por fim, importa não confundir a não pronúncia do tribunal com a não integração na matéria factual de um facto alegado ou o não atendimento a meios de prova apresentados ou produzidos, pois tal não integração ou atendimento não se reporta à não apreciação de uma questão, conforme a mesma se mostra definida no n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil.
Daí que o vício resultante da não integração na matéria factual de um facto alegado reflete-se a nível de erro de julgamento e não a nível da nulidade da sentença.9
Posto isto, apreciemos.
(i) Não ter apreciado a exceção de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium
A Ré na contestação invocou que foi o Autor quem tornou impossível, com a cessação abrupta, inesperada e sem aviso prévio, a frequência de horas de formação a que teria direito no ano civil, pelo que a reclamação de créditos de horas por formação não realizada, configura, neste caso, uma situação de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
Na sentença recorrida, sobre esta matéria, ficou a constar o seguinte:
Nem pode a Ré invocar que foi o Autor que, com o seu comportamento, impossibilitou a sua própria formação, posto que o mesmo se encontrou ao serviço da Ré no decurso de 4 meses, sendo-lhe devida formação, na proporção do período temporal efectivamente trabalhado, o que não configura, de todo, o exercício abusivo desse direito.
Ora, do que acima se transpôs, é evidente que o tribunal a quo analisou a questão invocada, independentemente da sua suficiência ou acerto.
Pelo exposto, neste ponto, improcede a invocada nulidade por omissão de pronúncia.
(ii) e (iii) Por não ter incluído na matéria de facto dada como provada os factos constantes dos arts. 8º, 9º, 23º, 50º e 51º da contestação e que foram confessados pelo Autor; e também por não ter incluído os factos alegados pela Ré nos arts. 59º, 60º, 62º e 63 da contestação
Ora, conforme já se referiu supra, eventuais erros na apreciação da matéria de facto, designadamente por não terem ficado a constar da matéria de facto provada determinados factos alegados nos articulados, que alegadamente se provaram por confissão ou por prova testemunhal, não configura uma situação de nulidade da sentença por omissão de pronúncia. E tal ocorre porque a apreciação dos factos alegados não é uma questão como a mesma é definida nos termos do art. 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
A correção de tais eventuais erros terá de ocorrer em virtude do disposto no art. 662.º, n.º 1 (por exemplo, no caso da confissão) ou do art. 640.º, ambos do Código de Processo Civil.
Assim, também quanto a estes pontos, improcede a invocada nulidade por omissão de pronúncia.
2 – Impugnação da matéria de facto
Considera a recorrente que os factos constantes dos arts. 8º, 9º, 23º, 50.º e 51.º, da contestação10 deveriam ter ficado a constar da matéria de facto dada como provada, devido à confissão do Autor; que os factos constantes dos arts. 59º, 60º, 62º e 63º da contestação11 deveriam ficar a constar dos factos provados; que os factos não provados B e D deveriam ter sido dados como provados; que o facto provado 8 deveria ser eliminado; que o facto provado 11 deveria ser alterado por integrar matéria conclusiva; e que deveriam ser acrescentados à matéria de facto dada como provada dois novos factos.
Apoia as alterações fácticas pretendidas ainda nos depoimentos das testemunhas CC, DD, EE e FF, bem como nos documentos 1 junto com a petição inicial e 1 junto com a contestação.
Importa, desde já referir, que a recorrente deu cumprimento aos requisitos impostos pelo art. 640.º do Código de Processo Civil, designadamente indicou em concreto, no período da gravação, as partes dos depoimentos das testemunhas que considerou relevantes, bem como procedeu a determinadas transcrições.
a) Arts. 8º, 9º, 23º, 50.º e 51.º, da contestação
Consta destes artigos o seguinte:
8.º Sem que nada o antecipasse, no dia 14/04/2023, uma sexta-feira, o Autor chegou do seu serviço diário no dia e informou verbalmente o seu responsável de serviço, que denunciava o contrato de trabalho a partir de 17/04/2023, uma segunda-feira.
9.º
O responsável de serviço, perante a situação inesperada, informou o Autor que tinha que dar o aviso prévio necessário à empresa.
