I - A suspensão da execução da pena de prisão tem como pressuposto material de aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
II - Se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, o tribunal subordina a suspensão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta.
III - Estes deveres ou regras de conduta podem ser modificados até ao termo do período de suspensão sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes, supervenientes ou anteriores mas que o tribunal só posteriormente conheceu, o que significa que o conteúdo da pena de suspensão da execução da prisão está sujeito, dentro dos limites legais e independentemente de incumprimento do condenado, a uma cláusula “rebus sic stantibus”.
IV - Havendo incumprimento das condições da suspensão, há que distinguir duas situações: uma primeira, quando o condenado, no decurso do período de suspensão, deixa de cumprir, com culpa, qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de readaptação, o tribunal pode aplicar uma das medidas previstas no artigo 55.º do Código Penal; outra, quando no decurso da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não podem, por intermédio desta, ser alcançadas, a suspensão é revogada.
V - A revogação da suspensão só se impõe quando o condenado infrinja grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reinserção e cumulativamente revele que as finalidades que estavam na base da suspensão não podem, por meio dela, ser alcançadas, infirmando definitivamente o juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro, o que exige a indagação e apreciação de todos os factos e circunstâncias susceptíveis de relevar na aferição da possibilidade de manutenção ou não do juízo de prognose favorável relativo ao comportamento que o condenado irá de futuro adoptar.
VI - A condição prevista na parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal - «e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas» -, refere-se a ambas as causas de revogação da suspensão previstas nas duas alíneas.
VII - Decretada a revogação da suspensão da pena de prisão, se esta não for superior a dois anos o tribunal tem de se pronunciar sobre a possibilidade de a pena de prisão aplicada a título principal ser cumprida em regime de permanência na habitação.
VIII - Se o tribunal não considerou esta possibilidade ocorre um vício gerador de irregularidade, sujeito ao regime do artigo 123.º do C.P.P.
IX - A irregularidade em causa contende com direitos fundamentais do arguido, por esse motivo afecta a validade do despacho proferido e é, por isso, de conhecimento oficioso pelo tribunal ad quem.
Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:
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I- Relatório:
-» O arguido … foi condenado nos autos, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de um ano e seis meses, acompanhada de regime de prova, assente em plano de reinserção social a elaborar e a executar com vigilância e apoio da DGRSP, que inclui a obrigação de se sujeitar a tratamento do problema de alcoolismo, submetendo-se às consultas e tratamentos que lhe forem indicados, e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 (dez) meses.
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No mesmo processo foi proferida, em 13.11.2024, decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido fora condenado, determinando o cumprimento pelo arguido da pena de 8 meses de prisão, ao abrigo do disposto no artigo 56.° n.° 2, do Código Penal.
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-» Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o arguido, motivando o recurso, que apresenta as seguintes conclusões: (transcrição)
1.ª O Tribunal a quo na sua decisão não observou corretamente todos os preceitos legais aplicáveis ao caso concreto.
2.ª Não apreciou nem ponderou, devida e criteriosamente, todos os elementos probatórios que resultam dos autos, designadamente, a audição do condenado e da Senhora Técnica DGRSP e “Relatório de Execução Final” elaborado pela DGRSP, datado de 29 de agosto de 2023.
3.ª Da análise de todos os elementos de prova junto aos autos resulta, em nosso modesto entender, que o juízo de prognose favorável que presidiu à determinação da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, aquando da prolação da sentença condenatória, não ficou comprometido com o facto de o arguido ter praticado o novo crime.
4.ª Sendo possível concluir, ainda, de forma segura, que a manutenção da suspensão da execução da pena de prisão com a prorrogação do período da suspensão assegura as finalidades da pena.
5.ª Da prova recolhida que se encontra junta aos autos e produzida em sede da audiência do condenado decorre, inequivocamente, que o arguido sempre assumiu, ao longo de todo o processo e durante o cumprimento da sua pena, perante as entidades que o têm vindo a acompanhar no âmbito do plano de reinserção social e no tratamento, uma postura de disponibilidade efetiva e franca colaboração, demonstrando um profundo arrependimento e claro propósito de corrigir os seus comportamentos.
6.ª Em favor do arguido resulta o relatório final de acompanhamento da DGRSP, de 29 de agosto de 2023, junto aos autos, onde se pode ler, além do mais, que:
- “Ao longo do período de acompanhamento, … manteve uma postura de colaboração com esta Equipa da DGRSP, revelando uma adequada motivação para o cumprimento dos objetivos constantes no Plano de Reinserção Social elaborado.”
- “Com estes serviços de reinserção social manteve uma postura cordata e de colaboração, mostrando-se, aparentemente, recetivo às orientações que lhe foram sendo dirigidas.”
7.ª Relatório esse confirmado pela Senhora Técnica da DGRSP, que acompanhou e monitorizou a execução da medida ao condenado, aquando das tomada de declarações em na aplicação informática em uso neste Tribunal, (cfr. auto de diligência de 23/02/2024), referindo, então, que o arguido sempre assumiu, ao longo de todo o processo e do cumprimento da sua pena, uma postura positiva, de disponibilidade efetiva e franca colaboração.
