PRESCRIÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
SENTENÇA
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário

A sentença ou outro título executivo que reconheça o direito invocado, transforma a prescrição de curto prazo, mesmo que só presuntiva, numa prescrição sujeita ao prazo ordinário de vinte anos.

Texto Integral

Recurso de Apelação n.º 1840/17.7T8ENT-A.E1

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I – Relatório


1. AA, BB e CC, executadas, habilitadas nos autos declarativos na qualidade de sucessoras do R. DD, deduziram oposição à execução em que é exequente Cofidis, Sucursal da Sociedade Anónima Francesa Cofidis, SA., invocando a prescrição da obrigação exequenda e dos juros.


2. Admitidos liminarmente os embargos e notificada, a exequente deduziu contestação.


3. Foi proferido o despacho saneador, em que foi definido o objecto do litígio e indicados os temas de prova.


4. Tendo as partes prescindido da prova testemunhal e da realização da audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu:

«Julgam-se os presentes embargos de executado totalmente improcedentes, deles, consequentemente, absolvendo a exequente.»

5. Inconformadas recorreram as executadas, pugnando pela revogação da sentença com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]:


1. QUESTÃO PRÉVIA: Em primeiro lugar, requer-se a rectificação da sentença recorrida, nos termos do disposto no artigo 614º, n.º 1 do CPC., atento o facto da sentença recorrida referir-se às recorrentes como executadas, certamente por lapso, pois as mesmas são sim, Habilitadas na qualidade herdeiras do Réu falecido DD (réu no processo declarativo), conforme resulta da sentença dada como título executivo. Posto isto,


2. O Tribunal a quo que julgou totalmente improcedentes os embargos de executado e determinou a absolvição da exequente.


3. Com o devido respeito mas, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 3.º, n.ºs 1 e 3; 154.º, 415.º; 607.º, n.ºs 3, 4 e 5 e 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do C.P.C., nulidades essas as recorrentes vêm expressamente arguir, com todas as legais consequências.


4. Dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC que: «1 - É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».


5. A elaboração da sentença tem uma regulamentação específica, prevista no artigo 607º do CPC, dispondo o seu n.º 3 o seguinte: “3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.”


6. Assim, impõe-se ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.


7. Consta da sentença sob escrutínio a improcedência dos embargos sem qualquer indicação, interpretação e aplicação de normas jurídicas, sendo por isso, a sentença omissa quanto a este critério.


8. O Tribunal a quo limita-se, apenas e tão só, a transcrever um trecho de um Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, e depois a concluir que:


9. “Como assim, é por demais evidente que não se verifica a arguida prescrição.


*


Os embargos de executado merecem, pois, nos termos exposto, total improcedência.”


10. Não consta da sentença recorrida qualquer referência aos “termos expostos”, aliás de dizer que, os mesmos nem sequer existem.


11. Ao limitar-se, tão somente, a transcrever um trecho de um Acórdão e a concluir pela decisão final da forma que o fez, o Tribunal a quo não indicou, não interpretou como, também, não aplicou as normas jurídicas correspondentes, o que acarreta a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decidiu de determinada maneira.


12. É claro que a transcrição de um Acórdão assim, sem mais, tal como consta da sentença recorrida, não basta como fundamento de uma decisão.


13. Assim, é manifestamente evidente que há violação do dever de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 154.º do CPC, pelo que, a sentença recorrida é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do mesmo diploma.


14. Para além das nulidades invocadas, as recorrentes não podem concordar com a decisão ora recorrida. Pois,


15. Resulta do requerimento executivo, designadamente, no campo relativo à liquidação da obrigação que, no que toca ao contrato de mútuo n.º 958810, o valor do incumprimento corresponde à 9ª prestação vencida em 10/12/2011, e demais prestações não pagas (10ª a 31ª) e, quanto ao contrato n.º 844946 o valor do incumprimento corresponde à 48ª prestação vencida em 10/10/2011, e demais prestações não pagas (49ª a 72ª).


16. Dos Planos Financeiros juntos com o requerimento executivo, verifica-se que as últimas prestações dos empréstimos supracitados, venceram-se ambas em 10/10/2013.


17. Entre a data do incumprimento das últimas prestações (10/10/2013) e a data de citação 29/08/2023, estão, pois, vencidas prestações com quase 10 (dez) anos.


