I - A licença de saída jurisdicional é uma licença de liberdade temporária, inserida na execução da pena, que não a modifica nem extingue.
II - Na decisão sobre a concessão de licença de saída jurisdicional devem ser ponderados a evolução da execução da pena ou medida privativa da liberdade por parte do recluso, as necessidades de protecção da vítima, o ambiente social ou familiar em que o recluso se vai integrar, as circunstâncias do caso e os antecedentes conhecidos da vida do recluso devendo, ainda, ser formulado um juízo de prognose com base em tais factores.
III - A falta de ponderação destes factores integra falta de fundamentação da decisão, geradora de irregularidade que afecta de forma definitiva o valor do acto praticado, por o tribunal de recurso ficar impedido de exercer os seus poderes de controlo da legalidade do acto, por os elementos necessários para tal efeito terem sido omitidos.
IV - Esta irregularidade deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal de recurso.
Acordam, em conferência, na 4ª secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra:
I. RELATÓRIO
1.1. A decisão
No Processo de Licença de Saída Jurisdicional nº 4075/09.9TXPRT-L do Juízo de Execução de Penas de Coimbra, foi proferido o seguinte despacho relativamente ao recluso …:
« I - O recluso supra identificado requereu a concessão de uma licença de saída jurisdicional, nos termos do artigo 189.º n.ºs 1 e 2 do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade, de ora em diante designado CEPMPL.
O requerimento foi instruído com os elementos previstos no n.º 3 do referido preceito e dos mesmos não resulta a não verificação dos requisitos previstos no art.º 79.º do citado diploma.
Designou-se dia e hora para a reunião do conselho técnico e o despacho foi notificado ao Ministério Público e comunicado ao estabelecimento prisional e aos serviços de reinserção social (art.º 190.º do CEPMPL).
Realizou-se hoje a reunião do conselho técnico, onde foram prestados os esclarecimentos indispensáveis à apreciação do pedido.
*
II – O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e mostra-se isento de nulidades, exceções ou quaisquer questões prévias que obstem ao conhecimento do pedido formulado pelo requerente.
*
III – Discutido o pedido no conselho técnico hoje realizado, foi por este emitido parecer:
Desfavorável, por unanimidade.
*
IV – Assim, considerando o parecer do conselho técnico, os elementos dos autos, os esclarecimentos prestados e os requisitos e critérios legais (art.º 78.º e 79.º do CEPMPL decide-se:
Não conceder a requerida licença de saída jurisdicional, tendo em consideração o percurso prisional do recluso em que não se observa uma evolução favorável da execução da pena compatível com o gozo de uma licença de saída jurisdicional.
Apresenta um percurso desinvestido e sem motivação com vista à aquisição de competências ocupacionais e lavorais em meio prisional, pelo que deve consolidar o seu percurso prisional.
*
Notifique a presente decisão ao Ministério Público e ao recluso.
Comunique-a ao EP.».
1.2.O recurso
1.2.1. Das conclusões do arguido
Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
1ª - QUESTÃO PRÉVIA - Da admissibilidade do recurso:
O presente recurso é admissível;
2ª - Caso assim não se entenda – o que não se admite e somente a título subsidiário ou por mera cautela se coloca – a decisão que rejeitasse a admissão do presente recurso sempre seria materialmente inconstitucional, por a interpretação feita nesse sentido do art. 196º nº 1 e 2 do CEPMPL ser violadora do art. 20º da CRP, conforme foi já decidido pelos doutos acórdãos do TC nº 652/2023 e nº 598/2024, citados em I) supra;
3ª - A decisão recorrida, ao indeferir o requerimento para concessão da Licença de Saída Jurisdicional (LSJ) requerida pelo recorrente/recluso, fez incorreta apreciação dos factos e errada aplicação do direito;
4ª - Da simples leitura da decisão recorrida extrai-se que a mesma não se baseou em factos concretos, mas sim em meras conclusões ou conceitos de direito e, como tal, enferma de nulidade por falta de fundamentação;
5ª - As expressões “percurso prisional do recluso”, “evolução favorável da execução da pena compatível com o gozo de uma licença de saída jurisdicional”, “percurso desinvestido e sem motivação com vista à aquisição de competências ocupacionais e laborais em meio prisional, pelo que deve consolidar o seu percurso prisional” são conceitos indeterminados ou conclusivos, cuja verificação ou não, pressupõem o aporte de factos que permitem o seu preenchimento, sob pena de a sentença não se basear em factos concretos, provados e não provados, e não permitir que seja feita a respetiva subsunção jurídica;
