PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
CRÉDITOS NÃO SUBORDINADOS
QUÓRUM DE APROVAÇÃO
Sumário

I – O segundo quórum de aprovação contido na subalínea ii), das alíneas b) e c), do nº 5 do artigo 17º-F, CIRE, tem sido objeto das seguintes interpretações:
a) uma primeira, segundo a qual, metade dos votos favoráveis emitidos tem de corresponder a créditos não subordinados;
b) uma segunda, que exige que, dos credores subordinados que votaram, pelo menos 50% dos mesmos tenham votado favoravelmente.
c) uma terceira, na qual o plano terá de recolher o voto favorável de pelo menos, 50% da totalidade dos créditos não subordinados relacionados.
II – Com a maioria exigida pelas subalíneas ii), pretende-se garantir que o plano de recuperação obtém a aprovação da maioria dos créditos não subordinados relacionados.
III – Na interpretação que melhor se adequa a tal desígnio, este segundo quórum de aprovação exige que o plano recolha o voto favorável de, pelo menos, 50% da totalidade dos créditos não subordinados relacionados.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Chandra Gracias

2º Adjunto: José Avelino Gonçalves

                                                                                               

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

A..., Lda.., veio, ao abrigo do disposto nos artigos 17º-A e ss., do CIRE, instaurar o presente Processo Especial de Revitalização (PER).

Apresentada a versão final do Plano de Recuperação, o Administrador Judicial Provisório (AJP) emitiu parecer favorável à sua aprovação, nos termos do artigo 17º-F, nº4, do CIRE.

Submetido o plano à aprovação dos credores, o Administrador Judicial Provisório apresentou o mapa da votação, do qual extraiu o seguinte resultado:

- O total de votos relacionados ascende a 13.944.633,80€;

- O total de votos emitidos foi de 13.608.198,93€, dos quais 8.575.403,28€ são subordinados;

- A totalidade dos votos emitidos votou a favor da aprovação do plano de revitalização apresentado pela devedora.


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Pelo juiz a quo foi proferida sentença de não aprovação do plano de recuperação apresentado pela devedora, por falta do preenchimento do quórum de aprovação exigido pela subalínea ii) da alínea c) do nº 5 do art. 17º-F do CIRE) – não ter recolhido o voto favorável de mais de 50% dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto.

O Administrador Judicial Provisório vem requerer a retificação da sentença, por entender que nela existe um lapso de interpretação, relativamente ao quórum de aprovação previsto no artigo 17.º-F, n.º 5, alínea c), subalínea ii) do CIRE, respaldada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.07.2024 (e não de 10.04.2024), disponível em www.dgsi.pt. Aplicando-se corretamente o critério estabelecido pelo referido Acórdão, o plano obteve aprovação de 100% dos votos emitidos pelos credores titulares de créditos não subordinados, correspondendo exatamente a €5.032.795,65. Encontra-se, deste modo, integralmente cumprido o requisito deliberativo exigido pela subalínea ii), da alínea c), do n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE.

O juiz a quo profere despacho a indeferir o requerido, por considerar inexistir qualquer lapso a retificar.


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Inconformada com tal decisão, a devedora A..., Lda., dela interpõe recurso de Apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

(…).


