INDEMNIZAÇÃO
CULPA
REDUÇÃO
Sumário

Sumário do Acórdão
(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663º, nº 7, do CPC)

Resultando dos factos provados uma conduta meramente culposa por parte do Réu/Apelante é de convocar a aplicabilidade ao caso concreto do disposto no artigo 494.º do Código Civil, revelando-se, como tal, adequado reduzir o montante dos danos patrimoniais e dos danos não patrimoniais sofridos pela Autora/Apelada fixados na sentença recorrida.

Texto Integral

Proc. nº 533/23.0T8LAG.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Faro


Juízo Central Cível de Portimão - Juiz 2


Apelante: AA


Apelada: BB


***


*


Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:


I – RELATÓRIO


BB, solteira, residente em Rua 1, instaurou a presente ação declarativa, condenatória, com processo comum, contra AA, residente na Avenida 1, peticionando o seguinte:


“a) Ser declarado inválido e ineficaz o contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e o Réu;


b) Ser judicialmente declarado o direito de a Autora ocupar o locado, nos termos anteriores à celebração do contrato de arrendamento;


c) Ser o Réu condenado a pagar à Autora o valor de €35 000, pelos danos patrimoniais; d) Ser o Réu condenado a indemnizar a Autora pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor, mínimo, de € 14 900.


Por força da decisão proferida em 21 de Abril de 2024, não foram considerados os pedidos sob as alíneas a) e b).


O Réu contestou, alegando, em suma, terem as Partes acordado que iriam ser feitas obras e que foi a Autora que não quis sair do imóvel, sujeitando-se voluntariamente à situação daí resultante, tendo pedido a condenação da Ré como litigante de má fé, por ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.


Dispensou-se a realização da audiência prévia.


Foi proferido despacho de aperfeiçoamento e enunciados os temas da prova


Procedeu-se à realização da audiência final, após o que foi proferida sentença, que contem o seguinte dispositivo:


Pelo exposto, na parte sob apreciação (pedidos c) e d), julgo a ação parcialmente procedente, e, em consequência, decido condenar o réu AA a pagar à autora BB a quantia de 24 900 (vinte e quatro mil e novecentos euros), correspondendo € 14 900 a danos não patrimoniais


e € 10 000 a danos patrimoniais.


A esta quantia acrescem juros legais que vierem a vencer-se após a notificação da sentença até integral pagamento.


Mais decido absolver a autora do pedido formulado pelo réu de condenação daquela como litigante de má fé.


Custas na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário da autora.”


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Inconformado com a sentença o Réu apresentou recurso para este Tribunal Superior tendo alinhado as seguintes conclusões recursivas:


“a) Entende o ora recorrente que o Tribunal a quo cometeu um erro, não fazendo a costumada justiça, o que motivou a apresentação do presente recurso;


b) Considerando-se que foi incorrectamente julgada a factualidade dada como provada e identificada, a negrito, com os n.ºs 1., 5. (2.ª parte), 10. a 12., 19. a 21., 24., 26., 28., 29., 32. a 34., sendo que a correcta interpretação da prova produzida deveria ter originado a improcedência total da acção;


c) Isto porque, a conjugação da prova documental junta aos autos e testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, se devidamente analisada e valorada, resultaria numa decisão totalmente contraditória e diferente e que comportaria na improcedência dos pedidos;


d) Em virtude de não ter sido efectivamente estabelecido um nexo de causalidade entre a conduta do réu, ora recorrente, e os danos peticionados;


e) Uma vez que a ora autora voluntária e conscientemente se recusou a abandonar a habitação para que as necessárias obras fossem realizadas, não obstante o réu ter outra fracção disponível a habitar durante esse período e a ter disponibilizado para o efeito;


f) Como também não permitiu que fosse solucionada a retirada da mobilia da habitação, somente permitindo que a mesma fosse deslocada de divisão em divisão;


g) Face ao exposto e, tendo em consideração os documentos juntos aos autos, conjugados com a prova testemunhal produzida, não se entende que a autora tenha sofrido um dano que merece a tutela do direito,


h) Concluindo-se que as indemnizações fixadas a favor da autora como desproporcionais e exageradas, tomando em consideração que a conduta do réu não causou os danos alegadamente sofridos pela autora.


Nestes termos, e nos que V.ªs Ex.ªs mui doutamente suprirão,


Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, alterando-se a decisão recorrida e decidindo-se, deste modo, pela improcedência da acção.”


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A Apelada não apresentou resposta ao requerimento de recurso.


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O recurso foi admitido na 1ª Instância como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo.


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O recurso é o próprio e foi admitido adequadamente quanto ao modo de subida e efeito.


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Colheram-se os Vistos.


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II – OBJECTO DO RECURSO


Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº 1, ambos do CPC, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que as questões a apreciar e decidir traduzem-se objectivamente no seguinte:


1-Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;


2-Reapreciação de mérito.


