I - A substituição da prisão por qualquer das penas de substituição, nomeadamente a suspensão da sua execução, depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial, dependendo o juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do agente, exigido para a suspensão, da conclusão, face aos elementos disponíveis, reportados ao momento da decisão, de que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.
II - As razões para afastar o juízo de prognose favorável resultarão de factos dos quais se conclua que o condenado não correspondeu às expectativas nele depositadas de que, pela substituição da prisão e ameaça desta, se afastaria do cometimento de crimes e pautaria a sua conduta pelo dever-ser ético-jurídico.
III - O cometimento de novo crime no período de suspensão crime só desencadeia a revogação da suspensão da execução da pena se infirmar, de modo definitivo, o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, quer dizer, se revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
IV - Não se exige que a condenação posterior diga respeito ao mesmo tipo de crime da primeira condenação, nem que se trate de condenação pela prática de crime doloso, devendo as penas aplicadas nos subsequentes processos ser, apenas, mais um dos factores a atender no juízo a fazer e não devem sobrepor-se a outros factores, numa espécie de consequência automática, sob pena de, verdadeiramente, se retirar o poder de decisão ao tribunal que aprecia a questão.
V - No entanto, a posterior ou posteriores condenações do arguido em pena de prisão efectiva indicia que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão da execução da pena na primeira condenação não puderam ser alcançadas por meio dessa pena, e a posterior condenação do agente em pena de prisão suspensa na execução, ou noutra pena de substituição, indicia que ainda poderá ser possível um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do agente.
VI - Sendo certo que a condenação no período da suspensão da execução da pena não tem efeito imediatamente revogatório, também uma condenação em pena não privativa da liberdade não afasta, imediatamente, a possibilidade de revogação da suspensão da pena de prisão aplicada.
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra
I. Relatório
1. No processo comum coletivo nº 18/16.1PECTB do Juízo Central Criminal de Castelo Branco – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, foi julgado o arguido …, tendo sido condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, por acórdão datado de 11/06/2019, transitado em julgado a 15/07/2019 na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.
2. Por despacho de 29.01.2025, o Tribunal a quo decidiu declarar extinta a pena aplicada ao arguido.
3. Deste despacho recorre o Mº Público, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
“CONCLUSÕES
I. Nos presentes autos foi o arguido … condenado nos presentes autos pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, por acórdão datado de 11/06/2019, transitado em julgado a 15/07/2019, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.
II. Decorrido o período de suspensão da pena, apurou-se que o arguido nesse período praticou crimes pelos quais foi condenado por duas vezes, e tendo sido junto relatório social e tendo o mesmo prestado declarações, veio o Meritíssimo Juiz “a quo” entender que as finalidades da suspensão foram alcançadas e, consequentemente e porque já havia decorrido todo o período de suspensão da pena, julgou extinta apena aplicada ao arguido.
III. É de tal decisão que se recorre agora, por não se concordar com a mesma, porquanto esta viola o disposto no art.º 56º, n.º 1, al. b) do Código Penal.
IV. Como no caso dos autos foi o arguido … condenado numa pena de prisão cuja execução de suspendeu sem qualquer sujeição a deveres, regras de conduta ou regime de prova.
…
IX. No caso dos autos, tendo o arguido sido condenado na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, o arguido veio a ser condenado por duas vezes no decurso da suspensão da pena, tendo a prática dos factos de uma dessas condenações se verificado uns meros 6 meses após a condenação destes autos, pelo que a conduta do arguido que se vem de caraterizar, impõe a conclusão de que o juízo de prognose favorável efetuado mostra-se arredado, uma vez que o arguido não se afastou da sua longa carreira criminosa, a qual levou a 10 condenações em pena de prisão suspensa na sua execução (7 anteriores à dos presentes autos e duas já posteriores).
X. Não faz sentido a fé inabalável no arguido e que este irá proceder a uma correção da sua personalidade e conduta de molde a afastar da vida criminosa e, por outro lado, não faz também sentido afirmar-se que a pena de prisão suspensa a que foi condenado nos presentes autos atingiu as suas finalidades, pois este continuou a praticar crimes, crimes esses que sendo de diferente natureza da dos presentes autos, já havia cometido anteriormente.
XI. Impõe-se concluir que as finalidades da pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, a que o arguido foi condenado não alcançou, de todo, as suas finalidades e, consequentemente, deve ser revogada tal pena, passando o arguido a cumprir uma pena de 3 anos de prisão efetiva.
Termos em que, pelos motivos apontados, deve o presente recurso ser considerado procedente e, em conformidade, deve determinar-se a revogação da pena de prisão suspensa, passando o arguido a cumprir uma pena de 3 anos de prisão efetiva.”
5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416º do Código de Processo Penal, emitiu parecer …
6. Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
…
Assim, a questão a decidir consiste em saber se estão preenchidos os pressupostos de que depende a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 56º do Código Penal.
