Sumário:
I. Não existe incompatibilidade entre o pedido de declaração de invalidade da escritura de justificação notarial e o pedido de condenação dos RR a demolir as obras realizadas no prédio objeto dessa escritura.
II. A declaração de ineficácia da escritura não implica, por si só, a demolição das construções efetuadas no prédio cabendo aos Autores alegar e provar, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do CC, os factos constitutivos do direito a essa demolição.
III. Os herdeiros não são proprietários de bens certos e determinados, mas apenas de uma quota ideal da universalidade da herança.
IV. Os direitos relativos à herança devem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros, aplicando-se, subsidiariamente e com as devidas adaptações, as normas da compropriedade (artigos 1403 a 1407 do CC).
V. O uso que os herdeiros podem fazer dos bens da herança abrange apenas a utilização direta do prédio e o aproveitamento imediato das suas aptidões naturais.
VI. As obras que configurem benfeitorias necessárias, realizadas por um dos herdeiros, sem oposição expressa dos restantes, não determinam de forma automática a sua demolição, pois a afetação definitiva do prédio dependerá do resultado da partilha, podendo o prédio vir a ser adjudicado ao Réu/herdeiro que construiu.
VII. Já as obras de inovação, objeto de oposição expressa dos demais herdeiros e de embargo administrativo, são anuláveis nos termos do artigo 1407.º, n.º 3 do CC, impondo-se a reposição do prédio no estado anterior mediante demolição.
VIII. Igualmente, o arranque de oliveiras do prédio comum, sem consentimento dos restantes herdeiros e contra a oposição do cabeça de casal, constitui acto anulável, impondo a reposição da situação existente mediante o replantio das árvores arrancadas.
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
AA, BB e CC instauraram a presente Ação Declarativa em Processo Comum contra DD, EE, FF, GG e HH, pedindo que:
a. seja declarado que os RR DD e EE prestaram declarações falsas na escritura de justificação notarial outorgada no dia 15-05-2009;
b. Seja declarado que tal escritura é ineficaz e não suscetível de permitir o registo do direito nele justificado, ordenando-se o cancelamento de qualquer registo que tenha sido efetuado em ambos prédios;
c. Seja declarado que os 1.º R não adquiriram por usucapião o do direito de propriedade em relação aos prédios inscritos nas matrizes 256 e 9307 da freguesia de RC...;
d. Seja ordenado o averbamento da presente ação;
e. Seja ordenada a demolição de tosos os trabalhos executados e seja resposta a situação originária dos prédios;
f. Sejam os RR condenados, solidariamente, a pagar a cada um dos AA. a quantia de 2.000 euros, a título de danos morais;
Em abono destas pretensões invocam que são, conjuntamente, com os RR, herdeiros da herança aberta por óbito de seus pais no qual se inclui 2 prédios. Que os 1.ºs RR outorgaram escritura de justificação da posse arrogando-se proprietários exclusivos dos referidos prédios e procederam à realização de obras de construção civil nos prédios e arrancaram oliveiras, sem o consentimento dos AA.
Mais alegam os AA que estes comportamentos dos RR os impedem de usufruir dos imóveis e deixa-os desgostos, angustiados e humilhados.
Contestaram apenas os RR DD e mulher EE, referindo que os prédios lhes foram doados, ainda em vida dos pais dos AA e 1.º RR, em 1987, vindo desde então a exercer atos de posse, que descrevem e nessa sequência terem outorgado a escritura de justificação de posse, correspondendo à verdade o que desta consta. Terminam, pugnando pela absolvição dos pedidos,
Após a realização da audiência final foi proferida sentença que, a final, decidiu:
1. Declarar a ineficácia da escritura de justificação notarial, lavrada em 15 de Maio de 2009, no Cartório Notarial de Cidade 1, a fls. 9, do livro 90, outorgada pelos RR., identificada supra em 5) dos factos dados como provados, por não serem verdadeiras as declarações nelas prestadas quanto à aquisição pelos RR. DD e EE, do direito de propriedade sobre os bens imóveis nela identificados, consistentes nos seguintes:
a. Um prédio urbano, sito em RC..., freguesia de RC..., concelho de Cidade 1, composto por casa térrea para habitação, com a área de 72 m2, e logradouro com a área de 406 m2, confrontando a norte com estrada, do sul com regueira, nascente com II e do poente com serventia, inscrito actualmente na matriz predial urbana da União das Freguesias de RC... e de CB... sob o artigo 293, antes inscrito na matriz predial urbana da freguesia de RC... sob o artigo 226, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o nº 2.597, da freguesia de RC...;
b. Um prédio rústico, sito em RC..., freguesia de RC..., concelho de Cidade 1, composto por terra de pousio com uma oliveira, com a área de 35 m2, confrontando a norte com JJ, do sul com KK e de serventia, nascente com LL e do poente com JJ, inscrito actualmente na matriz predial rústica da União das Freguesias de RC... e de CB... sob o artigo 8112, antes inscrito na matriz predial rústica da freguesia de RC... sob o artigo 9307, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o nº 2.598, da freguesia de RC..., através da usucapião.
2. Após o trânsito em julgado da presente decisão, ordena-se o cancelamento do registo efetuado na Conservatória do Registo Predial competente da aquisição a favor dos RR. DD e EE, do direito de propriedade sobre os prédios em causa, descritos na Conservatória: sob o nº 2.597, da freguesia de RC..., e sob o nº 2.598, da freguesia de RC..., realizado através da apresentação nº 1908, de 31-7-2009.
