Sumário:
I. As condições obstativas à eficácia da oposição à renovação previstas no nº9 do art.º 19º do D.L. n.º 294/2009, de 13 de Outubro (que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Rural) pressupõem que o arrendatário seja uma pessoa singular, i.e. não são aplicáveis quando o seja uma pessoa colectiva.
II. Não é a circunstância de os únicos sócios da actual sociedade arrendatária terem sido os anteriores arrendatários, que continuam a residir e trabalhar na propriedade desde 1984, que permite obnubilar tal pressuposto.
III. A teoria do “ levantamento do véu” ou da desconsideração da personalidade da pessoa colectiva só é de aplicar quando se conclua que ocorre uma utilização da sociedade comercial ao arrepio dos fins para os quais o direito criou este instituto; não se podendo dele lançar mão para beneficiar quem o fez.
IV. O regime jurídico aplicável à indemnização das benfeitorias do arrendatário rural é o vigente à data da execução das mesmas.
V. O art.º 15º do DL n.º 385/88, de 25 de Outubro configura-se como uma norma supletiva, i.e. destinada a ser aplicada apenas quando as partes nada tenham disposto no que concerne à indemnização por benfeitorias.
ACÓRDÃO
I – RELATÓRIO
1. AA e mulher, BB por si e em representação da sociedade V...M... - Produção Agrícola E animal, Lda., com sede na Herdade 1, Vila 1 demandar CC pedindo se declare a ineficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento do prédio rústico denominado “Herdade 1”, com área de 303,060 hectares inscrito na respetiva matriz predial, a parte rústica sob o artigo 2 da secção B e a parte Urbana sob os artigos 590 e 593 operada por carta datada 29 de Março de 2023, e se declare que os AA têm direito à continuidade do arrendamento rural, devendo declarar-se a renovação do mesmo.
Subsidiariamente, caso sejam improcedentes os pedidos supra, os Autores pedem ainda a condenação do R. a pagar aos AA. a compensação por benfeitorias existentes no locado e cujo valor provisório se estima em € 100.000,00 (cem mil euros) podendo ser alterado em função de peritagem ou relegado para execução de sentença e ainda se condene o Réu no pagamento de € 4 000,00 (quatro mil euros) a título de indemnização nos termos do n.º 11 do artigo 19.º do DL 294/2009 de 13 de outubro, declarando-se que os AA. têm direito de retenção sobre o prédio enquanto tais quantias não forem pagas.
2. Para tanto, alegaram em síntese que:
- Por contrato de arrendamento rural outorgado em 6 de Setembro de 1984, com efeitos a partir de 1 de Setembro, a esposa do R. DD deu de arrendamento à A. BB, o prédio rústico denominado “Herdade 1”;
- Entre 1984 e 1 de Setembro de 2007 o prédio foi explorado, cultivado e mantido pelos AA AA e BB, casados entre si e que ali fixaram residência, mantendo-se o contrato entre as primitivas partes;
- Por motivos que se prendiam com a exploração agropecuária, nomeadamente contabilísticos, a A. solicitou que o contrato passasse a estar em nome da sociedade V...M... - Produção Agrícola E animal, Lda., ao que a Ré anuiu;
- Os sócios de tal sociedade eram e são os AA;
- Em 25 de Setembro de 2017 os AA. e o R. outorgaram novo contrato de arrendamento para vigorar por 7 anos;
- Com a data de 29 de Março de 2023, o R. expediu uma carta, onde comunica que se opõe à renovação do referido contrato, cessando o mesmo em 31 de Agosto de 2024;
- Em resposta, o A. comunicou ao mesmo que se opunha àquela denúncia;
- Os AA exploram o prédio desde 1 de Setembro de 1984, ainda que a partir de 2007 através da sociedade que constituíram para o efeito e da qual são os únicos sócios, ambos têm mais de 55 anos, obtendo do mesmo, em exclusivo, os seus rendimentos, não possuindo qualquer outra fonte de rendimento e da reforma auferida pelo Autor;
- A não renovação do contrato porá em grave risco a subsistência económica do arrendatário e do seu agregado familiar, não sendo possível aos AA arrendarem terra a valores como o contratado;
- A venda do efetivo pecuário existente na herdade é de difícil concretização a preços de mercado, com evidentes prejuízos para os AA.;
- Ao longo dos anos, os AA, quer pessoalmente quer através da sociedade, foram efetivando várias obras e melhoramentos no prédio que correspondem a benfeitorias uteis e foram feitas com o conhecimento e consentimento quer da primitiva senhoria, quer do R..
3. O réu, citado, contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação, deduzindo reconvenção.
Em sede de defesa por excepção invocou a caducidade do direito de acção dos Autores. No mais, o Réu aceitou como verdadeiros os factos vertidos nos artigos 1.º 5º, 6º, 9º, 10º e 11º e impugnou todos os demais factos alegados, quer por não corresponderem à verdade, quer por não se tratarem de factos pessoais ou dos quais deva ter conhecimento.
Reconvindo, o Réu peticionou a condenação da A. a remover dois pavilhões ilegais e a entregar o imóvel devoluto de tais construções; bem como no pagamento de uma indemnização ao R. no valor de €75.333,76 (setenta e cinco mil, trezentos e trinta e três euros e setenta e seis cêntimos) correspondente aos danos causados pelos Autores em consequência da má exploração da propriedade.
Em resposta à contestação, os AA. pronunciaram-se quanto à excepção de caducidade, pugnando pela improcedência da mesma, e apresentaram defesa quanto à reconvenção, invocando a inadmissibilidade parcial do pedido reconvencional e concluindo pela improcedência da reconvenção, por falta de verificação dos factos invocados pelo Réu.
4. Foi proferido despacho saneador no qual se conheceu da excepção de caducidade do direito de acção dos Autores no sentido da sua improcedência.