A 29.01.2025 foi proferido o seguinte despacho [transcrição]:
“Da revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido ….
Foram tomadas declarações ao arguido. ( 16/11)
Foi solicitado informação social sobre a situação atual da suspensão da execução da Pena, sem intervenção da DGRSP ( junta a 13/12)
A)
a) - O arguido foi condenado nos presentes autos pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, por acórdão datado de 11/06/2019, transitado em julgado a 15/07/2019 na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.
b) - Dos elementos constantes dos autos resulta que o arguido foi posteriormente condenado … por factos praticados a 08/06/2021, num crime de venda ou ocultação de produtos, previsto e punido pelo art.º pelo art.º 321º do CPI, por acórdão datado de 2/11/2022, transitado em julgado a 04/01/2023, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.
- Foi condenado …, por factos praticados a 08/06/2021, num crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86º, n.º 1, al. c), e e), por referência aos art.os 2.º, n.os 1, alíneas q), s), v), ae), ar), az), 3, al. m), p), ac), e 3.º, n.os 2, al. l), p) e ac), 4, al. a), e 6 da Lei n.º 5/2006, de 23/02, por acórdão datado de 06/06/2024, transitado em julgado a 08/07/2024, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
B)
O arguido … a, ainda, condenado:
1- Pela prática de um crime de burla agravada, …, na pena de três anos de prisão, tendo-lhe sido perdoado 2 anos de prisão e o remanescente suspenso na sua execução por 2 anos, por acórdão proferido em 7/12/1994 e por factos praticados em agosto de 1990;
2- Pela prática de um crime de fraude sobre mercadorias, …, na pena de três anos de prisão e 25 dias de multa, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, por decisão proferida em 06/12/1999 e por factos praticados em 19/3/1998;
3- Pela prática de um crime de fraude sobre mercadorias, …, na pena de seis meses de prisão e 90 dias de multa, suspensa na sua execução por 2 anos e seis meses, por decisão transitada em julgado em 9/11/2002 e por factos praticados em 07/11/1999;
4- Pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas, …, na pena única de um ano e oito meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, por decisão proferida em 17/4/2002 e por factos praticados em 5/4/2000;
5- Pela prática de um crime de detenção de arma proibida e um crime de detenção ilegal de munições, …, na pena única de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e seis meses, por decisão transitada em julgado em 31/5/2002 e por factos praticados em 10/5/2001;
6- Pela prática de um crime de detenção ilegal de munições, …, na pena de 60 dias de multa à razão diária de 5,00 €, no montante global de 300,00 €, por decisão transitada em julgado em 21/11/2002 e por factos praticados em 19/6/2001;
7- Condenação …, por sentença proferida a 07/05/2012, por factos de 07/04/2010, pela prática um crime de contrafação, previsto e punido pelo art.º 324º, com referência aos art.os 323º, al. a) e b), e 222º, n.º 1, do CPI, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 5,00 €;
8- Pela prática de um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas, …, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, por decisão transitada em julgado em 26/03/2004 e por factos praticados em 03/10/2001;
9- Pela prática de um crime de extorsão, …, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, por decisão transitada em julgado em 20/11/2006 e por factos praticados em junho de 2004;
10- Pela prática de um crime de contrafação, imitação e uso ilegal de marca, …, na pena de 70 dias de multa à razão diária de 5,00 €, no montante global de 350,00 €, por decisão transitada em julgado em 6/6/2006 e por factos praticados em 7/4/2010;
11- Pela prática de um crime de passagem de moeda falsa, um crime de falsificação de documentos e um crime de detenção de arma proibida, …, na pena de 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, por decisão proferida em 13 de julho de 2012 e transitada em julgado em 20/9/2012 e por factos praticados em 19/4/2009.
12- Pela prática de um crime de coação, na forma tentada, previsto e punido pelo art.º 154º, n.os 1 e 2 do Código Penal, …, por sentença proferida a 26/11/2013, por factos de 16/07/2012, pela prática, na pena de um ano de prisão.
C)
a) O arguido reside em casa partilhada com uma neta e seu filho, juntamente com a companheira, localizada numa zona periférica da cidade ...
b) O arguido encontrando-se aposentado, sendo esta a fonte de rendimento do casal.
c) Ao nível familiar o arguido mantem proximidade a alguns familiares.
d)Nos relacionamentos interpessoais é a relação com a companheira a mais privilegiada.
e) Informamos ainda, que o arguido foi acompanhado no âmbito de outras medidas durante as quais comparecia mensalmente na Equipa Beira Sul, mantendo durante as sessões fraca capacidade crítica, bem como uma postura de vitimização e desvalorização da sua conduta, sendo que durante as mesmas privilegiamos a motivação para a mudança e sensibilização para a prevenção de comportamentos reincidentes.
f) Declarou-se arrependido do seu passado criminal.