Sem prescindir,
6ª – De toda a maneira, mostram-se preenchidos e provados os elementos normativos previstos no art. 189º nº 3 als. a) e b) do CEPMLP;
7ª - O recorrente tem vindo a investir no seu percurso prisional, investindo na sua formação, ocupação do tempo e requereu colocação laboral;
8ª - Não se pode prejudicar o recluso, que claramente tem feito um esforço no sentido da sua progressão e aquisição de competências com vista à sua reintegração na sociedade, por falta de capacidade de resposta por parte dos serviços prisionais;
9ª - O recorrente tem demonstrado bom comportamento durante o cumprimento da pena a que tem estado sujeito, no que à sua personalidade diz respeito, tendo em conta as funções de recuperação e ressocialização com vista à sua reinserção social;
10ª - Não se verifica qualquer perigo de que o recorrente venha a praticar algum crime no período em que se mantenha fora do estabelecimento prisional, já demonstrado nas saídas jurisdicionais de que já beneficiou;
11ª - O recorrente assume os crimes pelos quais se encontra condenado, verbalizando arrependimento, demonstra consciência da gravidade dos crimes praticados, mantém comportamento adequado e normativo e não apresenta sanções disciplinares há um ano;
12ª - Tem rede de suporte familiar;
13ª - A saída jurisdicional um marco importante para permitir ao recorrente a sua readaptação e reintegração na vida em sociedade… tanto mais que cumpriu já 2/3 da sua pena;
Igualmente sem prescindir,
14ª – Resulta do “Relatório Social para Concessão de Liberdade Condicional 2/3 da Pena”, datado de 04/02/2025, …
“ (…)
O condenado parece possuir capacidades para refletir sobre os seus atos, embora seja um individuo com caraterísticas de imaturidade e vulnerável à influência de terceiros, mas que no geral tem vindo a evoluir de forma favorável, apostando na sua valorização pessoal e académica.
… evidencia fatores deproteção dos quais se destacam aintegração familiar. O condenado já beneficiou de medidas de flexibilização da pena.
(…)
… apresenta um percurso de vida, onde o consumo regular de substâncias estupefacientes e uma história de prática criminal associada ao referido consumo, originaram diferentes contactos com o sistema de justiça, nomeadamente, cumprimento de pena de prisão. Está preso desde 26/05/2020, integra programa de tratamento com metadona, tem vindo a manter comportamento globalmente satisfatório e tem vindo a procurar valorizar-se em termos pessoais e académicos.
A nível familiar, conta com o apoio incondicional da mãe, que entende a necessidade do filho se regenerar como cidadão.
A intimidação causada com a privação da liberdade e as consequências resultantes da prática criminal aparentam ter criado algum impacto no próprio e no repensar de estratégias preventoras da reincidência, embora a vulnerabilidade à influência negativa de terceiros a que acresce um percurso de ligação ao consumo de substâncias tóxicas, surjam como elementos a necessitar de continuar a ser trabalhados.
O seu envolvimento e compromisso com atividades pró-sociais deverão servir, no futuro, para afastá-lo de situações que podem ser consideradas de risco/criminógenas.
(…)” (negrito e sublinhado nossos).
15ª - Foi elaborado “Relatório Liberdade Condicional”, no Estabelecimento Prisional de Coimbra, datado de 31.01.2025, no qual se refere (Doc. nº 2):
“(…)
4. Saúde
(…) Em meio prisional integrou Programa de substituição opiácea por Metadona a 18.06.2020, dando continuidade ao programa iniciado na ET de Viseu, do qual teve alta a 27.10.24.(…)
“(…)
5.2 Registo disciplinar e louvores
Do seu registo disciplinar constam seis anotações, sendo a última datada de 30.04.2024, em que, por ter chegado 2H15m de atraso após LSJ e a verificar-se consumo de Cocaína, foi punido com 15 dias de proibição de utilização do Fundo de Uso Pessoal. (…)” (negrito e sublinhado nossos).
“(…)
5.2 Relação com o crime cometido
6.1. Atitude face ao crime cometido
Tem vindo a revelar crítica ajustada perante os factos subjacentes à sua detenção, com reconhecimento do crime e do seu impacto em terceiros, denotando alguma capacidade de censura e de arrependimento.
(…)” (negrito nosso).