5. Realizada audiência final veio, subsequentemente, a ser proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo:
“Nesta conformidade, tudo visto e ponderado, decide-se:
a) Julgar a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, condenar o Réu CC no pagamento à sociedade Autora V...M... - Produção Agrícola E animal, Lda. da quantia de € 1.735,36 (mil setecentos e trinta e cinco euros e trinta e seus cêntimos) a título de indemnização nos termos do n.º 11 do artigo 19.º do DL 294/2009 de 13 de outubro;
b) Julgar a ação improcedente no mais peticionado, absolvendo o Réu CC dos restantes pedidos contra si formulados pelos Autores;
c) Julgar o pedido reconvencional totalmente improcedente e, consequentemente, dele absolver os Autores.(…)”
6. É desta sentença que recorrem os Autores formulando na sua apelação as seguintes conclusões:
A) Os Autores não se conformam com a decisão proferida.
B) Considerou o Tribunal recorrido que contrariamente ao entendimento propugnado pelos Autores não ocorreu uma transmissão para a sociedade autora da posição de arrendatário que BB ocupava no contrato de arrendamento rural , na medida em que as partes não celebraram um contrato de cessão da posição contratual;
C) Salvo o devido respeito, os AA nunca defenderam que havia existido uma cessão de posição contratual entre BB e seu marido e a sociedade V...M... - Produção Agrícola E animal, Lda..
D) O que os AA defenderam é que, de facto e na realidade, apesar da existência de uma pessoa colectiva, que apenas por conveniência fiscal passou a existir, quem explora o locado são as pessoas singulares AA e BB, conforme artigos 4º, 5º, 6º e 7º da petição inicial.
E) E como se alega também em 52º da Réplica, conforme documento que com essa peça se juntou (sob o n.º 1) que constitui uma carta subscrita pelo Réu, em 2 de Dezembro de 2022, em que o mesmo solicita à Câmara Municipal do Vila 1 que o presente processo passe para o nome do Sr. AA residente e rendeiro há 38 anos da Herdade 1.
F) Não é, portanto esse o entendimento que os AA propugnam, aliás, defendendo o mesmo, então, de facto, aplicação do disposto no artigo 19 º n.º 9 do DL 294/2009 de 13.10 jamais teria qualquer hipótese de aplicação.
G) Aquilo que os AA defendem é que, atendendo às características da sociedade (estritamente familiar, cfr facto 10 provado) ao motivo pelo qual foi constituída (facto provado 7), deverá operar a desconsideração da pessoa colectiva jurídica.
H) Como sucedeu num caso semelhante em discussão no Acórdão proferido pelo STJ no âmbito do processo 22773/19.7T8PRT.P1.S1 em 25-05-2023, disponível em www.dgsi.pt.
I) Quanto à segunda parte da questão, se (…) impendia sobre os Autores a alegação e a prova dos factos constitutivos desse direito que invocaram, mas cuja prova não lograram fazer (cf. Factos não provados nas alíneas a) a c) e f).
J) Deverá tal matéria ser alterada por via da impugnação, nos termos que supra se deixaram explanados, entendendo os recorrentes que os factos a), b), c), d) deverão passar a constar do elenco dos factos provados
K) Devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a validade da oposição à não renovação do contrato de arrendamento rural em discussão nos autos.
L) Se outro for o entendimento deste Venerando Tribunal, confirmando nesta parte a sentença recorrida, discordam os Recorrentes quanto à questão também decidida pelo Tribunal recorrido quanto ao pedido subsidiário deduzido.
M) E isto porque no contrato inicial outorgado em 1 de Setembro de 1984 (fls. 153 a 154 dos autos), Ficou consignado (clausula 2ª, 2ª parte) que:
N) Mediante acordo prévio dos contratantes que aqui fica consignado, compete à arrendatária a conservação de todos os prédios e o pagamento das respectivas despesas, bem assim, como as que resultem de novas edificações ou benefícios de qualquer espécie que venha a efectuar quer no prédio rústico, quer nos urbanos.
O) Em 1 de Setembro de 1990 é outorgado entre a Autora BB e a DD uma “renovação do contrato de arrendamento rural” cfr. Fls. 155 a 156 dos autos, realizado em 6 de Setembro de 1984” em que convencionam renovar pelo prazo de cinco anos o arrendamento da do prédio rústico denominado “Herdade 1”.
P) Os AA AA e BB ao longo dos anos, construíram instalações necessárias para a actividade de exploração agropecuária e dotaram a mesma de luz elétrica, com o conhecimento e consentimento quer da primitiva senhoria, quer do R., conforme factos provados de 17º a 23º.
Q) Todos os melhoramentos aumentaram e valorizaram o prédio dos R. conforme perícia constante nos autos.
R) Segundo o entendimento plasmado pelo STJ num caso semelhante, na resolução da questão, haverá que ter em conta a data de realização das benfeitorias, pois dela dependerá o regime a aplicar – cfr. Ac. STJ de 19-12-2018 no âmbito do processo n.º 214/14.6T8BJA.E1.S2, relatado pelo Conselheiro Tomé Gomes.
S) No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 9631348, em 17-04-1997, disponível em www.dgsi.pt decidiu que o regime jurídico das benfeitorias realizadas por arrendamento rural é o vigente na data da sua realização.
T) O tribunal não apurou a data concreta da realização das benfeitorias;
U) Coligidos os elementos documentais nos autos v.g. licenças para construção de barragens de apoio à Herdade emitidas em 1988 e 1989 (documentos juntos com a réplica) com:
V) As declarações do Autor gravadas no sistema informático, do minuto 10.23.15 a 11.01.40, não podendo precisar uma data, mas ….entre 92/96 estava tudo feito…
W) E de sua filha, nascida em 1985, conforme declarações EE, a partir do minuto 4:57 …lembra-se quando não havia luz a mãe usava o ferro de brasas….lembra-se na altura, nas suas memorias que tudo já estava lá
X) Das declarações do Reu gravadas do minuto 11:03 - 11:46…a propriedade estava com problemas, esteve ocupada, questões de reforma agrária….os melhoramentos foram feitos há décadas!
Y) Tendo também em conta que o A. era rendeiro há 38 anos e que sempre se dedicou à exploração agropecuária, conforme explanado acima,
Z) Impõe-se concluir que o facto 17 deverá ser alterado, passando a ter a seguinte redacção:
AA) Na referida Herdade os AA AA e BB, ao longo dos anos, sensivelmente, até ao ano de 1992, efectuaram a instalação de um furo com noventa metros de profundidade e respectivos equipamentos com o valor de € 3.500,00….