23.º
Tal serviço era prestado ao operador logístico TW, cliente da Ré.
50.º
O Autor, durante a execução do contrato, nunca comunicou à Ré que realizara trabalho suplementar.
51.º
O Autor, durante a execução do contrato, nunca reclamou à Ré qualquer valor a título de trabalho suplementar, pois sabe que nunca o realizou.
Pretende a recorrente que estes factos passem a constar da matéria dada como provada, visto terem sido confessados pelo Autor, conforme consta da assentada de 26-06-2024.
Relativamente a estes factos da contestação, consta da assentada, em ata de 26-06-2024, o seguinte:
Questionado, o autor confessa a matéria de facto alegada nos artigos:-
- Art.º 8.º - sem se recordar das datas;-
- Art.º 9.º;-
[…]
- Art.º 23.º;-
[…]
- Art.º 50.º - Só até “trabalho suplementar” e com o esclarecimento de que não comunicou nem reclamou, com a justificação de ser novo na empresa e ter receio;-
- Art.º 51.º - Com o esclarecimento de que não comunicou nem reclamou, com a justificação de ser novo na empresa e ter receio.-
Ora, para além de ser evidente que aquilo que ficou a constar na assentada, quanto aos arts. 50º e 51º da contestação, é diferente daquilo que a recorrente fez constar do seu recurso, resulta igualmente do teor de tal assentada, para um destinatário normal (art. 236.º, n.º 1, do Código Civil), que aquilo que o Autor confessou foi tão somente que não comunicou as horas suplementares que efetuou, nem reclamou do não pagamento das mesmas, tendo justificado tais comportamentos pelo facto de ser novo na empresa e ter receio. Aliás, não faria qualquer sentido, o Autor justificar que não comunicou as horas suplementares à Ré, nem reclamou o seu não pagamento, por ser novo na empresa e ter receio, se tivesse assumido, em julgamento, que sabia que nunca tinha realizado essas horas suplementares.
Diga-se, ainda, que do confronto entre o teor dos arts. 50º e 51º da contestação e do teor da assentada, é notório que a menção “Só até “trabalho suplementar”” se reporta ao art. 51º e não ao art. 50º, uma vez que este termina precisamente em “trabalho suplementar”.
Importa também referir que ouvido, na íntegra, o depoimento de parte do Autor, jamais este confessou que sabia nunca ter realizado o trabalho suplementar que veio peticionar na presente ação.
Assim, e quanto ao art. 51.º da contestação, o Autor apenas assumiu que, durante a execução do contrato, nunca reclamou à Ré qualquer valor a título de trabalho suplementar.
Posto isto, avancemos.
Relativamente ao art. 8º da contestação, importa referir que a comunicação do Autor para a Ré da intenção de cessar o contrato ocorreu, por email, em data anterior a esta conversa com o responsável de serviço da Ré, pelo que este facto, ainda que confessado em sede de julgamento, é irrelevante para o desfecho da causa.
De igual modo, quanto ao art. 9º da contestação, independentemente da informação que o responsável de serviço da Ré transmitiu ao Autor relativa à necessidade de haver um aviso prévio, tal circunstância resulta da lei, prevendo a mesma as consequências inerentes à ausência de aviso prévio, pelo que também este facto, ainda que confessado pelo Autor, é irrelevante para o desfecho da causa.
Nos termos do art. 130.º do Código de Processo Civil os atos irrelevantes são proibidos, pelo que não se defere, neste ponto, o pretendido pela recorrente.
Relativamente ao art. 23º da contestação, tal facto mostra-se vertido, nos termos em que veio a ser apurado em sede de julgamento, no facto provado 13, pelo que nada mais há a acrescentar.
Quanto aos arts. 50º e 51º da contestação, por serem complemento de factos relevantes para a causa, deverão os mesmos integrar a matéria dada como provada, com as limitações e os esclarecimentos que constam da assentada.
Assim, acrescenta-se aos factos provados o facto 23, com o seguinte teor:
23.º O Autor, durante a execução do contrato, não comunicou à Ré a realização do trabalho suplementar, nem reclamou qualquer valor a tal título, por ser novo na empresa e ter receio.