8.ª Contudo, o Tribunal recorrido não considerou nem analisou, como devia, os relatórios que se encontram junto aos autos e as declarações prestadas pelo condenado e pela Senhora Técnica da DGRSP.
9.ª Não tendo também sido ponderada a possibilidade de aplicar algumas das medidas compreendidas no artigo 55.º do Código Penal, nem se indicou quais as razões que levaram a não ser considerado tal quadro normativo.
10.ª A simples prática de novo crime por parte do recorrente durante o período da suspensão não é, por si só, suficiente para levar à revogação da suspensão da execução da pena, é necessário mais do que isso, designadamente, que se aprecie as circunstâncias em que ocorreu a prática do novo crime.
11.ª Além disso, o Tribunal a quo teria de ponderar, necessariamente, a possibilidade de aplicação da execução da pena em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos à distância, por força do disposto no artigo 43.º n.º 1, alínea c) do Código Penal, e não o fez.
…
13.ª O despacho recorrido enferme, assim, do vício de nulidade por omissão de pronúncia, nulidade que se invoca para todos os efeitos legais, nos termos das disposições combinadas dos artigos 43.º, n.º 1, al. c) do Código Penal e 379.º, n.º 1 al. c) do Código de Processo Penal.
14.ª Deste modo, o Tribunal recorrido violou os artigos 55.º, 56.º, 43.º n.º 1 alínea c) do Código Penal e 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.
NESTES TERMOS e nos demais de direito, que mui doutamente serão supridos, deve o presente recurso obter provimento e, consequentemente:
a) Ser revogada a douta decisão recorrida, procedendo-se à sua substituição por outra que proceda a prorrogação do prazo da suspensão ou, caso assim não se entenda,
b) Ser declarada nula a decisão, em virtude da verificada nulidade do despacho por omissão de pronuncia com todas as consequências legais;”
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-» O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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-» Ao recurso respondeu o Ministério Público junto da primeira instância, …
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Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, …
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Cumprido que foi o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP, não foi dada resposta.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II – questões a decidir.
…
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada, as questões a examinar e decidir prendem-se com saber:
- se à data da prolação do despacho recorrido, estavam verificados os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão ou se é possível concluir que a manutenção da suspensão da execução da pena de prisão com a prorrogação do período da suspensão assegura as finalidades da pena.
- saber se o despacho recorrido enferma do vício de nulidade por omissão de pronúncia, nulidade que se invoca para todos os efeitos legais, nos termos das disposições combinadas dos artigos 43.º, n.º 1, al. c) do Código Penal e 379.º, n.º 1 al. c) do Código de Processo Penal.
III – Factos relevantes para a decisão do recurso:
A) O recorrente foi condenado, no âmbito dos presentes autos, por sentença datada de 6-01-2022, transitada em julgado, pela prática a 3 de agosto de 2021, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, por referência aos artigos 121.º a 123.º, do Código da Estrada, numa pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e seis meses, acompanhada de regime de prova, assente em plano de reinserção social a elaborar e a executar com vigilância e apoio da DGRSP, que inclua a obrigação de se sujeitar a tratamento do problema de alcoolismo, submetendo-se às consultas e tratamentos que lhe forem indicados, e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 (dez) meses.
B) O arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado, proferida no Processo Sumário 73/23...., pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 10 meses prisão, a executar em regime de permanência na habitação, por factos ocorridos a 15.03.2023.
C) De acordo com o relatório de execução final da DGRSP de 29/8/2023, junto com a referência CIITUS 6096352:
“Ao longo do período de acompanhamento, AA manteve uma postura de colaboração com esta Equipa da DGRSP, revelando uma adequada motivação para o cumprimento dos objetivos constantes no Plano de Reinserção Social elaborado.
Relativamente ao acompanhamento na Equipa de Tratamento do Centro de Respostas Integradas de Viseu, tem comparecido às consultas agendadas, mantendo o acompanhamento médico, social e psicológico. Segundo o técnico que o acompanha, “o utente faltou à consulta agendada para dia 12 de abril. Esteve posteriormente presente em consultas neste serviço a 27 de junho/2023. À data da consulta referiu ter tido um período de abuso motivado pela sua dificuldade em gerir alguns conflitos familiares, mas que estaria novamente abstinente. Foi medicado e foram-lhe prescritos exames complementares, ficando com novas consultas agendadas para o dia 12 de setembro”
Pese embora mantenha o acompanhamento no CRI de Viseu, dirigido à sua problemática aditiva, denota-se uma adesão ambivalente relativamente ao tratamento proposto, uma vez que mantém hábitos de consumo de álcool, com envolvimento em práticas criminais.
No âmbito do processo 73/23...., do Juízo de Competência Genérica de Montemor-o-Velho, … foi condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, ocorrido em 15-03-2023, numa pena de 10 meses de prisão na habitação, com recurso a meios de vigilância eletrónica. A sentença transitou em julgado no passado dia 26-05-2023, tendo sido instalados os equipamentos no passado dia 02-07-2023.
