De acordo com o disposto no nº 1 do art. 6º do Decreto-Lei nº 268/94, de 25.10, apenas a ata que contenha a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e a determinação do prazo de pagamento respetivo, pode constituir título executivo.
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO
Por apenso à execução que Condomínio do Edifício J... lhe moveu, apresentando como título executivo as atas das assembleias de condóminos nºs 31, 32, 33, 34, e 35, veio o executado AA deduzir oposição por embargos de executada pedindo «a extinção da execução quanto aos juros de mora calculados nos termos do art. 20.º do RIC, pela advogada por serem manifestamente excessivos e das despesas com o impulso processual no montante de € 2.198,00 (dois mil cento e noventa e oito euros) com honorários de advogado e as despesas do condomínio relativas ao exercício de 2019/2020 e respetivos juros, e improcedentes no remanescente».
O exequente/embargado contestou, concluindo pela improcedência dos embargos.
Após comunicação às partes que o processo reunia condições para que fosse proferida decisão final, e sem que as mesmas se houvessem pronunciado, foi, em sede de despacho saneador, proferida sentença que julgou os embargos improcedentes, com a consequente extinção da execução.
Inconformado, o exequente/embargado apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«1. A sentença recorrida violou os artigos 703.º, n.º 1, alínea d), 713.º do CPC e 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94.
2. As atas das assembleias de condóminos constituem título executivo suficiente.
3. A determinação do valor em dívida é possível por simples cálculo aritmético.
4. O Executado teve ciência efetiva das deliberações e montantes devidos.
5. Em caso de dúvida, deveria ter sido promovida a sanação da execução, em nome do princípio da economia processual.
6. Deve ser revogada a sentença recorrida, julgando-se válida a execução.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial a decidir é a de saber se as atas em questão detêm exequibilidade, podendo servir de suporte à pretensão executiva formulada.
III - FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos1:
1. O Exequente propôs a presente execução por requerimento executivo de 15.07.2024, cujo teor se dá por reproduzido.
2. O Exequente é um condomínio de um prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, denominado por “Condomínio Edifício J...”, entidade equiparada a pessoa coletiva n.º ..., sito em: BECO ... n.º 2, EDIFÍCIO ..., ... Cidade 1.
3. A 28 de Outubro de 2020, o Executado adquiriu a fração autónoma designada pela letra “AH”, correspondente a “Estabelecimento Comercial situado junto ao solário da piscina, destinado a snack/bar, com zona de atendimento, zona de serviço e esplanada”, com uma permilagem de 22,0000.
4. Na Assembleia Geral de 7 de Dezembro de 2019, da qual resultou a Ata n.º 31 junta com o requerimento executivo como Documento 2 e cujo teor se dá integralmente por reproduzido, foi aprovado o orçamento para o exercício de 1 de Outubro de 2019 a 30 de Setembro de 2020, conforme anexo nº 2 da referida ata.
5. Na Assembleia Geral de 17 de Abril de 2021, da qual resultou a Ata n.º 32 junta com o requerimento executivo como Documento 5 e cujo teor se dá integralmente por reproduzido, foi aprovado o orçamento para o exercício de 1 de Outubro de 2020 a 30 de Setembro de 2021, conforme anexo nº 2 da referida ata.
6. A Assembleia Geral de 17 de Abril de 2021 foi convocada por correio registado no dia 6 de Abril de 2021, bem como foi comunicado – via carta – o teor das deliberações da referida Ata, no dia 10 de Maio de 2021, ao aqui Executado.
7. Na Assembleia Geral de 27 de Novembro de 2021, da qual resultou a Ata n.º 33 junta com o requerimento executivo como Documento 8 e cujo teor se dá integralmente por reproduzido, foi aprovado o orçamento para o exercício de 1 de Outubro de 2021 a 30 de Setembro de 2022, conforme anexo nº 2 da referida ata.
8. A Assembleia Geral de 27 de Novembro de 2021 foi devidamente convocada por correio registado no dia 16 de Outubro de 2021, bem como, foi comunicado – via carta – o teor das deliberações da referida Ata, no dia 23 de Dezembro 2021, ao aqui Executado.
9. Na Assembleia Geral de 3 de Dezembro de 2022, da qual resultou a Ata n.º 34 junta com o requerimento executivo como Documento 11 e cujo teor se dá integralmente por reproduzido, foi aprovado o orçamento para o exercício de 1 de Outubro de 2022 a 30 de Setembro de 2023, conforme anexo nº 2 da referida ata.
