I - Só a absoluta falta de fundamentação gera a nulidade do acórdão.
II - As penas acessórias de proibição do exercício de funções e de proibição de confiança de menores, constantes dos artigos 69.º-B, n.º 2, e 69.º-C, n.º 2, do Código Penal, não resultam op legis da condenação penal.
III - Na aplicação destas penas acessórias, como das penas principais, devem estar presentes, além do mais, os princípios da culpa, da necessidade e da proporcionalidade, sendo imprescindível a formulação de um juízo que avalie os factos praticados e pondere a adequação e a necessidade de sujeição do condenado a essas medidas.
IV - Atendendo às exigências de proporcionalidade das reacções punitivas, o limite mínimo de 5 anos estabelecido para as penas de proibição do exercício de funções e de proibição de confiança de menores a quem tiver sido condenado pelo crime de pornografia de menores revela-se manifestamente desproporcionado, pois tais condutas não revelam sempre, em toda e qualquer circunstância, a necessidade de punir o agente por um período mínimo de 5 anos com a proibição de exercício de profissões que envolvam contacto com menores e com a proibição de assumir a confiança de menor.
V - Tendo em consideração que, nos termos do n.º 4 do artigo 69.º-C do Código Penal, a pena de proibição de confiança de menores se aplica relativamente a relações (de adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores) já constituídas, os seus efeitos serão destruídos por um período de 5 a 20 anos.
VI - Ao estabelecer um limite mínimo tão elevado para um conjunto tão alargado de comportamentos, o legislador violou a obrigação de proceder a uma avaliação diferenciada, ao pressupor a mesma necessidade de aplicação das penas acessórias por um período mínimo de 5 anos quer para crimes graves contra a liberdade sexual (v. g., violação, abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, abuso sexual de pessoa internada), quer para crimes contra a autodeterminação sexual de gravidade muito diversa, em violação da injunção constitucional de adequação, necessidade e proporcionalidade da moldura penal.
VII - A desproporção é, ainda, revelada pela disparidade entre os períodos fixados para a pena principal abstratamente aplicável ao crime do n.º 1 do artigo 176.º do Código Penal (de 1 a 5 anos de prisão) e aqueles que o legislador cominou para as penas acessórias (5 a 20 anos), bem como e do facto de não existir no Código Penal nenhuma outra pena acessória com semelhante imposição de limite mínimo.
VIII - A ponderação da aplicação destas penas acessórias obedece aos critérios gerais de fixação da pena principal, estabelecidos nos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, e 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção – Criminal – do Tribunal da Relação de Coimbra
I. Relatório
1. No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 7/20.1GBLMG do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo Central Criminal de Viseu – Juiz 2, foi submetido a julgamento o arguido … pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de três crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos arts. 171.º, n.º 1, 69.º-B, n.º 2, e 69.º-C, n.º 2, todos do CP.
2. Realizado o julgamento, foi proferido acórdão no qual foi decidido, para além do mais (transcrição):
«A) – Condenar o arguido … pela prática de:
a) 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
b) 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
c) 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
B) Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, condenar o arguido numa pena única de 3 (três) anos de prisão.
C) Suspender a pena de 3 (três) anos de prisão por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova, a definir pela equipa da Direção Geral de Reinserção Social e dos Serviços Prisionais, o qual contemplará, além do mais ações tendentes à consciencialização do arguido para o respeito pela autodeterminação sexual.
D) Condenar o arguido …, pela prática dos sobreditos 3 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artºs.171°., nº.1, do Código Penal, por que vinha acusado na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 8 (oito) anos, nos termos do art°.69°-B, nº.2, do CP.
E) Condenar o arguido …, pela prática dos sobreditos 3 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artºs.171°., nº.1, do Código Penal, por que vinha acusado na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 8 (oito) anos, nos termos do art°.69°-C, nº.2, do CP.
F) A título de reparação indemnizatória à ofendida …, condena-se o arguido a pagar à ofendida o montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) acrescidos de juros à taxa legal. (…)»
3. Inconformado com esta decisão, interpôs o arguido o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição):
«1 – O arguido não se conforma com a decisão proferida no Acórdão de que se recorre no que respeita à condenação nas penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 8 (oito) anos, nos termos dos arts. 69.° - B, n.º 2 e 69.º - C, n.º 2, do CP, entendendo que, salvo o sempre devido respeito, se encontra ferida de inconstitucionalidade a sua aplicação por violação do princípio da proporcionalidade contido no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
2 – É a própria decisão que refere que os factos praticados pelo arguido e que resultaram na condenação pela prática de 3 crimes de abuso sexual de menores em 3 anos de prisão efectiva, suspensa na sua execução, estão próximos do limiar mínimo no que respeita à tutela penal.
