RECURSO
CONCLUSÕES DE RECURSO
OBJECTO DO RECURSO
Sumário

As conclusões do Recurso (e a própria motivação recurso) devem avançar os contra-argumentos relativos ao entendimento expresso na decisão recorrida (já que delimitam o objeto da análise, nos termos do n.º 3 e 4, do art.º 635, n.º 3 e n.º1, do art.º 639, n.º1 do CPC), procedendo à enunciação dos fundamentos de facto e/ou de direito que constituem as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá à pretendida alteração ou a anulação da decisão recorrida

Texto Integral

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora

I - Relatório.

AA, solteira, veio deduzir embargos de terceiro contra Always Curious, Lda., BB, e Destino e Aventura by Love, Lda., pedindo que seja declarado o direito de propriedade da A sobre o R/c ºEsqº da Rua 1, nº23, ... Cidade 1 com base em usucapião, atenta a posse pacifíca, continuada e sem interrupção desde 2000 até 2024, ou seja, por mais de 20 anos, à vista de toda a gente e sem qualquer conexão com o contrato promessa verbal; seja declarado, com base no direito de indemnização do pagamento das benfeitorias necessárias, as quais não podem ser levantadas, o pagamento da quantia de 47 570,00€ acrescido da indemnização de danos não patrimoniais no valor de 3 000,00€ bem como dos juros legais vencidos e vincendos a contar da notificação, sobre tais montantes, até efetivo e integral pagamento e supletivamente, por se verificarem os respetivos pressupostos do enriquecimento sem causa tem a A direito a exigir o pagamento da quantia de 50 570,00 € acrescida dos juros legais vincendos a contar da notificação.

Alegando em síntese que:

Em 2019, a A celebrou contrato verbal com CC, relativo ao R/cºEsqº do prédio sito na Rua 1, nº23, nos termos do qual CC cedeu a posição contratual que detinha no andar em causa desde 2000.

Nos termos do acordo verbal alegado em 1º a A, adquiriu a posse do referido andar, com a promessa de vir a celebrar uma escritura de compra e venda com os proprietários DD e outros, ficando estipulado que a A iria proceder à compra por 5 000,00€, incumbindo aos proprietários a obrigação de contactarem a A, por forma escrita ou verbal, logo que fosse possível celebrar a escritura de compra e venda.

Ficou ainda estipulado que os proprietários iriam diligenciar pela obtenção de licença de habitabilidade bem como pela escritura de constituição de propriedade horizontal e só depois seria celebrado o contrato de promessa seguido da realização da própria escritura.

As chaves foram de imediato entregues à A e os proprietários foram avisados por alguns arrendatários existentes no imóvel, nunca tendo efetuado qualquer comunicação à A, sendo certo que o silêncio sempre foi entendido como concordância com o negócio.

O tempo foi passando e a A, que tinha investido as pequenas economias na celebração do negócio teve de efetuar obras necessárias, indispensáveis à utilização do andar prometido para o fim a que se destina que é de casa de morada de família onde reside com o companheiro e 4 filhos, com 11, 8 e 4 anos e o mais novo com apenas 8 meses de idade.

A A. após ter na sua posse a chave do imóvel iniciou a utilização da habitação para o fim a que se destina e logo aí se deparou com um conjunto de anomalias, efectuando por isso obras.

Uma vez que os proprietários há mais de 20 anos que não comparecem no imóvel nem suportam quaisquer despesas de manutenção do mesmo, a A teve de suportar anualmente em encargos com as partes comuns, em limpeza das escadas, dos quintais e do telhado a quantia anual de 1000,00€, bem como em pinturas que têm de ser anuais devido à falta de impermeabilização igual montante de 1000,00€ a multiplicar por 6 promitentes adquirentes.

A A passou efetivamente a ser vista como sendo a proprietária da fração em causa e legitima possuidora à vista de toda gente, comportando-se como sendo a única dona da do R/cº Esqº da Rua 1, nº23, de forma ininterrupta desde 2019 e através do cedente da posição contratual com CC desde 2000 e nunca foi contactada pelo Administrador de Insolvência.

Ao abrigo do disposto no artigo 345.º do Código de Processo Civil, foram tomadas declarações à embargante e inquiriu-se as testemunhas arroladas pela mesma.