18. Resulta da doutrina e jurisprudência dominante, que prescrevem no prazo de cinco anos “as quotas de amortização do capital pagáveis com juros”, conforme dispõe a alínea e) do artigo 310º do Código Civil.


19. Aliás, diga-se que, tal entendimento dominante da doutrina e jurisprudência, saiu completamente clarificado pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2022 do Supremo Tribunal de Justiça, de 30/07/2022, relatado por Vieira e Cunha, no Proc. N.º 1736/19.8T8AGD.B.P1.S1, publicado in Diário da Republica, 1ª Série, n.º 184, de 22 de Setembro de 2022, na sequência de uma revista ampliada, clarificando a questão e fixando o seguinte segmento uniformizador:


“I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310 al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.


II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781º daquele diploma, o prazo de prescrição mantém-se incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas”


20. É assim forçoso concluir-se que, ocorreu a prescrição do direito de crédito da exequente, nos termos do disposto no artigo 310º alínea e) do CC, pelo que, muito mal andou o Tribunal a quo ao não julgar procedente a excepção peremptória da prescrição das prestações vencidas, devidamente invocada em sede de embargos de executado.


21. Assim como, também não andou bem, ao não considerar os juros peticionados pela exequente prescritos, os quais prescrevem no prazo de cinco anos nos termos do disposto no artigo 310º, alínea d) do Código Civil.


22. Por outro lado, e caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio, se concebe, deve atentar-se no seguinte:


23. Admitindo sem conceder que a transcrição do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, seja entendida como fundamento suficiente da sentença recorrida, cremos que muito mal andou o Tribunal a quo, ao ignorar completamente o estatuído no n.º 2 do artigo 311º do CC, no que diz respeito a “…prestações ainda não devidas..”, às quais se aplica o regime da prescrição a curto prazo.


24. A doutrina e a jurisprudência unânimes, vão no sentido de que quando o título executivo seja uma sentença que reconheça direitos, quando estão em causa prestações vincendas emergentes da sentença, estas estão sujeitas ao regime prescricional de curto prazo, previsto no artigo 311º n.º 2 do CC, que é uma excepção ao regime consignado no n.º 1 do mesmo artigo.


25. E nestas prestações vincendas se incluem os juros, que são obrigações acessórias, mas relativamente autónomas à obrigação principal, (artigo 561º do CC), cujo prazo prescricional será o de 5 anos previsto no artigo 310º al. d) do CC, uma vez que são obrigações que renascem dia a dia (vide Ac. STJ. 12/11/1996, Ac. STJ. 17/04/1997, Ac. STJ. 7/9/2003, Ac. STJ. 22/11/2007; Ac. Rla. 19/10/2006 e Ac. Rla. 13/01/2016, e a doutrina aí citada, disponíveis em www.dgsi.pt).


26. E neste sentido tão bem sumariou o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 21/06/2018, Proc. N.º 1176/16.0T8CHV-B.G1 ao estipular que:


“1. Aos juros vincendos emergentes duma sentença transitada em julgado, fundamento de acção executiva, aplica-se o regime prescricional de curto prazo nos termos conjugados do artigo 311 n.º 2 e 310 al. d) do C.Civil.”


27. Da sentença judicial dada como título executivo nos presentes autos, resulta a condenação em juros vincendos sobre o capital em dívida à taxa de 21,224% e de 20,291% desde a data de vencimento até integral pagamento e o imposto de selo respectivo.


28. Portanto, dúvidas não existem que os juros vincendos e o imposto de selo respectivo, estão prescritos entre a data do trânsito em julgado da sentença proferida em 15/11/2015, fundamento da execução, e a citação das recorrentes para a execução em 29/08/2023.


29. Com efeito, caso a transcrição do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, seja entendida como fundamento suficiente da sentença posta em crise (o que por mera hipótese académica se concebe), é forçoso concluir-se que o Tribunal a quo errou na interpretação do n.º 1 do artigo 311º, e deixou de aplicar, como se lhe impunha, o n.º 2 do mesmo artigo e também os artigos 310º alínea d) e 323º n.º l, todos do Código Civil.


30. Em suma, na nossa perspectiva dúvidas não restam de que deve ser revogada a douta decisão do Tribunal a quo que julgou totalmente improcedentes os embargos de executado e determinou a absolvição da exequente.