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Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados os vistos legais, ao abrigo do disposto no artigo 657º, nº4, do CPC, cumpre decidir.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só:
1. Se o tribunal interpretou e aplicou erradamente os itens ii) das alíneas b) e c), do nº5 do artigo 17º-F, do CIRE.
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III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
A decisão recorrida considerou que, do mapa da votação apresentado, resulta ter sido obtido o quórum constitutivo exigido pelas subalíneas i), de cada uma das alíneas b) e c), do artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE, mas que, em face do valor dos créditos subordinados (8.575.403,28€) no total dos votos favoráveis emitidos (13.608.198,93€), resulta não terem sido obtidos os quóruns deliberativos exigidos nas subalíneas ii) das alíneas b) e c) do artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE:
“Com efeito, o plano apenas recolheu o voto favorável de 36,98% dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados (5.032.795,65€ num universo de 13.608.198,93€).
Entende o senhor AJP que, mesmo assim, o plano se encontrava aprovado, uma vez que «os votos favoráveis não subordinados €5.032.795,65 a dividir pelos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, 5.032.795,65 (€13.608.198,93 - €8.575.403,28) a que corresponde uma percentagem de 100%» (cf. requerimento de 23.04.2025).
Todavia, assim não sucede, uma vez que, cumulativamente com o preenchimento do primeiro quórum de aprovação previsto nas subalíneas i) das alíneas b) e c) do artigo 17.º-F do CIRE, deveria ter sido recolhido mais de 50% de votos favoráveis no universo dos votantes titulares de créditos não subordinados.
(…) No caso em apreço, não foi recolhido o voto favorável de mais de 50% dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto.”
A devedora Apelante discorda da interpretação e aplicação efetuada pela decisão recorrida relativamente às subalíneas ii), quer da al. b), quer da al. c), do nº5, do artigo 17º-F, com os seguintes fundamentos:
desde as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, resulta evidente das mencionadas disposições legais que, para que se considerem cumpridos os limites mínimos do quórum deliberativo, bastará que o plano:
- (i) seja votado por credores cujos votos representem pelo menos 1/3 do total de créditos reconhecidos; que destes pelo menos 2/3 votem favoravelmente a sua aprovação; e que do universo de credores votantes que sejam titulares de créditos não subordinados, pelo menos metade têm que votar favoravelmente o plano – cfr. al. b) do artigo 17.º-F, n. º5 do CIRE, ou (alternativamente):
– ii) obtenha o voto favorável de pelo menos metade dos credores titulares de créditos reconhecidos e, cumulativamente, que do universo de credores votantes que sejam titulares de créditos não subordinados, pelo menos metade vote favoravelmente a aprovação do plano – cfr. al. c) do artigo 17.º-F, n. º5 do CIRE.
em momento algum se exige, como resulta do raciocínio expendido pelo Meritíssimo Juiz a quo, que do universo total de votos emitidos favoráveis (i.é, de credores votantes que votaram pela aprovação do plano), pelo menos metade tenham que ser credores titulares de créditos não subordinados.
 Cumpre apreciar, desde já se adiantando, que a resposta a tal questão não será isenta de dúvidas.
Não havendo lugar à formação de categorias de créditos (como é o caso), segundo o atual nº5, do artigo 17º-F, do CIRE, o plano considerar-se-á aprovado, quando:
b).   Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 a 6 do artigo 17.º-D, não se considerando as abstenções, recolha cumulativamente:
            i) O voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos;
ii) O voto favorável de mais de 50 % dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 a 6 do artigo 17.º-D;
ou, em alternativa,
c). Recolha cumulativamente, não se considerando as abstenções:
i) O voto favorável de credores cujos créditos representem mais de 50 % da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 a 6 do artigo 17.º-D;
ii) O voto favorável de mais de 50 % dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 a 6 do artigo 17.º-D.
Antes de avançarmos na análise das normas em causa, haverá que deixar claro que, no caso em apreço:
i) os votos emitidos representam 97,238 % da totalidade dos créditos relacionados (a totalidade corresponde a 13.944.634);
ii) o plano foi aprovado por 100% dos votos emitidos (13.608.199, sendo 8.755.403 subordinados e 5.032.796 não subordinados);
E, se o plano obteve a aprovação de 97,238% da totalidade dos créditos relacionados, e se obteve ainda o voto favorável de 93,73% da totalidade dos votos não subordinados relacionados, qualquer interpretação das citadas normas que possa levar à conclusão de que o plano não se mostra aprovado por falta de algum dos quóruns de aprovação, traduzir-se-ia num resultado absurdo.
A discrepância no entendimento dado pela sentença recorrida e a Apelante, reside única e exclusivamente no sentido a dar à subalínea ii) de cada uma das alíneas b) e c), (ambas de igual teor), em que é exigido o “voto favorável de mais de 50 % dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto”.