3. Absolver os RR do demais peticionado.
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Desta sentença interpuseram os AA o presente recurso de apelação, o qual terminaram com as seguintes conclusões:
A - O tribunal a quo, na sua douta sentença, ponderada, de facto e de direito, considerou a acção intentada pelos Autores ora Recorrentes, em primeira instância parcialmente procedente, improcedendo os pedidos efectuados pelos mesmos, no que concerne aos danos morais peticionados, bem como improcedeu o pedido de demolição dos trabalhados executados no imóvel melhor identificado e discriminado no n.º 3, dos factos dados como provados, na sentença;
B – Ora os Recorrentes discordam da sentença proferida pelo tribunal a quo, no que concerne à improcedência do pedido constante na alínea e), da Petição Inicial, isto é, à improcedência da demolição das obras executadas pelo Primeiro Réu ora Recorrido, DD.
C – Entendem os Recorrentes que o ora Recorrido, deveria ter sido condenado a demolir todos os trabalhos executados nos imóveis em discussão nos autos, (em concreto no imóvel melhor identificado e discriminado no n.º 3, dos factos dados como provados, na sentença, conforme supra referido), repondo-se, consequentemente, a situação originária dos prédios, entendendo os Recorrentes que tal pedido deveria ter sido julgado procedente conforme se vai infra melhor discriminar.
D - Ora, considerou o tribunal a quo, como provado, que a escritura pública outorgada pelos Réus, que se retroagia ao ano de 1987, e melhor identificada nos presentes autos, era nula, tendo consequentemente ordenado o cancelamento do registo efectuado pela Conservatória do Registo Predial competente, no que concerne aos imóveis identificados nos n.ºs 3 e 4, dos factos dados como provados.
E – Considerou igualmente o tribunal a quo, que os Primeiros Réus, DD e EE, não adquiriram os imóveis identificados no processo de primeira instância, mediante recurso ao mecanismo do Usucapião, conforme se infere dos factos dados como não provados, bem como do texto da sentença, ainda que tal não esteja declarado de forma explicita na decisão da sentença.
F - Ora, tendo-se provado e declarado a ineficácia da escritura de justificação notarial, deveria também o tribunal a quo, salvo o devido respeito por posição diversa, ter ordenado a demolição dos muros construídos, no imóvel identificado no n.º 3, dos factos dados como provados, após a (nula) aquisição dos imóveis, pelo Primeiro Réu, ora Recorrido.
G - Pois, como bem dispõe o n.º 1, do art.º 289.º, aplicado por analogia, “Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio jurídico têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”. H - Foi após a outorga da escritura notarial, conforme consta da articulação dos factos dados
como provados nos n.ºs 13 e 14, com o disposto na alínea A) dos factos dados como não provados, que as referidas obras, levadas a cabo pelo Primeiro Réu ora Recorrido, apenas foram efectuadas após a outorga da escritura notarial que foi considerada nula.
F - Neste sentido, deveriam ter sido destruídos todos os efeitos que se produziram por via da mesma.
G - Porém, entendeu o douto tribunal a quo, que as obras efectuadas pelo Primeiro Réu, ora Recorrido, no imóvel identificado no art.º 3.º, dos factos dados como provados, não deveriam ser demolidas, uma vez que, na perspectiva do douto tribunal, (1) a acção intentada pelos Autores ora Recorrentes, configura uma mera “acção de apreciação negativa”, que apenas permite a declaração de existência ou inexistência de um direito, acrescentando ainda (2) que a demolição configuraria uma situação de abuso de direito, para efeitos do disposto no art.º 334.º, do Código Civil (doravante C.C).
H - Ora, no que concerne à primeira argumentação explanada pelo douto tribunal a quo, cumpre referir que no caso sub judice, os Autores não intentaram uma mera acção de impugnação de justificação notarial, mas sim uma acção declarativa de condenação.
I - Tal facto retira-se desde logo, pela leitura dos pedidos constantes na Petição Inicial, sob as alíneas a) a e), uma vez que os ora Recorrentes, não se limitaram a pedir a declaração de ineficácia da Escritura de Justificação Notarial outorgada pelos Réus, tendo igualmente peticionado, a demolição de todos os trabalhos executados, a restituição da situação originária dos imóveis e, ainda, um pedido de condenação a título de danos morais.
J - Ademais, ainda que assim não se entendesse, dispõe o n.º 1, do art.º 555.º, do C.P.C, sob a epigrafe “cumulação de pedidos”, o seguinte: “Pode o autor deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis entre sim, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação.”
K - Neste sentido vide - Paulo Pimenta in Processo Civil Declarativo, 2014, página 41, - segundo o qual: “A divisão das acções declarativas em três espécies não implica que estas devam ser estudadas como compartimentos estanques, na medida em que na mesma acção podem cumular-se diversas pretensões (e até de natureza diferente), desde que observados determinados requisitos, os quais estão previstos nos artigos n.ºs 555.º e 37.º”
L - Ora, in casu, os diversos pedidos, formulados em sede de Petição Inicial são válidos e compatíveis entre si, pelo que podem ser atendidos na mesma acção.
M - E, consequentemente, deveria ter-se ordenado a demolição dos trabalhos executados pelo Primeiro Réu ora Recorrido, isto é, ordenar-se a demolição dos muros construídos no imóvel melhor identificado no n.º 3, dos factos dados como provados.