Nestes termos, e nos mais de Direito, deverão V. Exas. dar provimento ao presente recurso, julgando o mesmo totalmente procedente por provado, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que o julgue procedente por provados os embargos de executado, extinguindo-se a execução, com as legais consequências.


Por outro lado, e caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio, se concebe, substituindo-a por outra que julgue os juros vincendos e o imposto de selo respectivo, estão prescritos entre a data do trânsito em julgado da sentença proferida em 15/11/2015, fundamento da execução, e a citação das recorrentes para a execução em 29/08/2023, com as legais consequências.


6. Não se mostram juntas contra-alegações.


7. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.


Cumpre apreciar e decidir.


*


II – Objecto do recurso


O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:

i. Das nulidades da sentença;

ii. Da prescrição da dívida exequenda;

iii. Da prescrição dos juros moratórios.


*


III – Fundamentação


A) - Os Factos


Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:


4.1.1. Foi apresentado como título executivo a sentença proferida a 24 de Novembro de 2015, já transitada em julgado, nos termos da qual, depois de rectificada a 05 de Janeiro de 2016, «a) condenar a R. EE e as habilitadas AA, BB e CC na qualidade de sucessoras do R. falecido DD, no pagamento, solidariamente, à A. da quantia de 45,62€ (quarenta e cinco euros e sessenta e dois cêntimos) – valor correspondente à 9.ª prestação vencida desde 10/12/2011, bem como no pagamento das demais 22 (vinte e duas) prestações de capital, ou seja, deduzidas da importância dos juros remuneratórios, do imposto de selo que sobre esses juros recaía e dos prémios de seguro, vencidas a 10/12/2011, acrescidas dos juros moratórios vencidos e vincendos à taxa de 21,224% desde a data do vencimento até integral pagamento e imposto de selo respectivo;


b) condenar a R. EE e as habilitadas AA, BB e CC na qualidade de sucessoras do R. falecido DD no pagamento, solidariamente, à A. da quantia de 88,02€ (oitenta e oito euros e dois cêntimos) – valor correspondente à 48.ª prestação vencida desde 10/10/2011, bem como no pagamento das demais 24 (vinte e quatro) prestações de capital, ou seja, deduzidas da importância dos juros remuneratórios, do imposto de selo que sobre esses juros recaía e dos prémios de seguro, vencidas a 10/10/2011, acrescidas dos juros moratórios vencidos e vincendos à taxa de 20,291% desde a data do vencimento até integral pagamento e imposto de selo respectivo;»


4.1.2. A execução dos autos principais foi instaurada a 13 de Maio de 2017.


4.1.3. As embargantes foram notificadas para os termos da acção executiva a Setembro de 2023.


4.1.4. A acção na qual foi proferido o título executivo foi intentada a 10 de Agosto de 2012.


4.1.5. A ré primitiva foi citada na acção em causa em 2012 e as embargantes foram citadas em Junho de 2015.


*


B) – Apreciação do Recurso/O Direito


1. Como ponto prévio, em face do pedido de rectificação efectuado, cumpre esclarecer que não existem dúvidas de que as aqui embargantes/executadas foram condenadas na acção declarativa na qualidade de sucessoras, habilitadas, do ali primitivo R. DD, sendo nessa qualidade que se têm também como executadas.


2. As recorrentes discordam da decisão recorrida, começando por arguir, na conclusão 3., que a mesma viola as alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.


Não obstante esta genérica referência a tais nulidades, é manifesto, como, aliás, resulta evidente das restantes conclusões e do texto das alegações, que a nulidade invocada é apenas a prevista na alínea b), na qual se comina com a nulidade a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.


Esta disposição legal está em consonância com o disposto no n.º 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, que impõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, e com a consagração na lei ordinária do mesmo dever de fundamentação, por via da expressa previsão do n.º 1 do artigo 154.º do Código de Processo Civil, de acordo com o qual as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, e, bem assim, com o artigo 6º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem, como uma componente essencial da garantia a um processo equitativo (cf. artigo 20º, nº 4, da Lei Fundamental).


Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, “[o] due process positivado na Constituição Portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.”


E, de entre os princípios através dos quais a doutrina e a jurisprudência têm densificado o aludido princípio do processo equitativo, encontra-se, pois, o direito à fundamentação das decisões (cf. Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, 4ª edição revista, págs. 416 e 417).


Daí que, na elaboração da sentença e na parte respeitante à fundamentação, deve o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final (cf. artigo 607º, nº 3, do Código de Processo Civil).