3 – Não menos importante e a militar a favor do arguido, é o facto do mesmo estar perfeitamente integrado profissionalmente e familiarmente, donde resultara provado o bom pai de família que é e a preocupação evidente em acompanhar o sadio crescimento e percurso do seu filho, pese embora o mesmo esteja à guarda e cuidados da mãe.
4 – Bem se sabe que a aplicação, principalmente da pena acessória prevista no art. 69.º - B, n.º 2 do CP, terá como consequência inevitável a limitação no que ao desenvolvimento de diversas actividades profissionais diz respeito, sendo que, embora o arguido trabalhe, actualmente, para uma empresa de limpeza de vidros e a mesma não implique necessariamente o contacto com crianças, nada garante ao arguido que a mesma se mantenha ou que surja oportunidade de trabalho mais vantajosa para o mesmo e que implique esse contacto – ainda que indirectamente.
5 – Aplicar uma pena acessória de 8 anos de proibição de exercício de funções que envolva contacto regular com menores, nos termos do n.º 2, do art. 69.º-B CP, é manifestamente desproporcional e desadequada, uma vez que esta corresponde a mais do dobro da pena principal – 3 anos.
6 – O mesmo se diga relativamente à prevista no art. 69.º-C, n.º 2 do CP, pois que o arguido tem um filho actualmente com 8 anos de idade e tal medida impede a eventualidade de, no futuro, o mesmo possa residir com o pai, pois que a aplicação da referida sanção acessória o limitaria nessa faculdade até aquele perfazer 16 anos.
7 – E resultou provado, constando inclusive do Relatório Social elaborado pela DGRSP, que o arguido, não obstante a ruptura da relação verificada com a mãe do mesmo, sempre manteve um contacto próximo com o filho, estando a trabalhar em Inglaterra, acabou por regressar novamente ao seu país de origem para estar próximo do filho e acompanhar o seu processo de desenvolvimento e colocar apenas a hipótese de poder regressar a Inglaterra quando o seu filho for um pouco mais velho.
8 – O arguido tem um bom relacionamento com a mãe do seu filho e apoia incondicionalmente este com quem passa os fins-de-semana.
9 – Ora, a eventual possibilidade de residência do menor consigo é altamente bloqueada e obstruída com a aplicação da referida sanção, quando são muitos (senão todos) os factores que militam a favor do arguido neste conspecto.
10 – Estas penas, é certo, tratam-se de verdadeiras penas, mesmo atenta a sua natureza de acessórias, mas também terão que estar limitadas pela medida da culpa do arguido e, na senda da protecção dos bens jurídicos, gizam elas também a reintegração do agente na sociedade (artigo 40.º CP), reintegração essa que se verifica mas cuja decisão da qual ora se recorre inviabilizará.
11 – Acresce que tem sido discutida a constitucionalidade da referida norma, na medida em que a previsão da moldura abstrata da pena acessória prevista no art. 69.º-B, n.º 2.º do CP viola o princípio da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa) – mutatis mutandis para a prevista no art. 69.º-C, n.º 2 do CP.
12 – Actualmente as previsões legais já determinam a possibilidade de aplicação ao referir que “Pode ser condenado…”, mas, à data dos factos, aquela previsão legal fazia indiciar a imperatividade das suas aplicações ao estabelecer que “É condenado na proibição…”
13 – A imperatividade da aplicação da pena acessória de proibição do exercício de funções por crimes contra a autodeterminação sexual, a que se reporta o n.º 2 do art. 69.º-B CP (bem como a prevista no art. 69.º-C, n.º 2 do CP) suscita, justamente, o problema da sua compatibilização com a proibição constitucional dos efeitos automáticos das penas (art. 30.º, n.º 4.º da CRP), tendo o Tribunal Constitucional já em diversas ocasiões tido ocasião de se pronunciar sobre este temário (vide Acórdãos n.ºs 239/2008, 748/2014, 132/2018, 239/2008 e 256/2020).