Foi proferida decisão que indeferiu liminarmente os embargos considerando «inexistir uma probabilidade séria da existência do direito de uso e habitação da embargante sobre a fração onde reside, isto é, que a mesma tenha adquirido o direito de uso e habitação sobre o referido imóvel por contrato (que, naturalmente, teria de ter sido celebrado com os proprietários da fração e não por terceiro), testamento ou disposição legal. E, como já se referiu, o direito de uso e habitação não pode constituir-se por usucapião».

Inconformada com esta decisão, recorreu a embargante, apresentando as seguintes conclusões:

«1ª Em primeiro lugar, verifica-se que os embargos foram deduzidos contra duas pessoas coletivas e contra uma pessoa singular, não sendo essa a informação constante da decisão recorrida, pelo que a mesma afigura-se ilegal e deve ser revogada.

2ª Os Embargos visam salvaguardar a posse, nada têm a ver com o direito de propriedade. No presente processo, no dia 24 de Março de 2025, a Embargante que sempre teve a posse da casa de morada de família, o presente processo nada tem a ver com os processos judiciais anteriores.

3ª Assim é manifesto que não só tem legitimidade como terceiro pois que não faz parte da relação jurídica que deu origem à presente execução como a instauração é tempestiva pois que entre a data do conhecimento do propósito da retirada da posse e a instauração dos embargos medeiam menos de 15 dias! Quando a lei confere, pelo menos, um prazo de 15 dias.

4ª Dispõe o artigo 860º, nº1 do CPCivil que «O executado pode deduzir oposição à execução pelos motivos especificados nos artigos 729º a 731º, na parte aplicável, e com fundamento a benfeitorias a que tenha direito.», mas, tratando-se como se trata de uma execução de sentença, esta última parte não é aplicável, por via da ressalva expressa no nº3 «A oposição com fundamento em benfeitorias não é admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas.».

5ª Supletivamente, sempre se dirá que a embargante e ora recorrente é terceira em relação ao julgado em execução, porquanto não figurou como Ré em sede declarativa cuja decisão aqui se executa, sendo-lhe lícito, pois, em tese, usar do meio processual aludido no artigo 342º do CPCivil, ou seja, o Tribunal recorrido se considerava que nunca deveria ter chamado a Recorrente ao processo sempre deveria ter admitido os embargos como embargos de terceiro visto que sempre esteve excluída a dedução de Oposição.

6ª No presente caso afigura-se incontornável a existência de conexão objetiva entre as duas ações, sendo que os embargos assemelham-se em tudo ao pedido reconvencional, emergem do fato jurídico que serve de fundamento à defesa.

7ª A celeridade processual não pode fazer perigar nem o direito de defesa nem o contraditório tanto mais que a segurança na habitação prevalece sobre o interesse económico relativo ao despejo.

8ª Tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.

2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

9ª As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.

10ª A falta de fundamentação gera a nulidade do despacho ou da sentença. Tratando-se da decisão sobre a matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da 1ª instância a fundamente.

11ª Por outro lado, o douto despacho não faz uma análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pelo embargante, limitando-se a reproduzir um conjunto de considerações que são válidas para “N” ações, mas que não consubstanciam minimamente o cumprimento do imposto.

12º Prescreve, então e no que ora nos interessa, o artigo 334.º do C.C., primeira fonte do instituto do Abuso de Direito, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

13ª Quer-se, pois, tutelar ou permitir uma válvula de escape perante um determinado modo de exercício de direito ou direitos, que, apresentando-se formal e aparentemente admissível, redunda em manifesta contrariedade à ordem jurídica.

14ª Há abuso de direito quando um determinado direito – em si mesmo válido –, é exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social (Ac. RL, de 16 de Maio 1996, processo nº 0012472, sumário em dgsi.pt).

15ª No que respeita ao resumo das declarações prestadas pela embargante e pelas testemunhas, tal como foi dado como assente, nada há que sindicar, sendo certo que o ponto nº7 que não teria havido conhecimento dos proprietários da fracção, a verdade é que, quem adquiriu a fração, não contactou a embargante, tal como quem a vendeu também não comunicou o direito de preferência, afigurando-se até inusitado o processo principal na medida em que:

16ª No dia 2 de Dezembro de 2024, a ora Recorrente tomou conhecimento de um alegado aviso, da Exma. AE de que iria ser efetuado o despejo no dia 16 de Dezembro de 2024.