Porém, como é pacífico, o vício de falta de fundamentação, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, só ocorre quando houver falta absoluta dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, e já não quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, incompleta, não convincente, medíocre ou até errada, porquanto essa situação determinará a sua revogação ou alteração por via de recurso, quando o mesmo for admissível, mas não a respectiva nulidade.


3. No caso em apreço, as recorrentes fundam a nulidade na falta de fundamentação de direito da decisão em causa, referindo que a sentença se limita a transcrever um trecho do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, para depois concluir que não se verifica a prescrição, sem interpretar nem aplicar as normas jurídicas correspondentes, o que acarreta também a ininteligibilidade do discurso decisório, por ausência total de explicação da razão porque se decidiu de determinada maneira.


Não está, pois, em causa a falta da fundamentação de facto, posto que os factos considerados provados constam elencados na sentença, como acima se transcreveu.


No que se reporta ao direito, a decisão recorrida, depois de transcrever os fundamentos de oposição previstos no artigo 729º do Código de Processo Civil, resumiu-se ao seguinte:

«Quanto à prescrição, acompanha-se agora o ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA de 07-03-2024 (Processo n.º 1610/23.3T8ENT-A.E1), que esclarece que «os factos extintivos ou modificativos da obrigação invocáveis na oposição à execução são aqueles que ocorrem ou se formam em momento posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração, o que se compreende uma vez que os ocorridos até este momento podem ainda ser conhecidos na própria sentença…Ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 311.º do Código Civil, “[o] direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo” e segundo o artigo 309.º do mesmo Código, o prazo ordinário de prescrição é de vinte anos (artigo 309.º do CC). Assim, a sentença ou outro título executivo, como é o caso do requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória (artigo 14.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1/9), “transforma a prescrição de curto prazo, mesmo que só presuntiva, numa prescrição normal, sujeita ao prazo de vinte anos.” Por efeito da aposição de fórmula executória no requerimento de injunção a prescrição do direito de crédito passou a ser de vinte anos (…)».

Como assim, é por demais evidente que não se verifica a arguida prescrição.»

4. Como resulta do texto transcrito, o tribunal a quo aderiu à fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 07/03/2024 (proferido no processo n.º 1610/23.3T8ENT-A.E1, acessível em www.dgsi.pt), do qual resulta a aplicação da norma do n.º 1 do artigo 311º do Código Civil, e a consequente aplicação do prazo prescricional de 20 anos, em face do novo título constituído pela sentença exequenda, e não do prazo de cinco anos que seria aplicável ao mútuo bancário em questão, em conformidade com a jurisprudência fixada no acórdão uniformizador n.º 6/2022, de 30/07/2022.


É certo que se trata de fundamentação por remissão para a jurisprudência citada e fundamentos em que a mesma se baseou, mas resulta evidente a adesão a esses fundamentos e que a conclusão pela não verificação da prescrição resulta da aplicação das normas dos artigos 311º, n.º 1, e 309º, do Código Civil.


Por conseguinte a decisão está mínima, mas suficientemente fundamentada, não enfermando de qualquer ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível, resultando do alegado pelas recorrentes que a perceberam, embora não concordem com a mesma, o que é coisa diferente.


Em consequência improcede a dita nulidade.


5. Mas, ainda que se entendesse que a fundamentação por remissão, nos termos em que foi efectuada, redundaria na nulidade invocada, sempre este Tribunal ad quem haveria de conhecer da questão de fundo, em face do disposto no artigo 665º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


6. Apreciando de mérito a questão da prescrição invocada, importa reter o seguinte:


A prescrição é o instituto jurídico pelo qual os direitos subjectivos se extinguem se não forem exercidos durante certo lapso de tempo fixado na lei (artigo 298°, n.º 1 do Código Civil), e tem como principal fundamento a inércia de alguém que, podendo ou devendo actuar para exercitar um direito, se abstém de o fazer. Sustenta-se numa ideia de negligência do titular do direito em exercitá-lo, negligência essa que faz presumir a sua vontade de renunciar a tal direito, ou, pelo menos, o torna desmerecedor de protecção jurídica.


Este instituto visa a certeza e a segurança do tráfico jurídico, a protecção dos obrigados, especialmente dos devedores, contra as dificuldades de prova a longa distância temporal, e exercer pressão sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles.