*


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


Decorre da sentença recorrida a seguinte matéria de facto:


1. Factualidade provada


1. Desde o ano de 1962 que os pais da Autora tomaram de arrendamento o prédio urbano sito na Rua 2, inscrito na matriz predial sob o artigo 6380 (art. 1.º da petição inicial)


2. A Autora viveu sempre com os seus pais, tendo os mesmos, entretanto, falecido (art. 2.º da petição inicial)


3. Em março de 2021, a autora foi contactada pelo Réu, comunicando-lhe que tinha comprado o prédio e que era o novo proprietário (art. 5.º da petição inicial)


4. Com efeito, o R. adquiriu por compra, no dia 29 de março de 2021, a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao R/c, tipologia T2, sito em Rua 2, freguesia de ..., concelho de Cidade 1, destinado a habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o n.º 4, figurando no registo como tal desde 1 de abril de 2021 – fls. 27/29 (art. 25.º da contestação)


5. Na escritura consta que o vendedor, além do bem, declarou vender o recheio e equipamento da fração pelo montante de € 7 000, e o comprador declarou ter conhecimento de que a fração se encontrava arrendada (art. 26.º da contestação).


6. Aquando do contacto, o réu disse à autora que desejava celebrar um novo contrato de arrendamento e que pretendia fazer obras de melhoramento no imóvel (arts. 6.º e 7.º da petição inicial)


7. Autora e Réu celebraram um novo contrato de arrendamento por escrito com início em 1 de abril de 2021, tendo acordado a renda de € 300/mês - fls. 8 (arts. 8.º e 9.º da petição inicial)


8. O réu contactava com a autora para receber a renda mensal e conversava com ela, adquirindo dessa forma a sua confiança (arts. 11.º a 13.º da petição inicial)


9. O Réu comunicou à autora que queria fazer algumas obras de remodelação no imóvel, devido ao ano de construção deste e ao seu estado, do qual se apercebera, como por exemplo o abatimento do chão (art. 14.º da petição inicial)


10. Não foi feita visita à casa para avaliação pormenorizada da situação do imóvel (art. 15.º da petição inicial)


11. No dia 10 de outubro de 2022, o Réu telefonou à Autora, a dizer-lhe que abrisse a porta a uns pedreiros que estavam a chegar, com a finalidade de iniciarem as obras no imóvel (art. 16.º da petição inicial)


12. Os trabalhadores entraram a mando do réu sem aguardar que a autora retirasse da casa os seus bens ou sem que o réu tivesse arranjado um local onde armazená-los em segurança (art. 16.º a 18.º da petição inicial)


13. O Réu garantiu à autora que os homens executariam as obras diligenciando os cuidados necessários à proteção dos seus objetos e mobílias (art. 19.º da petição inicial)


14. A Autora deixou a sua casa ao cuidado dos trabalhadores ao serviço do réu, entregando-lhes uma chave (arts. 20.º e 21.º da petição inicial)


15. Para realizarem as obras, os utensílios e mobiliário da autora foram retirados dos seus lugares (art. 22.º da petição inicial)


16. Os trabalhadores arrastaram as mobílias e no quintal colocaram uns sofás cobertos com plástico (art. 23.º da petição inicial)


17. De outubro a dezembro, a Autora refugiou-se num dos quartos da casa, colocando aí uma parte dos seus haveres e móveis, de forma a protegê-los (arts. 24.º e 25.º da petição inicial)


18. Durante estes três meses, não pôde utilizar as restantes divisões da casa, viveu no quarto e utilizava a casa-de-banho (art. 26.º da petição inicial)


19. As restantes divisões da casa estavam em obras não sendo possível a sua utilização, não podia cozinhar, nem utilizar a cozinha, comia fora ou comprava comida feita e comia-a no quarto (arts. 27.º a 30.º da petição inicial)


20. Não tinha televisão (art. 31.º da petição inicial)


21. Sentiu-se sem privacidade (arts. 33.º e 34.º da petição inicial)


22. Em meados de novembro, a autora recebeu uma carta do Réu a comunicar que ia denunciar o contrato por motivo de obras e cessar o contrato a partir de 31-01-2023 – fls. 11 (art. 35.º da petição inicial)


23. A autora pagou pontualmente o valor da renda ao senhorio, incluindo no mês de novembro de 2022, a quantia de € 300 – fls. 10 (art. 36.º da petição inicial)


24. Em janeiro de 2023, foi-lhe dito pelo Réu que desocupasse o quarto e a casa de banho, retirasse todos os seus pertences e bens e saísse da casa para poderem concluir as obras (art. 37.º da petição inicial)


25. A autora procurou uma casa ou um quarto para arrendar, quer na cidade quer nas aldeias do município, mas não encontrou e aquilo que encontrou disponível, os preços eram incompatíveis com o seu rendimento, a pensão de velhice de 333,39/mês – fls. 12 (art. 38.º da petição inicial)


