REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
ALTERAÇÃO DO REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA
RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE
Sumário

I - É manifestamente improcedente o recurso interposto da decisão que alterou a execução da pena de prisão, para prisão em estabelecimento prisional do remanescente, por incumprimento do regime de permanência na habitação, se o arguido reconhece que as ausências da habitação sem para tal estar autorizado foram desnecessárias e fúteis.

Texto Integral

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           O recurso foi recebido tendo-lhe sido atribuído efeito suspensivo.

           No entanto, por força das disposições conjugadas dos artigos 186º e 222º-D, nº 5 do CEPMPL, o recurso da decisão recorrida não tem efeito suspensivo, razão pela qual se altera (art. 414 nº 3 do CPP), passando a ser devolutivo.

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            Questão prévia.

           Entende o Ministério Público, na primeira instância, além do mais, que este tribunal deveria dar cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 3 do CPP e convidar o recorrente a completar as conclusões, sob pena de rejeição do recurso. Assim entende por não ter o recorrente respeitado a formulação do artigo 412º, nº 2 do CPP e omitido, como legalmente lhe é imposto pela alínea a), a menção nas conclusões das normas jurídicas violadas.

           Também nesta Relação o Ministério Público expressa o entendimento de que, efetivamente, o recorrente não cumpriu tal ónus, mas que a insuficiência das conclusões não é suscetível de correção mediante convite ao aperfeiçoamento, uma vez que a motivação está também ferida por falta de desenvolvimento de argumentos de impugnação da decisão recorrida, o que se traduz numa verdadeira falta de motivação que é insuscetível de correção, razão pela qual deve o recurso ser julgado manifestamente improcedente e, consequentemente, rejeitado.

            O recurso apresentado e trazido à apreciação deste tribunal não observa as exigências legais impostas ao recorrente. No entanto, a simplicidade da questão, a proximidade da data em que se extinguirá, pelo cumprimento, a pena imposta ao recorrente (16/09/2025) e a decisão que se impõe tomar, tornam inútil a tomada de qualquer posição prévia à prolação da decisão final, que passa a proferir-se.


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DECISÃO SUMÁRIA

(artigo 417, nº 6, alínea b) e 420º, nº 1, alínea a) do CPP)


            I.

           Por decisão do TEP de Coimbra doi decidido “julgar verificado o incumprimento do regime de permanência na habitação pelo condenado … e, consequentemente, determinar o cumprimento do remanescente da pena de prisão em estabelecimento prisional”.


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           Inconformado, interpôs o arguido recurso para este tribunal concluindo-o assim (transcrição):
I.    Para além de outros inconvenientes como sejam da fraca e limitada vida útil, de forma isolada e que não satisfaz em concreto o modus de vida de ser humano.

II.    Que o incumprimento em si mesmo e embora por diversas vezes, não foi assim tão grosseiro ou repetidamente em regras de conduta que a sociedade o condene.
III.    Que embora tenha consciência que houve saídas desnecessárias e fúteis, em nada prejudicaram o erário público, ou beneficiasse de uma situação que o levasse a actos desastrosos ou de e incumprimento consciente.

IV.     De que a sociedade também tem o dever de o auxiliar e retratá-lo e tê-lo de novo na sociedade civil a que pertence.
V.      Dando-se assim uma nova alegria e um pouco mais da revitalização da vida humana, enquanto vivente e útil à sociedade, auxiliando-o nesta caminhada.

VI.      Dada sua expectante e sabedor do emprego ficou distorcido, atónico e desgostoso com a situação e um tanto ou quanto confuso.
VII.    De que merece uma nova oportunidade na vida, como qualquer ser humano, já       que o seu incumprimento por si não revela o cometimento de qualquer norma infringida ou que venha a ser cometida.

VIII.     De que foram e verdade material que aconteceram, mas não se nos afigura que tenha o verdadeiro e imperioso conhecimento do dano legal cometido.
IX.      De que este tempo de prisão em estabelecimento prisional já lhe deu algum pesar e respeito para que não volte ao incumprimento das normas vigentes que lhe foram aplicadas

X.     Em suma e, com vista a uma reanalise, pelos Exmos Desembargadores, se apela .

XI.      Pelo que o tribunal a quo, com o devido respeito por opinião contrária nos parece ter dado como provada toda a matéria de facto que não o poderia fazer de forma tão ríspida e rija, nomeadamente esta já referida.

Termos em que deverá ser julgada procedente a presente apelação e em consequência

a) - A sentença, desde já revogada na parte objecto de recurso

ou, caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese académica se admite,

b)–Aplicando-se o regime de permanência na habitação, até ao seu integral cumprimento;

C) Ser concedido a,prestação de trabalho a tempo completo por conta da Junta de freguesia ...;

E assim fazendo-se a costumada JUSTIÇA !