10. A Assembleia Geral de 3 de Dezembro de 2022 foi devidamente convocada por carta de 17 de Novembro de 2022, bem como foi comunicado – via carta – o teor das deliberações da referida Ata, no dia 3 de Janeiro de 2023.
11. Na Assembleia Geral de 2 de Dezembro de 2023, da qual resultou a Ata n.º 35 junta com o requerimento executivo como Documento 14 e cujo teor se dá integralmente por reproduzido, foi aprovado orçamento para o exercício de 1 de Outubro de 2023 a 30 de Setembro de 2024, conforme anexo nº 2 da referida ata.
12. A Assembleia Geral de 2 de Dezembro de 2023 foi devidamente convocada por carta de 21 de Novembro de 2023, bem como foi comunicado – via carta – o teor das deliberações da referida Ata, no dia 20 de Dezembro de 2023.
13. Na mesma assembleia supra referida, de que resultou a Ata n.º 35, no seu ponto n. º 5, foi lavrado pela administração que a fração “AH” era devedora das quotas referentes a 2020/2021, 2021/2022 e 2022/2023
14. No mesmo ponto, foi aprovado por unanimidade dos presentes e representados, prosseguir para cobrança judicial por mandatário judicial.
15. A 2 de Janeiro de 2024, foi remetida carta ao Executado, solicitando o pagamento da quantia de € 1.816,15 relativamente a dívidas de quotas de 30 de Outubro de 2020, a 30 de Setembro de 2023, conforme Documento 17 junto com o requerimento executivo cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
16. O Executado nada pagou.
17. Consta do REGULAMENTO DO CONDOMÍNIO J..., junto com o requerimento executivo como Documento 20 e cujo teor se dá por reproduzido, o seguinte:
Não foram considerados factos não provados.
O DIREITO
Considerou-se no saneador-sentença recorrido que atas acima referidas não reúnem as condições de exequibilidade quanto aos valores exigidos pela exequente, concluindo-se desse modo pela falta de título executivo.
Já o recorrente defende que aquelas atas constituem título executivo suficiente, sendo a determinação do valor em dívida possível por simples cálculo aritmético, acrescendo que o executado/embargante teve ciência efetiva das deliberações e montantes devidos.
Vejamos, pois, de que lado está a razão.
Dispõe-se no art. 10º, nº 5, do CPC que «[t]oda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
Dentre os vários títulos que podem servir de base à execução constam os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva – artigo 703º, nº 1, al. d), do CPC.
Para que as atas das assembleias de condóminos tenham força executiva é preciso, naturalmente, que elas preencham certos requisitos.
Estes requisitos estão previstos no artigo 6º, nº 1, do DL n.º 268/94, de 25.10, que, na sua redação original (vigente à data da elaboração das atas nºs 31, 32 e 33), dispunha:
«A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Numa interpretação literal, aquilo que a norma exige parece ser tão-só que a ata respeite a reunião em que se deliberou sobre o montante das contribuições devidas pelo condómino e não que dela conste expressamente este montante.
Mas não se pode esquecer que, como decorre do já mencionado artigo 10º, nº 5, do CPC, os títulos executivos desempenham a função essencial de certificação do direito.
Os títulos executivos podem, pois, definir-se, como «(…) os documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da força probatória especial de que estão munidos, tornam dispensável o processo declaratório (ou novo processo declaratório) para certificar a existência do direito do portador»2.
Assim, sob pena de ficar comprometida aquela sua função, os títulos executivos não podem deixar de conter um mínimo de elementos identificadores do direito em causa3.
Tendo isso em consideração, a jurisprudência tem entendido, nas palavras usadas no sumário do acórdão do STJ de 19.06.20194.
«A acta de condomínio vale como título executivo previsto no art.6.º, n.º 1 do DL n.º 268/94, de 25-10 desde que contenha (i) o nome do proprietário/condómino devedor e (ii) o montante em dívida – art. 53.ºdo CPC”.
Lê-se na fundamentação deste acórdão:
«(…), à luz do artigo 6.º do já citado Decreto-Lei nº 268/94, de25 de Outubro, a acta para valer como título executivo teria de conter não só o nome do devedor, mas também o montante em dívida, forçoso seria concluir que, só com esses dois elementos, ficaria satisfeita a exigência contida no n.º5 do art.º 10.º (anterior artigo 45.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) – ‘toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva’”.
Mais rigoroso quanto às exigências que devem conter as atas para o efeito de funcionarem como título executivo é ainda o sumário do acórdão do STJ de 02.06.20215:
«I - Para valer como título executivo nos termos do art. 6º do DL nº268/94 de 25.10, a acta da assembleia de condomínio tem de conter a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento respectivo;
II – A acta que se limita a documentar a aprovação pela assembleia da existência de uma dívida de um condómino por não pagamento de quotas, tal como referido pela administração, não reúne os requisitos de exequibilidade que resultam do art. 6º do DL n 268/94».