BB) Volvendo aos documentos nos autos, no acordo outorgado em 1 de Setembro de 1990 (fls. 155 156) vem, aí sim, a Autora BB a renunciar a indemnização por benfeitorias que venha a efectuar…
CC) Que dizer, então, das que já haviam sido efectuadas?
DD) A resposta, há-se ser que deverão ser ressarcidas, porque, de facto são aquelas que permitiram colocar a herdade em actividade, nomeadamente, a sua vedação, sendo esta a interpretação que melhor se adequa ao que foi plasmado no contrato inicial e, posteriormente, nas suas renovações, bem como nos contratos subsequentes.
EE) Provado que está que foram os AA AA e BB a realizar benfeitorias no locado e não a sociedade V...M... - Produção Agrícola E animal, Lda. (partindo agora do raciocínio que não opera a desconsideração da personalidade colectiva], então, esta sociedade [actual arrendatária] não poderia renunciar a indemnização por benfeitorias realizadas no âmbito de outro contrato e com outro contraente.
FF) Da perícia efectuada, (fls. 119/127) conclui-se, manifestamente, a relevante valorização do prédio, em função das benfeitorias realizadas pelos AA BB e AA, o que se traduz comprovado indevido enriquecimento do Réu (por efetivo incremento patrimonial), à custa dos AA.
GG) Serão de qualificar como benfeitorias necessárias, a instalação de furo (para acesso a água), a eletrificação da Herdade, os pavilhões para gado e alfaias agrícolas, a vedação da Herdade, o curral e manga para gado, pois decorre até das declarações do próprio Réu, já devidamente identificadas que a propriedade estava com problemas, esteve ocupada, por questões da reforma agrária…não estava vedada…
HH) Relativamente ao quantum indemnizatório e regime aplicável, seguindo o entendimento plasmado no já citado Acórdão do STJ 19-12-2018, em que foi amplamente analisada a questão, e com os fundamentos ali aduzidos, deverá ser o regime do artigo 1273.º, n.º 1, 1.ª parte do Código Civil, “tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé têm o direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito”, evitando-se assim o locupletamento injusto por parte do proprietário da coisa benfeitorizada.
II) Nos termos e com os fundamentos acima expendidos, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência:
JJ) Concluir-se que, no caso em apreço deverá ter lugar a aplicação do instituto da desconsideração da pessoa colectiva jurídica;
KK) Que a oposição à não renovação do contrato de arrendamento rural é válida e eficaz, alterando a matéria de facto a), b), c) e f) passando tais factos a estarem entre o elenco de factos provados;
LL) Revogando-a sentença recorrida e determinando a continuidade do contrato objecto dos autos;
MM) Se assim não se entender, deverá, então:
NN) Revogar-se a sentença recorrida na parte em que julgou parcialmente improcedente o pedido subsidiário, condenando-se o Réu a pagar aos AA pessoas singulares AA e BB, a título de indemnização por benfeitorias necessárias pelos mesmos realizadas, a quantia global de € 161.100,00 (cento e sessenta e um mil e cem euros)
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!
7. Contra-alegou a recorrida defendendo a manutenção do decidido.
8. OBJECTO DO RECURSO
Ponderando que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 608º, nº2, 609º, 635º nº4, 639º e 663º nº2, todos do Código de Processo Civil – as questões cuja apreciação as mesmas convocam, são as seguintes:
1. Impugnação da matéria de facto: se o facto inserto no ponto 17 dos factos provados deve ter a redacção preconizada pelos apelantes e se os factos insertos nas alíneas a), b), c), d) deverão passar a constar do elenco dos factos provados.
2. Reapreciação jurídica da causa : Se a oposição à não renovação do contrato de arrendamento rural é inválida e ineficaz ou, se assim não se entender, se o Réu deve pagar aos AA pessoas singulares, AA e BB, a título de indemnização por benfeitorias necessárias a quantia global de € 161.100,00 (cento e sessenta e um mil e cem euros).
II. FUNDAMENTAÇÃO
9. É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença recorrida:
“I. Factos Provados:
Com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1.Em 6 de Setembro de 1984, com efeitos a partir de 1 de Setembro, entre DD e a A. BB, foi celebrado, por escrito, o acordo intitulado “Contrato de Arrendamento Rural” mediante o qual a primeira cedeu à segunda, para uma regular e contínua exploração, bem como uma adequada e permanente limpeza dos matos, o prédio rústico denominado “Herdade 1”, com área de 303,060 hectares inscrito na respetiva matriz predial, a parte rústica sob o artigo 2 da secção B e a parte urbana sob os artigos 590 e 593, pelo prazo de seis anos e renovado por mais três anos, tudo conforme decorre do documento junto aos autos a fls. 153 a 154, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
2.Em 1 de setembro de 1990, por acordo escrito celebrado entre DD e BB, intitulado “Renovação do Contrato de Arrendamento Rural realizado em 06 de setembro de 1984”, convencionaram as partes renovar por cinco anos o arrendamento do prédio rústico denominado “Herdade 1”, tudo conforme decorre do documento junto aos autos a fls. 155 a 156, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
3.Em 1 de setembro de 1993, por acordo escrito celebrado entre DD e BB, intitulado “2.ª Renovação do Contrato de Arrendamento Rural realizado em 06 de setembro de 1984”, convencionaram as partes renovar, pelo período de oito anos, o arrendamento do prédio rústico denominado “Herdade 1”, tudo conforme decorre do documento junto aos autos a fls. 157 a 158, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
4.Em 5 de junho de 1997, por acordo escrito celebrado entre DD e BB, intitulado “3.ª Renovação do Contrato de Arrendamento Rural realizado em 06 de setembro de 1984”, convencionaram as partes renovar pelo período de dez anos o arrendamento do prédio rústico denominado “Herdade 1”, tudo conforme decorre do documento junto aos autos a fls. 159 a 162 cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
5.Em 6 de setembro de 2004, por acordo escrito celebrado entre DD e BB, intitulado “Alteração à 3.ª Renovação do Contrato de Arrendamento Rural realizado em 06/09/1984”, convencionaram as partes que a primeira dá à segunda o arrendamento do prédio rústico denominado “Herdade 1”, com início em 01 de setembro de 2004 e término em 31 de agosto de 2014, tudo conforme decorre do documento junto aos autos a fls. 163 a 164, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
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Aditado (ao abrigo do disposto no art. 607º, nº4 do CPC): Neste acordo consta o seguinte: “ Mediante acordo prévio dos contratantes que aqui fica consignado, compete à arrendatária a conservação de todos os prédios, tanto rústicos, como urbanos. Todas as obras realizadas no prédio rústico e nos urbanos pela 2ª outorgante, findo o contrato, ficarão a fazer parte integrante dos prédios, tanto no rústico, como nos urbanos, não sendo devida à 2ª outorgante qualquer indemnização quer elas tenham sido realizadas durante este contrato ou antes deste contrato (cfr. 4ª).