16ª - O recorrente tem vindo a demonstrar adaptação ao sistema, tendo finalizado o tratamento com metadona (com sucesso), frequentado vários cursos e demonstrado uma adaptação às regras, sendo completamente ausente qualquer tipo de registo disciplinar desde 30.04.2024;
17ª - Foram, desse modo, violadas pela decisão recorrida, além de outras, a norma constitucional prevista no art. 20º da CRP; as normas legais constantes dos artigos 78º nºs 1 e 2, 79º nº 3, 154º, 189º nº 3 als. a) e b), 196º nºs 1 a 3, 235º, 236º nº 2, 238º nºs 1 e 3, e 239º, todos do CEPMPL; e constantes dos artigos 374º nº 2, 379º nº 1, al. a) e nº 2, todos do CPP.
1.2.2 Da resposta do Ministério Público
Respondeu em 1ª instância o Ministério Público, defendendo a procedência do recurso, …
1.2.3. A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer :
(…)
«Cremos que são suficientes e perceptíveis as razões da decisão de não concessão do gozo da licença de saída jurisdicional.
…
Em conclusão, somos de parecer que o recurso deve ser julgado improcedente.»
1.2.4. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do C.P.P., o recorrente respondeu a 31/7/2025 . Foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência.
II. OBJECTO DO RECURSO
…
Assim, examinadas as conclusões de recurso, são as seguintes as questões a conhecer :
- Nulidade da decisão por falta de fundamentação;
- Verificação dos pressupostos de concessão da licença de saída jurisdicional.
III. APRECIAÇÃO DO RECURSO
4.1. Nulidade da decisão por falta de fundamentação :
O recorrente entende que a decisão recorrida é nula por não se mostrar fundamentada .
Dispõe o artigo 118º do C.P.P. que «1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. 2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.».
Embora o recorrente não tenha mencionado a norma legal que prevê a invocada nulidade, podemos pensar que quis remeter para a nulidade da sentença prevista no artigo 379º, nº 1, al. a) do C.P.P., quando não contém as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º .
Nos termos do nº 2 do artigo 374º do C.P.P., sob a epígrafe «Requisitos da sentença», «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.»
Estes requisitos da fundamentação estão em consonância com o que prescreve o artigo 368º, nº 2, do mesmo diploma legal, que prevê : « Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber:
a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime;
b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou;
c) Se o arguido actuou com culpa; (…)».
E também com o que dispõe o artigo 339º, nº 4 do CPP que estabelece que a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação, os factos alegados pela defesa e os factos que resultarem da prova produzida em audiência, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368º e 369º, isto é, a questão da culpabilidade e a questão da determinação da sanção.
Porém, nitidamente, esta norma não tem aplicação ao despacho recorrido, as nulidades da sentença não se aplicam ao despacho que concede ou recusa a licença de saída jurisdicional.
Na verdade, a decisão recorrida não «conhece a final do objecto do processo» - cfr. o artigo 97º, nº 1, al. a) do C.P.P., aplicável a título subsidiário por força do artigo 154º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), aprovado pela Lei nº 115/2009 de 12/10.
A decisão de concessão ou recusa das licenças de saída jurisdicional é um despacho, uma decisão judicial distinta de uma sentença.
Neste sentido, ver o Acórdão da Relação de Lisboa de 23/6/2025, processo 1608/12.7txlsb-AL.L1-9, relatado por Marlene Fortuna; o Acórdão da Relação do Porto de 2/7/2025, processo 193/22.6txprt-H.P1, relatado por William Themudo Gilman; ambos disponíveis in www.dgsi.pt., entre outros.
Não obstante, importa considerar o disposto no artigo 146º, nº 1 do CEPMPL, que estabelece, tal como o artigo 97º, nº 5 do C.P.P., que «Os actos decisórios do juiz de execução das penas são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão».
Trata-se de uma imposição constitucional : por força do artigo 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, excepto quanto aos de mero expediente, os despachos têm de ser fundamentados
A fundamentação exigida pelo artigo 97º, ainda que possa ser sintética, tem de expor os motivos de facto e os de direito.
Conforme afirma Henriques Gaspar, in Código de Processo Penal comentado, 4ª edição revista, Almedina 2022, p. 286, «A extensão do dever de fundamentar as decisões pode variar segundo a natureza da decisão e tem de ser analisada perante as circunstâncias de cada caso; no entanto, em caso de interferência com direitos relevantes dos interessados, não responde às exigências uma fundamentação automática, tabelar, estereotipada ou imprecisa, por remissão que não contenha um reexame efectivo, a fundamentação implícita ou a insuficiência dos motivos…».