Resulta ainda não ter o arguido frequentado de forma regular as consultas de alcoologia pelo facto de não assumir a sua problemática aditiva e ainda por alegada falta de dinheiro para se deslocar às mesmas. Do teor do citado relatório resulta ainda não ter o arguido ficado em abstinência total do consumo de bebidas alcoólicas pois que é referenciado que só após o problema de saúde que teve em inícios de 2016 e determinou o seu internamento terá reduzido (e não cessado) os consumos de bebidas alcoólicas.
Conclui o relatório que “somos de parecer que, embora o condenado, objetivamente, aparentasse uma adequada motivação para o cumprimento das atividades propostas no seu Plano de Reinserção Social, veio a sofrer uma nova condenação, por crime praticado durante o período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada. A sequência temporal objetiva que se colhe da condenação de AA nos presentes autos e nos demais em que foi condenado, é deveras impressiva no sentido da finalidade da advertência que constituiu a condenação aqui imposta. Evidencia necessidade de evolução ao nível da reflexão crítica face às suas condutas anteriores por forma a conseguir adquirir a necessária determinação para manter no futuro uma conduta normativa.”
D) O arguido sofreu em momento anterior à presente condenação, as seguintes condenações:
-No Processo n.º 12/16...., do Juízo de Competência Genérica do Sátão do Tribunal da Comarca de Viseu, por sentença de 02.02.2016, transitada em julgado em 03.03.2016, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1 do CP, praticado em 23.01.2016, foi condenado numa pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €5,00, assim como numa pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 6 meses, declaradas extintas;
⎯ No Processo n.º 173/16...., do Juízo de Competência Genérica do Sátão do Tribunal da Comarca de Viseu, por sentença de 12.07.2018, transitada em julgado em 27.09.2018, pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos arts. 137.º, n.º 1 e 69.º, ambos do CP, e de um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo art. 200.º do CP, praticados em 12.12.2016, foi condenado na pena única de 3 anos de prisão, suspensa por igual período, assim como numa pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 12 meses
E) Foi designada data para a inquirição do arguido, que compareceu e prestou declarações
F) A 2/09/2024, o MP promoveu no sentido da revogação da suspensão da execução da pena de prisão e consequente cumprimento da pena de 8 meses de prisão.
G) Notificado, o arguido respondeu, requerendo a prorrogação do período de suspensão da pena
H) Em 19/4/2023 foi proferido despacho judicial com o seguinte teor:
“SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO – DECISÃO
Arguido – …
No âmbito dos presentes autos, foi o arguido … condenado como como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, cuja execução suspendo pelo período de um ano e seis meses, acompanhada de regime de prova, assente em plano de reinserção social a elaborar e a executar com vigilância e apoio da DGRSP, que inclua a obrigação de se sujeitar a tratamento do problema de alcoolismo, submetendo-se às consultas e tratamentos que lhe forem indicados, e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 (dez) meses.
A sentença foi proferida no dia 06.01.2022 e transitou em julgado no dia 08.02.2022.
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Foi designada data para audição do arguido, o qual prestou declarações.
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Neste momento, e na sequência das informações entretanto solicitadas, vem o Digno Magistrado do Ministério Público promover a revogação da suspensão da execução da pena aplicada, contrariamente ao arguido que se opõe, nos termos e pelas razões que elenca no requerimento de 09.10.2024, e cujo teor se dá por reproduzido, por razões de economia processual.
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Cumpre assim apreciar e decidir.
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Destarte, contextualizada a situação nos presentes autos, a conduta do arguido é abstratamente subsumível às alíneas a) e b), uma vez que se mostra em causa uma eventual infração grosseira dos deveres decorrentes da pena que foi aplicada e a prática de um crime pelo qual veio a ser condenado.
Começando pela alínea a).
A lei penal não define o que se deve entender por violação grosseira dos deveres, deixando ao critério do seu aplicador a fixação dos seus contornos.
De modo que, sufragando a posição do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de novembro de 2004, considera-se que “ao lado do elemento objectivo da violação do dever, a lei penal torna dependente a concorrência de um elemento subjectivo, traduzido na culpa, enquanto infracção grosseira ou repetida dos deveres impostos na decisão condenatória. Isto é, optou-se por um regime mais exigente que só determina a revogação da pena quando se conclui que as finalidades subjacentes à aplicação daquela não podem, por meio dela, ser atingidas”.
Acrescentando que, “embora a lei não defina o que deva entender-se por violação grosseira dos deveres, deixando ao critério do julgador a fixação dos seus contornos, nem por isso se poderão esquecer os ensinamentos sobre o que constitui negligência grosseira: a culpa temerária; o esquecimento dos deveres gerais de observância; a demissão pelo agente dos mais elementares deveres que não escapam ao comum dos cidadãos; uma inobservância absolutamente incomum”.
Concluindo que, “a violação grosseira de que se fala, há-de ser uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorre não merecendo ser tolerada, indesculpada”.
Vejamos então o caso dos autos.
