I – O instituto da remição tem como escopo a protecção, manutenção, integridade e intangibilidade do património familiar do devedor, constituindo um direito de preferência especial para obstar a que daquele saiam os bens que tiverem sido penhorados.
II – Tratando-se de uma venda efectuada em leilão electrónico que se insere nas «…outras modalidades de venda…» (art. 843.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil), o direito a remir tem como termo ad quem «…até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta», visando-se a protecção da estabilidade do acto de transmissão dos bens.
III – No equilíbrio da tutela quer dos direitos do exequente, como dos interesses da família do executado, o art. 842.º faz impender sobre o remidor o ónus de depositar, para exercitar validamente esse direito, a totalidade do preço (e da indemnização a que alude o art. 843.º, n.º 2, caso esta última seja devida), por que tenha sido feita a adjudicação ou a venda, nos termos e prazos estipulados no art. 843.º.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Tribunal a quo: Tribunal Judicial da Comarca de Leiria/Juízo de Execução de Ansião (J2)
Recorrente: AA
Sumário (art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(…).
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
I.
Em 9 de Dezembro de 2021, A... Company intentou acção executiva contra BB e mulher, CC, fundada em incumprimento de contrato de mútuo com hipoteca, visando obter 206 989,21 € (duzentos e seis mil novecentos e oitenta e nove euros e vinte e um cêntimos), acrescido de juros vincendos e imposto de selo, até efectivo e integral pagamento.
Penhorado e vendido em leilão electrónico o bem imóvel, a melhor proposta (superior a 85% do valor base), ascendendo a 162 246,89 € (cento e sessenta e dois mil duzentos e quarenta e seis euros e oitenta e nove cêntimos), foi de DD, a qual foi notificada em 26 de Novembro de 2024 para efectuar tal pagamento, em 15 dias.
AA, invocando ser pai do Executado, em 4 de Novembro pretendeu exercer o direito de remição, pelo que em 7 de Novembro foram emitidas guias para que efectuasse o pagamento do valor total.
Em 5 de Dezembro, este solicitou prazo adicional de 30 dias, alegando ter em 27 de Novembro de 2024 «…remetido ao AE, o valor de metade da remissão 81.249,25€.», demonstrando em 9 de Dezembro subsequente ter também procedido ao pagamento de 50 000 € (cinquenta mil euros).
Em 10 de Dezembro, o Sr. Agente de Execução opôs-se, por duas ordens de razão: ainda estava em curso o prazo para a adquirente pagar o preço e a lei veda prorrogações de prazo para depósito do preço a cargo do remidor.
Por fim, em 19 de Dezembro de 2024, invocando ter procedido «…ao remanescente em divida, no valor de 31.249,25€», o remidor declarou ficar a aguardar o «auto de adjudicação e título de transmissão», por ter liquidado integralmente o valor em causa («249,25€, 11.000,00€, 5.000,00€, 5.000,00€, 10.000,00€»).
Em 21 de Fevereiro de 2025 foi proferido despacho que conclui:
«Desta forma, não tendo o remidor depositado a integralidade do preço quando se apresentou a remir, deve o pedido de remição ser indeferido, conforme sustentado pela agente de execução.
Face ao exposto, decide-se rejeitar a remição requerida por AA em 04.11.2024.
Notifique e após trânsito, devolva-se o preço pelo mesmo depositado nos autos.».
II.
Insatisfeito, o Remidor interpôs Recurso de Apelação, de que se extraem as seguintes
«CONCLUSÕES
(…).».
III.
Questão decidenda
Sem embargo da apreciação de questões que sejam de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o âmbito da apelação (arts. 608.º, n.º 2, 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil):
- Das condições para o exercício do direito de remição.
IV.