No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 01.10.20196, em cujo sumário se consignou:
«A ata da assembleia de condóminos da qual consta uma deliberação que se limita a reconhecer a existência de uma dívida dos condóminos/executados relativa à falta de pagamento de contribuições, referida como existente pela administração, não constitui título executivo nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do art. 6.º do DL n.º 268/94, de 25-10»7.
Este entendimento é, de certo modo, confirmado pela alteração legislativa da Lei n.º 8/2022, de 10.01 (entrada em vigor apenas em 10.04.2022), por força da qual no artigo 6.º passou de forma mais clara a dispor-se:
«1 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.
2 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que reúna os requisitos indicados no n.º 1 constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte».
Ora, analisadas as atas em questão, conclui-se que das atas nºs 32, 33, 34 e 35 apenas consta o valor do orçamento para os períodos de 01.10.2020 a 30.09.2021, 01.10.2021 a 30.09.2022 e 01.10.2022 a 30.09.2023, respetivamente, pelo que nenhuma delas preenche os requisitos legalmente exigidos e acima indicados para valer como título executivo.
Também no que diz respeito à ata nº 31, apenas consta no ponto 5 a aprovação da de mandatário judicial para cobrança coerciva de quotas de condomínio em dívida a instaurar contra os proprietários de algumas frações, nos valores aí referidos, não contendo a deliberação sobre a fixação da quota-parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento respetivo.
Ademais, como se escreveu acertadamente na sentença recorrida, «(…) vem o Exequente reclamar “o montante total de € 16.101,94 que se reporta às seguintes parcelas e períodos:
- referente ao ano de 2020;
- referente ao ano de 2021;
- referente ao ano de 2022;
- referente ao ano de 2023;
- Juros de mora # nos termos do art. 20º do RIC (Documento 19) # Vencidos;
- Sanção pecuniária nos termos do art.º 1434/2 CC;
- referente ao impulso processual (carta de interpelação, honorários, taxa de justiça, honorária 1ª fase AE).”
Desde logo se diga que o Exequente não discrimina os valores devidos a título de cada um dos itens que indica.
E, mesmo nos socorrendo da Conta Corrente que junta ao requerimento executivo como Documento 20 (que não constitui título executivo), fica por esclarecer o valor aí indicado de “€11.175,00” de “Juros de Mora calculados # Art.º 20 RIC # Advogada”.
Com efeito, ainda que se considere a “coima” prevista no referido artigo 20º do Regulamento8 e juros de mora, não se alcança tal valor.
O mesmo de diga do valor de “2.198,00” referente a “Impulso Processual (Tx justiça, 1.ª Fase AE, etc) # Advogada” que, para além não corresponder à exigência de certeza e liquidez, não se encontra demostrada documentalmente».
Em suma, nenhuma das atas preenche os requisitos legalmente exigidos e acima indicados para valer como título executivo.
Por conseguinte, o recurso improcede, não se mostrando violadas as normas invocadas ou quaisquer outras.
Vencido no recurso, suportará o exequente/recorrente as respetivas custas – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
Sumário:
(…)
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
*
Évora, 18 de setembro de 2025
Manuel Bargado (relator)
Maria Adelaide Domingos
José António Moita
(documento com assinaturas eletrónicas)
1. Mantém-se a sequência dos factos constantes da sentença.↩︎
2. Cf. Antunes Varela / Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, pp. 78-79.↩︎
3. Cf. acórdão do STJ de 17.10.2024, proc. 5915/13.3YYPRT-C.P1.S1, in www.dgsi.pt, que aqui seguimos de perto.↩︎
4. Proc. 5859/08.0YYLSB-A.L2.S1, in www.dgsi.pt.↩︎
5. Proc. 1549/18.4T8SVL-A.E1.S1, in www.dgsi.pt.↩︎
6. Proc. 14706/14.3T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.↩︎
7. Tem sido este, aliás, o entendimento seguido neste Tribunal da Relação de Évora, de que constitui exemplo o recente acórdão de 13.02.2025, proc. 165/23.3T8SLV-A.E1, relatado pela aqui 1ª adjunta, disponível in www.dgsi.pt.↩︎
8. Trata-se do Regulamento do exequente, dispondo aquele art. 20º que [c]aso as prestações não sejam pagas com o exposto no artigo anterior, serão aplicadas coimas no valor de 25,00€ por cada mês de atraso, a partir de 6 meses em atraso».↩︎