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           Recebido o recurso a ele respondeu o Ministério Público, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

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           Remetidos os autos a este tribunal emitiu o Ministério Público parecer no sentido de, como se disse, dever o recurso ser rejeitado por manifesta improcedência ou, caso assim se não entenda, ser julgado improcedente.

            II.

 Tendo em conta que é pelas conclusões de recurso que se afere o seu âmbito, temos que a questão nuclear a apreciar é a de saber se deve ser revogada a decisão que determinou o condenado a cumprir em estabelecimento prisional, o remanescente da pena que vinha cumprindo em regime de permanência na habitação.


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           É a seguinte a decisão recorrida na parte que releva para a presente decisão (transcrição):

(…)
1. Por sentença proferida no processo n.º 385/23...., … foi condenado, pela prática de um crime de desobediência, previsto pelo artigo 348.º n.º1 b) do Código Penal e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto pelo artigo 3.º n.º2 do DL 2/94, de 03.01, numa pena única de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, acompanhada de regime de prova, tendo, posteriormente, sido revogada a suspensão da execução da referida pena de prisão e determinado o cumprimento daquela pena em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, por decisão transitada em julgado a 06.01.2025.
2. O condenado iniciou o cumprimento da referida pena a 17.01.2025, estando o seu termo previsto para 16.09.2025.
1. Desde o início da execução da pena, o condenado registou diversas ausências não permitidas da sua habitação, nomeadamente as seguintes:

a) No dia 23 de Janeiro de 2025 esteve ausente entre as 13h11 e 13h56;

b) No dia 24 de Janeiro de 2025, esteve ausente entre as 12h54 e as 17h08 e entre as 18h23 e as 21h07;

c) No dia 9 de Fevereiro de 2025, esteve ausente entre as 11h46 e as 14h35;

d) No dia 27 de Fevereiro de 2025, esteve ausente entre as 10h33 e as 12h21;
e) No dia 31 de Março de 2025, esteve ausente entre as 13h09 e as 15h49;
2. Para além das referidas ocorrências, foram registadas no sistema de monitorização 44 ausências não autorizadas da habitação, por períodos que variaram entre os 5 minutos e as 4 horas, sem que o condenado estivesse contactável.
3. Durante o período em que permanece em confinamento na habitação, o condenado tem efectuado, com alguma frequência, contactos telefónicos para a linha verde da equipa de VE, aparentando estar embriagado, face aos discursos desconexos e incoerentes que profere, perturbando o funcionamento dos serviços.


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            …

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II.2. Do Direito

            Segundo o disposto no artigo 43.º n.º2 do Código Penal, o regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.

            Por sua vez, ao abrigo do estatuído no n.º 4 daquele mesmo artigo, o tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, susceptíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente: a) Frequentar certos programas ou actividades; b) Cumprir determinadas obrigações; c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado; d) Não exercer determinadas profissões; e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas; f) Não ter em seu poder objectos especialmente aptos à prática de crimes.

           Por outro lado, dispõe o artigo 44.º n.º2 daquele diploma legal que o tribunal revoga o regime de permanência na habitação se o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente as regras de conduta, o disposto no plano de reinserção social ou os deveres decorrentes do regime de execução da pena de prisão;

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base do regime de permanência na habitação não puderam, por meio dele, ser alcançadas;

c) For sujeito a medida de coacção de prisão preventiva.

           A referida revogação determina, nos termos previstos no n.º3 do mesmo artigo,  a execução da pena de prisão ainda não cumprida em estabelecimento prisional.

Resulta, assim, da conjugação das referidas disposições legais que, perante o incumprimento das obrigações e regras de conduta impostas ao condenado no âmbito do regime de permanência na habitação em que cumpre a pena de prisão, o julgador deve avaliar o grau de gravidade da conduta infractora daquele, em função do concreto dever violado, das circunstâncias em que a mesma ocorreu e das respectivas consequências, de molde a ajuizar se esse comportamento infractor é de tal forma grosseiro que faz frustrar as finalidades que estiveram na origem da aplicação desta pena, parecendo-nos ser esse  critério que, à semelhança do que acontece com as causa de revogação da suspensão de execução da pena de prisão, deve nortear a decisão de revogar o regime de permanência na habitação.

Recorrendo às palavras do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.01.2020 (relatado por António Luís Carvalhão, no processo n.º 832/16.8TXPRT-D.P1, disponível in www.dgsi.pt) a infracção grosseira dos deveres há de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada, sendo por isso incompreensível, mas que não exige nem pressupõe necessariamente um comportamento doloso, bastando a infracção que seja o resultado de um comportamento censurável de descuido ou leviandade.