A propósito, escreveu Figueiredo Dias: “ Se, apesar da primeira condenação, o Tribunal da segunda condenação foi capaz de emitir um prognóstico favorável que o conduziu à suspensão, tanto basta para considerar que não considerou esgotadas as possibilidades de uma socialização em liberdade ” In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do facto, Ed. Notícias, 1993, pág. 357.
Ora, o Tribunal de Competência Genérica de Oleiros e J Central Criminal de Castelo Branco apesar de terem, em ambas decisões, proferido condenação em pena de prisão o certo é que, em ambas as vezes, suspenderam a sua execução, por terem prognosticado uma possibilidade de o arguido revitalizar a sua conduta.
Face a tal entendimento, de que a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em função da condenação do arguido posteriormente por novo crime só tem lugar se tal revelar que as finalidades da suspensão não foram alcançadas, o que não acontece se a nova condenação foi em pena de multa ou em pena de prisão também suspensa, temos que inexistem fundamentos para revogar a suspensão da pena.
Face ao exposto e considerando que já decorreu o período da suspensão. Julga-se extinta apena aplicada ao arguido.
Boletim à DSIC.
Notifique.
Notifique.”
IV. Elementos relevantes
A) O arguido … foi condenado, por acórdão de 11.06.2019, transitado em julgado em 15.07.2019, pela prática, em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punível pelo art. 25º do DL 15/93 de 22.01, por referência às tabelas I-B e I-C anexas a tal diploma, na pena de três anos de prisão suspensa por igual período.
B) Em 13/01/2023 foi junta aos autos certidão da Sentença proferida no Processo Comum singular nº 48/21.... onde o arguido foi condenado, por sentença proferida a 22/11/2022 e transitada em julgado a 04.01.2023, pela prática, na forma consumada, em autoria material, de um crime de venda ou ocultação de produtos, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, n.º 1 e 26.º, ambos do Código Penal, 321.º, com referência ao artigo 320.º do Código da Propriedade Industrial, na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, subordinada ao regime de prova, assente num plano de reinserção social que será determinado e fiscalizado pela DGRSP e dirigido à prevenção da prática, no futuro, de crimes da mesma natureza (cfr. artigos 50.º e 53.º, do Código Penal).
Nesses autos provou-se entre o mais que:
“No dia 08.06.2021, pelas 09h30, …, o arguido … tinha instalada uma banca, na qual expunha, para venda, os seguintes artigos:
- 2 t-shirts que ostentavam a marca Pepe Jeans, …
- 5 t-shirts que ostentavam a marca Billabong, …
- 2 t-shirts que ostentavam a marca Levis, sendo que a etiqueta de colarinho está colada sobre o próprio tecido, o que nunca acontece nos originais; …
- 13 t-shirts que ostentavam a marca Tommy Hilfiger, …
- 22 polos que ostentavam a marca Tommy Hilfiger, …
- 8 t-shirts que ostentavam a marca Polo Ralph Lauren, …
- 1 t-shirt que ostentava a marca Lacoste, …
- 14 polos que ostentavam a marca Lacoste, sendo que se encontra ausente a etiqueta de código de barras com referência, cor, tamanho, país de origem e …
- 1 t-shirt que ostentava a marca Fila, …
- 1 camisola e 1 t-shirt que ostentavam a marca Adidas, …
- 2 calças e 5 t-shirts que ostentavam a marca Nike, …
2. A Pepe Jeans, Billabong, Levis, Tommy Hilfiger, Polo Ralph Lauren, Lacoste, Fila, Adidas e Nike são marcas que se encontram registadas no Instituto da Propriedade Industrial.
3. Todos os bens que o arguido possuía e que destinava à venda, não foram produzidos pelos titulares das respectivas marcas, nem por qualquer entidade que legitimamente estivesse autorizada a utilizá-las, não tendo o arguido apresentado qualquer documento comprovativo da aquisição dos mesmos, nem referido a origem de tal mercadoria.
4. O arguido expunha os identificados bens nas supra descritas condições e no local mencionado, com o propósito de os vender directamente ao consumidor final, embora sabendo que os mesmos não eram originais das marcas que neles figuravam.
5. Procedia, assim, o arguido com o fim de fazer passar tais bens por autênticos e, desse modo, enganar o consumidor menos esclarecido, convencendo-o de que se tratavam de artigos genuínos, o que o arguido sabia não corresponder à realidade.
6. Com tal actuação, visava o arguido mais facilmente vender aqueles produtos e, assim, obter maiores lucros, aproveitando-se do prestígio de que gozam as marcas mencionadas.
7. Tinha o arguido pleno conhecimento que aquelas marcas estavam registadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) – as quais se encontram protegidas em território nacional – e que não estava autorizada a comercializá-las.
8. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que este seu comportamento era proibido e punido por lei penal.
