CONTRATO DE EMPREITADA
ALTERAÇÕES DA INICIATIVA DO EMPREITEIRO
MODALIDADE DE PREÇO GLOBAL
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário

I – Nos termos do artigo 1214.º n.º 1 do Código Civil – alterações da iniciativa do empreiteiro –, o empreiteiro não pode, sem autorização do dono da obra, fazer alterações ao plano convencionado – o empreiteiro está obrigado a realizar a obra, em conformidade com o convencionado e sem vícios, estando adstrito ao cumprimento de uma obrigação de resultado.
II – Sendo o preço da empreitada fixado, por comum acordo das partes, na modalidade de preço global, per aversionem ou à forfait tem carácter vinculativo para as partes – o preço é fixado no momento da celebração do contrato, globalmente para toda a obra/ o dono da obra tem a vantagem de conhecer o preço de antemão, com segurança, desde o momento da celebração do contrato, evitando surpresas e garantindo-se contra o perigo de o empreiteiro procurar aumentar a dimensão da obra em vista da obtenção de mais ganhos, e não por necessidade ou utilidade da obra.
III – Trata-se de uma modalidade que oferece garantias para o dono da obra, uma vez que vê o preço fixado de antemão, envolvendo, no entanto, alguns riscos para o empreiteiro, especialmente em caso de alteração do preço dos materiais ou da necessidade de realização de despesas não previstas. Nesta modalidade de empreitada, o empreiteiro não pode reclamar aumento do preço nem sequer perante alterações autorizadas pelo dono da obra, se a autorização não for dada por escrito, com fixação do aumento do preço.
IV – Em regra, uma vez fixado, o preço é invariável – resulta do princípio geral da invariabilidade do conteúdo dos contratos, em geral e, em particular, do princípio segundo o qual o empreiteiro executa a obra com gestão e risco próprio –, salvo em situações excepcionais, como as previstas nas normas dos artigos 1214.º n.º 1 (Alterações da iniciativa do empreiteiro) – O empreiteiro não pode, sem autorização do dono da obra, fazer alterações ao plano convencionado - n.º 3 - Se tiver sido fixado para a obra um preço global e a autorização não tiver sido dada por escrito com fixação do aumento de preço, o empreiteiro só pode exigir do dono da obra uma indemnização correspondente ao enriquecimento deste; 1215.º, n.º 1 (Alterações necessárias) - Se, para execução da obra, for necessário, em consequência de direitos de terceiro ou de regras técnicas, introduzir alterações ao plano convencionado, e as partes não vierem a acordo, compete ao tribunal determinar essas alterações e fixar as correspondentes modificações quanto ao preço e prazo de execução, 1216.º n.ºs 1 e 2 ( Alterações exigidas pelo dono da obra ), todos do Cód. Civil.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

A A. A... Lda. intentou a presente acção especial com processo de injunção contra AA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 4 600,20 acrescida de € 439,60 a título de juros de mora vencidos, mais pedindo a condenação da ré no pagamento de € 150,00 a título de outras quantias e de 102,00€ a título de taxa de justiça paga pela A.

Invoca, para tanto, ter celebrado com a R., em Agosto de 2021 um contrato de empreitada.

Alega que realizada a respectiva empreitada, a Requerente emitiu em 06.08.2021 a Factura 2022A1/149, no valor de € 13.450,05, com vencimento a 05.09.2021 e que a ré liquidou somente a quantia de € 8.849,85, permanecendo em dívida o valor de 4.600,20€.

*

Citada a requerida, veio a mesma deduzir oposição impugnando o alegado no requerimento inicial, alegando que o valor peticionado é relativo à utilização de uma máquina para efectuar um trabalho de perfuração de pedra e cujo valor adicional não havia sido acordado entre as partes, não tendo a ré tido conhecimento nem acordado com tal alteração, razão pela qual e declarando nada dever à ora A.

Conclui pela improcedência da acção e pela absolvição do pedido.


*

Pelo Juízo Local Cível de Viseu – Juiz 2 foi proferida a seguinte decisão final:  

IV - Dispositivo

Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente e absolve-se a Ré dos pedidos.

Custas a cargo do A., fixando-se o valor da acção no valor do capital e juros peticionados – art. 527.º do CPC.

Notifique e registe.

..., 29.12.2024 (de baixa médica de 09.12.2024 a 18.12.2024, em férias pessoais de 24 a 27.12.2024)


*

A... Lda. não se conformando com tal decisão da mesma vêm interpor recurso de apelação, assim concluindo:

(…).