O arguido, anteriormente à condenação destes autos, apresentava as seguintes condenações:
• No Processo n.º 12/16...., do Juízo de Competência Genérica do Sátão do Tribunal da Comarca de Viseu, por sentença de 02.02.2016, transitada em julgado em 03.03.2016, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1 do CP, praticado em 23.01.2016, foi condenado numa pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €5,00, assim como numa pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 6 meses, declaradas extintas;
• No Processo n.º 173/16...., do Juízo de Competência Genérica do Sátão do Tribunal da Comarca de Viseu, por sentença de 12.07.2018, transitada em julgado em 27.09.2018, pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos arts. 137.º, n.º 1 e 69.º, ambos do CP, e de um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo art. 200.º do CP, praticados em 12.12.2016, foi condenado na pena única de 3 anos de prisão, suspensa por igual período, assim como numa pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 12 meses.
Acresce que do relatório de execução final remetido pela DGRSP junto a 29.08.2023, consta, além do mais que se dá por reproduzido, o seguinte:
“Ao longo do período de acompanhamento, AA manteve uma postura de colaboração com esta Equipa da DGRSP, revelando uma adequada motivação para o cumprimento dos objetivos constantes no Plano de Reinserção Social elaborado.
Relativamente ao acompanhamento na Equipa de Tratamento do Centro de Respostas Integradas de Viseu, tem comparecido às consultas agendadas, mantendo o acompanhamento médico, social e psicológico.
Segundo o técnico que o acompanha, “o utente faltou à consulta agendada para dia 12 de abril. Esteve posteriormente presente em consultas neste serviço a 27 de junho/2023. À data da consulta referiu ter tido um período de abuso motivado pela sua dificuldade em gerir alguns conflitos familiares, mas que estaria novamente abstinente. Foi medicado e foram-lhe prescritos exames complementares, ficando com novas consultas agendadas para o dia 12 de setembro”.
“Resulta ainda não ter o arguido frequentado de forma regular as consultas de alcoologia pelo facto de não assumir a sua problemática aditiva e ainda por alegada falta de dinheiro para se deslocar às mesmas. Do teor do citado relatório resulta ainda não ter o arguido ficado em abstinência total do consumo de bebidas alcoólicas pois que é referenciado que só após o problema de saúde que teve em inícios de 2016 e determinou o seu internamento terá reduzido (e não cessado) os consumos de bebidas alcoólicas”.
Flui ainda do citado relatório a seguinte conclusão: “somos de parecer que, embora o condenado, objetivamente, aparentasse uma adequada motivação para o cumprimento das atividades propostas no seu Plano de Reinserção Social, veio a sofrer uma nova condenação, por crime praticado durante o período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada. A sequência temporal objetiva que se colhe da condenação de AA nos presentes autos e nos demais em que foi condenado, é deveras impressiva no sentido da finalidade da advertência que constituiu a condenação aqui imposta. Evidencia necessidade de evolução ao nível da reflexão crítica face às suas condutas anteriores por forma a conseguir adquirir a necessária determinação para manter no futuro uma conduta normativa.”.
Outrossim, evola igualmente dos autos que, no âmbito do processo 73/23...., do Juízo de Competência Genérica de Montemor-o-Velho, o arguido … foi condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, ocorrido em 15.03.2023, numa pena de 10 meses de prisão na habitação, com recurso a meios de vigilância eletrónica, por sentença de 26.05.2023, transitada em julgado no dia 26.06.2023, ou seja, durante o período da suspensão da pena de prisão em que foi condenado nos presentes autos.
Pois bem, feitas estas considerações, importa desde logo salientar que ainda que não se considerasse verificado o pressuposto previsto na alínea a) do aludido artigo 56.º do Código Penal, sempre se imporia concluir pela verificação da situação contemplada na alínea b).
…
Ao atuar nas circunstâncias pelas quais foi condenado no âmbito do referido processo, o arguido bem sabia que a prática deste novo crime comprometia o juízo de prognose favorável subjacente à suspensão da pena de prisão aqui aplicada.
…
Com efeito, tornou-se manifesto que a aplicação ao arguido do instituto da suspensão da pena de prisão não salvaguardou, como se pretendia, minimamente a sua função, designadamente evitando que o mesmo incorresse na prática de novos crimes.
…
De modo que, pelas razões aduzidas, impõe-se a revogação da suspensão da pena aplicada ao arguido e, nos termos 56.º/2 do Código Penal, deverá o arguido cumprir a pena de oito meses de prisão.
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Por conseguinte, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos e, consequentemente, determina-se que o arguido … cumpra a pena de oito meses de prisão em que foi condenado no âmbito dos presentes autos.”
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IV- Apreciando o mérito do recurso:
A suspensão da execução da pena de prisão, prevista no artigo 50º do Código Penal tem como pressuposto material de aplicação que o Tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, que conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente.
Subjacente à suspensão da execução da pena de prisão está sempre “a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda” (Jorge de Figueiredo Dias, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias Editorial, 1993, 344).
E o Tribunal da condenação, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, que foi o que aconteceu no caso em apreço.