C) Em 26.06.2024 foi junta aos autos certidão do Acórdão proferido no Processo Comum Coletivo nº 2/20...., do Juízo Central Criminal de Castelo Branco, proferido a 06.06.2024 e transitado em julgado a 08.07.2024, onde o arguido foi condenado pela prática em autoria material, na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida previsto e punível pelo disposto no artigo 86.º n.º 1, alínea c), e e), por referência aos artigos 2.º, n.ºs 1, alíneas q) s), v), ae), ar), az), 3, alínea m), p), ac), 3.º, n.ºs 2, alínea l), p) e ac), 4, alínea a), 6, todos da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
Nesses autos provou-se entre o mais o seguinte:
“No dia 15 de fevereiro de 2021, pelas 22:00 horas, o … detinha no interior da sua residência sita …:
- 55 munições calibre 12;
- 1 arma de fogo, da marca Sundance, modelo Valencia laser 25, calibre .25 auto, com o n.º de serie ...74 com o respetivo carregador acoplado;
- 5 munições de calibre 6,35mm;
- 1 arma de fogo, da marca Star, calibre 6,35 mm, com o respetivo carregador acoplado;
- 1 colete balístico;
- 1 arma de fogo, espingarda, da marca Browning B80, calibre 12 GA, com o n.º de serie ...79.
O arguido … não detém nem nunca deteve qualquer licença de uso e porte de arma, nem qualquer arma manifestada em seu nome.
O arguido … conhecia as características das armas e munições por si detidas e acima descritas bem como sabia que se encontravam em boas condições de funcionamento.
O arguido … agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a detenção e posse das armas e munições descritas lhe era vedada, desde logo por não se encontrarem manifestadas e por não possuir licença de uso e porte de arma válida e legitimamente obtida para o efeito.
Também não possuía qualquer autorização que lhe permitisse a guarda e posse de tais objetos.
O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas, que supra se descreveram, eram proibidas e penalmente puníveis.”
D) A 04.10.2024 o Mº Público promoveu a revogação da suspensão da execução da pena (Refª Citius 37698197 de 04.10.2024).
E) O arguido foi ouvido a 26.11.2024 (Refª Citius 37945414) referindo em síntese:
-Que pensava que o processo já estava resolvido.
- Afirmou que era reformado, auferindo 532,55€ mensais.
- Vive com a mulher, pessoa doente de quem cuida.
- Atualmente está a viver na casa da neta, que tem dois filhos, aguardando a atribuição de casa pela Câmara a título de arrendamento.
- “Que saiba não tem processos a correr em tribunal”.
- No que concerne à condenação que sofreu em Oleiros, afirmou que tendo adquirido a mercadoria ao quilo não sabia o que lá tinha, desconhecendo que havia marcas.
- Afirmou não se recordar da condenação pelo crime de detenção de arma proibida.
- Afirmou arrependimento.
F) A 13.12.2024 (refª Citius 3820570) foi junta pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais informação social onde consta:
“No âmbito do presente processo cumpre-nos informar que a DGRSP não teve qualquer intervenção técnica pelo que não nos é possível avaliar o período de execução da medida referente ao mesmo.
No entanto, foi-nos comunicado pelo arguido que presentemente reside em casa partilhada com uma neta e seu filho, juntamente com a companheira, localizada numa zona periférica da cidade, acima identificada.
O arguido não exerce nenhuma ocupação, encontrando-se aposentado, sendo esta a fonte de rendimento do casal.
Ao nível familiar o arguido mantem proximidade a alguns familiares.
Nos relacionamentos interpessoais é a relação com a companheira a mais privilegiada, não existindo integração com a comunidade.
Face ao estilo de vida e rotinas que pratica destaca-se a ociosidade, e o deambular pela cidade sem um objetivo definido, ou rotinas estruturantes.
Informamos ainda, que o arguido foi acompanhado no âmbito de outras medidas durante as quais comparecia mensalmente na Equipa Beira Sul, mantendo durante as sessões fraca capacidade crítica, bem como uma postura de vitimização e desvalorização da sua conduta, sendo que durante as mesmas privilegiamos a motivação para a mudança e sensibilização para a prevenção de comportamentos reincidentes.”
F) Em 16.12.2024 o Mº Público renovou a promoção com a ref.ª 37698197, de 04.10.2024 (acima mencionada).
G) Foi então proferido o despacho recorrido.