Como ensina o Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Editorial Verbo 1993, Volume II, p. 16-17), «A fundamentação dos actos decisórios tem finalidades várias. Permite o controlo da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autocontrolo».
No sentido de que a falta de fundamentação de despachos tem como efeito a irregularidade, ver Vinício Ribeiro, in Código de Processo Penal notas e comentários, 3ª edição, Quid Iuris 2020, p. 226.
Vejamos então se o despacho recorrido se encontra ou não fundamentado.
O Capítulo IV do Título II do CEPMPL, sobre Licenças de saída do estabelecimento prisional define no artigo 76º os Tipos de licenças de saída:
«1 - Podem ser concedidas ao recluso, com o seu consentimento, licenças de saída jurisdicionais ou administrativas.
2 - As licenças de saída jurisdicionais visam a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais e a preparação para a vida em liberdade.
(…)
5 - O Regulamento Geral dispõe sobre os procedimentos relativos a licenças de saída.».
Conforme o artigo 77 do mesmo código,
«1 - O período de saída é considerado tempo de execução da pena ou da medida privativa da liberdade, excepto se a respectiva licença for revogada.
2 - O recluso é informado sobre os motivos da não concessão de licença de saída, salvo se fundadas razões de ordem e segurança o impedirem.
(…)» – sublinhado meu.
As licenças de saída obedecem aos requisitos e critérios gerais previstos no artigo 78º, ou seja :
«1 - Podem ser concedidas licenças de saída quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) Fundada expectativa de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;
b) Compatibilidade da saída com a defesa da ordem e da paz social; e
c) Fundada expectativa de que o recluso não se subtrairá à execução da pena ou medida privativa da liberdade.
2 - Tendo em conta as finalidades das licenças de saída, ponderam-se na sua concessão:
a) A evolução da execução da pena ou medida privativa da liberdade;
b) As necessidades de protecção da vítima;
c) O ambiente social ou familiar em que o recluso se vai integrar;
d) As circunstâncias do caso; e
e) Os antecedentes conhecidos da vida do recluso.
3 - Na concessão de licenças de saída podem ser fixadas condições, adequadas ao caso concreto, a observar pelo recluso.»
As licenças de saída jurisdicionais, de acordo com o artigo 79º, são concedidas e revogadas pelo tribunal de execução das penas, e «podem ser concedidas quando cumulativamente se verifique:
a) O cumprimento de um sexto da pena e no mínimo seis meses, tratando-se de pena não superior a cinco anos, ou o cumprimento de um quarto da pena, tratando-se de pena superior a cinco anos;
b) A execução da pena em regime comum ou aberto;
c) A inexistência de outro processo pendente em que esteja determinada prisão preventiva;
d) A inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos 12 meses que antecederem o pedido.
3 - Nos casos de execução sucessiva de penas de prisão ou de pena relativamente indeterminada, o sexto e o quarto da pena determinam-se, respectivamente, em função da soma das penas ou da pena que concretamente caberia ao crime.
4 - Cada licença de saída não pode ultrapassar o limite máximo de cinco ou sete dias seguidos, consoante a execução da pena decorra em regime comum ou aberto, a gozar de quatro em quatro meses.
5 - As licenças de saída jurisdicionais não são custodiadas.».
Por sua vez o Capítulo VI , do título IV do CEPMPL debruça-se sobre a Licença de saída jurisdicional, dispondo o artigo 189º, nº 1 que
«1 - A concessão de licença de saída jurisdicional é requerida pelo recluso.».
E o artigo 192º diz que
«[…]
2 - Quando conceder a licença de saída jurisdicional, o juiz fixa a sua duração e condições.
3 - Quando não a conceder, pode o juiz, fundamentadamente, fixar prazo inferior ao previsto na lei para a renovação do pedido.
4 - A decisão é notificada ao Ministério Público e, nos termos do artigo seguinte, ao recluso e ainda comunicada aos serviços de reinserção social e demais serviços ou entidades que devam acompanhar o cumprimento das condições eventualmente impostas.».
A licença de saída jurisdicional é uma licença de liberdade temporária, inserida na execução da pena, que não a modifica nem extingue.