26. Sentiu-se coagida, pelo Réu, para desocupar a casa imediatamente, e viu-se sem alternativa onde colocar e proteger todos os seus bens e mobiliário (art. 39.º e 40.º da petição inicial)


27. Desde essa altura que passou a viver num quarto na casa de uma pessoa conhecida, pagando uma renda, não tendo tido para onde levar e guardar todos os seus pertences pessoais e mobiliário (à exceção de uma cómoda, escrivaninha, uns sofás, loiças antigas e roupa), não tendo tido alternativa que não desfazer-se dos bens e mobiliário, oferecendo uns e colocando outros no lixo (art. 41.º e 42.º da petição inicial)


28. Os bens que a autora tinha em casa eram os seguintes: mobílias de família, antigas e completas no quarto, no quarto-sala, na sala de entrada, na cozinha e casa de banho, como segue:


O quarto era composto pelos bens e valores enquanto novos os seguintes:


uma cama de ferro que €1000,00 (mil euros)


um colchão normal; €500,00 (quinhentos euros)


um colchão ortopédico €1200,00 (mil e duzentos euros)


duas mesas de cabeceira; €600,00 (seiscentos euros)


um sofá grande; €800,00 (oitocentos euros)


um roupeiro; €1500,00 (mil e quinhentos euros)


uma escrivaninha, €600,00 (seiscentos euros)


três tapetes de quarto, €600,00 (seiscentos euros)


um candeeiro de teto, €400,00 (quatrocentos euros)


dois candeeiros de mesa de cabeceira (todos iguais) €400,00 (quatrocentos euros).


O quarto-sala era composto por:


um móvel de madeira com quatro portas; €1000,00 (mil euros)


uma máquina de costura antiga de coser e bordar marca Singer; €1500,00 (mil e quinhentos euros)


uma mesa de televisão; €300,00 (trezentos euros)


uma televisão grande; €700,00 (setecentos euros)


uma mesa de sala pequena; €300,00 (trezentos euros)


um móvel de guardar toalhas com toalhas e lençóis; €1000,00 (mil euros)


um espelho grande, €400,00 (quatrocentos euros)


três tapetes, €700,00 (setecentos euros)


um sofá grande; €1800,00 (mil e oitocentos euros)


dois sofás individuais. €1600,00 (mil e seiscentos euros)


A sala de entrada era composta por:


uma cristaleira com copos de vidro, taças, serviços de chá marca Vista Alegre, serviço de café marca Vista Alegre (completos e antigos); €1300,00 (mil e trezentos euros)


vários objetos de loiça decorativos que eram pertença de sua mãe


duas estantes para loiças decorativas; €800,00 (oitocentos euros)


uma mesa de sala de jantar; €300,00 (trezentos euros)


quatro cadeiras; €250,00 (duzentos e cinquenta euros)


um sofá grande; €1500,00 (mil e quinhentos euros)


dois sofás pequenos; €1400,00 (mil e quatrocentos euros)


uma estante de canto com prateleiras e sapateira; €900,00 (novecentos euros)


cinco quadros de parede decorativos; €500,00 (quinhentos euros)


uma carpete; €800,00 (oitocentos euros)


um candeeiro de teto; €500,00 (quinhentos euros)


um candeeiro de pé alto; €800,00 (oitocentos euros)


A cozinha estava equipada com:


um fogão de quatro bocas e forno; €800,00 (oitocentos euros)


dois armários pequenos; €600,00 (seiscentos euros)


um armário grande; €600,00 (seiscentos euros)


um frigorífico; €1000,00 (mil euros)


uma mesa de cozinha; €400,00 (quatrocentos euros)


quatro cadeiras; €300,00 (trezentos euros)


um esquentador; €700,00 (setecentos euros)


um candeeiro de teto; €200,00 (duzentos euros)


tachos, panelas e loiça de cozinha. €200,00 (duzentos euros)


A casa de banho era composta por:


um móvel para casa de banho com toalhas e produtos de higiene; €600,00 (seiscentos euros)


um espelho grande com duas lâmpadas e prateleiras; €700,00 (setecentos euros)


uma estante pequena para colocar o secador de cabelo, a prancha elétrica e produtos de farmácia €400,00 (quatrocentos euros)


um balde de casa de banho; €50,00 (cinquenta euros)


um tapete de banheira; €100,00 (cem euros)


um cortinado de banheira; €100,00 (cem euros)


Nas janelas do quarto, quarto-sala e sala de entrada tinha:


Três cortinados; €1600,00 (mil e seiscentos euros)


Três varões; €400,00 (quatrocentos euros) - petição aperfeiçoada


29. Em janeiro, o réu propôs o valor mensal da renda de € 1 100,00, ou se ela quisesse comprar o imóvel, o valor da venda seria de € 75 000,00 (arts. 62.º e 63.º da petição inicial)


30. Perante tal situação e por não estarem concluídas as obras, viu-se impossibilitada de regressar à sua casa, continuando a viver no quarto (art. 64.º da petição inicial)