17ª No dia 3 de Dezembro de 2024, foram apresentados, de forma legitima e tempestiva, os competentes embargos de terceiro, com efeito suspensivo, quer automático, quer por ter sido requerido com dispensa de prestação de caução.

18ª As 6 petições de embargos de terceiro contêm como indicação de valor a quantia de 50 570,00€, o que desde logo, tem efeitos sobre a competência em razão do valor, sendo que o Tribunal não conheceu desta concreta questão quando estava obrigado a fazê-lo antes sequer de realizar qualquer diligência no âmbito dos embargos.

19ª Assim, as diligências efetuadas padecem de nulidade pois que foram presididas por quem não tinha poderes para tal, sendo certo que, nas várias diligências já levadas a cabo sempre tal questão foi colocada, ou seja, nenhum dos embargantes prescindiu do conhecimento dessa nulidade e muito menos se pronunciou sobre a mesma, no sentido de tal nulidade não ser conhecida.

20ª O presente processo de insolvência reveste naturalmente interesse e ordem pública na medida em que uma vez requerida a insolvência não pode o requerente desistir e muito menos efetuar qualquer transação pois que quem é insolvente não deixa de o ser de uma hora para a outra, afigurando-se ainda que no processe de insolvência era obrigatória a nomeação de um administrador de insolvência o qual teria de ser nomeado de imediato e a declaração de insolvência devia ter sido objeto de publicação no Diário da República.

21ª Não se compreende como foi possível que o Tribunal não tenha diligenciado pela nomeação do Administrador de Insolvência pois que ficou precludida a elaboração do Apenso de Apreensão de Bens.

22ª Nalgum momento o processo de insolvência esteve pendente e apesar das graves omissões da falta de nomeação de administrador e da publicitação da insolvência, verificou-se ainda algo mais estranho que corresponde ao facto de o processo de insolvência não ter absorvido todos os outros processos tal como a lei impõe e nem sequer foi decretada a suspensão dos demais processos, tal como deveria ter acontecido no processo de execução nos próprios autos.

23ª Consultado o processo principal, verifica-se que se trata de um requerimento de execução de decisão judicial condenatória verifica-se que da factualidade alegada, a mesma se baseia numa decisão judicial condenatória e lida a exposição factual, da mesma resulta que a 22/6/2024, foi instaurado um processo de insolvência de pessoa coletiva na qual se peticiona a quantia de 15 500,00€.

24ª Consta ainda que no dia 16/8/2024 requerente da insolvência, recorde-se dois meses depois de requerida a Insolvência, que é um processo urgente, e que teria de em poucos dias, dar origem à nomeação de um Administrador de Insolvência e à publicação em Diário da República do aviso de Reclamação de Créditos, algo que se encontra completamente omitido.

25ª Mais, alude-se a uma transação que se afigura como algo proibido uma vez que o interesse público não permite que numa transação de insolvência passe a constar que para pagar a divida à exequente se faca constar que a executada, que recorde-se, não é proprietária do Imóvel pois que o proprietário é Always Curious Lda em 90% e o Sr. BB em 10% e muito menos que dessa transação consta que a executada se compromete a entregar as chaves das frações correspondentes ao R/C Esqº, 1º Esqº, 2ºEsqº, 3ºEsqº, R/C Dtº e 1º Dtº até ao final de Agosto de 2024.

26ª De facto, para alem da ilegalidade da transação, não é possível que se faça constar que a executada que não tem inscrito a seu favor qualquer direito de propriedade se possa comprometer entregar as chaves das frações em causa. Trata-se de algo bastante obscuro que já deveria ter merecido despacho de indeferimento liminar do Requerimento executivo.

27ª Igualmente estranho é o facto de só ter sido efetuado o pagamento de uma prestação e ter sido invocado que as chaves não foram entregues e que o acordo não foi cumprido pois que, afinal, não era um acordo por 15 000,00€ mas apenas por uma prestação, visto que as chaves deveriam ser entregues mesmo antes de decorrido o prazo da primeira prestação.

28ª Para alem da confusão entre exequente e executado, importa ainda esclarecer que a adquirente Always, sempre teve conhecimento que os referidos andares se encontravam a ser habitados, como casa de morada de família, pelas embargantes e respetivos companheiros e numero significativo de menores, bem sabendo que não tinha sido efetuada a comunicação do direito de preferência e algumas das situações relativas à cedência da situação contratual tinham na sua rigem um contrato de arrendamento por escrito, estando a adquirente obrigada a comunicar no cartório notarial, aquando da compra, que se trata de casas arrendadas e a juntar à respetiva escritura cópia das cartas registadas a comunicar o direito de preferência, mas tal não teve lugar.