Enquanto a decisão recorrida entendeu que, para ser aprovado, os votos favoráveis dos credores não subordinados tinham de representar 50% totalidade dos votos emitidos, o apelante sustenta que o que aí se prevê é que, do universo de credores relacionados que sejam titulares de créditos não subordinados, pelo menos metade, vote a favor do plano.
O sentido a dar à maioria exigida na subalínea ii), das als. b) e c), tem dado azo a diversas e distintas interpretações na doutrina e na jurisprudência.
Segundo Nuno Ferreira Lousa[1], os critérios de aprovação previstos atualmente nas als. b) e c), do nº5, já existiam na lei insolvencial portuguesa anterior à Lei nº 9/2022, ainda que, com pequenas diferenças de redação, e já eram alternativos entre si.
O anterior nº5 (na redação do DL 79/2017, de 30-06) considerava aprovado o plano de recuperação que:
a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções;
ou
b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.
Na leitura de Catarina Serra[2], as alíneas a) e b), previam dois quóruns de aprovação: (i) obtenção de votos favoráveis de credores cujos créditos representassem mais de 2/3 (al. a) ou de metade (caso da al. b), da totalidade dos créditos relacionados com direito a voto; (ii) e a exigência de que mais de metade dos votos emitidos correspondesse a créditos não subordinados.
No mesmo sentido e de um modo ainda mais claro, temos a opinião de Luís Pestana de Vasconcelos[3]:
“É preciso que a proposta de plano reúna o voto favorável mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, sendo ainda necessário que mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.
Repare-se que não se exige que seja aprovada por uma maioria de votos de credores não subordinados (como sucede no caso do artigo 212º). Basta que mais de metade dos votos emitidos, independentemente do seu sentido, corresponda a créditos não subordinados. Não há, pois, uma dupla maioria de aprovação”.
Também na jurisprudência, encontrámos o Acórdão do TRE de 28-09-2017[4], o qual conclui que, “Estando o plano aprovado por votos favoráveis de credores correspondentes a mais de metade do total dos créditos não subordinados com direito a voto, ele é considerado aprovado mesmo que estes não perfaçam mais de metade dos votos favoráveis concretamente emitidos”.
Em posição divergente, surgia Alexandre Soveral Martins, “é preciso que mais de metade dos votos favoráveis corresponda a créditos não subordinados (como também é necessário que recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, pode dizer-se que estamos perante a exigência de uma dupla maioria)[5]”.
A proteção dada aos créditos subordinados em sede aprovação de um plano de recuperação começou por ser feita por remissão do artigo 17º-F, nº3, para o quórum de deliberação previsto no artigo 212º nº 1 do CIRE (na redação do DL 200/2004, de 18 de agosto), que então impunha a recolha de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.
Na versão inicial do CIRE (DL 53/2004, de 18 de março), o artigo 212º não continha qualquer salvaguarda relativamente aos créditos não subordinados. Exigindo a presença ou representação de 1/3 do total dos créditos com direito a voto, considerava aprovado o plano que recolhesse o voto favorável de mais de 2/3 dos votos emitidos não se considerando as abstenções.
No preâmbulo do DL 200/2004, de 18 de agosto, que surgiu em resposta a questões suscitadas no debate público que teve lugar após a publicação do CIRE, o aditamento ao nº1 do art. 212º, é assim justificado: “note-se ainda o estabelecimento de um requisito de aprovação pela maioria dos votos correspondentes a créditos não subordinados, por forma a evitar que os credores subordinados possam, sem o acordo dos restantes credores, fazer aprovar um plano de insolvência.”
Também a Lei nº9/2022, introduz alterações ao nº1 do artigo 212º, atribuindo-lhe a seguinte redação:
1 - A proposta de plano de insolvência considera-se aprovada se, estando presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, recolher mais de 50 % da totalidade dos votos emitidos e, nestes, estejam compreendidos mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados com direito de voto, não se considerando como tal as abstenções.
Embora atualmente as maiorias necessárias à aprovação de um plano de recuperação, encontrem regulamentação própria no artigo 17º-F, nº5, é de atentar que, com a citada redação introduzida no atual artigo 212º, nº1, é ainda mais claro que o quórum deliberativo relativamente aos votos não subordinados (de metade), é estabelecido por referência à totalidade dos créditos subordinados relacionados com direito a voto – o plano tem de obter o voto favorável de, pelo menos, metade dos créditos subordinados com direito a voto.
No sentido assumido na decisão recorrida, encontrámos, já no atual regime,  Joana Domingues[6], afirmando exigir-se na alínea c) “uma qualidade mínima dos créditos que votam favoravelmente o plano: pelo menos 50% deverá corresponder a créditos não subordinados relacionados com direito de voto”.
Contudo, não é essa a posição dominante na doutrina e na jurisprudência à luz do atual regime.