H) Do CRC junto aos autos (Refª Citius 3730255) para além das supra referidas condenações constam ainda as seguintes:
1- Pela prática de um crime de burla agravada, …, na pena de três anos de prisão, tendo-lhe sido perdoado 2 anos de prisão e o remanescente suspenso na sua execução por 2 anos, por acórdão proferido em 7/12/1994 e por factos praticados em agosto de 1990;
2- Pela prática de um crime de fraude sobre mercadorias, …, na pena de 3 meses de prisão e 25 dias de multa, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, por decisão proferida em 06/12/1999 e por factos praticados em 19/3/1998;
3- Pela prática de um crime de fraude sobre mercadorias…, na pena de 6 meses de prisão e 90 dias de multa, suspensa na sua execução por 2 anos e seis meses, por decisão transitada em julgado em 9/11/2002 e por factos praticados em 07/11/1999;
4- Pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas, …, na pena única de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, por decisão proferida em 17/4/2002 e por factos praticados em 5/4/2000;
5- Pela prática de um crime de detenção de arma proibida e um crime de detenção ilegal de munições, …, na pena única de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e seis meses, por decisão transitada em julgado em 31/5/2002 e por factos praticados em 10/5/2001;
6- Pela prática de um crime de detenção ilegal de munições, …, na pena de 60 dias de multa à razão diária de 5,00 €, no montante global de 300,00 €, por decisão transitada em julgado em 21/11/2002 e por factos praticados em 19/6/2001;
7- Pela prática um crime de contrafação, previsto e punido pelo art.º 324º, com referência aos art.os 323º, al. a) e b), e 222º, n.º 1, do CPI, …, por sentença proferida a 07/05/2012, por factos de 07/04/2010, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 5,00 €;
8- Pela prática de um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas, …, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, por decisão transitada em julgado em 26/03/2004 e por factos praticados em 03/10/2001;
9- Pela prática de um crime de extorsão, …, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, por decisão transitada em julgado em 20/11/2006 e por factos praticados em junho de 2004;
10- Pela prática de um crime de contrafação, imitação e uso ilegal de marca, …, na pena de 70 dias de multa à razão diária de 5,00 €, no montante global de 350,00 €, por decisão transitada em julgado em 6/6/2012, por factos praticados em 7/4/2010;
11- Pela prática de um crime de passagem de moeda falsa, um crime de falsificação de documentos e um crime de detenção de arma proibida, …, na pena de 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, por decisão proferida em 13 de julho de 2012 e transitada em julgado em 20/9/2012 e por factos praticados em 19/4/2009.
12- Pela prática de um crime de coação, na forma tentada, previsto e punido pelo art.º 154º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, …, por sentença proferida a 26/11/2013, por factos de 16/07/2012, pela prática, na pena de um ano de prisão, tendo-lhe sido concedida liberdade definitiva a 20.10.2015.
Dispõe o artigo 50.º do Código Penal, no que aqui releva,
“1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
(…). [sublinhado nosso].
Como ensina Figueiredo Dias [Cf. Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do crime, p. 331 a 333] “(…) são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação.
Assim, “(…) desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expetativas comunitárias”.
Deste modo, a substituição da prisão por qualquer das penas de substituição, nomeadamente a suspensão da sua execução, depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial.
O tribunal terá de fazer um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente, decidindo depois em conformidade com o que resultar dessa previsão, só devendo formular juízo positivo quando concluir à vista dos apontados elementos, reportados ao momento da decisão, que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.
Já as razões para afastar este juízo de prognose favorável realizado no momento da condenação, resultarão de factos dos quais se possa concluir que o condenado não correspondeu às expectativas nele depositadas de que, pela substituição da prisão e ameaça desta, se afastasse do cometimento de crimes e pautasse a sua conduta pelo dever-ser ético-jurídico.
Assim, resulta do artigo 56.º do Código Penal, sob a epígrafe “revogação da suspensão” que:
“1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas..
2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.”.
Deste modo, quando no decurso da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetidamente, infringe os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de ressocialização ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e assim revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, a suspensão é revogada, caso em que o condenado terá de cumprir a pena de prisão fixada na sentença [artigo 56.º, n.º 1, do Código Penal].
Porém, o cometimento de crime não desencadeia, de forma automática, a revogação da suspensão, pois nos termos da alínea b), do n.º1, do aludido artigo 56.º, mesmo a condenação por um crime cometido no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão só implica a revogação da suspensão se tal facto infirmar, de modo definitivo, o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, quer dizer, se revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas [Entre outros, os Acórdãos do TRL, datado de 10-05-2022, Processo n.º 2755/14.6PYLSB-A.L1-5 e datado de 24-09-2015, Processo n.º 4/01.6GDLSB.L1-9, todos in www.dgsi.pt.]
A lei não se basta com a mera prática de um ou mais crimes no período de suspensão da execução da pena, pois é necessário, para que se verifique a revogação da suspensão, que essa prática demonstre a frustração do juízo de prognose favorável subjacente à suspensão da execução da pena de prisão, para o que importa ponderar a relação temporal entre a data da suspensão da execução da pena e a data em que foram praticados os novos factos, a relação entre os tipos de crime praticados, a análise das circunstâncias do cometimento do novo crime, ou seja, do quadro em que o condenado voltou a delinquir e o seu impacto negativo na obtenção das finalidades que justificaram a suspensão da pena, e bem assim a evolução das condições de vida do condenado até ao presente – num juízo reportado ao momento em que importa decidir -, em ordem à decisão de revogar ou não a suspensão da execução da pena [Acórdão do TRL, de 10-05-2022, Processo n.º 2755/14.6PYLSB-A.L1-5, in www.dgsi.pt].