N - No que concerne à segunda argumentação invocada pelo douto tribunal a quo, recorrendo ao mecanismo do abuso de direito, previsto no art.º 334.º, do C.C, cumpre referir que inexiste qualquer situação por parte dos Recorrentes, suscpetível de se enquadrar numa situação abuso de direito,
O – Porquanto, foi o Primeiro Réu ora Recorrido, em conjunto com os demais Réus na acção, que prestou/prestaram, declarações falsas, perante entidade pública, com o intuito de beneficiar de um direito que bem sabia que não tinha, o que impulsionou o processo crime n.º 573/13.8..., que correu termos no juízo local criminal de Cidade 1, cuja sentença foi proferida em 01.10.2015.
P - Pelo que não é ilegítima, nem abusiva, o pedido de demolição dos muros efectuado pelos ora Recorrentes, inexistindo qualquer má-fé ou abuso de direito por parte dos mesmos.
Q - Acrescenta-se ainda que os Recorrentes procederam ao embargo da “Obra Nova” realizada pelo Primeiro Réu ora Recorrido, em 05.05.2022, conforme Requerimento de Embargo de Obra Extrajudicial, junto com a Petição Inicial sob o doc. n.º 14, bem como conforme o Auto de Embargo da Obra, titulado sob o n.º 15/2022, realizada pela Câmara Municipal de Cidade 1, igualmente junto ao processo de primeira instância.
R - Por fim, os herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis causa, são titulares de um direito sobre a herança mas não são proprietários e não são igualmente comproprietários dos bens da herança.
S - Competido a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, por força do disposto no art.º 2079.º, do C.C ao cabeça-de-casal, que, no presente caso, conforme doc. n.º 7 junto com a Petição Inicial (Documento de imposto Selo e comunicação à Autoridade Tributária da entidade da cabeça-de-casal), pertence à 2.9 Autora e ora Recorrente BB, facto este que não fora posta em causa, em qualquer momento.
T - Para colmatar, não fora comunicada qualquer benfeitoria necessária de ser efectuada, para efeitos de conservação dos imóveis descritos nos presentes autos.
U - Pelo que a construção dos muros pelo ora Recorrido, no imóvel identificado e discriminado no n.º 3, dos factos dados como provados, é ilícita.
V - O Tribunal a quo, ao considerar que a construção efectuada pelo Recorrido, no imóvel identificado no n.º 3, dos factos dados como provados, não poderá ser demolida por via do presente processo, com a fundamentação explanada no corpo da sentença, violou o disposto na alínea b), do n.º 3, do art.º 10.º, bem como o disposto no art.º 555.º, ambos do C.P.C, bem como o disposto, nos art.ºs n.ºs 289.º e 2079.º, ambos do Código Civil.
W - Devendo as normas supra referidas, terem sido interpretadas no sentido de se retroagir à situação existente antes da outorga da escritura pública, declarada ineficaz, ordenando-se ademolição dos muros construídos.
X - Devendo as normas supra referidas, terem sido interpretadas no sentido de se retroagir à situação existente antes da outorga da escritura pública, declarada ineficaz, ordenando-se a demolição dos muros construídos.
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Não foram deduzidas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Questões a Decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da apelação, nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Destarte, a questão que importa apreciar e decidir é se o 1.º Réu, DD, co-herdeiro das heranças abertas por óbito de seus pais, deve ou não ser condenado a demolir as obras que realizou num dos prédios que pertencem à herança e repor o mesmo na situação em que se encontrava.
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2. Fundamentação
1. Fundamentação de facto:
1. O Tribunal julgou provados os seguintes factos:
1. Os AA. AA, BB, CC e o R. DD são irmãos e são filhos de MM e de NN.
2. Os referidos MM e NN, faleceram, respetivamente, no dia ... de ... de 1994 e no dia ... de ... de 2016.
3. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o nº 2.597, da freguesia de RC..., um prédio urbano, sito em RC..., freguesia de RC..., concelho de Cidade 1, composto por casa térrea para habitação, com a área de 72 m2, e logradouro com a área de 406 m2, confrontando a norte com estrada, do sul com regueira, nascente com II e do poente com serventia, inscrito atualmente na matriz predial urbana da União das Freguesias de RC... e de CB... sob o artigo 293, antes inscrito na matriz predial urbana da freguesia de RC... sob o artigo 226, sobre a qual existe uma inscrição de aquisição do direito de propriedade sobre tal prédio a favor dos RR. DD e EE, por usucapião, realizada através da apresentação nº 1908, de 31-7-2009.
4. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o nº 2.598, da freguesia de RC..., um prédio rústico, sito em RC..., freguesia de RC..., concelho de Cidade 1, composto por terra de pousio com uma oliveira, com a área de 35 m2, confrontando a norte com JJ, do sul com KK e de serventia, nascente com LL e do poente com JJ, inscrito atualmente na matriz predial rústica da União das Freguesias de RC... e de CB... sob o artigo 8112, antes inscrito na matriz predial rústica da freguesia de RC... sob o artigo 9307, sobre a qual existe uma inscrição de aquisição do direito de propriedade sobre tal prédio a favor dos RR. DD e EE, por usucapião, realizada através da apresentação nº 1908, de 31-7-2009.
