PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA
DAÇÃO EM PAGAMENTO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
INSUSCEPTIBILIDADE DE RESOLUÇÃO
Sumário

I – A insusceptibilidade de resolução em benefício da massa insolvente nos termos previstos no n.º 6 do art.º 120.º do CIRE apenas tem aplicação no âmbito do processo de insolvência do devedor em relação ao qual tenha corrido um dos processos ali referidos (designadamente processo especial de revitalização), sendo o acto resolúvel nos termos normais no âmbito de processo de insolvência que venha a correr termos em relação a qualquer outro interveniente no negócio.
II – A insusceptibilidade de resolução estabelecida na referida disposição legal não abrange todos os actos ou negócios que tenham sido praticados ou celebrados no âmbito dos processos aí referidos (designadamente no processo especial de revitalização), dirigindo-se apenas aos negócios jurídicos que, nesse contexto, tenham sido celebrados com a concreta finalidade de prover o devedor com meios de financiamento suficientes para viabilizar a sua recuperação.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

No âmbito dos autos de insolvência de AA – cuja insolvência foi declarada por sentença de 26/06/2024 – a respectiva Massa Insolvente, através do seu Administrador Judicial, veio instaurar acção para resolução de actos em benefício da massa contra:

1º AA, residente em Largo ..., esq. ... ...;

2º BB, residente em Av. ..., Urbanização ..., ... ..., ...;

3º Massa Insolvente de A..., Lda., aqui representada pelo seu Administrador Judicial nomeado Dr CC, com domicílio profissional em Rua ..., Sala ..., apartado ..., ... ...;

4º A..., Lda., com sede em Estrada ..., Zona Industrial ..., ... ...;

Pedindo:

- A resolução em benefício da massa da partilha efectuada em 11/05/2022 na sequência de separação judicial de pessoas e bens e referente a quatro imóveis que identifica;

- A resolução em benefício da massa da dação em pagamento realizada em 17/03/2023 por via da qual o Insolvente entregou à 4.ª Ré (de quem era sócio e gerente e que, entretanto, foi declarada insolvente por sentença de 17/01/2024) o imóvel descrito na Conservatória ...63/...02, da freguesia ..., concelho ... para pagamento de dívida que declarou ter para com a referida Ré no valor de 437.845,89€.

A Massa Insolvente da A..., Lda. apresentou contestação onde, além de outras questões que agora não relevam, invocou a insusceptibilidade de resolução da dação em pagamento, nos termos previstos no art.º 120.º, n.º 6, do CIRE, em virtude de essa dação ter constituído medida prevista no Plano de Recuperação aprovado e devidamente homologado por sentença, já transitada em julgado, no âmbito do processo especial de revitalização a si referente e tendo em conta que o pagamento da dívida do seu sócio e gerente (agora Insolvente) era condição essencial para a aprovação de um plano de revitalização.

A Autora respondeu, sustentando que a dação de pagamento aqui em causa não está abrangida no âmbito de previsão do citado art.º 120.º, n.º 6, nada obstando à sua resolução.

Após realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador que, além de ter julgado improcedentes outras excepções que haviam sido invocadas, julgou igualmente improcedente a excepção invocada pela Ré A..., Lda. correspondente à alegada “Insusceptibilidade de resolução do acto de dação em pagamento”.

Inconformada com a decisão – no segmento em que julgou improcedente a excepção correspondente à alegada “Insusceptibilidade de resolução do acto de dação em pagamento”, a Ré Massa Insolvente da A..., Lda. veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…).

A Autora – Massa Insolvente de AA – respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…).


/////

II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se a dação em pagamento em causa nos autos está (ou não) abrangida pela insusceptibilidade de resolução que é prevista no n.º 6 do art.º 120.º do CIRE.


/////

III.

Apreciemos então a questão suscitada que, como se referiu, se prende com o âmbito de aplicação do disposto no n.º 6 do art.º 120.º do CIRE.