À questão de saber “a partir de que universo esta percentagem há de apurar-se”, responde Catarina Serra:
“Na interpretação preferível, o plano terá de ser aprovado por mais de 50% dos votos emitidos correspondentes a créditos garantidos, privilegiados e comuns. Quer dizer, enquanto o primeiro quórum de aprovação tem por universo de referência a totalidade dos votos emitidos, o segundo quórum tem um universo de referência diferente, qual seja o total dos votos emitidos correspondentes a créditos, garantidos privilegiados e comuns.
A justificação desta preferência por esta interpretação é obvia; esta é a única interpretação que garante que há uma maioria de créditos garantidos, privilegiados e comuns a votar favoravelmente o plano ou pela negativa, que evita que o plano seja aprovado graças ao voto favorável dos créditos subordinados, cujos titulares são, com se sabe, aqueles para quem a aprovação do plano significa menos[7]”.
Esta exigência da subalínea ii), de 50% de votos favoráveis por parte de credores não subordinados, é reportada, não ao universo dos votos emitidos – não se diz que, pelo menos, metade dos votos favoráveis tem de ser de credores não subordinados – mas sim, ao universo dos créditos não subordinados relacionados: o que interessa apurar é se o plano obteve o voto favorável de mais de 50% dos créditos relacionados não subordinados.
Também Fátima Reis Silva[8] se posiciona nesta linha de pensamento, afirmando que “para haver aprovação não é necessário que metade dos votos emitidos a favor seja de créditos não subordinados mas sim que tenham votado a favor metade do todos os credores não subordinados com direito a voto”.
Resumindo, agora, as posições possíveis de interpretação das normas em causa (subalíneas ii), das al. b) e c), do nº5 do artigo 17º-F):
a) uma primeira, segundo a qual, metade dos votos favoráveis emitidos tem de corresponder a créditos não subordinados (a assumida na sentença) – o que para nos não faz sentido, porque o que se pretende é que o plano não venha a ser aprovado contra ou sem uma maioria de votos não subordinados;
b) uma segunda, que exige que dos credores subordinados que votaram, pelo menos 50% dos mesmos tenham votado favoravelmente – neste sentido, foi proferido o acórdão do TRP de 10-07-2024[9]: “não se trata já quanto a este “segundo quórum de aprovação, de apurar se mais de 50% dos votos emitidos correspondem a créditos não subordinados (essa a solução anteriormente vigente), antes apurar se (…), no universo correspondente aos credores titulares de créditos não subordinados que votaram o plano, mais de 50% o votaram favoravelmente”.
c) uma terceira, na qual o plano terá de recolher o voto favorável de pelo menos, 50% da totalidade dos créditos não subordinados relacionados.
É a esta última que se adere[10], pois, como sublinha Catarina Serra[11], “só assim se garante, comme il faut, que a maioria dos créditos garantidos, privilegiados e comuns vota favoravelmente o plano”.
Regressando ao caso em apreço, para a verificação de tal quórum de aprovação, necessitamos dos seguintes dados:
1. valor dos créditos não subordinados que votaram favoravelmente o plano (5.032.796[12]);
2. valor total dos créditos não subordinados relacionados (5.369.231[13]);
Face a tais valores, torna-se óbvio que o plano, não só, recolheu a aprovação de todos os votos emitidos, como recolheu a aprovação de muito mais de 50% da totalidade dos créditos não subordinados relacionados nos autos, encontrando-se preenchida a citada subalínea ii), das als. b) e c), do nº5 do artigo 17º-F.
Adotar a posição assumida na decisão recorrida implicaria que a devedora dificilmente poderia obter a aprovação de qualquer plano que apresentasse (a não ser que votado por unanimidade, ao abrigo do disposto no nº4 do art. 17º-F), uma vez que, ainda obtivesse o voto favorável de 100% dos créditos não subordinados relacionados, estes sempre seriam inferiores a 50% dos créditos subordinados.
Face às considerações expostas, é de revogar a decisão recorrida, considerando aprovado o plano apresentado pela devedora.
*
Ao abrigo do disposto no artigo 665º, nº2, do CPC, passamos à aferição do plano relativamente às questões enunciadas no nº7 do artigo 17º-F, do CIRE, e que não foram apreciadas pela 1ª instância por o seu conhecimento ter ficado prejudicado pela solução dada ao litigio.
O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, aplicando o disposto nos arts. 194º a 197º, no nº1 do artigo 198º e nos artigos 200º a 202º, 215º e 216º, aferindo da verificação das circunstancias previstas nas als. a) a g) do nº7 do artigo 17º-F, do CIRE
Considerados preenchidos os quóruns de aprovação previstos no nº5, als. b) e c), não prevendo o plano a classificação dos credores em categorias distintas, inexistindo pedidos de não homologação de credores, e face ao Parecer do Administrador Judicial provisório de que “caso os respetivos pressupostos sejam cumpridos, existe uma margem de segurança para a empresa e para os seus credores, permitindo a recuperação económica da empresa e o pagamento aos credores, conforme o previsto no plano”, nada obsta à respetiva homologação [artigo 17º-F, nº7, als. a) a g), CIRE]
  A Apelação é de proceder, com a respetiva homologação do plano de recuperação.