Procede, assim, parcialmente e com as devidas contextualizações, a alteração factual pretendida.
b) Arts. 59º, 60º, 62º e 63º da contestação
Consta destes artigos o seguinte:
59.º
Ao tempo da cessação, já decorrera o período experimental.
60.º
Nada fazia prever que o Autor iria, pois, cessar abruptamente o contrato.
62.º
Teve uma duração de pouco mais de quatro meses (quatro meses e sete dias).
63.º
Durante este período a Ré não teve qualquer acção de formação organizada.
Entende a recorrente que o que consta destes artigos deve ser dado como provado, em face do documento 1 junto com a petição inicial e do documento 1 junto com a contestação e ainda pelos depoimentos das testemunhas CC, DD e EE.
Relativamente aos arts. 59º e 62º, são ambos de natureza manifestamente conclusiva, sendo que a conclusão que consta do art. 62.º apura-se em face do que consta dos factos provados 2º, 5º e 6º, o que sempre tornaria tal facto inútil.
Acresce, quanto ao art. 59º, que aquilo que com ele se pretende provar é irrelevante, visto não estar em causa a obrigação do Autor em indemnizar a Ré por falta de aviso prévio.
Também, por esse motivo, é irrelevante o teor do art. 60º, sendo que as consequências da falta do pré-aviso por parte do Autor, já constam dos factos provados 21º e 22º.
Por fim, aquilo que se pretende provar com o art. 63º já consta dos factos provados 11º, 16º, 17º, 18º, 19º e 20º.
Improcede, assim, nesta parte, a pretendida alteração fáctica.
c) Factos não provados B e D
O teor dos factos não provados B e D é o seguinte:
B – Que, mercê da falta de observação do pré-aviso legal por parte do Autor, a Ré tenha sofrido graves prejuízos organizacionais e reputacionais e que esses prejuízos se computem em 2.850,00 €.
D – Que a Ré organizasse o serviço dos seus motoristas e do Autor em particular de forma que não fosse necessária realização de trabalho suplementar.
Pretende a recorrente que estes factos passem a provados.
Quanto ao facto não provado B, em face dos depoimentos das testemunhas DD e EE; e quanto ao facto não provado D, em face dos depoimentos das testemunhas CC e EE.
Relativamente ao facto não provado B, estamos perante um facto normativo- conclusivo, do qual não é possível retirar qualquer facto concreto.
Efetivamente, será sempre perante prejuízos concretos constantes da matéria factual que se poderá concluir, em sede de apreciação jurídica, se tais prejuízos são graves ou não, bem como qual o seu valor.
Ora, já consta da matéria factual dada como provada, nos factos 21 e 22, os danos que a Ré sofreu com a falta de aviso-prévio do Autor. Considerando que existiram outros danos, para além destes, competia à Ré a sua alegação e prova.
A apreciação sobre a gravidade ou não dos danos apurados sempre terá de ocorrer em sede de direito.
Quanto ao facto não provado D, o mesmo deverá ser apreciado conjuntamente com a apreciação do facto provado 8, uma vez que se opõe a este.
Assim, e quanto ao facto não provado B, improcede a pretensão da recorrente.
d) Facto provado 8
Consta do facto provado 8 que:
8º Entre o dia 7 de Dezembro de 2022 e o dia 14 de Abril de 2023, o Autor trabalhou ao serviço da Ré em viagens por esta determinadas, durante 321 horas e 34 minutos de trabalho suplementar em dias úteis.
Pretende a recorrente que este facto seja eliminado dos factos provados, visto que os talões de tacógrafo não constituem prova plena da realização do trabalho suplementar.
Acontece, porém, que a prova das horas registadas nos tacógrafos se mostra confirmada, não só pelo depoimento de parte do Autor, como também pelo depoimento dos dois motoristas, as testemunhas GG e FF, que, alternadamente, acompanharam o Autor no mesmo camião e que, por isso, tinham conhecimento das rotas efetuadas e das horas de trabalho prestado. Ambas as testemunhas foram perentórias em afirmar que normalmente trabalhavam 10 horas por noite.
Não corresponde, por isso, à verdade que o tribunal a quo apenas se tenha fundamentado na prova documental dos tacógrafos, tendo, pelo contrário, conjugado, e bem, a prova documental com a prova testemunhal e com o próprio depoimento de parte.