Esses deveres ou regras de conduta podem ser modificados até ao termo do período de suspensão sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento, o que significa que o conteúdo da pena de suspensão da execução da prisão está sujeito, dentro dos limites legais, mesmo independentemente de incumprimento do condenado, a uma cláusula “rebus sic stantibus” (artigos 51.º, n.º 3, 52.º, n.º 3 e 54.º, n.º2, do C. P).
Verificando-se uma situação de incumprimento das condições da suspensão, haverá que distinguir duas situações: uma primeira, quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de readaptação, podendo o tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55.º do CP (a saber: fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; prorrogar o período de suspensão) e outra segunda, quando no decurso da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e assim revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, a suspensão é revogada (artigo 56.º, n.º 1, do C. Penal).
A revogação da suspensão só se impõe, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 56º do Código Penal, quando o condenado infrinja grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reinserção e cumulativamente revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, infirmando-se definitivamente o juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro.
As causas de revogação da suspensão da execução da pena de prisão “não devem, de facto, ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena”– cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, editora: Rei dos Livros em anotação ao art.º 56º
Impõe-se, por isso, uma especial exigência na indagação e apreciação de todos os factos e circunstâncias susceptíveis de relevar na aferição da possibilidade de manutenção ou não do juízo de prognose favorável relativo ao comportamento que o condenado irá de futuro adoptar.
Ou seja, mesmo em caso de infração grosseira e repetida aos deveres e às regras de conduta (podendo já configurar-se a previsão do art. 56º, nº 1, al. a), do CP), há que ponderar sempre, e previamente, a viabilidade da manutenção da ressocialização em liberdade.
A este respeito, lembra o Ac RE de 08-03-2018, Processo: 2207/13.1GBABF-A.E:
“Os princípios da intervenção mínima do direito penal, da proporcionalidade e da necessidade da pena cobrem todo o iter aplicativo, todo o processo de determinação da sanção, que é uma actividade judicialmente vinculada, na expressão de Figueiredo Dias e de Anabela Rodrigues. Esta vinculação perdura até à extinção da sanção aplicada, no processo, ao condenado. Assim, a revogação da suspensão da prisão é a consequência máxima para o incumprimento culposo, e este sentido de ultima ratio retira-se também da evolução histórica do preceito legal em causa.”
Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, págs. 201 e 202, esclarece que a infração grosseira “não tem de ser dolosa, sendo bastante a infração que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade (…) A colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir as condições da suspensão constitui violação grosseira dessas condições” enquanto a infração repetida “é aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, isto é, que não se esgota num acto isolado da vida do condenado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória”.
Ainda segundo a mesmo autor “O critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado. Com efeito, a condição prevista na parte final da al. b) do n.º 1 (”e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”) refere-se a ambas as causas de revogação da suspensão previstas nas duas alíneas”
Naturalmente que a formulação deste juízo apenas é possível após a recolha dos elementos indispensáveis para o efeito, sem deixar de ter em consideração, por um lado, que a prisão constitui sempre a ultima ratio e, por outro, que nessa avaliação não podem ser postergados os direitos constitucionais do contraditório e da audiência do arguido consagrados no art. 32º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
Na doutrina, André Lamas Leite, in “A suspensão da Execução da Pena Privativa de Liberdade sob Pretexto da Revisão de 2007 do Código Penal, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. II, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra Editora, pág. 620 e 621, defende que:
"…, a exigência constitucional do exercício do contraditório (art. 32º, nº 2, in fine) e as previsões normativas dos artigos 61º, nº 1, al. b), e 495, nº 2, ambos do CPP, só admitem a conclusão de que é obrigatório que o tribunal, antes de determinar a revogação da suspensão de execução da pena privativa de liberdade, envide todos os esforços necessários à audição do condenado."
Ora, no caso dos autos, é irrefutável que no período da suspensão o condenado praticou novo crime doloso da mesma natureza, pelo qual foi condenado em pena de prisão substituída por OPH, infirmando, dessa forma, o juízo de prognose favorável de que beneficiou aquando da condenação, frustrando as finalidades de ressocialização que estiveram na base da suspensão da execução.
Afigura-se-nos inteiramente correta essa avaliação.
Estamos perante uma atitude particularmente censurável, de persistente descuido, leviandade e desprezo pela condenação, que não pode deixar de ser qualificada de grosseira, demonstrando o arguido não estar empenhado em mudar o seu comportamento.
O alcoolismo do arguido constitui um factor criminológico muito sério, a demandar acrescidas exigências de prevenção especial de socialização, as quais, como se notou na sentença recorrida, se mostram ainda acrescidas pelos seus antecedentes criminais, nomeadamente considerando a circunstância de o mesmo haver sido já condenado pela prática de crimes estradais.
Em suma: o arguido agiu com culpa e demonstrou uma atitude deficitária ao nível da interiorização do desvalor da sua conduta e incapacidade de alterar de forma consistente as suas opções de vida e de passar a pautar a sua vida pela conformidade ao direito, manifestamente desaproveitando a oportunidade que lhe tinha ido concedida com a suspensão da execução da pena de prisão, o que impossibilita um juízo de prognose favorável à ressocialização em liberdade.