Dos Factos
Vêm provados os seguintes factos (transcrição):
a) Mostra-se lavrado em 14.02.2022 auto de penhora tendo por objecto o seguinte imóvel, propriedade dos executados CC e BB: Prédio urbano composto de casa de habitação de r/chão e logradouro, com a área total de 1812 m2, sendo a área coberta de 269 m2 e descoberta de 1543 m2, sito no lugar ..., na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...94 da referida freguesia ... e descrito na Conservatória dos Registo Predial ... sob a descrição ...27 da freguesia ....
b) Em 24.06.2024, o agente de execução decidiu que a venda do bem teria lugar através de venda em leilão eletrónico, por força do disposto no artigo 837.º do CPC, através da plataforma www.e-leiloes.pt aprovada por despacho n.º 12624/2015 – D. R. n.º 219/2015, Série II de 2015-11-09 e que seriam aceites propostas iguais ou superiores a 85% do valor de base, fixando, então, como Valor base: 172.800,00 Euros e Valor mínimo (85%): 146.880,00 Euros.
c) Terminado o leilão eletrónico em 24.10.2024, a melhor proposta apresentada foi da proponente DD, NIF ...49, casada com EE, NIF ...61, no regime de comunhão de adquiridos, residentes em Rua ..., ... – Urbanização ..., ... ... (...), que apresentou uma proposta no valor de 162.246,89 €.
d) Em 04.11.2024, AA, veio apresentar requerimento nos autos, alegando que se apresentava a exercer direito de remição nos termos e para os efeitos do artigo 842º do Código de Processo Civil (C.P.C.), sobre o imóvel descrito em a), aduzindo fazê-lo na qualidade de “pai do executado BB”. Juntou como documento uma procuração forense a constituir mandatário.
e) A 07.11.2024, o agente de execução emitiu duas guias com idêntico teor e referências diferentes, que “permite ao REMIDOR efectuar o pagamento de 81.249,25 € referente a metade do valor da venda do imóvel no âmbito do processo supra identificado”.
f) A 26.11.2024, o agente de execução dirigiu notificação para depósito do preço à Proponente DD, a qual realizou tal depósito em 11.12.2024.
g) Em 05.12.2024, AA juntou certidão de assento de nascimento do executado, de onde se extrai a sua qualidade de progenitor do executado e junta comprovativo de realização de transferência, datado de 27.11.2024, no valor de 81.249,25 €.
h) Em 09.12.2024, o remidor junta comprovativos de realização de transferências, datados de 5.12.2024 e 06.12.2024, no valor, respectivamente, de 10.000,00 € e 40.000,00 €, dizendo que fica em falta o remanescente.
i) A proponente DD efectuou o depósito do preço, na íntegra, em 11/12/2024.
j) Em 19.12 2024, o remidor junta comprovativos de realização de transferências, datados de 18.12.2024, nos valores de 5.000,00 €, 11.000,00 €, 10.000,00 € e 249,25 €; e de 19.12.2024, no valor de 5.000,00 €.
Para a boa decisão do pleito, por consulta à plataforma informática, acrescenta-se que:
k) Através de e-mail datado de 26 de Novembro de 2024, o remidor – por intermédio do seu il. Mandatário – informou o Sr. Agente de Execução que:
«… o meu cliente propunha-se efetuar o pagamento da quantia de 162.498,50€, do seguinte modo
a) Deveria ser emitida e enviada ao meu escritório uma guia de pagamento no montante de 30.000,00€, que será paga até esta quinta-feira 28/11/2024
b) A guia em meu poder no valor de 81.249,25€ será paga atá ao dia 2/12/2024
c) A última guia no valor de 51.249,25€ será paga por transferência a partir de França até ao dia 31 de Dezembro deste ano, solicitando-se o IBAN e o swift».
l) Em 27 de Novembro de 2024, o Sr. Agente de Execução respondeu-lhe indicando, entre o mais, que:
«… conforme já mencionado, anteriormente para que seja aceite/deferido o direito de remição deverá ser liquidado o depósito do preço na íntegra, utilizando para o efeito as guias já remetidas anteriormente via e-mail no dia 7 de Novembro de 2024 que se reenviam novamente e/ou mediante transferência bancária para a conta cliente … também já indicada via e-mail no dia 14 de Novembro e que se volta a indicar.
… ressalva-se que uma vez que não foram cumpridos todos os pressupostos inerentes ao direito de remir, foi emitida e expedida a notificação para depósito do preço ao terceiro ao qual correspondeu a melhor proposta para aquisição.».
m) Em 23 de Janeiro de 2025 o Sr. Agente de Execução informou os autos que «Relativamente ao título de transmissão declara-se que o mesmo ainda não foi lavrado.».
V.