A norma em causa dispõe nos seguintes termos:

São insuscetíveis de resolução por aplicação das regras previstas no presente capítulo os negócios jurídicos celebrados no âmbito de processo especial de revitalização ou de processo especial para acordo de pagamento regulados no presente diploma, de providência de recuperação ou saneamento, ou de adoção de medidas de resolução previstas no título VIII do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, bem como os realizados no âmbito do Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas ou de outro procedimento equivalente previsto em legislação especial, cuja finalidade seja prover o devedor com meios de financiamento suficientes para viabilizar a sua recuperação”.

A decisão recorrida entendeu que a referida dação não estava abrangida no âmbito de previsão da norma citada, considerando, em linhas gerais, que a proibição de resolução dos negócios aí consignada apenas ocorre no processo de insolvência da própria devedora que foi objecto do processo especial de revitalização (no caso, a A..., Ld.ª) não tendo aplicação no processo de insolvência da pessoa ou da sociedade que intervém no negócio efectuado no âmbito do processo especial de revitalização. Segundo a decisão recorrida, essa proibição de resolução não abrange, portanto, o processo de insolvência do aqui Insolvente que interveio na dação em pagamento mediante a entrega do imóvel à A... para pagamento de um crédito que esta detinha sobre si.

A Apelante tem entendimento diferente, sustentando que a citada disposição legal é aqui aplicável, inviabilizando a resolução da dação em pagamento que foi celebrada no âmbito do processo especial de revitalização da Apelante com vista a viabilizar a sua recuperação, sendo parte integrante do Plano de Recuperação que ali foi aprovado e homologado por sentença transitada em julgado.

Salvo o devido respeito, não assiste razão à Apelante.

Passamos a explicar porquê.

O citado art.º 120.º, n.º 6, relaciona-se com o disposto no art.º 17.º-H e no art.º 222.º-H do mesmo diploma – respeitantes ao regime do PER e do processo especial para acordo de pagamento, respectivamente – sendo que todas essas normas têm uma finalidade comum: a protecção dos créditos que são constituídos no âmbito do PER (e restantes processos mencionados no n.º 6 do art.º 120.º) com vista ao financiamento do devedor que seja necessário à sua recuperação e com o propósito de incentivar esses financiamentos e maximizar as hipóteses de efectiva recuperação.

O n.º 6 do art.º 120.º foi introduzido na ordem jurídica pela Lei n.º 16/2012 de 20/04 (foi posteriormente alterado pelo Dec. Lei n.º 79/2017 de 30/06, apenas no que toca aos processos abrangidos, passando a incluir o processo especial para acordo de pagamento) ao mesmo tempo que o art.º 17.º-H referente ao processo especial de revitalização que, na sequência do citado Dec. Lei n.º 79/2017, tinha a seguinte redacção:

1 - As garantias convencionadas entre a empresa e os seus credores durante o processo especial de revitalização, com a finalidade de proporcionar àquela os necessários meios financeiros para o desenvolvimento da sua atividade, mantêm-se mesmo que, findo o processo, venha a ser declarada, no prazo de dois anos, a sua insolvência.

2 - Os credores que, no decurso do processo, financiem a atividade da empresa disponibilizando-lhe capital para a sua revitalização gozam de privilégio creditório mobiliário geral, graduado antes do privilégio creditório mobiliário geral concedido aos trabalhadores”.

O art.º 222º-H passou a dispor exactamente nos mesmos termos em relação ao processo especial para acordo de pagamento.

O que estava – e está – em causa em todas essas disposições são os negócios celebrados entre o devedor e os seus credores no âmbito dos processos aí mencionados – designadamente o processo de revitalização – que tenham em vista prover o devedor de meios financeiros para viabilizar a sua recuperação, ou seja, negócios por via dos quais os credores financiam o devedor no sentido de possibilitar a sua efectiva recuperação. E o que se pretendeu com tais disposições foi atribuir aos credores que se disponham a conceder esses financiamentos alguma protecção/garantia no sentido de minimizar os efeitos de uma possível insolvência do devedor que está sempre no horizonte (dada a situação económica difícil em que se encontra e que está subjacente ao referido processo), potenciando e incentivando, dessa forma, a concessão desses financiamentos e, consequentemente, a recuperação do devedor. Foi, portanto, nesse contexto e com esse objectivo que o art.º 17.º-H concedeu a esses novos créditos (constituídos no âmbito desses processos com vista a financiar o devedor) um conjunto de garantias, determinando-se que as garantias convencionadas entre o devedor e os seus credores com referência a esses créditos se mantêm mesmo que, findo o processo, venha a ser declarada, no prazo de dois anos, a insolvência do devedor e que esses créditos gozam de privilégio creditório mobiliário geral, graduado antes do privilégio creditório mobiliário geral concedido aos trabalhadores. E foi nesse mesmo contexto e com o mesmo objectivo que o art.º 120.º, n.º 6, determinou que esses negócios são insusceptíveis de resolução em benefício da massa insolvente, pretendendo-se, portanto, proteger esses credores da eventual resolução em benefício da massa dos actos em causa que, em caso de insolvência do devedor, poderia vir a ocorrer.

