RECUSA DO ARGUIDO DE ASSINAR O TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
NULIDADE DO AUTO DE CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
CERTIFICAÇÃO DA RECUSA DA ASSINATURA DO ARGUIDO DO TIR PELA AUTORIDADE QUE ELABOROU O EXPEDIENTE
AUSÊNCIA DO ARGUIDO DA MORADA INDICADA NO TIR E FALTA DE INDICAÇÃO DE NOVA MORADA
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO DA ACUSAÇÃO E DA MARCAÇÃO DA AUDIÊNCIA
Sumário

I - O arguido tem de apor a sua assinatura no Termo de Identidade e Residência, mas se se recusar a fazê-lo, continua vinculado à morada dele constante, desde que essa recusa seja certificada pela autoridade que elaborou o respetivo expediente.
II - Por força do Termo de Identidade e Residência prestado nos autos decorreu para o arguido o conhecimento de que as posteriores notificações lhe seriam efetuadas por via postal simples para a morada por si indicada, exceto se comunicasse outra por requerimento remetido por via postal registada ao Tribunal e de que o incumprimento das obrigações impostas, designadamente a de não mudar de residência sem comunicar uma nova onde possa ser encontrada, legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e a realização da audiência na sua ausência, nos termos do disposto no art. 333º do Código de Processo Penal.
III - Se, o arguido se ausenta da respetiva morada sem indicar por uma das formas previstas no art. 196º, nº 3 al. b) do Código de Processo Penal, uma nova morada as notificações consideram-se validamente efetuadas na morada por si indicada no TIR.
IV - É válida a notificação do arguido para comparecer na audiência de julgamento, feita por carta simples, com prova de depósito, para a morada indicada no TIR como morada destinada a futuras notificações, ainda que o arguido tenha recusado a assinatura do TIR.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

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Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

I.1 O arguido …, foi julgado no processo abreviado nº 36/24.6GTCTB, que corre termos no Juízo de Competência Genérica de Oleiros, do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, onde em 27.11.2024 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo [transcrição]:

“1. Em face do exposto, o Tribunal julga a acusação totalmente procedente, por provada, e em conformidade, decide-se:

i. Condenar o arguido pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência e punido pelos artigos 69.º, n.º 1, alínea c) e 348.º, n.º 1, alínea a) todos do Código Penal, numa pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros), o que perfaz o total global de 490,00 € (quatrocentos e noventa euros).

ii. Condenar o arguido na pena acessória de 5 (cinco) meses de proibição de conduzir veículos com motor (cfr. artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal).

iii. Condenar o arguido nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) U.C..”

(…)


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I.2 Recurso

Inconformado veio o arguido interpor recurso  apresentando a respetiva motivação da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:

“1 – Não existe nos autos válida constituição do arguido e do termo de identidade e residência nos termos do disposto no artigo 196 do C.P.P. Nessa medida,

2 – Não existe nos autos válida notificação do mesmo arguido da acusação e do despacho que marca a audiência de julgamento.

3 - Na data de dedução da acusação em 22-10-2024, já constava nos autos informação do órgão policial que o arguido se encontrava ausente de Portugal pois de encontrava a trabalhar na zona de Madrid em Espanha.

Assim,

4 – Verifica-se a nulidade insanável prevista no artº 119 alínea c) do C.P.P

5 - E nos termos legais por falta de constituição válida do arguido e do termo de identidade e residência e notificação pessoal e legal quer da acusação quer do despacho que a recebe e marca julgamento deve ser declarada a nulidade insanável do processo e assim da audiência de julgamento, ordenando-se a repetição nos autos dos actos necessários, constituição de arguido, termo de identidade e residência, renovação e marcação da audiência de julgamento, e a final marcação de nova audiência de julgamento.

6 – A aliás douta sentença viola assim expressamente o disposto nos art.º 119 alínea c), 196 nº 1, 2, e 3, 332 nº1 e 333 nº1, 2, e 3 todos do C.P.P

Termos em que, em conformidade com o exposto deve ser dado provimento ao recurso com todas as consequências legais,

como se mostra ser de JUSTIÇA e de DIREITO”


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O recurso foi admitido nos termos do despacho proferido a 133.05.2025.