Do Direito
O litígio reconduz-se a saber se o Recorrente, na qualidade de remidor e pai do 1.º Executado, pode comprovar o depósito integral do valor do bem imóvel vendido até ao momento temporal do acto de adjudicação/emissão do título de transmissão (ainda que o tenha feito faseadamente até então), ou se, ao invés, tem que efectuar aquele pagamento logo de imediato e em que termos.
A questão foi integrada deste modo no despacho recorrido:
«Nos termos do artigo 842.º do Código de Processo Civil, o cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.
O artigo 843.º estabelece, no seu n.º 1, que “no caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º” e “nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta”.
Aplica-se o disposto no artigo 824.º e 825.º do Código de Processo Civil.
O preço deve ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois do acto de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, com o acréscimo de 5% para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º, e aplicando-se, em qualquer caso, o disposto no artigo 827.º.
À venda em leilão eletrónico, no que não estiver regulado nos n.º 2 e 3 do artigo 837.º do CPC, são de aplicar, por força do n.º 2 do artigo 811.º, as normas dos artigos 818.º, 819.º, 823.º e 828.º, como ainda, as disposições gerais dos artigos 811.º a 815.º, 842.º a 845.º, todos do CPC.
Em primeiro lugar a declaração contida no requerimento datado de 04.11.2024, na qualidade de pai do executado (…) vem (…) exercer nos termos do artigo 842º do C.P.C. o “direito de remissão” é uma afirmação que não produz qualquer alteração na realidade (jurídica), salvo se a lei atribuir alguma eficácia a tal declaração, o que não é o caso na presente hipótese.
Por conseguinte, perante a questão de saber em que momento o remidor deve pagar o preço, a resposta é, como regra, a seguinte: deve pagar o preço no mesmo ato em que declara que exerce o direito de remição, ou seja, declaração e pagamento constituem uma unidade não só funcional, com vista à aquisição da propriedade do bem, como também temporal.
Assim sendo, salvo se a lei dispuser de outro modo, o preço tem de ser pago no ato processual em que se exerce o direito, sob pena de não existir exercício do direito de remição.
Aliás, não há qualquer razão válida que justifique a existência de uma cisão processual entre o momento em que o remitente declara exercer o direito de remição e o momento em que deposita/paga o preço.
A lei não estabelece esta cisão, salvo no caso da venda por proposta em carta fechada.
Com efeito, quando a venda é feita por propostas em carta fechada, o n.º 2 do artigo 843.º do CPC, determina que se aplique «…ao remidor que exerça o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.º, com as adaptações necessárias, bem como o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 825.º, devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5 % para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º, e aplicando-se, em qualquer caso, o disposto no artigo 827.º».
Nesta modalidade de venda temos então:
(i) Quando o direito de remição é exercido no ato de abertura e aceitação das propostas, o remidor deve apresentar nesse momento, como caução, um cheque visado no montante correspondente a 5 % do valor anunciado ou garantia bancária no mesmo valor (cfr. artigo 824.º/1) e se for aceite alguma proposta, o remidor é notificado para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, a totalidade ou a parte do preço em falta (cfr. artigo 824.º/2).
Mas esta cisão entre o momento da declaração do exercício do direito e o depósito do preço justifica-se pelo facto do remidor não saber antecipadamente qual é o valor a pagar e, por isso, é equiparado ao comprador.
Não se poderia exigir ao remidor algo que não poderia cumprir.
(ii) Quando o direito de remição é exercido em momento posterior ao ato de abertura e aceitação das propostas, o remidor deve, no momento do exercício do direito de remição, depositar integralmente o preço com acréscimo de 5 % para indemnização do proponente nos casos em que este já tenha feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º.
Como neste caso o preço já é conhecido do remidor, não há qualquer cisão temporal/processual entre a declaração de remição e o depósito do preço.
Como se disse, não existiria neste caso qualquer razão que justificasse uma separação temporal entre a atividade declarativa e o pagamento do preço.
(iii) Nas restantes modalidades de venda, a al. b), do n.º 1, do artigo 843.º, determina que o direito de remição é exercido «…até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta».
Nestes casos, como o remidor já sabe qual é o montante a pagar, a declaração de remição tem de ser acompanhada do depósito do preço, sob pena de não se exercer efetivamente o direito de remição.