Está em causa, portanto, conforme refere Catarina Serra[1], “...um regime especial de incentivos ao financiamento, que assenta numa norma da disciplina do PER – o art. 17.º-H – e ainda numa norma que faz parte do regime da resolução em benefício da massa no processo de insolvência – o art. 120.º, n.º 6 (......) Há uma proximidade flagrante entre o disposto na norma do art. 120.º, n.º 6, e o disposto na norma do art. 17.º-H, n.º 1. Ambas as normas visam afastar o regime de resolução dos actos em benefício da massa e, em particular, a possibilidade de resolução incondicional, designadamente a que tenha por fundamento alguma das normas das als. c) e e) do art. 121.º”.

Podemos, portanto, concluir, em função do exposto, que o regime em causa – incluindo a insusceptibilidade de resolução em benefício da massa prevista no n.º 6 do citado art.º 120.º – não abrange todos os actos ou negócios que tenham sido praticados ou celebrados no âmbito dos processos aí referidos e designadamente no processo especial de revitalização, dirigindo-se apenas aos negócios jurídicos que, nesse contexto, tenham sido celebrados entre o devedor (nesse processo) e os seus credores (incluindo não apenas aqueles que já tinham previamente essa qualidade, mas também aqueles que a adquiriram durante o processo precisamente por disponibilizarem meios financeiros para a recuperação do devedor[2]) e que tenham em vista proporcionar ao devedor os meios de financiamento necessários para o desenvolvimento da sua actividade no sentido de viabilizar a sua recuperação.

Podemos igualmente concluir que a referida insusceptibilidade de resolução apenas terá aplicação no âmbito do processo de insolvência do devedor naquele processo (processo de revitalização ou um dos outros ali mencionados), tendo em conta que é o risco de insolvência desse devedor que aquele regime visa acautelar, dada a circunstância de estarem em causa actos do devedor/insolvente – designadamente prestação de garantias – que, por terem sido praticados nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, ficariam sujeitos a resolução (eventualmente, de forma incondicional, nos termos previstos no art.º 121.º) se não existisse disposição expressa que a afastasse. Na verdade, o risco (elevado) de o devedor vir a ser declarado em situação de insolvência e de, em consequência, os credores perderem – por via da resolução do acto/negócio – as garantias que haviam sido prestadas em relação a tais financiamentos desincentivaria a concessão de financiamento com vista à viabilização da recuperação do devedor e é isso que se pretende evitar com o afastamento da possibilidade de resolução. O que se pretende é – como diz Maria do Rosário Epifânio[3] – que “...os negócios jurídicos celebrados entre o devedor em situação económica difícil e aqueles que pretendam financiá-lo devem ser preservados mesmo que o devedor venha, posteriormente, a entrar em insolvência” (sublinhado e negrito nossos).