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I.3  Resposta ao recurso

Efetuada a legal notificação veio o Mº Público responder o recurso …


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I.4 Parecer do Ministério Público

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, …


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I.6 Resposta

Dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal,  não foi apresentada resposta.


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Prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.

Cumpre, agora, apreciar e decidir:


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II - Fundamentação

II.1 Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:

Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação dos recursos interpostos nestes autos, a questão a apreciar e decidir é a seguinte:

           
® Saber se ocorre a nulidade prevista no art. 119º, al. c) do Código de Processo Penal por não existir válida constituição como arguido, válida prestação de Termo de Identidade e Residência e o arguido não ter sido validamente notificado da acusação e do despacho que marcou a audiência de julgamento.


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II.2 – Da tramitação relevante para apreciação do recurso

- A 22 de agosto de 2024 foi o recorrente constituído arguido e foi elaborado Termo de Identidade e Residência (Refª Citius 2684248 de 23.08.2025) onde consta que pelo arguido foi dito que a sua residência é Rua de ….

Desse documento consta ainda:

Foi-lhe dado conhecimento nos termos Art. 196º nº 3 Código de Processo Penal:

a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;

b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;

c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;

d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º

e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.

Do respetivo expediente consta ainda o seguinte:


“Certidão de recusa

Certifica-se que o Arguido/Detido se recusou a assinar/Receber a Notificação”, seguida da assinatura do Participante  e da Testemunha.

- A 23.08.2024 (refª Citius 37538675) foi proferido despacho onde entre o mais se determinou:

“No presente auto de notícia mostram-se suficientemente indiciados factos suscetíveis de consubstanciar a prática do crime de desobediência, p. e pelo artigo 348.º n.º 1 do Código Penal.

Analisada a factualidade descrita em tal auto, entendemos que a mesma não se revela suficientemente esclarecedora, pelo que importará proceder à realização de algumas diligências de inquérito, e, de entre outras que se afigurem relevantes, necessário será interrogar o arguido e testemunhas.

Ora, a realização de tais diligências não se compagina com o julgamento do arguido em processo sumário, nos termos dos artigos 381.º e seguintes do Código de Processo Penal, pois não se prefigura que tais diligências possam ser realizadas em prazo inferior a 20 dias.

Isto posto, determino que:

a) R. D. A. como inquérito (IO) – pelo crime desobediência

b) Informe o arguido que tem direito a constituir mandatário ou a ser-lhe nomeado defensor oficioso, conforme dispõe o artigo 64.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

c) Consigna-se que a prescrição do procedimento criminal ocorrerá em 22/08/2029. Anote nos locais próprios.

d) Consigna-se que se encontra junto aos autos pesquisa à base de dados SPP, ANSR, processos pendentes e CRC.


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No mais, determino que, com cópia do auto de noticia, oficie o OPC competente solicitando que, no prazo máximo de 20 (vinte) dias, diligenciem pelo interrogatório do arguido, nessa qualidade acerca dos factos ilícitos denunciados, bem como as suas condições socioeconómicas com observância das formalidades legais (cf. artigos 58.º, n.º 2 e n.º 4, 60.º, 61.º e 62.º, todos, do Código de Processo Penal e 39.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redação introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, e 5.º da Portaria n.º 10/2008, de 03 de Janeiro).”

- A 07.10.2024 (refª Citius 3733771) foi junta aos autos certidão negativa da notificação do arguido  relativa ao pedido de interrogatório de arguido formulado.

Deste expediente consta entre o mais:

Mandado de Comparência em Unidade Policial

A fim de ser  interrogado como arguido no inquérito acima identificado ordena-se a comparência nesta Unidade Policial sita na Rua …, no dia 30 de Setembro de 2024 às 15H00, do destinatário(a).

(…)


CERTIDÃO

Certifico e dou fé da veracidade do conteúdo do parágrafo a seguir assinalado.

(…)

Não notifiquei a pessoa a que se refere o presente mandado de Comparência em virtude de:

Contactado o visado … através do nº ...09 informou que se encontra a trabalhar na zona de Madrid e que só regressa a Portugal pelo Natal. Informou ainda que iria contactar o Tribunal … para resolver a situação.