5. Por escritura de justificação lavrada em 15 de Maio de 2009, no Cartório Notarial de Cidade 1, a fls. 9, do livro 90, os RR. DD e EE declararam que eram donos dos prédios referidos em 3) e 4), tendo o prédio referido em 3) vindo à posse dos RR. DD e EE por doação verbal feita pelos referidos MM e OO, ocorrida em 1987; e o prédio referido em 4), vindo à posse dos RR. DD e EE por compra verbal efectuada a PP; que os RR. DD e EE possuiriam estes prédios, em nome próprio, há mais de 20 anos, sem a oposição de quem quer que fosse, desde o seu início, ininterruptamente, ostensivamente, com o conhecimento de toda a gente da freguesia de RC..., lugares e freguesias vizinhas, traduzida em actos materiais de fruição, conservação e defesa, nomeadamente usufruindo dos seus rendimentos, suportando os encargos e obras de conservação quantos ao urbano, cultivando os frutos, limpando-o de mato, quanto ao rústico, pagando os respectivos impostos e contribuições, agindo sempre pela forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, pelo que teriam adquirido tal imóvel através da usucapião.
6. Há cerca de 50 anos, por partilha verbal da herança, efectuada entre os herdeiros dos avós paternos dos AA. AA, BB, CC, e do R. DD, de nome QQ e RR, foram adjudicados os prédios mencionados em 3) e 4), aos pais daqueles AA. e do R., MM e OO, passando estes a ocupar os mesmos.
7. A partir da altura referida em 6), os referidos MM e OO passaram a amanhar e a cultivar o terreno do logradouro, do prédio referido em 3), colocando aí uma horta, a colher os respectivos frutos, fazendo-o até ao ano de 1994, no caso do mencionado DD, e até ao ano de 2000, no caso da referida OO.
8. A partir da altura referida em 6), os referidos MM e OO passaram a colher os frutos da oliveira plantada no prédio referido em 4), fazendo-o até ao ano de 1994, no caso do mencionado DD, e até ao ano de 2000, no caso da referida OO.
9. Desde o ano de 2000 até ao ano de 2008, a A. BB passou a amanhar e a cultivar o terreno do logradouro do prédio referido em 3), colocando aí uma horta, a colher os respectivos frutos.
10. No ano de 2009, o R. DD comunicou à A. BB que ela ficava proibida de continuar a amanhar e a cultivar o terreno do logradouro do prédio referido em 3), impedindo-a de continuar a fazê-lo.
11. Desde o ano de 2009, o R. DD passou a amanhar e a cultivar o terreno do logradouro do prédio referido em 3), colocando aí uma horta, a colher os respetivos frutos, sem a autorização dos AA.
12. No ano de 2009, o telhado e a parte de cima das paredes da casa de habitação que faz parte do imóvel referido em 3) tinham caído, encontrando-se tal casa em ruínas.
13. Entre o ano de 2009 e o ano de 2015, o R. DD reergueu, reconstruiu e rebocou as paredes da casa de habitação que faz parte do imóvel referido em 3), e colocou sobre essas paredes uma cobertura em zinco, sem a autorização dos AA.
14. Entre os anos de 2020 e 2022, o R. DD construiu e ergueu três paredes, feitas de blocos, com cerca de 2 metros de altura no logradouro que faz parte do prédio referido em 3), sem a autorização dos AA., com a intenção de construir um anexo destinado a garagem nesse local.
15. Há cerca de 2/3 anos, a pedido e sob as instruções do R. DD, a testemunha SS arrancou e retirou do local 5 oliveiras que se encontravam plantadas no logradouro que faz parte do prédio referido em 3).
16. Desde o ano de 2009, os RR. DD e EE realizaram todos os actos referidos em 11), 13), e 14), sobre os prédios mencionados em 3) e 4), ininterruptamente, à vista e com o conhecimento de todas as pessoas que passavam junto a tais imóveis.
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2.1.2. O Tribunal julgou não provados os seguintes factos:
A. No ano de 1987 os referidos MM e OO transmitiram aos RR. DD e EE, verbalmente e gratuitamente, o direito de propriedade sobre o prédio referido em 3).
B. No ano de 1988, PP transmitiu, verbalmente e onerosamente, aos RR. DD e EE, o direito de propriedade sobre o prédio referido em 4).
C. Desde o ano de 1988, os RR. DD e EE têm vindo a realizar os seguintes actos em relação ao prédio referido em 4): usufruindo dos rendimentos, colhendo os frutos produzidos por este prédio, limpá-lo de mato, pagando as contribuições e impostos referentes ao mesmo.
D. Desde o ano de 1987, os RR. DD e EE têm vindo a usufruir dos rendimentos, a pagar as contribuições e impostos referentes ao prédio mencionado em 3).
E. Desde o ano de 1987 até ao ano de 2008, os RR. DD e EE, suportaram os encargos e realizaram obras de conservação em relação à casa que faz parte do prédio referido em 3), e cultivaram, colheram os frutos e limparam de mato, em relação ao logradouro do prédio mencionado em 3).
F. Os RR. DD e EE realizaram todos os atos referidos em C), D) e E), sobre os prédios mencionados em 3) e 4), ininterruptamente, à vista e com o conhecimento de toda a gente, designadamente dos moradores da freguesia de RC..., lugares e freguesias vizinhas, com o respeito de todas as pessoas e sem oposição de quem quer que fosse, com a convicção de que estavam a exercer um direito próprio e de que eram os donos dos prédios referidos em 3) e 4).
G. Os AA. ficaram desgostosos, angustiados e humilhados perante toda a população, nomeadamente a vizinhança, ao tomar conhecimento da celebração da escritura referida em 5), e da realização das obras mencionadas em 13) e 14).