Não se exige que a condenação posterior diga respeito ao mesmo tipo de crime da primeira condenação, nem que se trate de condenação na prática de crime doloso [Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque in Código Penal Comentado à luz da Constituição da República Portuguesa, 5.ª ed., pág. 353, nota 6].
Porém, é mais debatida a questão se saber se a condenação tem que ser necessariamente em pena de prisão efetiva para se poder formular o juízo da revogação da suspensão, ou se bastará, para o efeito, a condenação, ainda que numa nova pena de substituição, designadamente de suspensão da execução de pena de prisão [no sentido de que a condenação numa nova pena de substituição nomeadamente de suspensão da execução da pena, tendencialmente revelará não se encontrarem ainda esgotadas as possibilidades de socialização em liberdade, e no sentido de que a segunda condenação ter de ser em pena de prisão efetiva para se poder proceder com base nela à revogação da anterior suspensão de execução de pena de prisão: Paulo Pinto de Albuquerque in ob. cit., pág. 354, o acórdão do TRL de 10.05.2022, proc. nº 2755/14.6PYLSB-A.L1-5, disponível in www.dgsi.pt, e o acórdão do TRE de 13.07.2021, proc. nº 20/18.9GAMAC.E1, disponível in jurisprudencia.pt e o acórdão do TRC a Relação de Coimbra, de 28.03.2012, proc. nº 29/09.3GAAVZ-A.C1, disponível in www.dgsi.pt; entendendo que, mesmo não sendo a segunda condenação em pena efetiva de prisão pode haver lugar à revogação da suspensão da execução da pena aplicada na primeira condenação: Os acórdãos do TRP 14.07.2010, proc. 470/08.9GEVNG.P1, e de 31.05.2023, proc. 169/20.8GFPRT.P1, os acórdãos do TRE de 06.01.2015 proc. nº 23/08.1GDFAR.E1 e de 08.09.2021, proc. nº 710/11.7GBABF.E2, e o Acórdão do TRC de 09.10.2024 proc. 1336/18.0PBVIS-A.C1, subscrito pela ora relatora, todos disponíveis in www.dgsi.pt.]
Cremos que as penas aplicadas nos subsequentes processos deverão ser apenas mais um dos fatores a atender e não devem sobrepor-se a outros fatores, numa espécie de consequência automática, sob pena de se retirar verdadeiramente o poder de decisão ao tribunal que aprecia a questão.
Isto, naturalmente sem prejuízo de a posterior ou posteriores condenações do arguido em pena de prisão efetiva ser indicativa de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão da execução da pena na primeira condenação não puderam ser alcançadas por meio dessa pena; e a posterior condenação do agente em pena de prisão suspensa na execução, ou noutra pena de substituição, ser indicativa de que ainda poderá ser possível um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do agente; mas em nenhum dos casos se deverá de forma automática concluir-se num ou noutro sentido.
O importante é avaliar se, em concreto, da prática do(s) novo(s) crime(s) no período da suspensão, levando em conta os fatores acima assinalados (nos quais se incluirá a concreta pena aplicada na segunda condenação), resulta ainda possível ou definitivamente comprometido o prognóstico favorável em relação ao comportamento futuro do condenado.
Sendo certo que a condenação no período da suspensão da execução da pena não tem efeito imediatamente revogatório, também o inverso é verdadeiro, isto é, uma condenação em pena não privativa da liberdade, não pode imediatamente afastar a possibilidade de revogação da suspensão da pena de prisão aplicada.
Como se salienta no Acórdão do TRL de 20.02.2025 [proc. 579/15.2PAMTJ-B.L1-9, disponível in www.dgsi.pt]: “Nada impede que se revogue a suspensão da execução da pena de prisão por força da prática de crime(s) cometido no período da suspensão, mesmo quando por este(s) novo(s) crime(s) vem a ser aplicada prisão também ela suspensa na execução.
2. Confiando o tribunal que faz o julgamento pelo(s) crime(s) novo(s) na suficiência da mera ameaça da execução da pena de prisão a que chega, isso não obsta legalmente a que o tribunal da primeira condenação considere que se frustraram as finalidades que estiveram na base da suspensão que decretara.
3. Na redação originária do Código Penal de 1982, aprovada pelo D.L. nº 400/82, de 23/09, prescrevia-se no seu art.º 51º, nº 1 que «a suspensão será sempre revogada se, durante o respectivo período, o condenado cometer crime doloso por que venha a ser punido com pena de prisão»; uma vez que se tratava aí de uma revogação automática, isto é, não dependente de qualquer juízo a formular pelo juiz, compreende-se que tenha surgido o entendimento segundo o qual a revogação só operaria mediante uma condenação, pelo novo crime, em prisão efetiva.