Inexiste qualquer censura a efetuar a tal apreciação fáctica, sendo, por isso, de manter este facto como provado.
Em face dos indicados meios de prova não é possível dar como provado o facto não provado D, visto que se provou exatamente o seu contrário
Assim, improcede quer a pretendida eliminação do facto provado 8, quer a passagem do facto não provado D para facto provado.
e) Facto provado 11
Consta do facto provado 11 que:
11º No ano 2023, o Autor não recebeu as 13 horas de formação profissional devidas.
Considera a recorrente que este facto, por ser conclusivo, deverá ser alterado, passando a ter a seguinte redação:
11º No ano 2023, e até à cessação do contrato em Abril de 2023, o Autor não recebeu horas de formação profissional disponibilizada pela Ré e ministrada por entidades externas.
Efetivamente, apurar a quantidade de horas de formação profissional que são devidas, por ano, em cada situação concreta, é matéria de direito. Facto é o tempo de horas de formação profissional que o trabalhador teve por ano.
Diga-se, de qualquer modo, que a pretendida versão da recorrente possui partes totalmente irrelevantes (“até à cessação do contrato em Abril de 2023”, uma vez que obviamente a formação profissional tem de ser feita durante a vigência do contrato e a data da cessação do contrato já consta dos factos provados 5º e 6º), bem como partes não alegadas na sua contestação (“entidades externas”).
Deste modo, apesar de se alterar este facto, a alteração não seguirá na íntegra o pretendido pela recorrente.
Assim, determina-se a alteração do facto provado 11, o qual passará a ter a seguinte versão:
11º No ano 2023, o Autor apenas recebeu a formação que consta dos factos provados 16 e 17.
Procede, assim, parcialmente e com as devidas contextualizações, a alteração factual pretendida.
f) Novos factos
Pretende a recorrente que sejam acrescentados à matéria de facto provada os seguintes factos:
- Alguns motoristas da Ré que asseguravam a referida rota, entre os quais o Autor, sem o conhecimento daquela, manipulavam o tacógrafo, procedendo a registos desconformes à realidade, nomeadamente, colocando o tacógrafo em descanso, quando, na verdade estava a descarregar mercadoria.
- Tais motoristas que asseguravam a referida rota, entre os quais o Autor, agiam desse modo, por sua iniciativa e sempre sem o conhecimento da Ré, para assim não terem de fazer os períodos de descanso obrigatório e regressarem mais cedo a casa.
Entende a recorrente que estes factos resultaram da audiência de julgamento, em face dos depoimentos das testemunhas EE e FF, devendo, por isso, nos termos do art. 72.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ser acrescentados à matéria factual dada como provada.
Não é, porém, possível ao tribunal de recurso recorrer ao dispositivo previsto no art. 72.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Na realidade, é ao tribunal da 1.ª instância, e apenas a ele, que se mostra atribuída a incumbência de ampliar a matéria factual, ainda que não articulada pelas partes, relevante para a boa decisão da causa, que tenha surgido no decurso da produção da prova, nos termos do n.º 1 do art. 72.º do Código de Processo do Trabalho e das als. a) e b) do n.º 2 do art. 5.º do Código de Processo Civil.
Veja-se o acórdão deste tribunal, proferido em 15-04-2021:12 13
Os factos que a apelante pretende que sejam dados como provados não estão alegados. Os factos instrumentais e os que sejam complemento ou concretização do que as partes tenham alegado têm que resultar da instrução da causa e sobre eles as partes têm que ter tido a possibilidade de se pronunciar e oferecer prova.
O momento próprio para o efeito é durante a audiência de discussão e julgamento. Se durante a produção da prova forem referidos factos instrumentais ou complementares dos factos fundadores do direito, mesmo não alegados, o juiz pode tê-los em conta depois da parte contrária ter oportunidade de se pronunciar e ser produzida prova sobre os mesmos.
Se a apelante/empregadora entendia que foram trazidos à discussão factos instrumentais, complementares ou concretizadores deveria ter sugerido/requerido ao tribunal para que fossem considerados. Não o tendo feito nessa ocasião, não pode vir apenas agora, em sede de recurso, pretender que tais factos sejam considerados, por ser questão nova.