H. Os AA. foram ameaçados de morte pelo R. DD.
I. Desde o ano de 2009, os RR. DD e EE realizaram todos os atos referidos em 11), 13), e 14), sobre os prédios mencionados em 3) e 4), com o conhecimento de todos os moradores da freguesia de RC..., lugares e freguesias vizinhas, com o respeito de todas as pessoas e sem oposição de quem quer que fosse, com a convicção de que estavam a exercer um direito próprio, não lesavam os direitos de ninguém, e de que eram os donos dos prédios referidos em 3) e 4).
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1. Apreciação jurídica
1. Da demolição das obras e reposição da situação originária dos prédios
Na presente ação, os AA, além de pedirem a declaração de ineficácia da escritura de justificação notarial – pedido que foi julgado procedente – pediram, entre outros, também “a demolição de todos os trabalhos executados (pelo Réu nos imóveis identificados) e a reposição da situação originária dos prédios”.
Este último pedido foi julgado improcedente, com os seguintes fundamentos:
i. Está em causa uma ação de apreciação negativa relativa à validade de uma escritura de justificação e à alegada aquisição da propriedade, por usucapião, pelo que os AA não podem formular pedido de restituição dos prédios. “Apenas se estivesse em causa nos presentes autos uma ação de reivindicação ou de restituição de posse sobre os prédios em causa, referidos em 3) e 4) é que os AA poderiam formular o pedido de restituição dos prédios ao estado em que se encontravam.”.
ii. Os prédios pertencem às heranças indivisas dos pais dos AA e do 1.º Réu, que são assim co-herdeiros. Logo, nos termos do artigo 1406.º do Código Civil, o Réu tem o direito de uso e utilização dos prédios, não constituindo a realização das obras atividade ilegal.
iii. Em futura partilha da herança, o prédio onde estão construídas as obras pode vir a ser adjudicado ao Réu, pelo que só então se poderá da necessidade de eliminar as construções;
iv. Pedir a demolição das obras, antes da partilha, traduz-se em abuso de direito, por parte dos AA.
Os Recorrentes insistem na procedência do pedido de demolição das obras realizadas e reposição da situação originária, invocando, em síntese que:
a. A nulidade da escritura de justificação notarial implica, nos termos do artigo 289.º, n.º 1 do CC, que se reponha a situação anterior à escritura, por deverem ser destruídos os efeitos que se produziram por via da mesma.
b. A presente ação não é de mera apreciação, mas de condenação, sendo admissível a cumulação de pedidos, nos termos do artigo 555.º do CPC.
c. Os herdeiros não são comproprietários dos bens da herança, logo os RR não têm legitimidade para construir nos prédios da herança indivisa.
d. Inexiste má-fé na sua atuação;
e. A sentença violou os artigos 10.º, n.º 3. alínea b) e 555.º do Código de Processo Civil (CPC), bem como os artigos 289.º e 2079.º ambos do Código Civil (CC).
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Da violação do artigo 289.º do Código Civil:
Vejamos, então, em primeiro lugar, se, como defendem os Recorrentes, o pedido de demolição das obras e reposição dos prédios no estado em que se encontravam tem fundamento no disposto no art. 289.º do Código Civil.
Dispõe o n.º 1 deste preceito, que tem como epígrafe “Efeitos da declaração de nulidade e da anulação”, que “Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”.
O Tribunal a quo declarou a ineficácia da escritura de justificação notarial, lavrada em 15 de maio de 2009, relativa aos dois imóveis identificados nos autos (factos 3 e 4), equiparando-a, quanto aos efeitos, à invalidade do negócio jurídico (artigo 289.º do CC). Na sentença diz-se expressamente “Em conformidade, com a declaração de ineficácia da escritura de justificação em causa, que foi celebrada pelos RR. DD e EE, a mesma será considerada inválida e não produzirá qualquer efeito desde o seu início, nos termos do artigo 289º, do Código Civil.”.
A questão que assim se coloca é a de saber se a condenação na demolição das obras e a reposição dos prédios no estado anterior em que se encontravam, é ainda consequência da referida declaração de ineficácia da escritura de justificação notarial.
Provou-se que:
13. Entre o ano de 2009 e o ano de 2015, o R. DD reergueu, reconstruiu e rebocou as paredes da casa de habitação que faz parte do imóvel referido em 3), e colocou sobre essas paredes uma cobertura em zinco, sem a autorização dos AA.
14. Entre os anos de 2020 e 2022, o R. DD construiu e ergueu três paredes, feitas de blocos, com cerca de 2 metros de altura no logradouro que faz parte do prédio referido em 3), sem a autorização dos AA., com a intenção de construir um anexo destinado a garagem nesse local.
15. Há cerca de 2/3 anos, a pedido e sob as instruções do R. DD, a testemunha SS arrancou e retirou do local 5 oliveiras que se encontravam plantadas no logradouro que faz parte do prédio referido em 3).