31. A Autora continuou a pagar mensalmente o contrato de Luz, com a EDP Comercial, como a fatura que é o doc.6 (art. 65.º da petição inicial)


32. O Réu aproveitou-se da relação criada com a Autora (arts. 66.º e 68.º da petição inicial)


33. Tal situação tem provocado na Autora problemas de ansiedade, autoestima, insegurança (art. 71.º da petição inicial)


34. Perdeu muitos dos seus bens patrimoniais a maioria vindos dos seus pais, objetos também de valor sentimental, o que lhe tem provocado desgosto (art. 73.º da petição inicial)


2. Factualidade não provada


Ficou por demonstrar:


- Que tenham sido os trabalhadores do réu quem tenham dito “se fossem eles a mandar, ela que fizesse as suas necessidades num balde”, ou então “que faziam uma casa no quintal para e ela que fosse para lá” (art. 32.º da petição inicial)


- Que o réu tenha assegurado outro local para a autora viver enquanto as obras decorressem (art. 39.º da contestação)


- Que a autora soubesse do volume das obras e do que isso implicaria no seu dia-a-dia (art. 41.º da contestação)


3. Restantes artigos dos articulados


Matéria irrelevante, de mera impugnação, repetida, conclusiva ou de direito, como a dos arts. 3.º, 4.º, 10.º, 55.º a 61.º, 67.º, 69.º 70.º, 72.º, 74.º a 78.º da petição inicial e os não indicados da contestação. “


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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


1- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto.


Resulta do artigo 640º do CPC, que se debruça sobre o aludido ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o seguinte:


“1-Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:


a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;


b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;


c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


2 - No caso previsto na alínea b), do número anterior, observa-se o seguinte:


a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;


b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.


[…] “


A este propósito sustenta o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil“, Almedina, 5ª ed., a págs. 168-169), que a rejeição total ou parcial respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser feita nas seguintes situações:


a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b));


b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, a ));


c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc );


d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;


e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação“, esclarecendo, ainda, que a apreciação do cumprimento de qualquer uma das exigências legais quanto ao ónus de prova prevenidas no mencionado nº 1 e 2, a ), do artigo 640º do CPC, deve ser feita “à luz de um critério de rigor “.


Resulta do artigo 662º, do CPC, o seguinte:


“1-A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa“


Refere a propósito deste normativo o Conselheiro António Abrantes Geraldes ( obra acima identificada, pág. 287 ), que:


O actual artigo 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava […] , através dos nºs 1 e 2 , als. a ) e b ), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do principio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.“


Diz-nos também sobre este preceito o Conselheiro Fernando Pereira Rodrigues (“Noções Fundamentais de Processo Civil”, Almedina, 2ª edição atualizada, 2019, pág. 463-464), o seguinte:


“A redação do preceito [662º, nº 1] não parece ter sido muito feliz quando manda tomar em consideração os “factos assentes” para proferir decisão diversa, que só pode ser daqueles mesmos factos considerados assentes, porque o que está em causa é modificar a decisão em matéria de facto proferida pela primeira instância.


[…]


A leitura que se sugere como mais adequada do preceito, salvaguardada melhor opinião, é que ele pretende dizer que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, “confrontados” com a prova produzida ou com um documento superveniente impuserem decisão diversa”.


Nesta sede importa ainda recordar o teor dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, relativo à “Sentença”, que se traduz no seguinte:


“4- Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”


“5- O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.


Argumentam, a este propósito, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, Almedina, 4ª edição, 2019, pág. 709), o seguinte:


“O principio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração[…]: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espirito, de acordo com as máximas de experiências aplicáveis.“


Assim, a prova submetida à livre apreciação do julgador não significa prova sujeita ao livre arbítrio do mesmo, como, aliás, bem se depreende da leitura do nº 4- do supra referido artigo 607º do CPC, que na sua primeira parte impõe ao juiz que analise “criticamente” as provas, indique as “ilações tiradas dos factos instrumentais” e especifique os “demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.


Neste domínio referem, outrossim, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (“Código de Processo Civil Anotado, Vol I”, Almedina, 2ª edição, 2020, pág. 745), o seguinte:


O juiz deve, pois, expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados.”


Aqui chegados urge baixar ao caso concreto.


O Apelante pretende impugnar o teor factual vertido sob os pontos nºs 1, 5 (desde “e o comprador “ até “arrendada”), 10, 11, 12, 19, 20, 21, 24, 26, 28, 29, 32, 33 e 34, do sub-segmento da sentença recorrida atinente aos factos provados, considerando que a factualidade vertida em tais pontos deveria ter sido considerada como não provada.


Assinalou tal em sede de motivação e de conclusões recursivas, razão pela qual devemos considerar que cumpriu devidamente os ónus primários de obrigatória especificação prevenidos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.