4. Os termos dessa discussão alteraram-se significativamente com a versão de 1995 do Código Penal, introduzida pelo D.L. nº 48/95, de 15/03: à luz do seu art.º 56º, deixa de haver causas de revogação automática da suspensão; deixa de haver a exigência de que o segundo crime seja doloso; deixa de ser imperativo que a pena aplicada a esse novo ilícito seja de prisão.
5. Nada sendo imperativo ou automático, tudo passou estar sujeito à apreciação judicial na casuística do caso concreto, dentro das linhas gerais definidas pelo legislador.
6. Uma nova condenação em pena de substituição, nomeadamente em pena de prisão suspensa na sua execução, embora possa revelar tendencialmente que não se encontram ainda esgotadas as possibilidades de socialização do arguido em liberdade, não obsta a que o tribunal da condenação anterior equacione a revogação da suspensão, devendo no fundo encarar-se tanto a nova conduta criminosa, como a subsequente reação penal não detentiva como fatores de ponderação do juízo revogatório da suspensão da execução da pena de prisão.
7. O juízo de ponderação implicado na revogação da suspensão da execução da pena, pela sua complexidade e pela multiplicidade de fatores a considerar, não é compatível com qualquer tipo de automaticidade, seja num sentido ou noutro; e o juízo feito pelo tribunal da segunda condenação, em momento diverso e atendendo a fatores específicos desse concreto processo, não pode vincular o tribunal da primeira condenação, sob pena, até, de se anular o poder jurisdicional deste último, de decidir em conformidade com os dados de que dispõe no seu processo, entre os quais se contam, é certo, esses outros juízo e decisão.”
Tendo presente estes parâmetros de decisão vejamos a situação em apreço:
A suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido foi motivada pela circunstância de a sua personalidade apontar para que a simples ameaça da pena de prisão seria suficiente para satisfazer as necessidades de punição e muito concretamente a ressocialização do arguido, designadamente na vertente da prevenção da reincidência.
Ora, o arguido, quando haviam decorrido apenas cerca de seis meses sobre o trânsito em julgado da condenação proferida nestes autos e muito concretamente a 25.01.2020 veio a cometer o crime de detenção de arma proibida, previsto e punível no artigo 86.º n.º 1, alínea c), e e), por referência aos artigos 2.º, n.ºs 1, alíneas q) s), v), ae), ar), az), 3, alínea m), p), ac), 3.º, n.ºs 2, alínea l), p) e ac), 4, alínea a), 6, todos da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
Mas veio ainda já decorridos quase dois anos sobre a condenação proferida netses autos, e concretamente a 08.06.2021, a praticar novo crime, desta feita, o de venda ou ocultação de produtos, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, n.º 1 e 26.º, ambos do Código Penal, 321.º, com referência ao artigo 320.º do Código da Propriedade Industrial, na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, subordinada ao regime de prova, assente num plano de reinserção social que será determinado e fiscalizado pela DGRSP e dirigido à prevenção da prática, no futuro, de crimes da mesma natureza (cfr. artigos 50.º e 53.º, do Código Penal).
Ora, tratando-se embora de crimes de natureza diversa daquele cometido nestes autos, importa salientar que são, ainda sim, crimes idênticos a outros já cometidos pelo arguido no passado, nomeadamente dois crimes de fraude sobre mercadorias, e um crime de contrafação imitação e uso ilegal de marca e bem assim, quatro crimes de detenção de arma proibida (um deles relativo a munições), sendo que decorre dos factos provados no referido processo comum coletivo nº 2/20...., que o arguido detinha na sua casa, sem qualquer licença que o habilitasse para o efeito 55 munições calibre 12; uma arma de fogo, da marca Sundance, modelo Valencia laser 25, calibre .25 auto, com o respetivo carregador acoplado; cinco munições de calibre 6,35mm; uma arma de fogo, da marca Star, calibre 6,35 mm, com o respetivo carregador acoplado; um colete balístico e uma arma de fogo, espingarda, da marca Browning B80, calibre 12 GA.
No que diz respeito à sua situação atual de vida o arguido tem a seu favor a inserção familiar, fator que vem mantendo ao longo dos anos, residindo juntamente com a sua companheira em casa partilhada com uma neta e seus filhos, localizada numa zona periférica da cidade. Ao nível familiar o arguido mantem proximidade a alguns familiares.
Nos relacionamentos interpessoais é a relação com a companheira a mais privilegiada, não existindo integração com a comunidade.
O arguido não exerce nenhuma ocupação, encontrando-se aposentado, sendo esta a fonte de rendimento do casal.
Porém, da informação colhida pelo Tribunal a quo junto da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais resulta também que “Face ao estilo de vida e rotinas que pratica destaca-se a ociosidade, e o deambular pela cidade sem um objetivo definido, ou rotinas estruturantes.