... 26 de Setembro de 2024 (mostrando-se o expediente assinado pelo “notificante”).

- A 22.10.2024 (Refª Citius 37720368) foi deduzida acusação pública nos autos.

- A 22.10.2024  (Refª Citius 37787239) foi notificada a referida acusação por via postal simples com Prova de Depósito dirigida a: …, cuja correspondência foi depositada no respetivo recetáculo a 24.10.2024 (Refª Citius 3766349 de 31.10.2024).

- A 25.10.2024 (refª Citius 37807141)foi a referida acusação pública notificada ao ilustre defensor do arguido.

- A 04.11.2024 (Refª Citius 37831964) foi proferido despacho de recebimento da acusação e designado o dia 27.11.2024, pelas 15h00 para a realização da audiência de julgamento.

- A 05.11.2024 (refª Citius 37843514) foi notificado tal despacho ao arguido, por via postal simples com prova de depósito, para a morada indicada no Termo de Identidade  tendo o respetivo subscrito sido depositado no recetáculo  a 08.11.2024 (Cf. Refª Citius 3790118).

- A 25.11.2024 (refª Citius 3798291) foi apresentada contestação.

- A 27.11.2024 pelas 15h19m (Refª Citius 37948625) teve o seu início e termo a audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença.


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II. 3 Apreciação do recurso

Entende o recorrente que ocorreu a nulidade insanável prevista no art. 119º, al. c) do Código de Processo Penal, na medida em que inexistiu válida constituição de arguido e prestação de Termo de Identidade e Residência e não existe nos autos válida notificação da acusação e do despacho que marca a audiência de julgamento, argumentando que na data da dedução da acusação já havia informação do órgão policial que o arguido se encontrava ausente de Portugal pois estava a trabalhar na zona de Madrid em Espanha.

Dispõe o artigo 196.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “termo de identidade e residência” que:

“1 - A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.º

2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.

3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:

a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;

b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;

c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;

d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º

e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.

(…)”.

Nos termos do disposto no art. 95º do Código de Processo Penal:

“1 - O escrito a que houver de reduzir-se um acto processual é no final, e ainda que este deva continuar-se em momento posterior, assinado por quem a ele presidir, por aquelas pessoas que nele tiverem participado e pelo funcionário de justiça que tiver feito a redacção, sendo as folhas que não contiverem assinatura rubricadas pelos que tiverem assinado.

2 - As assinaturas e as rubricas são feitas pelo próprio punho, sendo, para o efeito, proibido o uso de quaisquer meios de reprodução.

3 - No caso de qualquer das pessoas cuja assinatura for obrigatória não puder ou se recusar a prestá-la, a autoridade ou o funcionário presentes declaram no auto essa impossibilidade ou recusa e os motivos que para elas tenham sido dados.”

Por sua vez, dispõe o artigo 113.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe regras gerais sobre notificações, no que aqui interessa, que:
1 - As notificações efectuam-se mediante:

(…)
c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos;

(…)

3 - Quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.

(…)

10 - As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar.

(…)”.

Por fim estabelecem:

- O artigo 277º, nº 4 al. a) , por remissão do art. 283º, nº 5, ambos do Código de Processo Penal, que a notificação da acusação é feita por notificação mediante contacto pessoal ou via postal registada ao assistente e ao arguido, excepto se estes tiverem indicado um local determinado para efeitos de notificação por via postal simples, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 145.º, do n.º 2 e da alínea c) do n.º 3 do artigo 196.º, e não tenham entretanto indicado uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento;

- O artigo 313.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe notificação do despacho que designa dia para a audiência, que:

“1 - O despacho que designa dia para a audiência é notificado ao Ministério Público, ao arguido e seu defensor, ao assistente, partes civis, seus advogados e representantes, pelo menos 20 dias antes da data fixada para a audiência

(…)”.

Conforme decorre do expediente elaborado pelo OPC a 23.08.2024 ( Refª Citius 2684248) foi elaborado o respetivo auto onde consta expressamente que o ora recorrente foi constituído arguido, nos termos do art. 58º do Código de Processo Penal e lhe foram lidos os direitos e deveres processuais, nos termos do art. 61º do Código de Processo Penal.