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IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, considerando-se o plano devidamente aprovado e homologando-se o plano de recuperação apresentado pela devedora.

As custas do procedimento mantêm-se a cargo da devedora, ficando sem custas a Apelação.             

                                               Coimbra, 08 de julho de 2025

V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.

(…).


[1] “A Reestruturação forçada através da formação de categorias de credores (introduzida pela Lei nº9/2022, de 11 de janeiro), VI Congresso de Direito da Insolvência, Coord. Catarina Serra, Almedina, p. 42.
[2] “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, p. 423, in fine, e 424-425.
[3] “Recuperação de empresas: o processo especial de revitalização”, Almedina 2017, pp. 70-71.
[4] Acórdão relatado por Tomé de Carvalho, disponível in www.dgsi.pt.
[5] “Um Curso de Direito da Insolvência”, 2016, Almedina, pp. 544-545.
[6] Aprovação de plano de recuperação em PER e em insolvência à luz da Lei nº 9/2022, in Revista de Direito da Insolvência, nº7, 2023, Almedina, p. 111.
[7] Catarina Serra, “Lições de Direito da Insolvência”, 3ª ed., p. 553.
[8] “O Direito da Insolvência à luz da reforma de 2022, Almedina 2023, pp. 138-139.
[9] Acórdão relatado por João Ramos Lopes, disponível in www.dgsi.pt.
[10] Em igual sentido, na vigência do atual regime, cfr., o Acórdão do TRL de 05-03-2024, segundo o qual “a manutenção do vocábulo “correspondentes”, quer na redação de 2017, quer na atual, com a finalidade que o legislador atribuiu – maioria de votos correspondentes a votos não subordinados – a não refere que a maioria seria computada do total de votos favoráveis.” – relatado por Teresa de Jesus Henriques, disponível in https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/ac33f8dc8e0ca02d80258aec00404788?OpenDocument.
[11] Catarina Serra, obra citada, p. 553.
[12] Valor que se atinge subtraindo ao valor total dos votos emitidos o valor dos créditos subordinados)
[13] Valor a que chegamos subtraindo ao valor total dos créditos relacionados, o valor total dos créditos subordinados)