29ª Por sua vez, no que respeita à pretensão de execução da referida sentença que foi peticionado a quantia de 13 950,00€ bem como a entrega das referidas frações, sendo certo que as embargantes não receberam qualquer notificação e se tivesse recebido, teriam exercido o direito de preferência e até tinha solicitado a emissão de guias para pagamento imediato da quantia exequente e extinção da execução, o que, nos termos legais, fazem, com base no presente requerimento, devendo o Tribunal proceder à emissão da guia correspondente a tal valor.

30ª Lido o alegado título executivo que é constituído pela Sentença de 18/9/2024 e pelo denominado acordo de pagamento em prestações e restituição, desde logo se verifica que nos termos do artº 21º do CIRE, era possível a apresentação de procedimento criminal que ao caso couber, independentemente de ainda não ter sido proferida sentença.

31ª Mais foi declarado que foi homologada a desistência da Instância quanto à Destino e Aventura by love, que recorde-se não é nem nunca foi proprietária das frações em causa, o que constitui um forte indicio do crime gravíssimo que terá sido praticado com a referida transação, uma vez que se pretende, através de uma transação num processo de insolvência obter a entrega das chaves de frações autónomas que em vez de serem da propriedade da executada, eram isso sim da propriedade da exequente para, por essa forma, eventualmente se alcançar um despejo célere e desprovido de garantias para as embargantes que ai residem há vários anos.

32ª Por sua vez no que respeita aos termos do acordo de pagamento, temos que a Destino e Aventura reconhece que tem uma divida de 13 000,00€ para com Always, bem como uma locação de 2500,00€ celebrando assim um acordo de 15 5000,00€, a ser pago tal valor em 10 prestações.

Nunca no referido acordo de pagamento se refere a existência de uma qualquer prestação de facto, nunca se refere a obrigação de entrega de quaisquer chaves pelo que se desconhece como foi possível admitir-se no requerimento de execução o ponto 3 que remete para o ponto 5 da cessão da posição contratual quando, na prática, o que serviria era de a exequente que seria credora que 15 500,00€ cederia, o que apenas se pode depreender, à executada as frações para depois a executada se comprometer a entregar as chaves à exequente que recorde-se na prática, nada cedia e na prática também só teria recebido uma prestação.

33ª Resulta claro que da leitura da sentença homologatória, do acordo de pagamento e do requerimento executivo que o presente processo não se compadece com o respeito da legalidade; terá tido uma finalidade diversa daquela a que respeita o requerimento executivo, não sendo estranho o prejuízo irreparável para as embargantes pois que os processos judiciais não devem ser utilizados para fins contrários à lei e, no mínimo, o requerimento executivo, por se afigurar contrário à lei, deveria ter sido liminarmente indeferido, o que se requer através do presente requerimento de arguição de nulidade de todo o processado nos termos expostos.

34ª Com a entrega em juízo dos embargos de terceiro foi ordenada a suspensão do despejo das habitações correspondentes às casas de morada de família de cada um dos embargantes e ora requerentes.

35ª Nessa medida, foi revogada a autorização judicial da comparência do OPC que assim ficou sem qualquer efeito. Tal como Doc 2 que se junta.

36ª No dia 9 de Abril de 2025, teve lugar a realização de diligências relativas à embargante EE e mais uma vez foram inquiridas testemunhas e prestadas declarações pela embargante tendo igualmente reiterado a questão relativa à incompetência em razão do valor bem como a necessidade de ser salvaguardada a casa de morada de família, sempre no âmbito do processo de Insolvência.

37ª Efetivamente nunca o Tribunal nessas diligências ordenou a retificação processual por forma a ficar claro que o processo de insolvência já não existia e que estávamos apenas no âmbito de um processo de execução nos próprios autos, sendo que todas as embargantes naturalmente declararam ter a posse da respetiva habitação e as testemunhas também confirmaram quer a posse quer o receio de a sua posse ser afetada.