O tribunal da Relação só pode apreciar questões de facto e de direito que foram ou devessem ter sido apreciadas na sentença recorrida. Não é válida a opção de aguardar para a fase de recurso, na hipótese da decisão lhe ser desfavorável, para vir invocar factos novos não submetidos ao império do contraditório e análise decisório no tribunal recorrido.
Assim, não se toma conhecimento desta parte da impugnação da matéria de facto.
Pelo exposto, improcede, nesta parte, a pretendida alteração fáctica.
Em conclusão, procede parcialmente e com as devidas contextualizações, a impugnação fáctica requerida, e, em consequência:
- altera-se o facto provado 11, que passará a ter a seguinte redação:
11º No ano 2023, o Autor apenas recebeu a formação que consta dos factos provados 16 e 17.
- acrescenta-se ao elenco dos factos provados, o facto 23, com a seguinte redação:
23.º O Autor, durante a execução do contrato, não comunicou à Ré a realização do trabalho suplementar, nem reclamou qualquer valor a tal título, por ser novo na empresa e ter receio.
3 – Trabalho suplementar
Entende a recorrente que não pode ser condenada no pagamento de trabalho suplementar, partindo do pressuposto de que seria deferida a alteração fáctica pretendida, concretamente, que seria eliminado o facto provado 8 e que o facto não provado D passaria a facto provado.
Não tendo, porém, tido deferimento a pretendida alteração fáctica e não tendo sido invocado qualquer outro fundamento, importa confirmar tal condenação, improcedendo, nesta parte, a pretensão da recorrente.
4 – Horas de formação
Considera a recorrente que o Autor teve a formação que lhe era devida em face da formação que lhe foi ministrada em contexto de trabalho por colegas mais antigos durante duas semanas.
Ora, nos termos do art. 131.º, n.º 2, do Código do Trabalho, o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de quarenta horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, a um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano.
Acresce que dispõe o n.º 3 deste artigo que esta formação pode ser desenvolvida pelo empregador, por entidade formadora certificada para o efeito ou por estabelecimento de ensino reconhecido pelo ministério competente e dá lugar à emissão de certificado e a registo na Caderneta Individual de Competências nos termos do regime jurídico do Sistema Nacional de Qualificações.
No caso dos autos, apesar de a Ré alegar que esta formação foi ministrada por si, não apresentou qualquer certificado nesse sentido, nem o respetivo registo na Caderneta Individual de Competências.
Importa, ainda, referir que a formação prevista neste artigo não se confunde com as necessárias ordens e instruções fornecidas ao trabalhador quando inicia a sua prestação laboral e sem as quais tal atividade seria impossível de realizar.
Não tendo sido posta em causa as horas de formação mínima obrigatórias apuradas, mas tão somente a inexistência do direito do Autor a qualquer hora de formação contínua, nada mais há a decidir.
Pelo exposto, também quanto a esta questão, improcede a pretensão da recorrente.
5 – Abuso de direito
Entende a recorrente que, em face da matéria dada como provada, se verifica uma clara situação de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, visto que foi o Autor quem tornou impossível, com a cessação abrupta, inesperada e sem aviso prévio, a frequência de horas de formação a que teria direito no ano civil em curso durante a cessação.
A legislação laboral determina, por um lado, que o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de quarenta horas de formação contínua ou, caso trabalhe um período de tempo inferior a um ano, a um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano; e, por outro, a sanção aplicada no caso de o trabalhador cessar o contrato de trabalho sem conceder à entidade patronal o pré-aviso legalmente determinado mostra-se prevista no art. 401.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o qual não faz qualquer menção à inaplicabilidade, nessa situação, do disposto no art. 131.º, n.º 2, do Código do Trabalho.
Deste modo, o trabalhador que denunciou o contrato de trabalho sem pré-aviso, ao requerer o crédito laboral referente às horas de formação contínua, a que, por lei, deveria ter assistido, mas a que não assistiu, limita-se a exercer um direito que a lei lhe atribui, visto que a simples circunstância de ter trabalhado por quatro meses e tal para a Ré, dá-lhe direito a determinadas horas de formação contínua, independentemente de quem tenha sido a responsabilidade da cessação do contrato de trabalho.