Porém, lendo atentamente o segmento da sentença impugnada atinente à motivação percebemos que relativamente a diversos pontos de facto pretendidos impugnar o Apelante não logrou indicar os concretos meios probatórios que no seu entender fundamentavam uma solução factual diversa da acolhida pelo Tribunal a quo, consubstanciando-se quanto a eles o seu propósito impugnatório numa mera manifestação de discordância, de contrariedade, de divergência, em suma de irresignação face à solução plasmada na sentença recorrida.


Com efeito relativamente aos pontos de facto 19, 20, 21, 24, 32, 33 e 34 não se descortina através da leitura da motivação recursiva ter sido indicado qualquer meio probatório para infirmar a solução a que chegou o Tribunal a quo, pelo que no tocante a tais pontos de facto tem necessariamente a impugnação dirigida contra a matéria de facto que ser rejeitada por falta de cumprimento de ónus primário de obrigatória especificação.


Já quanto ao ponto de facto vertido sob o ponto 28, que respeita ao rol ou lista de bens móveis que a Apelada teria em casa, limita-se o Apelante a referir na motivação do recurso que “Tomando em consideração a prova documental junta aos autos e as declarações prestadas pela autora, réu e testemunhas, também não foi possível apurar de forma certa e efectiva, que bens é que se encontravam na fracção (não obstante o documento junto com a douta P.I. que refere bens, aliás, demasiados bens para a área da habitação e bens a dobrar, como é o caso dos colchões), aquando do inicio das obras, qual o seu estado de conservação, qual o seu valor (uma vez que também não foi realizada qualquer avaliação aos mesmos)”.


Igualmente quanto ao facto vertido sob o ponto 29 limitou-se o Apelante a referir em sede de motivação recursiva que “No que concerne às alegadas propostas de venda da fracção ou aumento de renda, as mesmas foram peremptoriamente negadas pelo réu, quer em sede de contestação, quer aquando do seu depoimento, não tendo sido efectuada qualquer outra prova que demonstre o contrário.”


Daqui se extrai que, para além de não identificar devidamente a “prova documental junta aos autos”, o Apelante não logrou indicar minimamente as passagens das declarações de parte prestadas por si próprio, assim como por parte da Apelada, bem como dos depoimentos prestados pelas testemunhas a que alude, as quais, aliás, nem sequer identifica convenientemente, que possibilitasse ao Tribunal de recurso aferir se resultou da prova o que defende, incumprindo, assim, manifestamente o ónus secundário de impugnação prevenido na alínea a), do n.º 2, do artigo 640.º, do CPC, o que tem igualmente como consequência a rejeição da impugnação quanto a esses dois pontos de facto.


Importa, assim, cuidar de reapreciar do mérito da impugnação dirigida quanto aos restantes seis pontos da matéria de facto provada na sentença recorrida, sindicados no recurso, que se traduzem no seguinte:


1. Desde o ano de 1962 que os pais da Autora tomaram de arrendamento o prédio urbano sito na Rua 2, inscrito na matriz predial sob o artigo 6380 (art. 1.º da petição inicial)


5. […] e o comprador declarou ter conhecimento de que a fração se encontrava arrendada (art. 26.º da contestação).


10. Não foi feita visita à casa para avaliação pormenorizada da situação do imóvel (art. 15.º da petição inicial)


11. No dia 10 de outubro de 2022, o Réu telefonou à Autora, a dizer-lhe que abrisse a porta a uns pedreiros que estavam a chegar, com a finalidade de iniciarem as obras no imóvel (art. 16.º da petição inicial)


12. Os trabalhadores entraram a mando do réu sem aguardar que a autora retirasse da casa os seus bens ou sem que o réu tivesse arranjado um local onde armazená-los em segurança (art. 16.º a 18.º da petição inicial)


26. Sentiu-se coagida, pelo Réu, para desocupar a casa imediatamente, e viu-se sem alternativa onde colocar e proteger todos os seus bens e mobiliário (art. 39.º e 40.º da petição inicial)


Vejamos, então:


Quanto ao ponto 1 sustenta o Apelante que não foi junto documento comprovativo da outorga de um contrato de arrendamento de onde resulte que os pais da Apelada se constituiram arrendatários do prédio urbano mencionado nos autos.


Na verdade da leitura integral do segmento da motivação constante da sentença recorrida não encontramos a menção expressa a qualquer meio probatório, documental, testemunhal, ou por confissão (visto que o Apelante impugnou expressamente o facto em causa), demonstrativo de que os pais da Apelada tenham tomado de arrendamento desde 1962 o prédio urbano identificado nos autos, sendo certo que a remissão feita para o artigo 1.º da petição inicial tão pouco nos esclarece algo de positivo sobre a prova desse facto.


Como tal e sem olvidar que o próprio Apelante aceita em sede recursiva que a casa fora habitada pelos progenitores da Apelada procede a impugnação quanto ao dito facto, passando, como tal, o ponto 1. do sub-segmento da sentença recorrida atinente à ´”Factualidade provada”, a ter a seguinte redacção:


“1. Desde o ano de 1962 que os pais da Autora habitaram o prédio urbano sito na Rua 2, inscrito na matriz predial sob o artigo 6380.”