Razões de prevenção especial e também de prevenção geral impedem, pois, a pretensão do arguido de ser prorrogado o período de suspensão, não restando outra solução que não a de revogar a suspensão da execução da pena ao abrigo do disposto no art. 56º, n.º 1, al. a), do Código Penal.
Porém, a verdade é que o Tribunal a quo se esqueceu do disposto no artigo 43º, nº 1 do Código Penal, na redação dada pela Lei nº 94/2017, de 23 de agosto, onde se lê que:
“Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80º a 82º;
c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no nº 2 do artigo 45º”.
A este respeito, escreveu-se no Ac RP de 07.03.2018, Processo: 570/15.9GBVFR-A.P1, in www.dgsi.pt:
“antes das alterações introduzidas no Capítulo II do Título III do Código Penal pela Lei nº 94/2017 de 23/08, a questão que se colocava a respeito da pena a cumprir em caso de revogação da suspensão da pena de prisão, não tinha tratamento uniforme na jurisprudência.
A maioria da jurisprudência dos Tribunais da Relação considerava que, não só pela redação do nº 2 do artigo 56º do Código Penal «a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença» mas, acima de tudo, porque a aplicação de penas substitutivas se integra na operação de determinação da pena concreta em sentido amplo (como decorria das disposições conjugadas dos artigos 43.º a 46.º e 50.º do Código Penal), ou seja, na sentença condenatória o tribunal define a espécie e medida da pena concreta a cumprir pelo arguido e, sendo caso disso, logo determina que, em lugar do efetivo cumprimento da pena de prisão, é imposta a execução de uma outra pena (substitutiva).
Por isso, a imposição de uma pena substitutiva não podia ter lugar em momento posterior e em peça processual autónoma da sentença condenatória, estando, ademais, excluída a aplicação sucessiva de penas substitutivas.
Daí defender-se não ser admissível que, não sendo executada a pena substitutiva determinada na sentença, fosse posteriormente imposta em substituição desta (já de si pena substitutiva), outra pena. - Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do TRP de 20/10/2010, Proc. nº 87/01.9TBPRG.P1; do TRC de 04/05/2011, Proc. nº 49/08.5GDAVR-A.C1; TRC de 09/11/2011, Proc. nº 579/09.1GAVGS.C1; do TRC de 27/06/2012, Proc. nº 81/10.9GBILH.C1; do TRC de 10/12/2013, Proc. nº 157/10.2GBSVV-A.C1; do TRP de 18/09/2013, Proc. nº 1781/10.9JAPRT-C.P1 do TRP de 28/01/2015, Proc. nº 7/12.5PTVNG.P1; do TRL de 21/05/2015, Proc. nº 1224/10.8PEAMD.L1-9 e do TRC de 08/07/2015 Proc. nº 423/13.5GBPBL.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Noutro sentido se pronunciaram, porém, os Acórdãos do TRP de 28/06/2017, Proc. nº 260/15.2GAPVZ.P1, e do TRC de 22/11/2017,Proc. nº 55/16.6GDLRA.C1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. Nestes dois últimos arestos entendeu-se que o regime então previsto no artigo 44º do Código Penal não devia ser considerado como uma pena de substituição (que sempre impediria o julgador de, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, em sede de revogação da suspensão, alterar a pena de substituição tempestivamente aplicada), mas antes como uma “forma de execução” ou de cumprimento da pena de prisão, nada obstando, por isso, que o tribunal ponderasse a sua aplicação, depois de ter revogado a suspensão da execução da pena de prisão.
Com as alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017 de 23/08, o regime agora previsto no artigo 43º do Código Penal passou a constituir não só uma pena de substituição em sentido impróprio, mas também uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão.
Por isso, admite-se agora expressamente que, revogada a pena não privativa da liberdade (em cuja tipologia se enquadra a pena de prisão suspensa na sua execução), a pena de prisão não superior a dois anos possa ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, se o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir (artigo 43º nº 1 al. c) do Código Penal).
A nova lei traduz o entendimento generalizado de que as penas curtas de prisão devem ser evitadas por não contribuírem necessariamente para a ressocialização efetiva do condenado. Foi, inclusivamente, na senda desse pensamento, que se procedeu à abolição da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, alterando-se (através da ampliação do respetivo campo de aplicação) o regime de permanência na habitação.”
Ou seja, uma vez decretada a revogação da suspensão da pena de prisão, se esta não for superior a dois anos, tem o Tribunal de se pronunciar sobre a possibilidade de a pena de prisão aplicada a título principal ser cumprida em regime de permanência na habitação, podendo, naturalmente, concluir não estarem verificados os respetivos pressupostos.
A decisão recorrida não se pronunciou sobre tal questão, pelo que o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia.
Diz-nos o STJ, no Ac. n.º 1/2024, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 02-02-2024, que o despacho de revogação da pena substitutiva de suspensão de execução da pena não tem um caráter complementar ou integrador da sentença condenatória.