Não há obrigatoriedade legal de concessão da licença de saída jurisdicional, a qual depende da decisão do tribunal de execução das penas, na ponderação de determinados pressupostos.
Seja como for, dado que a concessão de licença de saída jurisdicional depende da verificação dos requisitos previstos no artigo 78º, nº 1 do CEPMPL, isto é, fundada expectativa de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; compatibilidade da saída com a defesa da ordem e da paz social; e fundada expectativa de que o recluso não se subtrairá à execução da pena ou medida privativa da liberdade; devendo ser ponderadas as circunstâncias indicadas no nº 2 do mesmo artigo, ou seja, a evolução da execução da pena ou medida privativa da liberdade; as necessidades de proteção da vítima; o ambiente social ou familiar em que o recluso se vai integrar; as circunstâncias do caso; e os antecedentes conhecidos da vida do recluso; vemos que a decisão recorrida apresenta uma total omissão destas circunstâncias.
Na verdade, a decisão recorrida limita-se a afastar os obstáculos à concessão de licença indicados no artigo 79º, nº 2 daquele diploma legal, quando afirma que «não resulta a não verificação dos requisitos previstos no artigo 79º», afirmando depois que não se concede a licença de saída jurisdicional «tendo em consideração o percurso prisional do recluso em que não se observa uma evolução favorável da execução da pena compatível com o gozo de uma licença de saída jurisdicional. Apresenta um percurso desinvestido e sem motivação com vista à aquisição de competências ocupacionais e lavorais em meio prisional, pelo que deve consolidar o seu percurso prisional».
Ou seja, a decisão em crise recorreu a fórmulas de caracter genérico, que verdadeiramente nada esclarecem .
É que além daqueles requisitos de índole objectiva – os previstos no artigo 79º, nº 2 -, importa que o julgador formule um juízo de prognose, ponderando concretamente os factores elencados no artigo 78º.
Contudo, a decisão proferida em 6/3/2025 não os analisou minimamente.
Por outro lado, não tendo procedido a uma análise individualizada do caso em apreço, fica sem se saber qual foi o percurso prisional do recorrente, que evolução favorável da execução da pena não ocorreu e em que é que consiste o desinvestimento e desmotivação do recorrente na aquisição de competências .
Sendo assim, são desconhecidos os factos em que assentaram aquelas afirmações de carácter genérico usadas pelo tribunal recorrido, o que inviabiliza a apreciação da bondade da recusa da licença de saída jurisdicional por este Tribunal da Relação.
É certo que a fundamentação deste tipo de despachos teria de ser, necessariamente sumária e perfunctória; contudo, o despacho recorrido postergou-a por completo.
Em suma, o despacho recorrido não cumpre as exigências de fundamentação previstas no artigo 146º, nº 1 do CEPMPL e no artigo 97º, nº 5 do C.P.P., dele não se podendo extrair, de forma alguma, porque razão assim se decidiu.
Como se aludiu atrás, estamos em face de uma irregularidade, a qual afecta de forma definitiva o valor do acto praticado, na medida em que este Tribunal de recurso está impedido de exercer os seus poderes de controlo da legalidade do acto, uma vez que os elementos necessários para tal efeito foram absolutamente omitidos .
Assim, ainda que a título excepcional, essa irregularidade deve ser conhecida oficiosamente por este Tribunal em sede de recurso, dado que foi este o momento em que da mesma se tomou conhecimento.
É o que resulta do nº 2 do artigo 123º do C.P.P. : «Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado».
No sentido exposto, ver os seguintes Acórdãos, disponíveis in www.dgsi.pt. :
- da Relação de Lisboa de 10/7/2025, processo 389/23.3txlsb-J.L1-3, relatado por Ana Rita Loja;
- da Relação do Porto de 9/4/2025, processo 875/18.7txprt-K.P1, relatado por Amélia Carolina Teixeira;
- da Relação de Lisboa de 20/2/2024, processo 1100/12.0txlsb-N.L1-5, relatado por Sandra Ferreira;
- da Relação do Porto de 21/6/2023, processo 764/12.9txprt-U.P1, relatado por Pedro M. Menezes.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acórdão os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em:
Julgar procedente o recurso interposto, declarando a irregularidade da decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que observe o dever de fundamentação.
Sem custas.
Coimbra, 6 de Agosto de 2025
(Isabel Cristina Gaio Ferreira de Castro– 1ª adjunta)
(Cristina Neves – 2ª adjunta)