Do mesmo passo acrescerá ao sub-segmento da sentença recorrida denominado “Factualidade não provada” um quarto facto com o seguinte teor:


“Que os pais da Autora tenham tomado de arrendamento desde o ano de 1962 o prédio urbano identificado no ponto 1. dos factos considerados como provados”.


Quanto à segunda parte do facto descrito sob o ponto 5 do sub-segmento da sentença recorrida respeitante à “Factualidade provada” defende o Apelante não ter ficado demonstrado que declarou ter conhecimento de que a fracção em apreço nos autos se encontrava arrendada, indicando como meio probatório um pequeno trecho do seu depoimento de parte prestado em audiência final, que identificou e transcreveu.


Mais acrescentou não resultar da letra do artigo 26.º da sua contestação tal conhecimento.


Da leitura da motivação delineada na sentença recorrida também não decorre a menção expressa a qualquer meio probatório relativamente a tal facto, resultando, porém, do alegado sob o artigo 26 da contestação do Apelante que “26. A fracção foi adquirida pelo R. a 29 de Março de 2021, conforme escritura publica outorgada no Cartório Notarial CC e que se junta como doc. 3 e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.”.


Sucede que da leitura da dita escritura pública, que consubstancia um documento autêntico, junta aos autos pelo próprio Réu (ora Apelante), com o articulado da contestação como “Doc 3”, consta expresso que à data da respectiva outorga ocorrida em 29/03/2021 o mesmo disse que “aceita a presente venda, nos termos exarados, sendo do seu conhecimento que a fracção ora adquirida se encontra arrendada.”


Estando em causa um documento autêntico mostra-se aplicável, designadamente no que tange à força probatória do mesmo, o disposto no n.º 1 do artigo 371.º do Código Civil, não sendo o excerto transcrito pelo Apelante, relativo às suas próprias declarações em depoimento de parte (desacompanhas de qualquer outro meio de prova), apto a infirmar a plenitude da prova decorrente do documento autêntico apresentado nos autos pelo próprio Apelante, a qual abrange os factos atestados com base nas percepções da entidade documentadora.


Na conformidade exposta improcede a impugnação dirigida contra o ponto 5 da matéria de facto descrita como provada na sentença recorrida.


Relativamente aos factos contidos nos pontos 10, 11 e 12 do sub-segmento da sentença recorrida respeitante à “Factualidade provada” invoca o Apelante o depoimento da testemunha DD, tendo identificado devidamente a passagem registada do mesmo e transcrito o excerto considerado como relevante.


Vejamos o que consta da motivação expressa na sentença recorrida com relevância para a factualidade ora em análise:


“A autora prestou declarações: disse que no dia 10 de outubro de 2022, lhe ligaram 10 minutos antes de as obras começarem e logo que abriu a porta, começaram a trabalhar […]


A autora reconheceu que a casa precisava de obras (o chão estava a abater), tal como o réu lhe comunicou depois de ver a casa.


[…


O réu também prestou declarações: disse ter adquirido a casa objeto dos autos, sabendo que alguém ali residia.


[…]


Sobre a proposta das obras, disse que a autora não concordou em sair de casa durante as obras […]


A autora recusou sair para outro apartamento, aceitando, portanto, ficar enquanto as obras decorriam. […]


Uns dias antes do início das obras, avisou a autora, a casa estava pior do que havia visto 6 ou 7 meses antes […]


Sobre os bens e equipamentos, disse que chamou a atenção dos trabalhadores para terem o máximo cuidado, negando que tenha sido destruído algum mobiliário, que puseram um sofá no quintal, protegido por plásticos […]


Outros foram deslocados para o quarto, pois a autora não indicou outro sítio para os armazenar, ou deslocados para o centro da sala, como a cristaleira. Isto significa que não garantiu um lugar seguro para os bens da autora que se encontrava numa situação de fragilidade em razão da idade, dos rendimentos e sujeita às obras que decorriam na casa onde viveu durante décadas.


DD disse trabalhar para o réu como pedreiro embora neste momento esteja sem trabalhar devido a acidente. Conheceu a autora que lhe foi apresentado pelo patrão. Foi mencionado que dali a uns dias as obras iriam começar […]


Como ficou dito, o que sucedeu foi que o réu propôs as obras, mas não garantiu que os seus bens e a sua pessoa tinham alternativa. Não é crível que a autora tenha negado ir para outra casa fornecida pelo réu enquanto as obras decorressem. Resulta das regras da experiência que o ambiente de obras é incompatível com a habitação normal, que consiste na utilização dos compartimentos diversos nas mais diversas atividades, desde cozinhar, a tomar banho, a descansar e dormir.”