6. Entre 1984 e 1 de Setembro de 2007 o referido prédio foi explorado, cultivado e mantido pelos AA AA e BB, casados entre si e que ali fixaram residência.
7.A A. BB deu conhecimento a DD, que ela e seu marido por razões de conveniência contabilística iriam constituir uma sociedade, pelo que solicitou que o contrato passasse a estar em nome da sociedade, ao que a senhoria anuiu.
8.Nessa sequência, em 1 de setembro de 2007 celebraram um novo acordo escrito subscrito entre DD e V...M... - Produção Agrícola E animal, Lda., intitulado “Contrato de Arrendamento Rural”, em que a primeira cedeu à segunda o prédio misto denominado “Herdade 1”, para uma contínua exploração, pelo período de 10 anos, com início em 1 de setembro de 2007 e termo final em 31 de agosto de 2017, tudo conforme decorre do documento junto aos autos a fls. 165 a 166, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
9.Nesse contrato convencionaram as partes uma renda anual no valor de €598,56.
10.A sociedade V...M... - Produção Agrícola E animal, Lda., com o NIF ... tem sede na referida Herdade 1 e são seus únicos sócios os aqui AA AA e BB, que ali continuam a residir e trabalhar na propriedade desde 1984.
11.Em 25 de Setembro de 2017, por acordo escrito celebrado entre o R., viúvo de DD e a sociedade V...M... - Produção Agrícola E animal, Lda., intitulado “Contrato de Arrendamento Rural”, convencionaram as partes que o primeiro dá à segunda o arrendamento do prédio rústico denominado “Herdade 1”, pelo período de sete anos, com início em 01 de setembro de 2017 e termo final em 31 de agosto de 2024, mediante a renda anual de €1.200,00, que se cifra atualmente em €1.225,00 (mil, duzentos e vinte e cinco euros), tudo conforme decorre do documento junto aos autos a fls. 167 a 168 e do recibo de renda junto a fls. 170, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
12.Nesse contrato convencionaram as partes que “O prédio arrendado implica por parte da arrendatária, uma regular e contínua exploração, bem como e por consequência uma adequada e permanente limpeza dos matos.”
13. Com a data de 29 de Março de 2023, o Réu remeteu à Autora uma carta escrita comunicando-lhe que se opõe à renovação do contrato, cessando o mesmo no dia 31 de Agosto de 2024, conforme decorre de fls. 32 cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
14.Por carta registada, com aviso de receção, entregue ao R em 03/05/2023, o A., na qualidade de representante legal da sociedade V...M... - Produção Agrícola E animal, Lda., comunicou ao Réu que se opunha à denúncia comunicada, porquanto:
- desde 1 de Setembro de 1984 explorava o prédio com a sua esposa BB;
- o contrato foi sucessivamente renovado, tendo o A. e sua esposa fixado residência no locado, explorando o mesmo e obtendo do mesmo, em exclusivo, os seus rendimentos;
- o contrato firmado em 1 de Setembro de 2007 com a sociedade V...M... - Produção Agrícola E animal, Lda., mais não é do que a continuação da exploração pelos mesmos A e sua esposa, na medida em que são os único sócios da sociedade;
- é através da exploração da Herdade que BB retira o seu vencimento, sendo que o A. se encontra reformado auferindo uma pensão de reforma de 460,00 €;
- ambos têm mais de 55 anos;
- no locado têm 80 cabeças de gado bovino e 60 de suínos;
- têm cultivo de 10 hectares de ervilha biológica;
- a não renovação do contrato porá em grave risco a subsistência económica do arrendatário e do seu agregado familiar quando diminuírem os seus rendimentos, por efeito dela e não puderem a vir a ser compensados com novo arrendamento a terceiros ou atividade remunerada;
- encontram-se nas condições previstas no n.º 9 do artigo 19.º do DL 294/2009, de 13 de outubro, devendo ser dada sem efeito a cessação do contrato por oposição à renovação, tudo conforme decorre de fls. 33 e 34 cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
15.Em resposta o R. remeteu à sociedade Autora a comunicação datada de 15 de Maio de 2023 mantendo a intenção de oposição à renovação, conforme decorre de fls. 35 cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
16.É através da exploração da Herdade que BB retira o seu vencimento enquanto gerente da referida sociedade, sendo que o A AA se encontra reformado, embora continuando a trabalhar na atividade de exploração da herdade, auferindo uma pensão de reforma de aproximadamente 500,00 €.
17.Na referida herdade os AA. AA e BB, ao longo dos anos, efetuaram a instalação de um furo com noventa metros de profundidade e respetivos equipamentos com o valor de €3.500,00.
18.Construíram dois pavilhões, um fechado com 15 metros por 12 e um pavilhão aberto com 30 metros por 14, com o valor total de €70.000,00.
19.Instalaram uma bancada com respetivo posto transformador de energia elétrica com o valor de €25.000,00.
20.Instalaram uma cerca em rede e postes de madeira com o valor de € 53.000,00.
21.Construíram um curral para gado em ferro com o valor de € 6.000,00.
22.Instalaram uma manga com 12 metros em ferro com o valor de €3.600,00.
23.Todas as obras acima referidas foram feitas com o conhecimento e consentimento quer da primitiva senhoria, quer do R..