Destes factos resulta, como referem os recorrentes que “foi após a outorga da escritura que as obras foram levadas a efeito”. Porém, não é possível concluir que as obras ou o arrancar das oliveiras tenham sido consequência da escritura de justificação notarial ou em execução da escritura e que, como consequência da invalidade da escritura, as referidas construções devem ser demolidas. Note-se que não se alegou, nem se demonstrou que como consequência da escritura os AA tivessem entregue os prédios aos RR para implicar, como consequência da invalidade, a restituição dos prédios dos RR aos AA., designadamente no estado em que se encontrava antes da realização da escritura. Com efeito, por força da escritura os AA nada prestaram para agora terem os prédios a receber. Acresce, como se refere na sentença, o 1.º RR é herdeiro, tal como os AA, da herança que integra o prédio onde foram construídas as obras em causa, pelo que ainda que se considerasse a demolição uma consequência da invalidade da escritura de justificação, sempre teria que ser analisada a situação de ser um herdeiro e não um terceiro a construir em prédio da herança, o que se infra se fará.
Por conseguinte, bem decidiu a 1.ª instância ao não condenar os RR na demolição e reposição dos prédios, com fundamento apenas no artigo 289.º do CC.
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Da violação do artigo 10.º, n.º 3 alínea b) e 555.º do CPC:
Propugnam os Recorrentes que a presente ação não é de mera apreciação, mas de condenação, podendo os pedidos ser cumulados nos termos do artigo 555.º do CPC, pelo que o Tribunal ao julgar improcedente o pedido da alínea e) (demolição dos trabalhos executados e reposição da situação originária dos prédios) com fundamento na impossibilidade de formular o pedido de demolição das obras de construção realizadas viola o disposto nos artigos art. 10.º, n.º 3, alínea b) e 555.º do CPC
Refere-se na sentença que “Apenas se estivesse em causa nos presentes autos uma ação de reivindicação ou de restituição de posse sobre os prédios em causa, referidos em 3) e 4) é que os AA poderiam formular o pedido de restituição do prédio ao estado em que se encontrava.”,
Embora uma primeira leitura da sentença, possa parecer que o tribunal a quo fundamenta a improcedência do pedido de demolição dos trabalhos executados nos imóveis, também, na incompatibilidade dos pedidos formulados, uma análise atenta da sentença permite-nos concluir que assim não sucede.
Com efeito, a incompatibilidade de pedidos é fundamento de ineptidão da petição inicial, nos termos do disposto no artigo 186.º, n.º 2 alínea c) do CPC.
Ora, o Tribunal a quo não declarou nula a petição inicial por incompatibilidade de pedidos (em que expressamente é formulado o pedido de declaração de ineficácia da escritura em cumulação com o pedido de que seja ordenada a demolição dos trabalhos executados e resposta a situação anterior). Pelo contrário, logo em sede de despacho saneador afirmou expressamente não existirem quaisquer nulidades processuais que invalidem o processo. Na verdade, os dois pedidos, embora de natureza distintos, são perfeitamente cumuláveis, nos termos do artigo 555.º do CPC.
Neste sentido decidiu, aliás, o Acórdão do Tribunal da Relação do Lisboa de 07-11-20231: “O autor pode servir-se do mesmo processo para instaurar uma ação de impugnação de justificação notarial e uma ação de reivindicação.”.
Deste modo, inexiste qualquer violação seja do disposto no art. 10.º, n.º 3 alínea b) do CPC que prevê que as ações declarativas de condenação, seja do artigo 555.º do CPC que prevê a possibilidade de o autor deduzir cumulativamente contra o mesmo Réu, num só processo vários pedidos.
Salvo melhor opinião, com o referido argumento “Apenas se estivesse em causa nos presentes autos uma ação de reivindicação ou de restituição de posse sobre os prédios em causa, referidos em 3) e 4) é que os AA poderiam formular o pedido de restituição dos prédios ao estado em que se encontrava.”, o que o Tribunal pretende afirmar é que a procedência deste pedido (“Essa restituição incluirá igualmente a eliminação pelo esbulhador de todos os trabalhos e de todas as obras que realizou no bem esbulhado” – Cfr. sentença, pág. 61) está dependente da alegação e prova da titularidade do direito de propriedade e/ou posse, o que de acordo com o Tribunal, os AA não fizeram. É o que se apreciará, de seguida.
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Da violação do artigo 2079.º do Código Civil:
Não impondo a declaração de ineficácia da escritura, por si só, a procedência do pedido de condenação dos RR a demolirem as obras efetuadas num dos imóveis e a repor o imóvel na situação em que se encontrava, para que o referido pedido seja julgado procedente, cumpre apreciar se os AA alegaram e provaram, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do CC, os factos constitutivos do direito a essa demolição, designadamente, conforme se depreende da sentença, ou que eram possuidores dos imóveis e foram privados ou perturbados, na sua posse, por atos de esbulho praticados pelos RR (ação de manutenção e restituição da posse – art- 1278.º do CC); ou que são proprietários dos imóveis ou titulares de outro direito real (ação de reivindicação – artigo 1311 e 1315.º do CC).
In casu, os AA não alegaram nem que são proprietários dos imóveis, nem que são possuidores e foram esbulhados.
O que os AA invocaram foi que o prédio em causa integra a herança aberta por óbito de seus pais, a qual ainda não está partilhada, pelo que o réu que é apenas um dos co-herdeiros, e nem é cabeça de casal, não podia ter realizado as obras que executou, violando assim o artigo 2079.º do Código Civil que prevê que “A administração da herança, até à sua liquidação e partilha pertence ao cabeça de casal”.
Alegam os recorrentes, concretamente, que “Competido a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, por força do disposto no art.º 2079.º, do C.C ao cabeça-de-casal, que, no presente caso, conforme doc. n.º 7 junto com a Petição Inicial (Documento de imposto Selo e comunicação à Autoridade Tributária da entidade da cabeça-de-casal), pertence à Autora e ora Recorrente BB, facto este que não fora posto em causa em qualquer momento.”.