Releva notar que a protecção concedida aos aludidos créditos e negócios – constituídos e realizados no âmbito do PER com a finalidade referida – veio a ser alargada pela Lei n.º 9/2022 de 11/01, na sequência da Directiva (UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Junho de 2019, passando agora a dispor-se no art.º 17.º-H, além do que já se dispunha: que aqueles credores gozam, até determinado valor, de um crédito sobre a massa insolvente; que os actos de financiamento referido não podem ser objecto de impugnação pauliana; que esses financiamentos não podem ser declarados nulos, anuláveis ou insuscetíveis de execução e que os concedentes desses financiamentos não podem incorrer, em virtude desse financiamento, em responsabilidade civil, administrativa ou penal, com o fundamento de que tais financiamentos são prejudiciais para o conjunto dos credores, salvo nos casos expressamente previstos na lei. Manteve-se, no entanto, o regime que já estava fixado no n.º 6 do art.º 120º e o espírito que lhe está subjacente no sentido de se pretender fazer face ao risco de insolvência de quem figura como devedor nesses processos (já em situação económica difícil) e ao facto de se pretender incentivar o financiamento desses devedores, minimizando o risco que poderia resultar da concessão de financiamento. Veja-se, por exemplo, o n.º 1 do art.º 17.º da Directiva acima mencionada, onde se diz que “Os Estados-Membros asseguram que o novo financiamento e o financiamento intercalar sejam devidamente protegidos. No mínimo, em caso de insolvência posterior do devedor (...)” ou o art.º 18.º, n.º 1, onde se dispõe que “Sem prejuízo do artigo 17.º, os Estados-Membros asseguram que, em caso de insolvência posterior de um devedor, as transações que sejam razoáveis e imediatamente necessárias para a negociação de um plano de reestruturação não sejam declaradas nulas, anuláveis ou insuscetíveis de execução com o fundamento de que são prejudiciais para o conjunto dos credores, exceto se existirem outros fundamentos previstos no direito nacional” (sublinhados e negrito nossos) de onde se depreende que o que está em causa – ou seja, o risco em relação ao qual se estabelece o regime – é a posterior insolvência do devedor no processo de revitalização a quem é concedido o financiamento.

Reafirmamos, portanto, que, pelo menos na nossa perspectiva, a referida insusceptibilidade de resolução em benefício da massa insolvente que está consagrada no n.º 6 do art.º 120.º tem aplicação no âmbito do processo de insolvência de quem figure como devedor no âmbito dos processos ai mencionados, mas não tem aplicação no âmbito do processo de insolvência que venha a correr termos em relação a qualquer outro interveniente no negócio.

Revertendo para o caso dos autos e aplicando as considerações efectuadas, é fácil constatar que a situação aqui em causa não se enquadra no âmbito de previsão do n.º 6 do citado art.º 121.º.

O que está aqui em causa – como acima se referiu – é uma dação em pagamento por via da qual o Insolvente entregou à 4.ª Ré (de quem era sócio e gerente e em relação à qual correu processo de revitalização com aprovação de plano de recuperação/revitalização tendo vindo, posteriormente, a ser declarada insolvente) um imóvel para pagamento de dívida que declarou ter para com a referida Ré no valor de 437.845,89€.

Ainda que o plano de revitalização em causa – aprovado e homologado em processo de revitalização no qual figurava como devedora a referida Ré A...– fizesse menção à transferência da propriedade daquele imóvel para a sociedade, isso não basta, ao contrário do que pretende a Apelante, para concluir que o acto por via do qual se operou essa transferência de propriedade não é susceptível de resolução, no âmbito dos presentes autos, por força do disposto no n.º 6 do citado art.º 120.º.

Em primeiro lugar, porque – como já se disse e como também se disse na decisão recorrida – a proibição da resolução dos negócios em benefício da massa insolvente que aí se encontra prevista apenas tem aplicação no processo de insolvência do próprio devedor em relação ao qual tenha corrido um dos processos aí mencionados; no caso seria aplicável no âmbito do processo de insolvência da A.... Conforme se referiu supra, é o risco de insolvência desse devedor (já em situação económica difícil) que se pretende acautelar –  conferindo-se protecção a quem se disponha a financia-lo com o objectivo de incentivar (ou, pelo menos, não desincentivar) a concessão desse financiamento e de, por esse via, se alcançar a recuperação da empresa – e, portanto, é no âmbito da insolvência desse concreto devedor que actua a insusceptibilidade de resolução a que se reporta a citada disposição. Ora, no caso, o processo de revitalização – no âmbito do qual teria sido praticado o acto em questão (dação em pagamento) – não dizia respeito ao Insolvente nos presentes autos, ou seja, não era ele que figurava aí como devedor e, portanto, a insusceptibilidade de resolução consagrada na disposição acima mencionada não poderia ter aqui aplicação.