24.O prédio acima descrito é composto por olival, cultura arvense, mato e montado de sobro ou sobral.
25.Em 2001 foi expropriada uma área de 68 hectares da referida herdade, por causa da construção da barragem do Alqueva.
26.Em 2022 foi extraída da herdade 2.358 arrobas de cortiça.
27.Os Autores têm 70 cabeças de gado bovino na referida herdade.
*
II. Factos Não Provados, com interesse para a decisão da causa:
a) A única fonte de rendimento dos Autores provem da exploração do referido prédio.
b) Os AA têm mais de 55 anos.
c) A Autora explora o referido prédio, obtendo do mesmo, em exclusivo, os seus rendimentos, não possuindo qualquer outra fonte de rendimento.
d) No locado os Autores têm 80 cabeças de gado bovino e 60 de suínos.
e) Têm o cultivo de 10 hectares de ervilha biológica.
f) Os AA. atualmente no Alentejo não conseguem arrendar terra a valores como o contratado.
g) Os AA. produzem carne biológica, mais cara e de difícil escoamento em Portugal, pelo que, se deixarem a herdade terão de vender os animais abaixo de preço de custo para o mercado da carne comum.
h) Ao longo dos anos, os Autores gastaram:
- na instalação de furo com noventa metros de profundidade e respetivos equipamentos a quantia de €6.500,00.
- na construção dos pavilhões acima referidos a quantia de €80.000,00.
- na instalação da bancada com respetivo posto transformadora quantia de € 25.000,00;
- na instalação da cerca em rede e postes de madeira a quantia de € 18.000,00;
- na instalação de uma cerca em altura de 1,50 m, com postes de 1 em 2 metros, a quantia de € 54.000,00;
- na construção de um curral para gado em ferro com 65 metros por 65 metros, a quantia de € 25.000,00;
- na instalação de uma manga com 12 metros em ferro a quantia de € 4.500.00.
i) Os Autores constituíram a sociedade Autora e celebraram os sobreditos contratos de arrendamento em nome da sociedade com vista a poderem aceder a fundos comunitários e deles beneficiaram.
j) O Ré, por diversas vezes, solicitou aos Autores a demolição dos pavilhões construídos por estes por se tratarem de construções sem licença.
k) O Réu comunicou aos Autores que deveriam retirar o portão existente no acesso da herdade.
l) A Autora não limpou o mato existente na herdade, não preservou os sobreiros novos e, em consequência o Réu teve uma perda de 2.159 arrobas de cortiça em 2013 e de 2.642 arrobas de cortiça em 2022.
m) Em 1985 foram extraídas 9.418 arrobas de cortiça da herdade.
n) Em 2019 foi extraída da herdade a quantidade de 5.516 arrobas de cortiça.
o) Em 2013 foi extraída da herdade 2.841 arrobas de cortiça.
p) Em 2022 o Réu obteve com um rendimento líquido de 37.000€ com a extração de cortiça.
10. Do mérito do recurso
1. Impugnação da matéria de facto
Entendem os apelantes que o facto inserto no ponto 17 dos factos provados (Na referida herdade os AA. AA e BB, ao longo dos anos, efetuaram a instalação de um furo com noventa metros de profundidade e respetivos equipamentos com o valor de €3.500,00) deve passar a ter a seguinte redacção: “Na referida Herdade os AA AA e BB, ao longo dos anos, sensivelmente, até ao ano de 1992, efectuaram a instalação de um furo com noventa metros de profundidade e respectivos equipamentos com o valor de € 3.500,00”.
Sucede que na petição inicial não concretizaram a data em que tal furo (ou quaisquer outras obras) foram realizadas.
Efectivamente, referiram apenas que: “Ao longo dos anos, no locado os AA, quer pessoalmente, quer através da sociedade, foram efetivando várias obras e melhoramentos” (art.21º) que descrevem nos artigos subsequentes.
Tal omissão foi, aliás, salientada pelo Réu na sua contestação ao afirmar que: “Apenas com manifesta má-fé, os AA. não indicam nem juntam:
a) Data em que as alegadas benfeitorias foram realizadas;
b) Por quem;
c) Custos em que o seu autor incorreu com as mesmas;
d) Facturas comprovativas da sua realização;
e) Recibos comprovativos de que o pagamento foi recebido;
f) Aproveitamento que efectuaram de tais benfeitorias” ( cfr. art.º 146º).
Ora, o período temporal da realização das obras configura-se como um facto concretizador e relevante para apuramento do regime jurídico aplicável à pretensão indemnizatória deduzida.
“De acordo com o art. 5.º, n.º 2 b) e c), os factos instrumentais e os factos complementares e concretizadores podem ser adquiridos para o processo (quer através de alegação das partes, quer através de iniciativa oficiosa do juiz) até ao encerramento da discussão, na medida em que é este o momento que encerra a instrução do processo.”
Mas o art. 5.º, n.º 2 b) “exige que as partes se pronunciem sobre os factos — desta pronúncia (anterior ou posterior ao surgimento dos factos no processo) se retirará o acordo (expresso ou tácito) na sua alegação. Os factos complementares e concretizadores são, assim, factos principais que podem ser alegados até à fase final do processo. Necessitam sempre do acordo da parte a quem aproveitam. A sua admissibilidade depende da não alteração do objeto primitivamente delimitado pelos factos principais alegados na petição e, caso haja exceções, na contestação.”1.
Conquanto o juiz possa conhecer oficiosamente dos “factos complementares ou concretizadores” que resultem da instrução da causa, exige-se que disso dê conhecimento às partes antes do encerramento da audiência.
Se não os contemplar na sentença, porque não atentou na sua relevância, cremos que fica vedado a este Tribunal valorar a prova produzida na 1ª instância e considerá-lo provado ou não provado.
Foi, aliás, este o entendimento expresso no Acórdão do STJ de 7.12.2023 ( Rel. Cura Mariano) : “A sua invocação nas alegações do recurso de apelação, com a consequente possibilidade da parte contrária, na resposta, se pronunciar sobre a pretensão de aditamento de facto não alegado mas que sobressaiu na instrução da causa, não é suficiente para que encontre garantido o contraditório exigido na parte final da alínea b), do n.º 2, do artigo 5.º, do Código de Processo Civil, não sendo, pois, permitido ao tribunal da Relação, nos casos em que o contraditório não foi assegurado na 1.ª instância, valorar a prova aí produzida, e decidir que o mesmo se encontra provado, aditando-o à lista dos factos provados .