Ora bem, se lermos com atenção o excerto selecionado pelo Apelante relativo à factualidade ora em análise relativo ao depoimento da testemunha DD (reproduzido na página 7 das alegações recursivas), percebemos que do mesmo não resulta infirmada a matéria factual discriminada sob os pontos 10 a 12 do elenco dos factos considerados como provados na sentença recorrida.


Certo é, porém, que da leitura da motivação expressa na mencionada sentença também não se alcança qual o meio probatório de que se socorreu o Tribunal recorrido para considerar como assente o facto formulado pela negativa discriminado sob o ponto 10, sem esquecer que a própria Apelada reconheceu que o Apelante viu/visitou a fracção em causa antes do inicio das obras.


Pelo que relativamente aos factos ora em análise improcede a impugnação no tocante aos descritos nos pontos 11 e 12, procedendo a mesma no que toca ao facto vertido sob o ponto 10, que assim transita para o sub-segmento respeitante à “Factualidade não provada”, consubstanciando assim o quinto ponto de facto não provado.


No que concerne ao facto vertido no ponto 26 do elenco da factualidade considerada como provada na sentença recorrida verificamos que o Apelante na sua alegação recursiva menciona o seguinte:


“Como também não foi efectuada qualquer prova certa de que a autora tenha sido coagida a sair da fracção! Tanto não foi que o réu não teve outra solução que não fosse dar inicio às obras com a senhora residindo na fracção.


Aliás, como muito bem o réu referiu a suas instâncias:


“…Como é que teria acautelado os seus bens se ela não queria sair da casa?!…”


in ficheiro 20241014154143_4441896_2871985.mp3, aos 33m59s até 34m10s.”


Importa salientar que o facto assente não se consubstancia em o Apelante ter exercido actos de coação sobre a Apelada para esta desocupar a fracção habitada pela mesma, mas sim em a Apelada se ter sentido coagida pelo Apelante para tal, o que é diferente.


A este propósito decorre da motivação expressa na sentença recorrida pelo Tribunal a quo o seguinte


“O réu também prestou declarações […]


Entretanto, à autora disse-lhe que não podia fazer as obras com ela dentro de casa, tendo saído em janeiro, com a entrega das chaves


EE disse que arrendou um quarto à autora por a senhora não ter para onde ir. […]


Como ficou dito, o que sucedeu foi que o réu propôs as obras, mas não garantiu que os seus bens e a sua pessoa teriam alternativa.“ (Itálicos nossos).


De resto sempre se acrescentará que a primeira parte do facto contido no ponto 26 ora em análise decorre do que ficou demonstrado sob o ponto 24 da “Factualidade provada” na sentença recorrida.


No quadro revelado é de considerar improcedente a impugnação dirigida contra a matéria de facto no tocante ao facto vertido sob o ponto 26 dos factos provados.


Em suma e quanto à impugnação apresentada em sede recursiva pelo Apelante visando a decisão relativa à matéria de facto rejeita-se a mesma no tocante à matéria de facto vertida sob os pontos 19, 20, 21, 24, 28, 29, 32, 33 e 34 do sub-segmento da sentença recorrida respeitante à “Factualidade provada” e considera-se a mesma parcialmente procedente no tocante aos factos vertidos sob os pontos 1 e 10 do identificado sub-segmento.


2- Reapreciação de mérito.


Acompanhando as conclusões recursivas discriminadas pelo Apelante percebemos que o mesmo se insurge contra a constituição do nexo de causalidade entre a sua conduta e os danos reclamados pela Apelada, assim como quanto à verificação destes últimos e sobre o montante fixado quer a título de danos patrimoniais, quer a título de danos não patrimoniais.


Resulta do artigo 483.º do Código Civil (doravante apenas CC), que:


“1-Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.


[…]


Conforme se extrai, com relativa facilidade, do preceito legal transcrito, decorrendo a obrigação de indemnizar o lesado dos danos que resultam da conduta ilícita do lesante terá sempre de existir um nexo de causalidade entre esta última e aqueles, ou seja a acção, ou omissão, ilícita do lesante tem de ser adequada a produzir os danos reclamados pelo lesado.


O Apelante defende que não é possível estabelecer tal nexo de causalidade no caso concreto, sendo certo que face ao resultado da impugnação que dirigiu contra a matéria de facto discriminada na sentença recorrida afigura-se não conseguir levar a bom porto essa sua pretensão, dado que a modificação pontual feita a tal matéria de facto que resultou da apreciação dessa impugnação em nada pode influenciar no tocante à questão ora em reapreciação, o mesmo, adiante-se desde já, sucedendo no que respeita à questão da verificação dos danos e do respectivo montante que reapreciaremos infra.


Vejamos, porém, se perante a factualidade já anteriormente assente na sentença e que se manteve inalterada a sua pretensão poderá proceder.