Além do mais, o acto aqui em causa nem sequer visou proporcionar à devedora no processo de revitalização (a A...) meios de financiamento para viabilizar a sua recuperação, importando reafirmar que, como já disse, são apenas esses actos/negócios que estão abrangidos na previsão da norma em questão e não todo e qualquer acto que tivesse sido previsto e incluído no plano de recuperação/revitalização aí aprovado e homologado.

Na verdade, o acto aqui em causa – como se constata pela escritura junta aos autos – é uma “dação em pagamento”, por via da qual o Insolvente AA declarou entregar à A..., Ld.ª, o imóvel ali identificado para cumprimento/pagamento de uma dívida de 437.845,89€ (montante do qual se reconheceu devedor por força de empréstimos que lhe haviam sido feitos pela sociedade). Ou seja, o acto em causa não teve em vista proporcionar à A... (a quem respeitava o processo de revitalização) qualquer financiamento ou disponibilização de capital no sentido de viabilizar a sua recuperação nem o Insolvente AA adquiriu por via desse acto a qualidade de credor da A... (como é suposto estar subjacente à aplicação do regime previsto no art.º 17.º-H e 120.º, n.º 6); o Insolvente limitou-se, na verdade, a pagar uma dívida e a satisfazer um direito de crédito que a A... detinha sobre si e nada mais, estando – também por isso – fora do âmbito de previsão do n.º 6 do citado art.º 120.º.

De nada releva dizer – como diz a Apelante – que o negócio em causa tenha sido celebrado no âmbito de processo especial de revitalização da Ré, A..., Lda. e que, por ter correspondido a condição imposta pelos credores para a aprovação do plano de revitalização, pudesse ser encarado como tendo a finalidade de viabilizar a recuperação da empresa, porque a lei – especificamente o n.º 6 do citado art.º 120.º - não se basta com uma qualquer finalidade de viabilizar a empresa que, de forma directa ou indirecta, esteja subjacente ao acto; a lei exige que esteja em causa um acto cuja finalidade tenha sido a de prover o devedor com meios de financiamento e essa especifica finalidade não está presente numa dação em pagamento que tem como único objectivo cumprir uma obrigação sem qualquer finalidade de conceder crédito ou financiamento e de disponibilizar capital ao respectivo credor para o exercício da sua actividade em termos de viabilizar a sua recuperação.

Assim, ainda que se considerasse – e já vimos não ser o caso – que a insusceptibilidade de resolução do acto podia valer no âmbito de processo de insolvência referente a pessoa diferente daquela a quem se reportava o processo de revitalização (ou outro dos mencionados na citada disposição legal), o acto em questão não se poderia considerar incluído no âmbito de previsão da norma em causa (o n.º 6 do art.º 120.º).

Concluimos, portanto, que, apesar de ter ocorrido no âmbito e em contexto de processo de revitalização que correu termos em relação à referida sociedade (A..., Ld.ª), a dação em pagamento aqui em causa é susceptível de resolução no âmbito da presente insolvência (referente a AA), não sendo aqui aplicável o disposto no citado art.º 120.º, n.º 6, seja porque a insusceptibilidade de resolução aí prevista não tem aplicação no âmbito de insolvência de qualquer outra pessoa que não seja aquela que figurou como devedora no processo de revitalização, seja porque, de qualquer forma, o acto em questão (dação em pagamento) não se integra no âmbito de previsão da norma citada por não ter tido a finalidade de prover a devedora naquele processo (a A..., Ld.ª) com meios de financiamento para viabilizar a sua recuperação.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

(…)


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IV.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Notifique.

                              Coimbra,

                                             (Maria Catarina Gonçalves)

                                                  (Maria João Areias)

                                                   (Chandra Gracias)


[1] Lições de Direito da Insolvência, 2018, págs. 461 e 462.
[2] Cfr. Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER, O Processo Especial de Revitalização, 2014, pág. 180.
[3] Manual do Direito da Insolvência, 5ª edição, pág. 211, nota 686.