Informamos ainda, que o arguido foi acompanhado no âmbito de outras medidas durante as quais comparecia mensalmente na Equipa Beira Sul, mantendo durante as sessões fraca capacidade crítica, bem como uma postura de vitimização e desvalorização da sua conduta, sendo que durante as mesmas privilegiamos a motivação para a mudança e sensibilização para a prevenção de comportamentos reincidentes.”
Ora, apesar de o arguido declarar estar arrependido do seu passado criminal, o certo é que nas entrevistas que ocorreram junto da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais no âmbito de outros processos a perceção não foi essa, mas antes a de vitimização e desvalorização da sua conduta.
E quando ouvido em declarações (que ouvimos na íntegra) afirmou não se recordar da condenação sofrida no processo n.º 2/20...., o que se afigura pouco credível tendo em conta que esta diz respeito a três armas de fogo e munições no número acima indicado, encontradas na sua residência. Veja-se ainda que relativamente à condenação sofrida no processo que correu termos em Oleiros o arguido adotou a postura descrita na informação social enviada aos autos pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, isto é procurou desculpabilizar-se, assumindo atitude de vitimização. Ora, esta postura do arguido leva-nos a crer que não interiorizou verdadeiramente o desvalor das condutas praticadas.
Por outro lado, analisando o percurso do arguido vemos que este, desde praticou crimes desde 1990, tendo-o feito em 1998, 1999, 2000, 2001, 2004, 2009, 2010, 2012, 2016, 2017, (sendo estes os dos presentes autos) avultando condenações por um crime burla agravada, dois crimes fraude sobre mercadoria, dois crimes de tráfico de estupefacientes, um de menor gravidade, quatro crimes de detenção de arma proibida, um crime de contrafação, um crime de passagem de moeda falsa, um crime de falsificação de documentos, um crime de extorsão e um crime coação na forma tentada vindo depois a ser condenado por factos de 2020 e 2021 pelos referidos crimes de venda ou ocultação de produtos e novamente de detenção de arma proibida.
Anteriormente à pena aplicada nestes autos o arguido já havia sofrido 7 condenações em pena de prisão suspensa na sua execução e duas em pena de prisão efetiva. E sendo-lhe dada nova oportunidade de se ressocializar em liberdade através de nova condenação em pena de prisão suspensa na sua execução aplicada nestes autos, o arguido não se coibiu de praticar dois novos crimes, durante o período de suspensão, que sendo embora de natureza diversa do praticado nestes autos se assumem idênticos a outros já cometidos pelo arguido, sendo relevante, além do mais, a gravidade do crime de detenção de arma proibida cometido, que integrou diversas armas de fogo e munições.
Não estamos, pois, na presença de episódios ocasionais na vida deste arguido, mas antes já perante propensão criminosa, e incapacidade de apreender a carga negativa dos comportamentos penalmente relevantes.
Cremos, pois, que a prática destes dois crimes revelam a frustração das finalidades da suspensão, designadamente as da sua ressocialização, pois, que a apena que lhe foi aplicada nos autos não conseguiu assegurar que o arguido fosse sensível ao desvalor da sua conduta e à indispensabilidade de evitar comportamentos criminosos.
Desta feita, parece-nos lícito concluir, face aos elementos dos autos, que o arguido não se mostrou merecedor do prognóstico favorável formulado aquando da condenação, assim demonstrando que a pena aplicada não se mostrou suficiente. O arguido não foi sensível à censura jurídico-penal veiculada, pela pena de prisão suspensa na sua execução, mostrando-se esta destituída da persuasão necessária para o motivar a uma conduta conforme ao Direito.
Deixou, pois, de ser possível esperar, fundadamente, que daqui para a frente o condenado se afastará da prática de outros ilícitos, e concretamente da prática de novos crimes.
Assim, considerando:
- A personalidade do arguido revelada nos factos aqui ajuizados, e nos que cometeu posteriormente, pelos quais veio a ser condenado (e em especial, tendo em conta que esses factos ocorreram numa fase em que era suposto ter havido já um verdadeiro investimento do arguido na mudança);
- Os sinais de não interiorização pelo condenado do desvalor da sua conduta, presentes na repetição de condutas criminosas, nas circunstâncias em que o fez e na forma como a esses factos se reporta, concluímos que não apenas resulta demonstrada a insuficiência da suspensão da execução da pena para alcançar as finalidades que justificaram essa primitiva decisão de suspensão, como a impreparação do condenado para se manter afastado da prática de crimes.
Atento, pois, o quadro factual e legal atrás explicitado, entende-se que estão reunidos os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
Pelo exposto, acordam as Juízas desta 5ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo Mº Público, revogando o despacho recorrido, e em consequência determinar a revogação da suspensão da execução da pena de três anos de prisão aplicada nos presentes autos, nos termos do disposto no art. 56º, nº 1, al. b) do Código Penal.
Sem tributação.
Coimbra 10 de setembro de 2025
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
As juízas Desembargadoras
Sandra Ferreira
Sara Reis Marques
Alexandra Guiné