Escreve-se no referido aresto:
“A sentença condenatória não está suspensa, é efetiva, completa e de execução imediata; é a execução da pena de prisão, de duração definitivamente determinada, que é suspensa, em razão da escolha de uma pena substitutiva. Com efeito, sendo a condenação em pena de substituição, a sua medida bem como a medida da pena de prisão que substitui estão definidas pela sentença, sendo aquela, apenas, revogada em incidente processual de incumprimento.”
Deste modo, afastando a aplicação ao caso do disposto no artº 379 do CPP e não estando a apontada omissão legalmente tipificada como nulidade processual (cf. arts. 119º e 120º do mesmo diploma legal, a contrario), concluímos que estamos perante um vício gerador de irregularidade, sujeito ao regime do art.º 123º do CPP
A irregularidade em causa contende com direitos fundamentais do arguido, designadamente o de ver jurisdicionalmente apreciada, se cabível ao caso, uma forma de cumprimento da pena menos atentatória da sua liberdade, constitucionalmente fundado no princípio da necessidade, proporcionalidade e adequação e no princípio da preferência pelas reacções criminais não privativas da liberdade (cfr. art. 18º, nº2, da CRP).
Por esse motivo, afeta a validade do despacho proferido e é, nessa medida, suscetível de conhecimento oficioso pelo tribunal ad quem.
De facto, o «[…] o n.º 2 do citado art. 123º, prevê uma válvula de escape, admitindo a declaração e reparação oficiosa de irregularidades que possam afetar o valor do ato praticado, obviamente limitadas pelo campo de proteção da norma que deixou de observar-se. Assim, se a norma se destina a proteger unicamente interesses de determinado interveniente/sujeito processual e este não se tiver prevalecido da faculdade de invocar o vício, a irregularidade fica definitivamente sanada, não sendo possível declará-la oficiosamente.
Porém, se estiver em causa norma ordenadora ou que tenha subjacente a concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de Direito material, já a irregularidade pode ser declarada oficiosamente sem qualquer restrição.”- neste sentido, cfr. o Ac. da RG de 21.11.2016, Proc. nº 42/13.6GBVRL-C.G1, citado no Ac. da RG de 2022-01-24, Proc. 52/18.7GAAMR-B.G e, ainda o Ac. RP 24-04-2024, Proc. 8/21.2GBPFR.P1, in www.dgsi.pt.
Assim, passaremos a suprir a apontada irregularidade, dado que os autos dispõem de todos os elementos necessários para o efeito.
É notório que todo o percurso de vida do arguido demonstra que esta se tem pautado pela dependência do consumo álcool, que o arguido não tem conseguido ultrapassar, não obstante as tentativas de tratamento que tem feito. Esta sua dependência esteve na génese de muitos dos comportamentos criminosos pelos quais tem vindo a ser condenado.
Contudo, não se pode ignorar que em nenhuma das condenações sofridas pelo arguido foi experimentada qualquer medida de coerção da sua liberdade efetiva, tendo-se sempre optado pela aplicação da pena de multa ou por uma pena de substituição de caráter não detentivo.
Por outro lado, pela prática do crime julgado no processo 73/23...., o arguido foi condenado numa pena de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação.
Apesar dos antecedentes criminais, de acordo com os factos dados como provados na sentença proferida no presente processo, o recorrente tem estabilidade familiar, está inserido na comunidade, onde é visto como pessoa honesta e pacata, tem casa própria, está a ser acompanhado pela unidade de alcoologia de Coimbra e pelo CRI de Viseu.
Assim sendo, introduzi-lo em ambiente prisional por crimes de menor gravidade, como é o caso, constituiria um assinalável retrocesso na reintegração social que se deseja alcançar.
A execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação permitirá que o arguido permaneça junto da sua família, continue a trabalhar, contribua validamente para a comunidade e não interrompa o acompanhamento clínico de que beneficia, afastando-o simultaneamente dos efeitos criminógenos da institucionalização.
Não se vê, pois, em que pode o cumprimento da prisão na habitação prejudicar a ressocialização do arguido, pelo menos por referência ao tipo de crime em causa nos autos, sendo que tal não significa que o arguido passe a ficar impune, pois acarreta o sacrifício inerente à privação da liberdade, mesmo que esta não seja cumprida em meio prisional.
Por outro lado, este regime de permanência na habitação tem potencialidades para realizar a tutela do bem jurídico protegido pela norma que pune o crime em causa, pois não deixa de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação, sobretudo se atentarmos que o arguido ainda não cumpriu nenhuma pena detentiva.
Desta forma, a execução da pena de prisão através do regime previsto no artigo 44º do Código Penal revela-se, a nosso ver, adequada e suficiente para salvaguardar as necessidades de prevenção - geral e especial - reclamadas na situação ora em apreço, as quais, não exigem o contacto do arguido com o sistema prisional.
De resto, em caso de incumprimento, haverá lugar à revogação do RPH-VE e ao cumprimento institucional da pena (artigo 44.º CP).