Nessas situações, como ocorre no presente caso, deve a Relação, caso entenda que o facto é complementar dos factos já alegados, se evidenciou na instrução da causa e é relevante para o seu desfecho, utilizar o poder que lhe é conferido pelo artigo 662.º, n.º 1, c), do Código de Processo Civil, para ampliação da matéria de facto.”.
Cremos, porém, que no nosso caso não se justifica o recurso a tal expediente porquanto da conjugação do facto vertido em 8. com o facto em apreço facilmente se alcança que tal obra terá necessariamente sido levada a efeito até à celebração do contrato de arrendamento com a V...M... - Produção Agrícola E animal, Lda.”, o que sucedeu em 1.9.2007, data em que os executantes de tal obra ( os Autores, pessoas singulares), tal como resultou provado, deixaram de ser rendeiros, passando a sê-lo aquela mesma sociedade.
Revela-se, pois, desnecessário o aditamento pretendido.
Insurgem-se igualmente os apelantes contra a resposta dada aos factos insertos nas alíneas a) (A única fonte de rendimento dos Autores provem da exploração do referido prédio) b) (Os AA têm mais de 55 anos), c) (A Autora explora o referido prédio, obtendo do mesmo, em exclusivo, os seus rendimentos, não possuindo qualquer outra fonte de rendimento) e d) (No locado os Autores têm 80 cabeças de gado bovino e 60 de suínos) dos factos não provados.
No que tange à idade dos Autores: uma vez que não foi posta em causa pelo Réu e que não é a questão ou o tema a decidir na acção, a sua prova pode ser feita por qualquer meio, não carecendo de ser por via documental.
Tal prova foi feita, aliás, através das declarações do próprio Autor, que referiu ter 71 anos de idade, sendo que o primeiro contrato de arrendamento celebrado pela Autora o foi em 6 de Setembro de 1984, data em que já seria maior de idade, o que permite extrair a ilação de que em 2024 já teria mais de 55 anos.
Termos em que se defere a pretensão dos apelantes de ver carreado tal facto para o elenco dos factos provados.
Quanto aos demais factos: cremos que as declarações da filha e do genro dos Autores não são, só por si, suficientes para se dar como provada tal matéria.
Acompanhamos, assim, o afirmado pela 1ª instância para sustentar o decidido: “Os factos vertidos na alínea a) não ficaram demonstrados por contraposição com a matéria de facto provada (cf. facto n.º 16). (…).
Concluiu-se negativamente quanto à verificação da factualidade descrita em d) e e), uma vez que a mesma, apesar de alegada na petição inicial, foi expressamente refutada pelo Autor.
Os factos descritos em c), f), g), h) foram mencionados pelo Autor e pelas testemunhas FF e GG de forma genérica e imprecisa.
Sucede que relativamente a esta matéria de facto não foi apresentada qualquer prova documental (vg. declaração de IRC, faturas de pagamento de despesas) (…).
Assim, por entender que as mencionadas declarações não constituem prova bastante que permita sustentar a convicção do tribunal relativamente a esta matéria, cuja prova deveria ser documental (quanto à matéria da alínea c)) (…), considerou-se a mesma como não provada.”.
2. Reapreciação jurídica da causa
1. Da (in) validade e (in) eficácia da oposição à não renovação do contrato de arrendamento rural
Desde já se diga que, à semelhança da sentença, se entende que a apreciação da questão que deixámos enunciada deve ser feita à luz do D.L. n.º 294/2009, de 13 de Outubro (que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Rural) por ter sido já na vigência do mesmo que se operou tal declaração ( cfr. art. 39º, nº1 ).
A oposição à renovação do contrato é precisamente um dos modos previstos no art.º 15º, nº1 para fazer cessar o arrendamento, a par do acordo entre as partes, da resolução, da caducidade e da denúncia, explicitando-se no art.º 19º sobre ele, e no que releva, o seguinte:
- O contrato de arrendamento cessa por oposição à renovação ou por denúncia de uma das partes, mediante comunicação escrita (nº1);
- A oposição à renovação ou a denúncia do contrato de arrendamento inclui obrigatoriamente todo o seu objecto ( nº2);
- O senhorio ou o arrendatário podem opor-se à renovação do contrato de arrendamento, com a antecedência de um ano relativamente ao termo do prazo do arrendamento ou da sua renovação, sem prejuízo do disposto no n.º 9 ( nº3);
- O arrendatário pode opor-se à efectivação da oposição à renovação ou da denúncia, desde que reúna, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Tenha mais de 55 anos e resida ou utilize o prédio há mais de 30 anos;
b) O rendimento obtido do prédio constitua a fonte principal ou exclusiva de rendimento para o seu agregado familiar ( nº9);
- Em caso de cessação do contrato por oposição à renovação ou denúncia do senhorio o arrendatário tem direito a ser indemnizado:
a) Pelas benfeitorias realizadas, nos termos previstos no artigo 23.º;
b) Pelas plantações e melhoramento fundiários que hajam tornado o prédio mais produtivo, realizados com o consentimento do senhorio ( nº10) .
- O arrendatário tem ainda direito a uma indemnização correspondente a 1/12 da renda anual por cada ano de contrato, não podendo o valor da indemnização ser inferior a um ano de renda, nos casos previstos no n.º 4 (nº11).
No entender dos apelantes, mostram-se reunidas as condições enunciadas para a sociedade arrendatária se opor à efectivação da oposição à renovação licitamente operada pelo senhorio porquanto “apesar da existência de uma pessoa colectiva, que apenas por conveniência fiscal passou a existir, quem explora o locado são as pessoas singulares AA e BB” explicitando que o que “defendem é que, atendendo às características da sociedade (estritamente familiar, cfr facto 10 provado) ao motivo pelo qual foi constituída (facto provado 7), deverá operar a desconsideração da pessoa colectiva jurídica”.
Vejamos.