O mesmo auto inclui ainda o Termo de Identidade e Residência onde consta a morada indicada pelo arguido, no caso, a Rua ..., ..., ... ... e as advertências constantes do nº 3 do art. 196º do Código de Processo Penal.

É certo que tal documento não se mostra assinado pelo arguido. Porém, o agente participante e o agente que figura no auto como testemunha certificaram, nos termos do disposto no art. 95º, nº 3 do Código de Processo Penal, que essa falta de assinatura se deveu ao facto de o arguido se ter recusado a assinar o auto em questão.

Deste modo, temos que concluir, que aquele auto não padece de qualquer nulidade ou irregularidade, sendo perfeitamente válido (tendo-se verificado até que,  posteriormente, o arguido veio a ser notificado naquela mesma morada constante do TIR (Refª Citius 3945995 de 03.04.2025).

Neste sentido pode ver-se o Acórdão do TRE de 07.02.2023 [Processo nº 882/20.8GBLLE.E1, disponível in www.dgsi.pt], sumariado da seguinte forma:

I. O arguido tem de apor a sua assinatura no Termo de Identidade e Residência, mas se se recusar a fazê-lo, continua vinculado à morada dele constante desde que seja certificado pela autoridade essa circunstância (artigo 95.º/3 CPP).

II. A notificação de arguido que prestou TIR processa-se, em regra, via postal simples (artigos 196.º/2 e 113.º/1- c) CPP).

III. As obrigações decorrentes do TIR perduram até à extinção da pena (artigo 196.º/3-e) CPP).

IV. A comunicação da mudança de residência constante do TIR só pode ser efetuada: pelo arguido – pessoalmente, na secretaria do tribunal, ou por via postal registada; ou por terceiro, conquanto munido de uma procuração na qual seja referido expressamente o poder de comunicar a mudança de residência indicada no TIR (artigo 196.º/3- c) CPP).

Neste sentido ainda o Acórdão do TRL de 23-03-2023 [processo n.º 4/22.2SILSB.L1-9, disponível in www.dgsi.pt] onde se escreveu:

 “(…)

III.–A circunstância de o arguido ter recusado a assinatura do TIR sem motivo justificativo não prejudica a produção dos seus efeitos.

 IV.–É válida a notificação do arguido para comparecer na audiência de julgamento, feita por carta simples, com prova de depósito, para a morada indicada no TIR como morada destinada a futuras notificações, ainda que o arguido tenha recusado a assinatura do TIR.”.

Temos, pois, por certo que a constituição como arguido e Termo de Identidade e Residência prestados nos autos são válidos, dado que a falta de assinatura resultou da recusa do arguido em a apor, e essa recusa foi devidamente certificada nos termos do supracitado art. 95º, nº 3 do Código de Processo Penal.

Deste modo, conjugando o disposto no art. 196º e 113º do Código de Processo Penal, concluímos que tendo o arguido prestado validamente TIR, a regra a seguir para as posteriores notificações é a de que estas deveriam ser efetuadas por via postal simples.

E, de facto, como acima se salientou, as ulteriores notificações e muito concretamente a notificação da acusação deduzida nos autos e do despacho que designou data para a realização da audiência de julgamento foram efetuadas por via postal simples, e, portanto, regularmente efetuadas já que o arguido, tendo prestado TIR,  logo nesse ato ficou advertido de que as posteriores notificações lhe iriam ser feitas por via postal simples, como efetivamente veio a suceder.

A notificação do arguido da acusação deduzida e do despacho que designou data para julgamento observou o preceituado nos artigos 113.º, n.º 3 ex vi 196º, nº 3, alínea c), ambos do Código de Processo Penal, pois foi efetuada mediante via postal simples, para a morada do TIR e o distribuidor do serviço postal deu cumprimento a todas as formalidades indicadas no citado artigo 113.º, n.º3, do Código de Processo Penal, tendo lavrado a correspondente declaração, com indicação da data e confirmação do local exato do depósito [no caso, a morada no TIR], cuja prova de depósito enviou ao Tribunal remetente.

Alega o recorrente que à data da notificação da acusação já havia notícia nos autos que o arguido estava ausente de Portugal a trabalhar na zona de Madrid.