Ficou demonstrado que os dois prédios identificados nos autos pertencem às heranças abertas por óbito dos pais dos AA e do 1.º Réu, heranças estas que se mantêm indivisas, desde 26 de junho de 1994 e 14 de junho de 2016, datas respetivamente do óbito do pai e da mãe dos AA e do 1.º Réu.
Mais se provou que o primeiro Réu, em 2009 impediu a Autora BB de continuar a cultivar num dos terrenos em causa – o descrito em 3) dos factos provados - e a partir dessa data realizou obras e arrancou oliveiras, sem autorização dos AA, co-herdeiros, concretamente:
12) No ano de 2009, o telhado e a parte de cima das paredes da casa de habitação que faz parte do imóvel referido em 3) tinham caído, encontrando-se tal casa em ruínas.
13) Entre o ano de 2009 e o ano de 2015, o R. DD reergueu, reconstruiu e rebocou as paredes da casa de habitação que faz parte do imóvel referido em 3), e colocou sobre essas paredes uma cobertura em zinco, sem a autorização dos AA.
14) Entre os anos de 2020 e 2022, o R. DD construiu e ergueu três paredes, feitas de blocos, com cerca de 2 metros de altura no logradouro que faz parte do prédio referido em 3), sem a autorização dos AA., com a intenção de construir um anexo destinado a garagem nesse local.
15) Há cerca de 2/3 anos, a pedido e sob as instruções do R. DD, a testemunha SS arrancou e retirou do local 5 oliveiras que se encontravam plantadas no logradouro que faz parte do prédio referido em 3).
16) Desde o ano de 2009, os RR. DD e EE realizaram todos os actos referidos em 11), 13), e 14), sobre os prédios mencionados em 3) e 4), ininterruptamente, à vista e com o conhecimento de todas as pessoas que passavam junto a tais imóveis.
De acordo com o disposto nos artigos 1405º, nº. 1 e 1406º “ex vi” do artigo 1404º todos do Código Civil, o Réu, assim como os demais herdeiros, tem direito a utilizar os prédios contanto que não os empregue “para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.”
O uso da coisa comum – a que se reporta o artigo 1406.º do Código Civil – e que é facultado a qualquer um dos comproprietários corresponde apenas à utilização direta da coisa e ao aproveitamento imediato das suas aptidões naturais e não abrange a realização de quaisquer obras, ainda que de conservação ou em benefício do prédio. (Cfr, neste sentido o Acórdão da Relação de Coimbra de 04-06-2013)2.
Quid iuris então para a situação em que o herdeiro realiza obras no prédio da herança?
Importa distinguir três situações
1.ª – Obras realizadas entre 2009 e 2015:
Ficou provado que, no ano de 2009, o telhado e a parte de cima das paredes da casa de habitação que faz parte do imóvel referido em 3) tinham caído, encontrando-se tal casa em ruínas, pelo que entre o ano de 2009 e o ano de 2015, o R. DD, à vista e com o conhecimento de todas as pessoas que passavam junto a tais imóveis, reergueu, reconstruiu e rebocou as paredes da referida casa e colocou sobre essas paredes uma cobertura em zinco, sem a autorização dos AA..
Tratam-se de benfeitorias necessárias, já que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa (art. 216.º, n.º 2 do CC).
De facto, quem as devia efetuar era o cabeça de casal, como administrador da herança, todos os herdeiros em conjunto ou um deles com o consentimento dos outros, nos termos do artigos 2087.º, n.º 1 e 2091.º do CC.
O Réu, ao atuar sem autorização dos demais herdeiros, excedeu os seus poderes de herdeiro. Contudo não se demonstrou que entre 2009 e até à propositura da presente ação, em 2022, tenha havido oposição dos demais herdeiros, nem que a obra impeça o uso do prédio pelos restantes herdeiros.
Por isso, não se pode concluir que os actos tenham sido realizados contra a oposição da maioria e que os mesmos são anuláveis nos termos do artigo 1407.º do CC, nem de qualquer outra norma, designadamente o citado artigo 2079.º do CC.
Por conseguinte, não se justifica impor hoje a demolição, tanto mais que em futura partilha o prédio, como referido na sentença poderá vir a ser adjudicado ao Réu.
Em situação não idêntica, mas com alguns contornos semelhantes, decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (Processo 4761/15.4T8GMR.G1):
“Relativamente aos pedidos formulados pela A. atinentes às obras realizadas no imóvel, resulta dos autos que, entre a realização da escritura de compra e venda do prédio e a prolação do despacho que procedeu à rectificação da verba nº. 3 e do objecto dessa escritura, a Ré Sofia estava de boa-fé, pois estava convicta de que havia adquirido a totalidade do prédio, sendo que, após a celebração da escritura e até à citação para a presente acção, a mesma, com a ajuda de seu pai (o aqui 1º R.), entre outros, efectuou obras de recuperação no imóvel que julgava ser dela na totalidade.
Só com a citação para a presente acção é que a Ré Sofia tomou efectivo conhecimento da oposição da A. à realização dessas obras, resultando do ponto 9 dos factos provados que tais obras se encontram paradas desde a citação (podendo, pois, afirmar que a boa fé da possuidora, no que se refere às obras, só cessou verdadeiramente com a citação para esta acção).”.