Não há quaisquer dúvidas que as condições obstativas à eficácia da oposição à renovação previstas no nº9 do citado art.º 19º pressupõem que o arrendatário seja uma pessoa singular, i.e. não são aplicáveis quando o seja uma pessoa colectiva, como é o caso da sociedade “V...M... - Produção Agrícola E animal, Lda.”.
E não é a circunstância de os seus únicos sócios terem sido os anteriores arrendatários, os aqui AA AA e BB, que continuam a residir e trabalhar na propriedade desde 1984 ( cfr. ponto 10) que permite obnubilar tal pressuposto.
É que não nos podemos esquecer que o contrato de arrendamento rural subscrito entre DD e V...M... - Produção Agrícola E animal, Lda., ( em que a primeira cedeu à segunda o prédio misto denominado “Herdade 1”, para uma contínua exploração, pelo período de 10 anos, com início em 1 de setembro de 2007 e termo final em 31 de agosto de 2017) foi celebrado na sequência de a Autora, BB, “ter dado conhecimento a DD, que ela e seu marido por razões de conveniência contabilística iriam constituir uma sociedade, pelo que solicitou que o contrato passasse a estar em nome da sociedade, ao que a senhoria anuiu” ( cfr. pontos 7 e 8).
Por conseguinte, pretendem os Autores que apesar de tal “conveniência” ou benefício na constituição de uma sociedade comercial deixem, todavia, de suportar os “prejuízos” que dessa situação resultam em clara afronta ao princípio "ubi commoda ibi incommoda".
Como se sabe, “[a] atribuição de personalidade jurídica à pessoa colectiva faz emergir um novo centro de relações jurídicas, autónomo em relação aos seus membros e às pessoas que actuam como seus órgãos. Trata-se de uma ficção jurídica que, no que concerne às sociedades comerciais, visa dotar a chamada iniciativa privada, enquanto manifestação do direito de propriedade, de um instrumento de propulsão da actividade económica, através da consequente separação e limitação da responsabilidade que a autonomia invoca”.2
A ambição dos apelantes de que se desconsidere a personalidade colectiva da arrendatária V...M... - Produção Agrícola E animal, Lda.” de modo a se poder aplicar aos seus sócios um benefício legal não tem como singrar.
É que a teoria do “ levantamento do véu” ou da desconsideração da personalidade da pessoa colectiva só é de aplicar quando se conclua que ocorre uma utilização da sociedade comercial ao arrepio dos fins para os quais o direito criou este instituto.3 E seguramente nunca se pode dele lançar mão para beneficiar quem o fez…
Em suma: a pretensão dos apelantes mostra-se destituída de fundamento fáctico e jurídico e não pode, em qualquer circunstância, proceder.
Conclui-se, portanto, pela validade e eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento rural sub judice levada a efeito pelo senhorio.
2. Do reclamado pagamento aos AA pessoas singulares, AA e BB, da quantia de € 161.100,00 a título de indemnização por benfeitorias necessárias.
Com interesse para a questão provou-se que:
- Na referida herdade os AA. AA e BB, ao longo dos anos, efetuaram a instalação de um furo com noventa metros de profundidade e respetivos equipamentos com o valor de €3.500,00;
- Construíram dois pavilhões, um fechado com 15 metros por 12 e um pavilhão aberto com 30 metros por 14, com o valor total de €70.000,00.
- Instalaram uma bancada com respetivo posto transformador de energia elétrica com o valor de €25.000,00.
- Instalaram uma cerca em rede e postes de madeira com o valor de € 53.000,00.
- Construíram um curral para gado em ferro com o valor de € 6.000,00.
- Instalaram uma manga com 12 metros em ferro com o valor de €3.600,00.
Provou-se igualmente que todas as obras acima referidas foram feitas com o conhecimento e consentimento quer da primitiva senhoria, quer do R.
Tendo em consideração que se provou terem sido os Autores, pessoas singulares, a executar tais obras, ter-se-á de extrair a ilação (como dissemos supra) de que as mesmas tiveram lugar antes de 1 de Setembro de 2007, em que a Herdade passou a ter um novo arrendatário.
Na sentença recorrida negou-se-lhe a pretensão indemnizatória com o argumento de que “ (…) as normas acima invocadas e as previstas no regime de arrendamento rural quanto a benfeitorias não têm carácter imperativo (no mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, in Acórdão de 18 de julho de 1985, e Acórdão do Tribunal de Évora, de 28 de junho de 2007, ambos in dgsi.pt), pelo que, tendo as partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual consagrada no artigo 405.º do mesmo código, convencionado que “todas as benfeitorias e obras realizadas no prédio rústico e urbanos pela segunda outorgante, findo o contrato, ficarão a fazer parte integrante, tanto no rústico ou no urbano, não sendo devido à segunda outorgante qualquer indemnização, quer elas tenham sido realizadas durante este contrato ou antes deste contrato” – cf. clausula IV dos contratos constante dos autos – a validade dessa cláusula contratual é inequívoca. Ante o exposto, contrariamente ao pretendido pelos Autores, considero que os direitos invocados por estes (i. e., o direito de reembolso pelas benfeitorias e, consequentemente, também o direito de retenção) não têm, no caso concreto, qualquer sustentação contratual ou legal, uma vez que os arrendatários renunciaram ao direito receber uma indemnização pelas benfeitorias realizadas no locado aquando da celebração dos contratos, como tal, o respetivo pedido deve improceder”.
À data da execução de tais obras – que, como dissemos, tiveram necessariamente lugar antes de 1.9.2007 – não estava ainda em vigor o DL n.º 294/2009, de 13 de Outubro.
O diploma que o precedeu, o DL n.º 385/88, de 25 de Outubro, e que foi por ele revogado, dispunha no seu art.º14.º quanto a “Benfeitorias” o seguinte:
“1 - O arrendatário pode fazer no prédio ou prédios arrendados benfeitorias úteis com o consentimento escrito do senhorio ou, na falta deste, mediante um plano de exploração a aprovar pelos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação no prazo de 90 dias a contar da recepção do pedido, depois de ouvidas as partes ou seus representantes.