Este facto é verdadeiro, pois quando o Mº Público solicitou ao OPC a realização de interrogatório, foi certificada a impossibilidade da sua realização, tendo-se feito constar que “contactado o visado AA através do nº ...09 informou que se encontra a trabalhar na zona de Madrid e que só regressa a Portugal pelo Natal. Mais se fazendo constar que o arguido informou ainda que “iria contactar o Tribunal de Oleiros para resolver a situação”.

Porém,  analisando os autos verificamos que o arguido não veio através de uma das formas previstas no art. 196º, nº 3, al. c) do Código de Processo Penal, indicar qualquer outra morada onde pretendesse ser notificado, como expressamente havia sido advertido, sabendo que se o não fizesse as notificações seriam efetuadas para a morada que estava indicada no TIR.

Como se refere no Acórdão do TRP de 17.05.2023 [proc. 7/18.1GAOBR-A.P1, disponível in www.dgsi.pt]: “I – As notificações respeitantes à acusação e à designação de dia para julgamento devem ser feitas ao próprio arguido, além de o serem também ao seu defensor constituído ou nomeado, por forma a assegurar-lhe o pleno direito de defesa e ao contraditório, nos termos dos artigos 113.º, n.º 10, do CPP e 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP.

II – A prestação de TIR está relacionada com a utilização de um procedimento de notificação mais ágil e expedito, para que não surjam delongas ou entraves nesse domínio, com reflexo negativo na tramitação processual, sem que, contudo, fiquem relevantemente prejudicados os princípios da segurança e certeza nesse domínio, atentas as informações dele constantes e as obrigações que daí resultam para o arguido, conforme estabelece o artigo 196.º, n.ºs 1 a 3, do CPP.

III – Neste contexto, tal obrigatoriedade respeita à expedição das notificações e não de estar comprovado nos autos que as mesmas chegaram, efectivamente, ao conhecimento do arguido.

IV – Se, após o depósito no receptáculo postal do domicílio indicado no TIR, a carta expedida foi devolvida ao Tribunal, designadamente com a indicação de ser “desconhecido na morada”, tal não é relevante, pois que foram cumpridos os procedimentos legais da notificação, tanto bastando para que a mesma se considere efectuada.

Também o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta matéria no Acórdão nº 17/2010 de 12.01.2010 [processo nº 489/09 – disponível in www.tribunal constitucional.pt] onde se escreveu: “tenha-se presente que a solução legal da notificação por via postal simples pressupõe sempre o prévio contacto pessoal do arguido com o processo, consubstanciado, pelo menos, na respectiva constituição como arguido e na respectiva sujeição a termo de identidade e residência.

Por outro lado, o receptáculo postal para o qual é remetida a notificação pelo funcionário judicial e no qual é realizado o depósito pelo distribuidor postal é exclusivamente escolhido e indicado pelo próprio arguido.

É certo que não ficam cobertas as situações em que o arguido, por qualquer motivo (v.g. por ter mudado de residência, por se ter ausentado temporariamente, por desleixo) deixa de aceder ao referido receptáculo postal, sem que previamente comunique essa situação ao tribunal.

Mas o não conhecimento pelo arguido do acto notificado nestas situações é imputável ao próprio arguido, uma vez que, a partir da prestação do termo de identidade e residência, passou a recair sobre ele o dever de verificar assiduamente a correspondência colocada no receptáculo por si indicado e de comunicar ao tribunal qualquer situação de impossibilidade de acesso a esse local.

Se o Estado está obrigado a diligenciar pela notificação dos arguidos, nesta modalidade, estes também têm de tomar as providências adequadas a que se torne efectivo esse conhecimento.

Este é um dever compatível com o seu estatuto de sujeito processual, não podendo esta solução ser acusada de estabelecer um ónus excessivo ou desproporcionado que seja imposto aos cidadãos suspeitos da prática de crimes, atenta a facilidade do seu cumprimento, perante a importância dos fins que visa atingir.

(…)

Ponderados todos estes dados, conclui-se que a modalidade de notificação aqui em análise não deixa de satisfazer a exigência de que deve ser proporcionado ao arguido um efetivo conhecimento da data da realização da audiência de julgamento, de modo a que este possa exercer os seus direitos de defesa.”