38ª Nos termos do disposto no artº 647º nº3 al. b) do CPC b): “ Tem efeito suspensivo da decisão a apelação” “b) Da decisão que ponha termo ao processo nas ações referidas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 629.ºe nas que respeitem à posse ou à propriedade de casa de habitação;”

Termos em que deve o presente Recurso ser admitido, com efeito suspensivo e subindo nos próprios autos, e julgado procedente por provado, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se o recebimento e envio para julgamento dos embargos, como embargos de terceiro, se fará Justiça!»

Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

Considerou-se indiciada a seguinte factualidade:

1) O direito de propriedade sobre a fração autónoma correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio sito no n.º 23 da Rua 1, na freguesia da ..., do concelho da Cidade 1, descrita na Conservatória dos Registos Predial e Comercial da Cidade 1 sob o n.º ...882/20110519–B, encontra-se inscrito a favor dos embargados, na proporção de 90/100 para a primeira embargada e de 10/100 para o segundo embargado.

2) Em 2019, as chaves da fração autónoma indicada em 1) antecedente foram entregues à embargante por CC.

3) A embargante reside na fração autónoma indicada em 1) antecedente desde o ano referido em 2) antecedente.

4) Atualmente, para além da embargante e do seu companheiro, residem na mesma fração autónoma quatro filhos de ambos, todos menores de idade.

5) Desde o ano referido em 2) antecedente, a embargante realizou diversas obras na fração, de valor concretamente não apurado.

E ainda (5.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil):

6) O referido em 2) e 3) ocorreu sem o conhecimento e consentimento dos proprietários da fração naquela data.

2 – Objecto do recurso.

Face ao disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que a questão a decidir é a seguinte: Saber se deve ser mantida a decisão recorrida.

3 - Análise do recurso.

Como sabemos, nos termos do art. Artigo 342.º do CPC (Fundamento dos embargos de terceiro):

«1 - Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.»

A decisão recorrida corresponde ao indeferimento liminar dos embargos, com base no entendimento de que, “a embargante é mera detentora ou possuidora precária, não tendo ocorrido qualquer transmissão da posse de terceiro (o dito CC) para a embargante e ainda por “inexistir uma probabilidade séria da existência do direito de uso e habitação da embargante sobre a fração onde reside ou que, a mesma tenha adquirido o direito de uso e habitação, sobre o referido imóvel por contrato (que, naturalmente, teria de ter sido celebrado com os proprietários da fração e não por terceiro), testamento ou disposição legal, considerando ainda que o direito de uso e habitação não pode constituir-se por usucapião”.

Assim, as conclusões do Recurso (e a própria motivação do recurso) deveriam avançar os contra-argumentos relativos a tal entendimento (já que delimitam o objeto da análise, nos termos do n.º 3 e 4, do art.º 635, n.º 3 e n.º1, do art.º 639, n.º1 do CPC), procedendo à enunciação dos fundamentos de facto e/ou de direito que constituem as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá à pretendida alteração ou a anulação da decisão recorrida de rejeição.

Porém, (ignorando os fundamentos da decisão recorrida) não encontramos nas alegações do recurso qualquer argumento, para pôr em causa, a análise e conclusão da decisão recorrida.

Com efeito, a recorrente não impugna a matéria de facto consagrada e tece considerações gerais, sem nada concluir, de concreto, sobre a sua repercussão na sentença recorrida.

Invoca a ilegalidade da decisão por “ter informação incorrecta (os embargos foram deduzidos contra duas pessoas coletivas e contra uma pessoa singular)”, sem qualquer razão, omitindo a apresentação de nova PI aperfeiçoada, em 18.02.25, onde constam as partes identificadas na sentença;

Afirma a sua legitimidade como terceiro e a tempestividade dos embargos o que não foi posto em causa.

Faz consideração cujo sentido não se alcança (por ex. - que o Tribunal recorrido se considerava que nunca deveria ter chamado a Recorrente ao processo de execução sempre deveria ter admitido os embargos como embargos de terceiro visto que sempre esteve excluída a dedução de Oposição).