2 - O senhorio só pode fazer as benfeitorias úteis que sejam consentidas pelo arrendatário ou, na falta de consentimento escrito deste, aprovadas pelos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação no prazo de 90 dias a contar da recepção do pedido, depois de ouvidas as partes ou seus representantes.
3 - As benfeitorias referidas no n.º 1 poderão implicar alteração do prazo do contrato e as constantes do n.º 2 poderão fazer alterar o prazo do contrato e o montante da renda, alterações que serão acordadas entre as partes e, em caso de discordância, estabelecidas na decisão aprobatória do plano.
4 - Quando as benfeitorias referidas no n.º 2, pedidas pelo senhorio, importem alteração sensível do regime de exploração do prédio ou o arrendatário se não conformar com o eventual acréscimo de renda, tem este a faculdade de proceder, no prazo de 30 dias, à denúncia do contrato, a qual só produz efeitos no fim do respectivo ano agrícola.
5 - A decisão dos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação será obrigatoriamente comunicada ao senhorio e ao arrendatário.”.
E dispunha o art.º 15º do mesmo diploma, acerca da “Indemnização por benfeitorias” o seguinte:
“ 1 - Quando houver cessação contratual antecipada por acordo mútuo das partes, haverá lugar a indemnização das benfeitorias realizadas pelo arrendatário e consentidas pelo senhorio.
2 - A indemnização, quando a ela houver lugar, será calculada tendo em conta o valor remanescente e os resultados das benfeitorias ou demais melhoramentos no momento de cessação do contrato.
3 - Se houver resolução do contrato invocada pelo senhorio, ou quando o arrendatário ficar impossibilitado de prosseguir a exploração por razões de força maior, tem o arrendatário direito a exigir do senhorio indemnização pelas benfeitorias necessárias e pelas úteis consentidas pelo senhorio, calculadas estas segundo as regras do enriquecimento sem causa.”
Admitindo, por comodidade de raciocínio, estarmos em presença de benfeitorias úteis ( já que nenhuma das executadas tem por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa) ou seja, de benfeitorias que não sendo indispensáveis para a conservação da coisa , lhe aumentam, todavia, o valor ( art.º 216º, nº1 do Cód. Civil) é de concluir que, de acordo com a lei citada, as mesmas seriam passíveis de ser indemnizadas porquanto é de considerar que ocorreu cessação contratual antecipada por acordo mútuo das partes e as benfeitorias foram consentidas pelo senhorio.
Na verdade, decorre dos factos insertos nos pontos 5, 6. e 7 que o contrato de arrendamento rural então em vigor ( que havia tido início em 01 de Setembro de 2004 para terminar em 31 de agosto de 2014) cessou em 1 de Setembro de 2007 para dar origem ao contrato de arrendamento celebrado nessa mesma data com a sociedade V...M... - Produção Agrícola E animal, Lda.
Como vimos, a 1ª instância entendeu não haver lugar a qualquer indemnização porque o contrato de arrendamento rural em vigor à data da cessação, previa expressamente a inexistência de tal direito da arrendatária.
O que releva, a nosso ver, é que no contrato celebrado em 6 de setembro de 2004 entre DD e BB, intitulado “Alteração à 3.ª Renovação do Contrato de Arrendamento Rural, as partes convencionaram o seguinte: “Mediante acordo prévio dos contratantes que aqui fica consignado, compete à arrendatária a conservação de todos os prédios, tanto rústicos, como urbanos. Todas as obras realizadas no prédio rústico e nos urbanos pela 2ª outorgante, findo o contrato, ficarão a fazer parte integrante dos prédios, tanto no rústico, como nos urbanos, não sendo devida à 2ª outorgante qualquer indemnização quer elas tenham sido realizadas durante este contrato ou antes deste contrato (cfr. 4ª).”.
Não parece haver dúvidas que foi efectivamente afastado pelas partes a existência de um direito a indemnização da arrendatária por quaisquer benfeitorias (necessárias e úteis) feitas na coisa: na cláusula em questão expressa-se que todas as obras realizadas, findo o contrato ( por qualquer motivo) ficarão a fazer parte integrante dos prédios e que não é devida à arrendatária qualquer indemnização quer elas tenham sido realizadas durante este contrato ou antes deste contrato- cfr. facto aditado.
Na impede, a nosso ver, a consagração de uma cláusula deste jaez que se revela, pois, lícita.
Por conseguinte, o referido art.º 15º configura-se como uma norma supletiva, i.e. destinada a ser aplicada apenas quando as partes nada tenham disposto no que concerne à indemnização por benfeitorias.
Este foi, aliás, o entendimento expresso no acórdão desta relação de 30.11.2016 ( rel. Albertina Pedroso e no qual intervieram como adjuntos a ora aqui relatora e o aqui 2º adjunto) : “ (…) nada obsta à validade da cláusula, contida em contrato de arrendamento, segundo a qual as benfeitorias realizadas pelo arrendatário não lhe dão direito a qualquer indemnização; assim, por maioria de razão nada obsta a que as partes acordem que no termo do contrato as benfeitorias revertam para o prédio arrendado.”.
Compreende-se a consagração de tal cláusula perante a exiguidade da renda anual ajustada : €598, 56.
Em suma: O recurso, no que tange ao pedido subsidiário, também não pode ser provido.
III. DECISÃO
Por todo o exposto se julga a apelação improcedente e se mantém a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Évora, 18 de Setembro de 2025
Maria João Sousa e Faro (relatora)
António Fernando Marques da Silva
Francisco Xavier
1. Assim, Mariana França Gouveia in “ O PRINCÍPIO DISPOSITIVO e A ALEGAÇÃO De FACTOS EM PROCESSO CIVIL. A INCESSANTE PROCURA DA FLEXBILIDADE PROCESSUAL” , consultável em /https://www.oa.pt/upl/%7Bede93150-b3ab-4e3d-baa3-34dd7e85a6ef%7D.pdf↩︎
2. Apud, Acórdão do STJ de 7.11.2017 relatado pelo Cons. Alexandre Reis e consultável na Base de dados do IGFEJ.↩︎
3. v. neste sentido, Catarina Serra in “ O afastamento da personalidade jurídica “, Revista Julgar, nº 9, pag. 111 e segs.↩︎