Ou seja, não existe motivo válido para que exista cisão entre o momento da declaração do exercício do direito e o depósito do preço.
Este é o entendimento defendido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 14.12.2020, Desembargador Alberto Ruço, disponível em www.dgsi.pt, o qual é citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.09.2022, Desembargadora Micaela Sousa, disponível em www.dgsi.pt..
Também no acórdão do TRG, de 4 de outubro de 2018 (Fernanda Fernandes), in www.dgsi.pt «O depósito do preço é elemento constitutivo do direito de remição, na medida em que o mesmo nunca pode ser exercido de forma válida sem a efetivação do pagamento do preço».
Aliás, no âmbito da vigência do CPC de 1961 (versão original) o artigo 912.º, n.º 2, dizia expressamente que «O preço há-de ser depositado no momento da remição».
Por conseguinte, no caso dos autos, a declaração relativa ao exercício do direito de remição devia ter sido acompanhada do comprovativo da relação de filiação alegada, bem como do depósito do preço.
Como não foi, não se pode considerar validamente exercido tal direito de remição.».
O instituto da remição tem como escopo a protecção, manutenção, integridade e intangibilidade do património familiar do devedor, constituindo um direito de preferência especial para obstar a que daquele saiam os bens que tiverem sido penhorados[2].
O pai do 1.º Executado tem legitimidade para este pedido enquanto ascendente, encontrando-se em último lugar na ordem pela qual se defere o direito de remição (arts. 842.º e 845.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil), sendo certo que «a prova documental da relação familiar com o executado constitui requisito insuprível da constituição do direito de remição.»[3].
Em questão está, pois, o momento temporal até ao qual pode ser exercido este direito e sob que condições, o que convoca a análise deste art. 843.º[4].
Como o momento limite para o exercício do direito de remição é variável, realça-se que se está perante a modalidade de venda por meio de leilão electrónico, modalidade preferencial para a venda de bens imóveis e móveis penhorados, como ressalta do art. 837.º, n.º 1.
Tratando-se de uma venda efectuada em leilão electrónico que se insere nas «…outras modalidades de venda…» [(art. 843.º, n.º 1, al. b)], esse «…exercício deve ocorrer até ao momento da entrega dos bens (art. 830.º) ou da assinatura do título que documenta a venda (al. b) do n.º 1), abarcando-se aqui a venda em leilão eletrónico, em depósito público em estabelecimento de leilão e por negociação particular …sendo certo que, no caso da venda de imóveis, o momento a considerar é o da escritura pública … ou de documento particular autenticado (art. 875.º do CC).»[5].
Em síntese, foram estabelecidos limites temporais apertados para o exercício do direito de remição visando a protecção da estabilidade do acto de transmissão dos bens, pelo que o direito a remir tem como termo ad quem «…até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta».
Procurando diferenciar o momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, esclarece-se que «…tratando-se de bens móveis, até ao momento material de entrega, pelo agente de execução, ao adquirente; tratando-se de bens imóveis, até ao momento da assinatura do título formal (o título de transmissão – vide n.º 1 do artigo 827.º) que documenta essa venda.»[6].
No equilíbrio da tutela quer dos direitos do exequente, como dos interesses da família do executado, o art. 842.º faz impender sobre o remidor o ónus de depositar, para exercitar validamente esse direito, a totalidade do preço por que tenha sido feita a adjudicação ou a venda, nos termos e prazos estipulados no art. 843.º[7].
Na verdade, «Com o DL 38/2003 foram introduzidas no CPC de 1961 duas alterações substanciais: a sujeição do remidor, tal como o preferente, ao mesmo regime de garantia do preço da aquisição que vigora para o proponente (atual art. 843-2);..»[8].
No caso em apreço, o de um bem imóvel, interessa reter que a adjudicação formaliza-se pela emissão do título de transmissão a favor do adquirente, não existindo uma previsão legal expressa no sentido da necessidade da comunicação da data em que este será lavrado, impondo-se apenas que o preço se mostre depositado antes disso[9].
Esta emissão do título de transmissão e a prática de todos os actos que têm que ver com a venda, adjudicação de bens, pagamentos, liquidação e pagamentos dos créditos exequendos, são da competência do agente de execução, em conformidade com o disposto nos arts. 719.º e 827.º, ambos do Código de Processo Civil[10].