Assim sendo, tendo a Ré e seu pai realizado as mencionadas obras até à citação para a presente acção, será inútil condenar aqueles RR. a parar umas obras que já se encontram paradas, pelo que devem os 1º e 2º RR. ser apenas condenados a abster-se de realização de outras obras, sendo julgado parcialmente procedente o pedido formulado pela A. na alínea f) do seu petitório, procedendo, assim, nesta parte, o recurso por ela interposto.”
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2.º - Obras realizadas entre 2020 e 2022
Ficou provado que entre os anos de 2020 e 2022, o R. DD construiu e ergueu três paredes, feitas de blocos, com cerca de 2 metros de altura no logradouro que faz parte do prédio referido em 3), sem a autorização dos AA., com a intenção de construir um anexo destinado a garagem nesse local.
Estas obras foram objeto de embargo de obra nova, realizado pela câmara, tendo no procedimento cautelar apenso de ratificação judicial do embargo efetuado as partes alcançado um acordo nos termos do qual “O requerido compromete-se a suspende de imediato as obras que está a realizar (…) e manter as obras no estado referido supra até ser proferida decisão final em processo que vai ser instaurado (…)”.
Estas obras consubstanciam obras de inovação que alteram a estrutura e destino do prédio. A sua realização só podia ser efetuada com o consentimento de todos os herdeiros, o que não se verificou. Pelo contrário, os restantes herdeiros opuseram-se expressamente à realização estas obras, através do procedimento cautelar que está apenso à presente ação e com a presente ação.
Nos termos do art. 1407.º, n.º 3 do CC os atos praticados contra a oposição da maioria dos consortes, neste caso dos herdeiros são anuláveis. Como ensina Pires de Lima e Antunes Varela3: “Tratando-se puros actos materiais (modificações ou inovações introduzidas na coisa, corte de árvores, demolição de prédios, etc… ) a sanção correspondente terá de ser naturalmente, sempre que tal seja possível, a restituição da coisa ao estado anterior à prática do acto.”.
Assim, importa determinar a demolição das obras identificadas 14) dos factos provados “ três paredes, feitas de blocos, com cerca de 2 metros de altura no logradouro que faz parte do prédio referido em 3), sem a autorização dos AA., com a intenção de construir um anexo destinado a garagem nesse local.”, as quais estão suspensas em virtude do embargo a que foram sujeitas e ao acordo das partes.
Em sentido semelhante decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-09-2004 (Processo n.º 1976/04)4:
“5. Um comproprietário não pode, sem consentimento dos demais, praticar obras de modificação ou transformação na coisa comum.
6. Trata-se, neste caso, do exercício do direito de disposição, previsto no art.1305 do CC, que engloba tanto actos jurídicos de alienação e oneração da coisa, como actos materiais de transformação, direito que só pode ser exercido pelo conjunto dos comproprietários, ou por algum ou alguns, com consentimento dos restantes.
7. A sanção legal para a intervenção ilegítima traduz-se na reposição ao estado anterior, através da demolição, desde logo porque essa actuação é equiparável aos actos de disposição, ineficazes relativamente ao comproprietário que não deu o seu consentimento.”
3.º situação – Arranque de oliveiras.
Ficou também provado que há cerca de 2/3 anos, a pedido e sob as instruções do R. DD, a testemunha SS arrancou e retirou do local 5 oliveiras que se encontravam plantadas no logradouro que faz parte do prédio referido em 3).
Atento já todo o supra exposto, especialmente o disposto nos artigos 2079.º, 2087.º e 2091.º do CC é manifesto que o Réu não podia, sem o consentimento de todos os herdeiros, arrancar e retirar do prédio que integra a herança 5 oliveiras que se encontravam no logradouro onde construiu as paredes de um anexo com vista a construir uma garagem.
Nos termos do art. 1407.º, n.º 3 do CC os atos praticados contra a oposição da maioria dos consortes, neste caso dos restantes herdeiros e inclusive do cabeça de casal são anuláveis, pelo que, deve o Réu ser condenado a repor a situação no estado em que se encontrava e replantar 5 oliveiras no logradouro do prédio.
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As custas são suportadas pelos Recorrentes e pelo Recorrido DD, na proporção de 1/3 para os primeiros e 2/3 para o segundo, atenta a parcial procedência do recurso (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
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3. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso e alterar a sentença apenas na parte em que absolveu o Réu DD da totalidade do pedido formulado em e) da petição inicial, condenado o Réu DD:
a. a demolir as três paredes, feitas de blocos, com cerca de 2 metros de altura que construiu, no logradouro que faz parte do prédio referido em 3), com a intenção de construir um anexo destinado a garagem nesse local.
b. A plantar 5 oliveiras como as que se encontravam plantadas no logradouro que faz parte do prédio referido em 3) e que arrancou.
Custas, do recurso, pelos recorrentes e pelo Recorrido DD, na proporção de 1/3 para os primeiros e 2/3 para o segundo.
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Évora, 18 de setembro de 2025
Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)
Ricardo Miranda Peixoto (1º Adjunta)
José António Moita (2ª Adjunto)
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1. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/bc4b3b47bf0379cf80258a67003b1f27?OpenDocument↩︎
2. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/0f847095b5a04fc080257b8f00354e36?OpenDocument↩︎
3. Código Civil Anotado, Comiba Editora, Vol. III, pág. 362.↩︎
4. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/0/ea713f46d3cc6ccc80256f2c00471915?OpenDocument↩︎