No artigo 310º do Código Civil consagra-se casos de prescrição extintiva com prazo mais reduzido, justificando-se o estreitamento uma vez que estão em causa direitos que têm, em regra, por objecto prestações periódicas.


Vinha entendendo a jurisprudência que, no mútuo bancário, em que o reembolso da quantia emprestada foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas prestações que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, prestações essas a pagar periodicamente com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeita ao prazo prescricional de cinco anos, previsto na alínea e) do artigo 310° do Código Civil.


Este entendimento veio a ser consolidado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/6/2022 (DR, I série, 22/9/2022) que uniformizou a jurisprudência no sentido de:


«I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação;


II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.»


7. É precisamente a aplicação da doutrina firmada por este aresto que as recorrentes reclamam em prol da verificação da prescrição, referindo que entre a data das últimas prestações vencidas (10/10/2013) e a sua citação ocorrida em 29/08/2023 (na execução), ocorreram quase 10 anos, concluindo, assim, pela verificação do prazo de prescrição de 5 anos, a que se reporta a alínea e) do artigo 310º do Código Civil.


Mas é evidente que não lhes assiste razão.


Efectivamente, esqueceram-se as recorrentes que já não está em causa nos autos saber se a exequente tem direito às quantias em dívida na sequência do incumprimento dos contratos de mútuo em causa na acção declarativa – aos quais seria aplicável o regime da prescrição com o entendimento adoptado no acórdão de uniformização –, mas sim o direito que emerge da sentença condenatória, de 24/11/2015, transitada em julgado, que reconheceu o direito de crédito dado à execução, a qual constitui o título executivo.


Ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 311.º do Código Civil, “[o] direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo”, e segundo o artigo 309.º do mesmo Código, o prazo ordinário de prescrição é de vinte anos (artigo 309.º do CC).


Assim, a sentença ou outro título executivo que reconheça o direito invocado, transforma a prescrição de curto prazo, mesmo que só presuntiva, numa prescrição normal, sujeita ao prazo de vinte anos.


É certo que de acordo com o n.º 2 do artigo 311º do Código Civil, “[q]uando, porém, a sentença ou outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo”.


Mas esta norma não é aqui aplicável, porquanto, a sentença não condenou no pagamento de prestações futuras ainda não devidas, mas sim, nas prestações já vencidas e no pagamento das prestações de capital que se venceriam posteriormente, que considerou antecipadamente vencidas e exigíveis, em função do incumprimento e da aplicação da norma do artigo 781º do Código Civil.


Assim, estando o direito da exequente reconhecido por sentença, datada de 24/11/2015, e tendo sido instaurada a execução, com base neste título, em 13/05/2017, é manifesto não ter ocorrido o prazo de prescrição ordinária, ainda que a notificação das executadas para a execução só tenha ocorrido em Setembro de 2023.


Note-se que, mesmo que se entendesse ser aplicável a estas prestações o prazo prescricional de cinco anos, apesar de as executadas terem sido notificadas para a execução em Setembro de 2023, a prescrição ter-se-ia por interrompida decorridos cinco dias após a propositura da execução, como decorre dos n.º 1 e 2 do artigo 323º do Código Civil [1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. 2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.].


8. Referem ainda as recorrentes, que tendo a sentença condenado em juros moratórios, quanto a estes continua a ser aplicável o prazo prescricional de cinco anos, nos termos previstos na alínea d) do artigo 310º do Código Civil [Prescrevem no prazo de cinco anos: “d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades”].


Sucede, porém, que datando a sentença de 24/11/2015 e tendo a execução, com base na sentença, sido instaurada em 13/05/2017, considerando-se, como se referiu, a citação interrompida ao 5º dia, é manifesto que, ainda que se entendesse que a condenação em juros moratórios não estava abrangida pelo prazo da prescrição ordinária, certo é que à data da interrupção do prazo de prescrição não ocorreu o aludido prazo da prescrição de curta duração.


9. Deste modo, improcede a apelação, com a consequente manutenção da sentença recorrida.


Custas a cargo das apelantes (cfr. artigo 527º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil)


*


C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]

(…)

*


IV – Decisão


Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a sentença recorrida.


Custas a cargo das apelantes.


*


Évora, 18 de Setembro de 2025


Francisco Xavier


Maria João Sousa e Faro


Manuel Bargado


(documento com assinatura electrónica)