Como também se salienta no Acórdão do TRP de 20.06.2012 [Proc. 4073/08.0TDPRT-A.P1, disponível in www.dgsi.pt]: “I - As notificações por via postal devem ser feitas para a morada indicada pelo arguido quando prestou termo de identidade e residência [TIR] mesmo que resulte, de diligências documentadas nos autos, que já não reside nessa morada.

II - Sobre o arguido recai a obrigação de comunicar ao tribunal qualquer alteração da morada, pelo que o incumprimento dessa obrigação torna válida a sua notificação por via postal simples na morada que indicou, mesmo que deixe de aí residir.”

Se o arguido se ausentou em trabalho da residência indicada, tal não releva para o efeito que pretende, pois que, perante o TIR prestado e as advertências nele contidas, não cumpre ao tribunal fazer diligências para obter eventual nova morada, nem sequer tentar fazer novas notificações para a mesma, se conhecida.

Deste modo, não tendo o arguido comunicado nova morada a notificação por carta simples com prova de depósito foi feita como o deveria ter sido, isto é na morada indicada no TIR, que aliás, foi aquela onde posteriormente o arguido veio a ser notificado da sentença proferida nos autos.

Considera-se, portanto, que a notificação do arguido quer da acusação deduzida nos autos quer da data designada para a audiência de julgamento foi regularmente efetuada.

Como se salienta ainda no Acórdão do TRL de 24.01.2023 [proc. 1320/22.9t9LSb.L1-5, disponível in www.dgsi.pt]: “I. Quando o arguido presta TIR, a regra das notificações que têm de lhe ser feitas, designadamente a notificação do despacho que designa data para a audiência de julgamento, é o uso da via postal simples.

II. O n.º 3, do artigo 113º, do Código de Processo Penal contém uma presunção iuris tantum da notificação por via postal simples, que só poderá ser ilidida pelo notificado, designadamente pelo arguido, provando que a notificação não lhe foi efetuada, por razões que lhe não eram imputáveis.

(…)”

Em suma, da conjugação dos preceitos legais acima referidos e do expediente já indicado concluímos que a notificação da acusação e da data designada para a audiência de julgamento foram válidas e seguiram as formalidades legais previstas.

Deste modo, tendo-se exarado expressamente em audiência de julgamento que “atenta a natureza do crime em apreço e a prova a produzir não se afigura imprescindível a presença do arguido desde o início da audiência pelo que esta terá lugar na sua ausência sendo o arguido devidamente representado pelo seu ilustre defensor – cfr. Artigo 333ºnºs 1 e 2 do Código de Processo Penal” e estando efetivamente o arguido regularmente notificado e tendo igualmente o arguido sido advertido desta possibilidade no TIR prestado, inexiste a invocada nulidade prevista no art. 119º al. c) do Código de Processo Penal.

Uma ultima palavra apenas para referir que a jurisprudência invocada pelo arguido e em particular o Acórdão deste TRC de 24.01.2024, não incidiu sobre questão semelhante à destes autos, em que – como vimos – o arguido estava regularmente notificado para comparecer no dia 27.11.2024, data em que se realizou a audiência de julgamento e em que foi proferida a respetiva sentença.

Em face de todo o exposto conclui-se - ao contrário do invocado pelo recorrente - que não existe qualquer vício que inquine a validade da Constituição de Arguido da prestação de TIR e da subsequente notificação da Acusação e da data designada para a realização da audiência de julgamento e dos termos subsequentes do processo, e em concreto a verificação da invocada nulidade insanável, prevista no artigo 119.º, al. c) do Código de Processo Penal, improcedendo, assim, o recurso interposto.


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III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam as Juízas da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

Em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e em consequência manter a sentença recorrida nos seus precisos termos.

Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III].

Notifique.


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Coimbra 10 de setembro de 2024

 [Texto elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal]

Sandra Ferreira

 (Juíza Desembargadora Relatora)

Ana Carolina Cardoso

 (Juíza Desembargadora Adjunta)

Sara Reis Marques

 (Juiz Desembargador Adjunto)