*

2. Do objecto do recurso

2.1 - Da impugnação da matéria de facto;

A 1.ª instância alinhavou, assim, a sua matéria de facto:

II – Fundamentação de facto

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1. A Requerente exerce a sua actividade comercial, no sector da prestação de serviços, terraplanagens, aluguer de máquinas, entre outros.

2. Em Agosto de 2021, a Requerida contratou à Requerente uma empreitada, com o objetivo de realizar trabalhos de um desaterro e terraplanagem, sendo acordado os valores hora consoante a maquinaria usada, nomeadamente Cat 320 com baldo (€ 70,00 hora), Cat 320 com martelo (€ 100,00 hora), Camião de 32 toneladas (€ 50,00 hora) e Camião de 26 toneladas (€ 45,00 hora), acrescido de IVA;

3. Foram contabilizadas 27 horas e 30 minutos de trabalho com a Cat 320 com baldo, 38 horas e 30 minutos de Cat 320 com martelo, 22 horas de Roque a furar pedra, 14 horas de Camião de 32 toneladas e 16 horas de Camião de 26 toneladas, totalizando o valor de € 10.935,00 (dez mil novecentos e oitenta e um euros), acrescido de IVA. - cfr. doc. 1 junto aos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido;

4. Realizada a respectiva empreitada, a Requerente emitiu em 06.08.2021 a Factura 2022A1/149, no valor de € 13.450,05, com vencimento a 05.09.2021.

5. Esta factura foi entregue à Requerida, tendo esta liquidado a quantia de € 8.849,85 – cfr. Recibo junto como doc. 1 supra referido;

6. A Requerente, remeteu à Requerida diversas missivas a solicitar o pagamento, nomeadamente em 30/03/2023, 16/06/2023, 20/07/2023 e 07/08/2023, respetivamente, por meio de carta registada com aviso de recepção, a informar do montante total em dívida;

7. O valor de capital 4600,20€ peticionado pela Requerente e não pago pela requerida diz respeito a 22 horas de utilização da máquina Roque de furar pedra, com o valor de € 170,00 por hora, num total de 3.740,00€, acrescido de IVA;

8. A requerente não informou a requerida sobre a necessidade de alugar de uma máquina - designadamente a máquina Roque de furar pedra - com o valor de € 170,00 por hora acrescido de IVA nem a requerida deu o seu consentimento para tal.

9. O aluguer da máquina referida em 7. e respectivo valor não estava incluído no plano convencionado entre as partes, não tendo a sua utilização sido consentida pela requerida.

Factos não provados:

A) Que entre as partes tenha sido acordado a utilização da máquina Roque de furar pedra com o valor de € 170,00 por hora acrescido de IVA;

B) Que a ré não tenha contestado o valor da factura referido nos factos provados– cfr. Doc. 3 e 1 junto respectivamente pela A. e pela Ré que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

C) Que a A. não tenha obtido por parte da ré qualquer resposta às missivas enviadas referidas nos factos provados – cfr. Doc. 3 e 1 junto respectivamente pela A. e pela Ré que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

Da discussão da causa não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.


*

(…).

*

2.2- A empreitada e o enriquecimento sem causa;

Alega, neste particular, a Apelante:

Recurso de direito

24. A Se é verdade, conforme refere o Tribunal a quo, que “Dos factos assentes emerge que o contrato celebrado entre autora e ré é um contrato de empreitada – cf. artigo 1207 º do Código Civil.”, e que “Como expressamente decorre do disposto no artigo 1155º do CCivil, a empreitada, enquanto modalidade do contrato de prestação de serviços, tem por objecto não o trabalho executado sob a direcção do outro contraente mas o resultado desse trabalho, sendo na realização da obra que reside o acto jurídico.”

25. Em face do exposto no capítulo anterior, não pode entender o Tribunal a quo, que não houve acordo para a utilização da máquina Roque para partir a pedra, e de que a aqui recorrente “agiu de forma unilateral em desconformidade com os termos contratados”, existiu um acordo expresso entre dono de obra e empreiteiro, respeitando- se assim os artigo 406.º, n.º 1 e 1214.º, n.º 1 do C.C.

26. E assim, erra o Tribunal a quo, ao decidir que “não tem a Ré qualquer responsabilidade contratual para com o A., pelo que a presente acção só pode improceder.”, devendo ser proferida decisão contrária, que condene a ora recorrida.