Não age, por isso, em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Improcede, assim, nesta parte a pretensão da recorrente.
6 – Graves prejuízos organizacionais e reputacionais da Ré
Considera a recorrente que os factos provados 21 e 22 configuram uma situação de danos reputacionais e organizacionais com relevo suficiente para merecer tutela indemnizatória.
Consta de tais factos que:
21 – A saída do Autor, sem pré-aviso, implicou uma reorganização do serviço e a movimentação de motoristas de outras rotas, bem como a solicitação, junto do cliente TW, de troca de motorista autorizado.
22 – Mercê do supra exposto, a Ré sofreu alguns atrasos na entrega de algumas encomendas.
Fundamentou a sentença recorrida a improcedência deste pedido nos seguintes termos:
Compulsados os autos, mormente, produzida prova em audiência de discussão e julgamento, verifica-se que resultou da prova produzida em audiência de discussão e julgamento que, em virtude da saída inesperada do Autor, a Ré procedeu a reajustes nas entregas afectando motoristas de outras rotas para o desempenho das funções concretas do Autor.
Resultou ainda, tal como alegado, de forma perfunctória, genérica e abstracta que, em resultado da saída do Autor, a Ré teve alguns atrasos nas entregas de algumas mercadorias.
Ora, o tribunal considera que alguns atrasos na entrega de algumas mercadorias não são danos reputacionais e organizacionais com relevo suficiente que mereça tutela indemnizatória, nem prova alguma foi feita no que diz respeito à concreta quantificação de quaisquer danos, muito menos no montante peticionado, no valor de 2.850,00 €.
Assim, não logrando a Ré alegar nem demonstrar a verificação de tais prejuízos ou quaisquer danos por si sofridos, não se bastando a mera alegação superficial, vaga e genérica de “alguns atrasos na entrega de algumas mercadorias”, deverá o pedido reconvencional, improceder nesta parte, o que se determinará.
Concordamos inteiramente com tal fundamentação.
Efetivamente, para que haja direito à indeminização é necessário que se comprove a existência de prejuízos. A simples circunstância de ter havido alguns atrasos na entrega de algumas encomendas, não permite aferir se por tais atrasos a Ré veio a sofrer prejuízos. Acresce que se desconhece quais as situações concretas em que houve tais atrasos, o que impede o apuramento quer da quantificação das encomendas que foram entregues com atraso, quer da dimensão do atraso (quantos minutos? quantas horas?).
Deste modo, em face do que resulta da matéria de facto dada como assente não é possuir concluir pela existência de um direito à indemnização da Ré nos moldes peticionados.
Improcede, assim, nesta parte, a pretensão da Ré.
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
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Évora, 18 de setembro de 2025
Emília Ramos Costa (relatora)
Paula do Paço
Mário Branco Coelho
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1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Paula do Paço; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.↩︎
2. Doravante AA↩︎
3. Doravante “BB↩︎
4. Apesar de a recorrente ter feito menção, certamente por lapso, à petição inicial.↩︎
5. Apesar de a recorrente ter feito menção, certamente por lapso, à petição.↩︎
6. In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 143.↩︎
7. Almedina, 2018, p.737.↩︎
8. Veja-se igualmente o acórdão do STJ, proferido em 22-01-2015, no Proc. 24/09.2TBMDA.C2.S2, consultável em www.dgsi.pt.↩︎
9. Veja-se, a este propósito, o bem fundamentado acórdão do STJ, proferido em 23-03-2017, no processo n.º 7095/10.7TBMTS.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎
10. Tendo a recorrente uma vez mais, certamente por lapso, referido petição inicial.↩︎
11. A que apelidou, certamente por lapso, de petição inicial.↩︎
12. No âmbito do processo n.º 570/20.7T8EVR.E1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎
13. Veja-se em idêntico sentido o artigo produzido por Hermínia Oliveira e Susana Silveira para o VI Colóquio de Direito do Trabalho do Supremo Tribunal de Justiça, consultável em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2014/10/juiza_assessora_ii.pdf, p. 11.↩︎