Parece pretender pôr em causa o valor dos autos e defender que o tribunal recorrido é incompetente em razão do valor (?) sem que antes tenha levantado tal questão (“ o Tribunal deveria ter conhecido desta concreta questão quando estava obrigado a fazê-lo antes sequer de realizar qualquer diligência no âmbito dos embargos concluindo por isso as diligências efetuadas padecem de nulidade pois que foram presididas por quem não tinha poderes para tal (…) vez foram inquiridas testemunhas e prestadas declarações pela embargante tendo igualmente reiterado a questão relativa à incompetência em razão do valor bem como a necessidade de ser salvaguardada a casa de morada de família, sempre no âmbito do processo de Insolvência (…) Que o Tribunal nas diligências nunca ordenou a retificação processual por forma a ficar claro que o processo de insolvência já não existia e que estávamos apenas no âmbito de um processo de execução nos próprios autos, sendo que todas as embargantes naturalmente declararam ter a posse da respetiva habitação e as testemunhas também confirmaram quer a posse quer o receio de a sua posse ser afetada” (?), o que desde logo traduz uma questão nova, inadmissível em sede de recurso.

Descreve uma sequência de factos extraprocessuais e conclusões, cujo alcance concreto não se vislumbra (por ex. Refere que a adquirente Always, sempre teve conhecimento que os referidos andares se encontravam a ser habitados, como casa de morada de família (…) Faz referência ao facto dos embargos de terceiro terem suspendido o despejo das habitações correspondentes às casas de morada de família de cada um dos embargantes e ora requerentes. Nessa medida, foi revogada a autorização judicial da comparência do OPC que assim ficou sem qualquer efeito. Tal como Doc 2 que se junta).

A recorrente também põe em causa os processos de execução e insolvência, com críticas que, ainda que fossem entendidas como nulidades processuais (as quais, porém, não refere expressamente) sempre seriam extemporâneas/inoportunas”;

Veja-se por ex. a parte: ”afigura-se incontornável a existência de conexão objetiva entre as duas ações, sendo que os embargos assemelham-se em tudo ao pedido reconvencional, emergem do fato jurídico que serve de fundamento à defesa (…) A celeridade processual não pode fazer perigar nem o direito de defesa nem o contraditório tanto mais que a segurança na habitação prevalece sobre o interesse económico relativo ao despejo, benfeitorias, fundamentação das decisões, abuso de direito etc.”

Parece querer pôr em causa o título executivo, ainda que de forma inconclusiva (“o requerente da mesma não podia ter efetuar qualquer transação e por não ter sido nomeado um administrador de insolvência; o processo de insolvência não ter absorvido todos os outros processos nem ter sido decretada a suspensão dos demais processos, tal como deveria ter acontecido no processo de execução nos próprios autos e porque da transacção não podia constar que «a executada se compromete a entregar as chaves das frações correspondentes ao R/C Esqº, 1º Esqº, 2ºEsqº, 3ºEsqº, R/C Dtº e 1º Dtº até ao final de Agosto de 2024 (…) a sentença homologatória, do acordo de pagamento e do requerimento executivo que o presente processo não se compadece com o respeito da legalidade; terá tido uma finalidade diversa daquela a que respeita o requerimento executivo, não sendo estranho o prejuízo irreparável para as embargantes pois que os processos judiciais não devem ser utilizados para fins contrários à lei e, no mínimo, o requerimento executivo, por se afigurar contrário à lei, deveria ter sido liminarmente indeferido, o que se requer através do presente requerimento de arguição de nulidade de todo o processado nos termos expostos) possibilidade que não pode constituir um fundamento específico de embargos, sem ofensa do caso julgado.

Tece considerações sobre a natureza criminal relativas aos processos anteriores, inoportunas nesta sede de recurso (por ex. “considerando a Sentença de 18/9/2024 e pelo denominado acordo de pagamento em prestações e restituição, desde logo se verifica que nos termos do artº 21º do CIRE, era possível a apresentação de procedimento criminal que ao caso couber, independentemente de ainda não ter sido proferida sentença. Mais foi declarado que foi homologada a desistência da Instância quanto à Destino e Aventura by love, que recorde-se não é nem nunca foi proprietária das frações em causa, o que constitui um forte indicio do crime gravíssimo que terá sido praticado com a referida transação, uma vez que se pretende, através de uma transação num processo de insolvência obter a entrega das chaves de frações autónomas que em vez de serem da propriedade da executada, eram isso sim da propriedade da exequente para, por essa forma, eventualmente se alcançar um despejo célere e desprovido de garantias para as embargantes que ai residem há vários anos”.)

Em suma:

Não se encontra fundamento para alterar a decisão recorrida que assim se mantem, improcedendo o recurso.

Sumário:

(…)

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto, e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.

Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da Apelante (artigo 527.º do CPC).

Évora 18.09.25

Elisabete Valente

Manuel Bargado

Sónia Kietzmann Lopes