27. Subsidiariamente, e caso assim não se entendesse, sempre se dirá, que tendo sido dado, como provado o Facto 3, de que “Foram contabilizadas 27 horas e 30 minutos de trabalho com a Cat 320 com baldo, 38 horas e 30 minutos de Cat 320 com martelo, 22 horas de Roque a furar pedra, 14 horas de Camião de 32 toneladas e 16 horas de Camião de 26 toneladas, totalizando o valor de € 10.935,00 (dez mil novecentos e oitenta e um euros), acrescido de IVA. - cfr. doc. 1 junto aos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido;”, sendo que tal nunca foi impugnado pela ora recorrida, deveria, no nosso entender, a Meritíssima Juiz a quo, remeter para incidente de liquidação subsequente à sentença, e isto porque;

28. Nos termos do disposto no artigo 473.º, n.º 1 do C.C., “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.”.

29. Ora, são pressupostos do enriquecimento sem causa, a existência de um enriquecimento, a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem, a ausência de causa justificativa para o enriquecimento, e a lei não facultar ao prejudicado outro meio de ser restituído/indemnizado.

30. No caso em apreço, a Ré, ora recorrida, enriqueceu às expensas da Autora, aqui recorrente, sem qualquer justificação para tal facto, sendo que a presente acção era o meio da aqui recorrente, ser indemnizado por tal.

31. Assim, tendo sido dado, como provado o Facto 3, de que as horas do serviço da máquina Roque foram prestadas, deverá sempre ser decretado e legado para incidente de liquidação subsequente à sentença, o valor que a Ré, ora recorrida, deverá liquidar à Autora, aqui recorrente.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a douta decisão, proferida em 1ª Instância, e substituída por outra que dê provimento aos pedidos efectuados pela A., ora recorrente, na PI.

Avaliando.

Dos factos assentes emerge que o contrato celebrado entre autora e ré é um contrato de empreitada – cf. artigo 1207 º do Código Civil -, sendo que nos termos do artigo 1214.º n.º 1 do Código Civil - alterações da iniciativa do empreiteiro -, o empreiteiro não pode, sem autorização do dono da obra, fazer alterações ao plano convencionado - o empreiteiro está obrigado a realizar a obra, em conformidade com o convencionado e sem vícios, estando adstrito ao cumprimento de uma obrigação de resultado.

Visto o contrato dos autos, verificamos que o preço da empreitada foi fixado, por comum acordo das partes, na modalidade de preço global, a corpo, per aversionem ou à forfait e tem carácter vinculativo para as partes - o preço é fixado no momento da celebração do contrato, globalmente para toda a obra/ o dono da obra tem a vantagem de conhecer o preço de antemão, com segurança, desde o momento da celebração do contrato, evitando surpresas e garantindo-se contra o perigo de o empreiteiro procurar aumentar a dimensão da obra em vista da obtenção de mais ganhos, e não por necessidade ou utilidade da obra.

Trata-se de uma modalidade que oferece garantias para o dono da obra, uma vez que vê o preço fixado de antemão, envolvendo, no entanto, alguns riscos para o empreiteiro, especialmente em caso de alteração do preço dos materiais ou da necessidade de realização de despesas não previstas. Nesta modalidade de empreitada, o empreiteiro não pode reclamar aumento do preço nem sequer perante alterações autorizadas pelo dono da obra, se a autorização não for dada por escrito, com fixação do aumento do preço, podendo apenas reclamar a indemnização por enriquecimento sem causa – sobre a temática, vide Luis Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III – Dos Contratos em Especial, Coimbra, Almedina, 2012, pp.518-519; Domenico Rubino, L’appalto, Torino, Unione Tipografico – Editrice Torinese, 1958. p.132.

Em regra, uma vez fixado, o preço é invariável - resulta do princípio geral da invariabilidade do conteúdo dos contratos, em geral e, em particular, do princípio segundo o qual o empreiteiro executa a obra com gestão e risco próprio -, salvo em situações excepcionais, como as previstas nas normas dos artigos 1214.º n.º 1 (Alterações da iniciativa do empreiteiro) - O empreiteiro não pode, sem autorização do dono da obra, fazer alterações ao plano convencionado - n.º 3 -Se tiver sido fixado para a obra um preço global e a autorização não tiver sido dada por escrito com fixação do aumento de preço, o empreiteiro só pode exigir do dono da obra uma indemnização correspondente ao enriquecimento deste ; 1215.º, n.º 1 (Alterações necessárias) - Se, para execução da obra, for necessário, em consequência de direitos de terceiro ou de regras técnicas, introduzir alterações ao plano convencionado, e as partes não vierem a acordo, compete ao tribunal determinar essas alterações e fixar as correspondentes modificações quanto ao preço e prazo de execução, 1216.º  n.os 1 e 2 ( Alterações exigidas pelo dono da obra ), todos do Cód. Civil.