No caso sub judice, resultou apurado que o condenado se ausentou sucessivamente da sua habitação, sem para tal estar autorizado e sem qualquer justificação atendível para tais ausências, estando bem ciente de que não o podia fazer.

Para além disso, repetiu esses comportamentos depois das inúmeras advertências que lhe foram feitas pelos técnicos e, até, depois de ter sido ouvido pelo tribunal no âmbito deste incidente.

Esta conduta do condenado, praticada de forma persistente, injustificada e indiferente aos avisos, consubstancia, assim, uma infracção grosseira da primacial regra de conduta que lhe estava imposta, a de se manter na habitação, salvo em caso de autorização pelo Tribunal para se ausentar.

Pelo que se impõe a revogação do regime de permanência na habitação, devendo o requerido cumprir o remanescente da pena em estabelecimento prisional, nos termos do artigo 222-D, nº 1 e nº 3, 185º do CEPMPL e 44.º/2 a) e 3 do Código Penal.


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III. Decisão

Face ao exposto e ao abrigo das citadas disposições legais, decide-se julgar verificado o incumprimento do regime de permanência na habitação pelo condenado … e, consequentemente, determinar o cumprimento do remanescente da pena de prisão em estabelecimento prisional.


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            Apreciação do recurso.

           Como se disse a questão essencial a aferir é a de saber se foi correta a decisão de determinar o cumprimento, pelo recorrente, do remanescente de uma pena de 8 meses de prisão – imposta pela prática de um crime de desobediência p.p. artigo 348º, nº 1, alínea b) do CP e de um crime de condução sem habilitação legal p.p. artigo 3º, nº 2 do DL 2/94 de 3.1-, que passara a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, após revogação da suspensão anteriormente decretada.

            Resulta da factualidade provada - que o recorrente não contesta - que o cumprimento da pena se iniciou em 17/01/2025 e que, desde aí, o condenado se ausentou, sem autorização, da habitação nos dias 23 e 24 de janeiro, 9 e 27 de fevereiro e 31 de março de 2025. Mais resulta que, para além destas ausências, em 44 outras situações, se ausentou por períodos variáveis entre 5 minutos e 4 horas, sem que estivesse contactável.

            Foram estes sucessivos incumprimentos que motivaram a decisão recorrida.

           

           Como se sabe, o regime de permanência na habitação, com o qual o Estado entende punir comportamentos que deram origem a curtas penas de prisão, destina-se  a possibilitar o cumprimento do tempo de privação de liberdade (artigo 43º, nº 2 do CP), sem sujeitar os condenados ao ambiente hostil e desenraizante da prisão em estabelecimento prisional.

           À semelhança do que ocorre com a decisão de revogação da suspensão, também na decisão de alterar o regime de cumprimento da pena há que ajuizar da gravidade da conduta infratora a qual se afere, entre outros fatores, pelo número de violações ocorridas.

            Ora, resulta da matéria de facto e da fundamentação da sentença recorrida, que o arguido se ausentou da habitação em que cumpria pena, dezenas de vezes, tendo sido advertido de que o não podia fazer, a tudo se mostrando indiferente, ausências essas sucessivas, reiteradas, ao longo do período de duração da pena, que agora se aproxima do fim, sem que se perceba que o arguido tenha sequer interiorizado, verdadeiramente, que estava em cumprimento de pena.

            Dispõe o artigo 44º, nº 2 do CP que o regime de permanência na habitação pode ser revogado, além do mais, se o condenado infringir grosseira ou repetidamente (…) os deveres decorrentes da execução da pena de prisão. Ora o primeiro dever é o de permanecer confinado ao domicílio, dele não se ausentando se para tal não estiver autorizado.

Este dever foi manifesta e sucessivamente incumprido pelo condenado, aliás, de forma desnecessária e fútil como o recorrente reconhece, num crescendo de indiferença pela advertência que a imposição da pena deveria ter constituído e que começou pelo comportamento que deu origem à revogação da suspensão da pena inicialmente decretada.

           Assim sendo, contrariamente ao invocado no recurso, não há que fazer apelo, neste momento processual, a considerações sobre a severidade da pena ou oportunidades de vida não concedidas, em face do que verdadeiramente está em causa na decisão e que é a infração repetida, reiterada e injustificada do principal dever que sobre o recorrente impendia.

O recurso é, portanto, manifestamente improcedente.


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            III.

            DECISÃO.

           Em face do exposto decide-se rejeitar o recurso interposto por … por manifesta improcedência.

            Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.

            Notifique e comunique de imediato ao TEP.


 Coimbra, 5 de setembro de 2025

Maria Teresa Coimbra