Para tal recuperemos o essencial do que ficou expresso na sentença recorrida quanto à existência do nexo causal:


“[…]


Ora, da factualidade provada, resultou que:


- O réu não procedeu à comunicação por escrito à autora com a antecedência prevista na lei, sendo que essa formalidade (meio de comunicação e tempo) permite ao destinatário, além do mais, ponderar os respetivos direitos, com tempo;


- O réu não apresentou à autora solução concreta de realojamento, sendo que a autora, por ausência de alternativa, também em virtude dos seus rendimentos, viveu no imóvel em obras de outubro a dezembro;


- Foi a conduta do réu que não atendeu à situação da sua arrendatária que foi a causa dos danos sofridos, presumindo-se a culpa – arts. 798.º e 799.º do Código Civil.”


Relevando ainda, concretamente quanto à existência/verificação de danos, o que resultou provado na sentença recorrida sob os pontos 16, 27, segunda parte e 34 do sub-segmento atinente à “Factualidade provada”, concorda-se com a apreciação feita na sentença recorrida, acima transcrita, relativamente à verificação do nexo de causalidade entre a conduta ilícita prosseguida pelo Apelante e danos sofridos pela Apelada na sua esfera jurídica, soçobrando, como tal, a posição manifestada no recurso pelo Apelante.


Importa agora aferir se os valores fixados na sentença recorrida relativamente aos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela Apelada devem, ou não, ser mantidos, na certeza de que o Apelante entende serem desproporcionados e exagerados.


Decorre do artigo 494.º do CC, que:


Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.”


Por seu turno, prevê-se no artigo 496.º do mesmo CC, epigrafado “Danos não patrimoniais”, que:


“1- Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.”


[…]


4- O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494; […].


Vejamos, então.


Começando pelo quantum a fixar a título de danos patrimoniais importa reconhecer que não temos elementos objectivados que nos permitam chegar a um valor preciso ou rigoroso.


Por outro lado, à semelhança do que sucede com os danos não patrimoniais, afigura-se devermos convocar para o caso as circunstâncias previstas do artigo 494 do CC, visto estarmos perante uma conduta do Apelante enquadrável na mera culpa.


Assim, considerando que os bens descritos sob o ponto 28 dos factos considerados como provados na sentença recorrida valeriam, em novos, no total, o montante de cerca de € 35.000,00, que a Apelada ficou com alguns na sua posse (cfr pontos 17 e 27 da matéria de facto provada na sentença recorrida), bem como que são bens com bastantes anos e como tal com valor bastante depreciado, afigura-se que o valor a fixar a título dos danos patrimoniais deverá de ser substancialmente inferior ao peticionado pela Apelada.


Na sentença recorrida fixou-se esse valor em € 10.000,00.


No entanto, sabemos que em 2021 quando o Apelante adquiriu a casa habitada pela Apelada com os bens em causa no seu interior o vendedor daquela indicou como valor do recheio o montante de € 7.000,00, de que o Apelante não discordou.


Na conformidade exposta entende-se como adequado e equilibrado reduzir o montante a título de danos patrimoniais fixado na sentença recorrida de € 10.000,00 para € 7.000,00.


Quanto aos danos não patrimoniais, atendendo ao teor dos pontos 19, 20, 21, 33 e 34 do sub-segmento da sentença recorrida atinente à “Factualidade provada” justifica-se a fixação de indemnização àquele título, afigurando-se, porém, que o valor fixado pelo Tribunal recorrido, que foram €14.900,00 correspondente ao montante peticionado pela Apelada, é patentemente exagerado, pelo que atendendo mais uma vez aos requisitos previstos no artigo 494 do CC, sem esquecer a idade avançada da Apelada, a sua precária condição económica (cfr. teor do ponto 25 da “Factualidade provada”), desconhecendo-se pormenores atinentes à do Apelante, revela-se adequado, por equilibrado, fixar a este título a quantia de € 10.000,00.


Na conformidade exposta procederá parcialmente o recurso interposto pelo Apelante.

a. *

V- DECISÃO


Termos em que, face a todo o exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto pelo Recorrente AA e consequentemente decidir o seguinte:

c. 1-Revogar a sentença recorrida no tocante ao montante fixado nela a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais devidos à Apelada substituindo-se pelo seguinte:

- Condenar o Réu AA a pagar à Autora BB a quantia de € 17.000,00 (Dezassete mil Euros), sendo € 7.000,00 (Sete mil Euros), a título de danos patrimoniais e 10.000,00 (Dez mil Euros), a título de danos não patrimoniais.

2-Manter no mais o decidido na sentença recorrida;

3-Fixar as custas a cargo de Apelante e Apelada, na proporção do respectivo decaimento no recurso, que se fixa em 75% a cargo do primeiro e 25% a cargo da segunda, sem prejuízo do apoio judiciário oportunamente concedido à Apelada (artigo 527º, nº 1 e 2, do CPC).

*

Notifique.

*

ÉVORA, 18 de Setembro de 2025


(José António Moita - Relator)


(Maria Adelaide Domingos – 1.ª Adjunta)


(Maria João de Sousa e Faro – 2.ª Adjunta)