Ora, no caso em apreço, a alteração das circunstâncias invocada pela A. que determinaram a necessidade de esta alugar a máquina Roque para partir a pedra que surgiu no solo - máquina essa cujo custo por hora ascendia a 170,00€ acrescido de IVA - consubstancia uma alteração ao plano convencionado, especificamente ao orçamento acordado pelas partes, e, em consequência, uma alteração dos termos contratuais fixados e nessa medida exige necessariamente o mútuo consentimento dos contraentes, não se verificando quaisquer uma das excepções supra referidas.

Como escreve a 1.ª instância:

Deste modo e perante a necessidade de utilização de tal máquina, deveria a A., à luz dos princípios da boa fé, comunicar com a ré e expôr-lhe a situação devendo assim informá-la claramente dos valores acrescidos que tal alteração das circunstâncias acarretaria. Ou seja, a A. deveria informar a Ré de forma clara e inequívoca dos moldes em que pretendia alterar as condições contratuais, sendo que apenas após tal concordância deveria e poderia avançar com a obra nos novos moldes acordados.

De resto e apenas no caso de não haver acordo é que teria aplicação o regime previsto no art. 1215.º do CC., mas tal pressupõe sempre a comunicação prévia referida.

Sucede que no caso ora em apreço a A. agiu de forma unilateral em desconformidade com os termos contratados, avançando com o recurso a meios mais dispendiosos sem prévia comunicação e concordância da ré.

Tal conduta em desconformidade com os termos contratuais fixados é da inteira responsabilidade da A. bem como os custos acrescidos que a mesma determinou.

Apenas mais estas notas, no tocante ao que o Apelante, no seu recurso, chama de pedido subsidiário – Pontos 27 a 31.

Como é sabido, o tribunal ad quem é chamado para reapreciar decisões do tribunal inferior - art.º 627.º n.º 1 -, tendo em vista avaliar se este violou a lei, na sua pronúncia sobre as questões que foi chamado a apreciar. Os recursos são meios de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre, visando, assim, um reestudo das questões já vistas e resolvidas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas, a menos que sejam de conhecimento oficioso – neste preciso sentido, por ex., António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em processo civil, 7.ª edição, 2022, Almedina, páginas 140 a 142; STJ, 04.10.2018, processo 588/12.3TBPVL.G2.S1; STJ, 08.10.2020, processo 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1; STJ, 11.11.2020, processo 4456/16.1T8VCT.G2.S1, decisões pesquisáveis em www.dgsi.pt.

Assim, e sendo certo que a aludida questão não constitui matéria de conhecimento oficioso, está vedado a esta Relação a apreciação do enriquecimento sem causa.

No entanto, sempre se dirá que para o enriquecimento sem causa é determinante que o enriquecimento à custa de outrem se verifique e careça de causa justificativa, ou por nunca a ter tido ou por a ter perdido, tornando-se, por isso, injusto. O enriquecimento sem causa não traduz uma regra residual de decisão - não traduz sequer uma regra de decisão -, que seja desencadeada, no que à obrigação de restituir respeita, pela indemonstração da causa de uma deslocação patrimonial, cuja invocação se dirigia a outro efeito.

Se a Apelante invocou a existência de um contrato de empreitada, há uma causa para a prestação dos mesmos, pelo que não há que recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa, que, no caso dos contratos de empreitada o legislador prevê, expressamente, a sua eficácia - artigos 1214.º (Alterações da iniciativa do empreiteiro) – mas só nos casos em autorização (que tem de ser dada) não tiver sido dada por escrito, já que o empreiteiro não pode, sem autorização do dono da obra, fazer alterações ao plano convencionado.

Improcede, pois, a apelação

O Sumário:

(…).

*
3.Decisão
Assim, na improcedência do recurso, mantemos o decidido pelo Juízo Local Cível de Viseu – Juiz 2.

As custas ficam a cargo da Apelante.

Coimbra, 8 de Julho de 2025

(José Avelino Gonçalves - Relator)

( Paulo Correia - 1.º adjunto)

(Maria João Areias – 2.º adjunto)