Avançando-se no raciocínio, é legítimo afirmar-se que, na venda de um bem imóvel em leilão electrónico, o direito de remição há-de ser exercido até ao momento da adjudicação/emissão do título de transmissão, contanto tenha havido o depósito integral do preço e da indemnização a que alude o art. 843.º, n.º 2, caso esta última seja devida.
A mera declaração de que se pretende remir é uma intenção, mas não é constitutiva de direitos, excepto se for acompanhada do depósito respectivo (al. d) dos factos provados).
É inequívoco que o Recorrente não demonstrou o pagamento do preço aquando da exteriorização da vontade do exercício do direito de remir, ainda que alegue e documente que esse valor foi integralmente liquidado antes da emissão do título de transmissão (als. g), h), j) e m) dos factos provados).
Não obstante, a totalidade do valor em questão já só foi obtida após a proponente ter efectuado o depósito integral do preço (19 de Dezembro de 2024, al. j) dos factos provados, e 11 de Dezembro de 2024, als. f) e i) dos factos provados, de forma respectiva).
Ora a letra do art. 843.º, n.ºs 1, al. b), e 2, 2.ª parte, é clara: tendo em conta o momento temporal em que o direito de remição foi actuado, impunha-se que o Recorrente tivesse procedido ao depósito na sua totalidade, com o acréscimo indemnizativo de 5% da proponente, sob pena de não exercer efectivamente o direito de remição.
O que não fez.
Destarte, tratando-se de uma condição de validade do acto que não foi respeitada, conclui-se falecer a razão ao Recorrente, confirmando-se a decisão recorrida.
Por ter decaído integralmente, o Apelante fica vinculado ao pagamento das custas processuais (arts. 527.º e 607.º, n.º 6, este ex vi 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil).
VI.
Decisão:
De acordo com o expendido, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
O pagamento das custas processuais é encargo do Apelante.
Registe e notifique.
8 de Julho de 2025
[1] Juiz Desembargadora 1.ª Adjunta: Dra. Maria Catarina Gonçalves
Juiz Desembargador 2.º Adjunto: Dr. José Avelino Gonçalves
[2] No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. n.º 1629/13.2TBAMT.P1.S1, de 09-03-2017, é expressivamente definido como «… um direito funcionalmente direccionado para a tutela do património familiar, obstando à sua transmissão a terceiros, adjudicatários ou compradores em processos de natureza executiva» – disponível, como os demais citados, em www.dgsi.pt.
[3] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. n.º 458/04.9TBVLN.G1, de 04-10-2018.
[4] Sob a epígrafe Até quando pode ser exercido o direito de remição, estatui que:
«1 - O direito de remição pode ser exercido:
a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º;
b) Nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.
2 - Aplica-se ao remidor, que exerça o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.º, com as adaptações necessárias, bem como o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 825.º, devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5% para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º, e aplicando-se, em qualquer caso, o disposto no artigo 827.º.».
[5] Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa in, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Almedina, 2022, 2.ª Edição, anotação ao art. 843.º, p. 270, nota 1.
Cf. Acórdão deste Tribunal da Relação, Proc. n.º 830/15.9T8ACB-F.C1, de 28-03-2023.
[6] Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo in, A Ação Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 3.ª Edição, 2021, p. 579.
[7] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 7128/16.3T8LRS-A.L1, de 21-10-2021.
[8] Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre in, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, 3.ª Edição, p. 833.
[9] Acórdãos dos Tribunais da Relação de Guimarães, Proc. n.º 750/10.3TBMDL-G.G1, de 28-09-2023, e no Proc. n.º 419/14.0T8VNF-J.G1, de 21-04-2022, de Lisboa, Proc. n.º 12487/15.2T8LRS.L1, de 13-09-2022, e da Relação de Coimbra, Proc. n.º 1367/16.4T8PBL-A.C1, de 14-12-2020.
No Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Secção de Contencioso Tributário), Proc. n.º 0768/20.8BEAVR, de 27-10-2021, acentua-se que «O direito de remição, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 842º do Código de Processo Civil, pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que documenta a venda, e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, sendo condição de validade do exercício do direito.».
[10] Rui Pinto in, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, Agosto de 2013, p. 121.