Como bem se escreve no Ac. da T.R.E. de 06-03-2012, Processo: 56/11.0GTSTB.E1, disponível in www.dgsi.pt:
“a pena de prisão deve ser cumprida em regime de permanência na habitação se o tribunal puder concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - a proteção do bem jurídico e a reintegração do arguido na sociedade (art. 40º, nº 1). A proteção do bem jurídico mostra-se assegurada com a condenação em pena de prisão efetiva, independentemente do cumprimento desta se processar em estabelecimento prisional ou em regime de permanência na habitação. Não vemos como este regime de cumprimento de uma pena de seis meses de prisão possa fragilizar, no caso, a proteção do bem e a confiança na norma jurídica violada. Serão, já aqui, determinantes as razões de prevenção especial. E importa saber, não qual das duas formas de cumprimento de pena será preferível, mas sim se a menos lesiva é ainda suficiente para satisfazer essas exigências de prevenção especial. (…) À prisão como ultima ratio da política criminal, à necessidade de compressão do efeito estigmatizante e criminógeno da prisão, ao reforço da preferência pela não prisão nos casos da pequena e média criminalidade e nas penas curtas de prisão, alia-se hoje a discussão sobre a utilidade da própria prisão, na dicotomia “pena de prisão incapacitante do delinquente” versus “pena de prisão como meio de reinserção social”. Tendo em conta todo o quadro legal de referência e os princípios constitucionais da necessidade e da proporcionalidade, não tendo ainda o arguido, por um lado, contactado o meio prisional e, pelo outro, não tendo ainda também cumprido pena no regime que ora se perspetiva, nas condições factuais em causa considera-se como adequada e suficiente às finalidades da punição o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação”.
Determina-se, assim, a substituição da pena de prisão de 8 meses por igual período em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, subordinada à continuação da sujeição a tratamento do problema de alcoolismo, submetendo-se a consultas e tratamentos que venham a julgar-se necessários e para o qual já consentiu no âmbito dos presentes autos e com autorização para o arguido se ausentar da residência, para comparecer nas consultas médicas ou de psicologia que sejam agendadas ou para frequência de programas de ressocialização.
Esta substituição da pena de prisão fica condicionada aos consentimentos exigidos pelo artigo 4.º da Lei n.º 33/2010, de 02 de Setembro (alterada pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto), que regula a aplicação dos meios técnicos de controlo à distância (vigilância electrónica).
Assim, o recurso deverá proceder, devendo o arguido cumprir a pena de 8 meses de prisão em RPH-VE diligenciando o tribunal de 1.ª instância, após a baixa dos autos, pela recolha dos consentimentos necessários e, sendo necessário, pela prévia vistoria técnica da residência do arguido.
Após trânsito, deverá comunicar-se a condenação ao Tribunal de Execução de Penas (TEP), que mobilizará os serviços de reinserção social com vista à elaboração do Plano de Reinserção Social.
O Plano de Reinserção Social será homologado pelo Tribunal de Execução de Penas (artigo 222.º-A CEPMPL).
Quaisquer outras ausências da habitação serão, casuisticamente, decididas pelo Tribunal de Execução de Penas, a requerimento, ex vi artigo 222.º-B da Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro (Código da Execução das Penas e de Medidas Privativas da Liberdade).”
*
IV – Decisão:
Pelo exposto, acordam as Juízas da 5ª secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido e em consequência:
1 – Alterar a modalidade de execução da pena de 8 meses de prisão aplicada na 1.ª instância, a qual será cumprida em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, nos termos previstos no artigo 43.º do Código Penal, subordinada à continuação da sujeição a tratamento do problema de alcoolismo, submetendo-se a consultas e tratamentos que venham a julgar-se necessários e para o qual já consentiu no âmbito dos presentes autos e com autorização para o arguido se ausentar da residência, para comparecer nas consultas médicas ou de psicologia que sejam agendadas ou para frequência de programas de ressocialização, devendo o arguido permanecer confinado no interior da sua residência sob meios de controlo a distância, na restante parte do dia, fins de semana e feriados.
2. Esta substituição da pena de prisão fica, todavia, condicionada ao consentimento exigido pelo artigo 4.º da Lei n.º 33/2010, de 02 de Setembro (alterada pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto), que regula a aplicação dos meios técnicos de controlo à distância (vigilância electrónica) e à exigência de condições técnicas para a instalação dos meios técnicos de controlo;
3. – Deverá o tribunal a quo designar uma diligência com fim exclusivo de obter o consentimento do arguido para a pena de substituição em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e solicitar o relatório necessário para a instalação dos meios técnicos.
4 - Se o recorrente não prestar o consentimento nos moldes expostos ou se não for possível instalar os meios técnicos, a pena única de 8 meses em que foi condenado pelo tribunal a quo, operados os respetivos descontos nos termos do disposto no art. 80º, nº 1 e 81º do Código Penal, será cumprida em regime de prisão efetiva .
5- Manter, quanto ao mais, a sentença recorrida.
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Sem custas.
Notifique.
Coimbra, 10/9/2025
Sandra Ferreira
Alcina da Costa Ribeiro