14 – Já no que concerne ao princípio da proporcionalidade também aqui o Tribunal Constitucional vem salientando, em muitas das suas decisões, que o legislador dispõe de uma ampla margem de decisão quanto à eleição das condutas criminosas como quanto à proporcionalidade das respetivas sanções, mas inculca sempre a ideia de que o Tribunal só deverá censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, na medida em que isso contenda com a previsão do n.º 3 do art. 18.º da CRP, densificando, assim, o conteúdo de tal proporcionalidade (vide Acórdãos n.ºs 387/2012, 632/2008 e 187/2001).
15 – As penas acessórias terão de ser entendidas como uma mera faculdade e não como uma consequência directa do crime e a sua aplicabilidade deve estar sustentada em factualidade própria (e demonstrada), o que não sucedeu no caso concreto, onde, a par dos elementos da culpa, apenas se alude ao não posicionamento pelo arguido perante os factos, em sede de julgamento.
16 – O limite mínimo de cinco anos é claramente desproporcional e, por conseguinte, inconstitucional (art. 18.º, n.º 2 da CRP), atenta a disparidade gritante entre os mínimos das molduras penais dos crimes previstos nos arts. 163.º a 176.º-A (por exemplo, 6 meses nos arts. 165.º e 166.º) e o mínimo de cinco anos da pena acessória.
17 – E se para as penas principais aplicáveis aos diversos ilícitos criminais ínsitos na panóplia de “crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual” é possível a modelação da consequência penal face aos diferentes comportamentos susceptíveis de integrar os mesmos, também as penas acessórias destinadas a acompanhar tal reação penal deveriam permitir tal adequação ao caso concreto e à efectiva necessidade da mesma, nomeadamente na vertente da protecção das vítimas potenciais do agente em causa.
18 – Tal proporcionalidade e adequação não pode, contudo, ser assegurada quando o limite inferior da pena acessória está legalmente fixado em 5 anos, quando a pena principal aplicada no caso concreto o foi em 3 anos e a acessória em 8 anos, situando-a, assim, quase no triplo da pena principal.
19 – Pelo que, nestas circunstâncias, terá de se considerar a desconformidade constitucional de tal norma, por manifesta violação do princípio da proporcionalidade consagrado no art. 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/04/2022, Processo n.º 3007/16.2T9CSC.L1-5, Relatora Sandra Oliveira Pinto).
20 – No presente caso sub judice, o Tribunal a quo fundamentou a aplicação das sanções acessórias – não obstante o próprio Tribunal considerar que os factos praticados pelo arguido possam estar próximos do limiar mínimo no que respeita à tutela penal – apenas e tão só pelo facto do arguido, em sede de julgamento, não se ter posicionado perante os factos, pelos factores referidos a propósito das penas principais, e bem assim, os critérios gerais constantes do art.71.º, do Código Penal, justificando com isso a aplicação das penas acessórias.
21 – Termos em que, com tais fundamentos, devem ser recusadas a aplicação das referidas penas acessórias, determinando a consequente revogação, nesta parte, do acórdão recorrido.
22 – Sem prescindir, no caso do Tribunal ad quem decidir pela manutenção da aplicação das sanções acessórias, deverão as mesmas ser reconduzidas ao seu mínimo – 5 anos – porquanto a pena principal aplicada o foi em 3 anos e, como resultara provado, o arguido não tem antecedentes criminais, está social e profissionalmente integrado e os factos praticados pelo mesmo estão próximos do limiar mínimo (vide, por comparação, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05/06/2013, Processo n.º 204/10.8TASEI.C1, Relatora Maria Pilar de Oliveira, onde estava em causa uma relação professor-alunas – vários alunas – em relação às quais àquele praticou vários crimes de abuso sexual de menores e se reduziu a sanção acessória de 10 anos para 6 anos).
Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá o douto acórdão recorrido ser revogado, na parte em que condenou o arguido nas penas acessórias previstas nos arts. 69.° - B, n.º 2 e 69.º - C, n.º 2 do CP pelo período de 8 anos e, em sua substituição, proferida decisão nos termos em que se conclui,
ou
em alternativa, e para o caso de assim não entender, e se decidir pela manutenção da aplicação das mesmas, serem alteradas e reconduzidas ao seu mínimo legal – 5 anos,
assim fazendo V. Excias. A ACOSTUMADA JUSTIÇA!»
4. Admitido o recurso, o Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta, .…
5. Nesta Relação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer …
6. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, não foi oferecida resposta.
7. Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
1. Delimitação do objecto do recurso
…
In casu, de acordo com as suas conclusões, o recorrente questiona a aplicação das penas acessórias estabelecidas nos arts. 69.º-B, n.º 2, e 69.º-C, n.º 2, ambos do CP, que pretende ver revogada, por a considerar violadora do princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18.º, n.º 2, da CRP.
Para o caso de assim não se entender, pugna pela sua redução para o respectivo limite mínimo de cinco anos.
No seu parecer, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto coloca a questão de saber se o acórdão recorrido padece de nulidade, por falta de fundamentação, quanto às penas aplicadas.
Previamente à apreciação das questões suscitadas, vejamos qual a fundamentação de facto que consta do acórdão recorrido.
«Da discussão da causa com relevo para a decisão a proferir resultaram os seguintes:
A- FACTOS PROVADOS
1. A menor AA nasceu a ../../2005, tendo residido, no ano de 2019, com a sua progenitora BB e sua irmã, maior de idade, CC, na Rua ..., ....
2. No período compreendido entre o mês de Abril de 2019 a Janeiro/Fevereiro do ano de 2020, BB manteve uma relação amorosa, sem coabitação, com o arguido DD.
3. O arguido, aproveitando-se da livre disponibilidade de contactos que tinha com a vitima AA, sem supervisão de terceiros, mercê da relação acima descrita e a confiança em si depositada pela progenitora da menor, formulou o propósito de se aproveitar das situações em que se encontrasse sozinho com a mesma, para assim satisfazer os seus impulsos sexuais lascivos, levando-a a suportar atos de teor sexual consigo, o que quis e conseguiu.
4. Assim, em data não concretamente apurada, mas situada no mês de setembro de 2019, o arguido e a menor AA dirigiram-se à loja ..., em ..., por forma a ser comprado um biquíni à mesma, para a piscina.
5. Lá chegados, a menor dirigiu-se ao vestiário por forma a experimentar um biquíni, ao que o arguido, com o pretexto de a ajudar a vesti-lo, entrou no aludido compartimento e apalpou o corpo da menor, colocando as suas mãos na zona das virilhas, bem como apalpou a vagina da menor, por cima das respetivas cuecas.
6. No dia seguinte, a menor dirigiu-se às piscinas tendo ficado com um escaldão, na zona do peito.
7. Nessa sequência, na residência descrita em 1., e com o pretexto de colocar creme na aludida zona do corpo da menor, o arguido solicitou à mesma que tirasse a camisola que trazia vestida.
8. A menor subiu então a camisola, encontrando-se de pé.
9. Ato contínuo, o arguido desapertou e tirou o soutien da menor, passou-lhe creme nos seios, apalpando-os, bem como passou as suas mãos na zona das virilhas da menor.
10. Em data não concretamente apurada, mas situada no mês de setembro de 2019, já em período escolar, na residência descrita no ponto 1, aproveitando o facto de doerem as costas à menor, e com o pretexto de lhe fazer uma massagem, o arguido disse à mesma para se deitar na cama, de barriga para baixo, o que esta fez.
11. O arguido iniciou a massagem, após o que solicitou à menor que se levantasse, tendo nessa sequência puxado as calças e as cuecas da menor para baixo até aos joelhos, desapertou-lhe o soutien e apalpou os seios da mesma.
12. Novamente deitada e com as calças e cuecas para baixo, o arguido apalpou as nádegas e a zona das virilhas da menor, junto à vagina.
13. Enquanto apalpava a menor, o arguido dizia-lhe para não ter vergonha, que também tinha uma filha, por forma a fazer crer à mesma que a sua conduta era normal.
14. A menor AA tinha, à data dos factos acima referidos, 13 anos, idade que o arguido, bem conhecia.
…
Das condições pessoais do arguido:
…
21- Com 18 anos, o arguido emigra para Inglaterra, onde estabelece uma união de facto com …. Esta tinha dois filhos menores, entre os quais uma filha com 15 anos. A ex-companheira refere que o arguido manteve sempre uma postura correta no relacionamento com os seus dois filhos.
Posteriormente o casal teve um filho, (à data da elaboração do relatório) com de 7 anos de idade. Volvidos cinco anos, o relacionamento entra em rutura e o filho fica entregue aos cuidados da mãe, no entanto, o arguido sempre manteve um contacto próximo com o mesmo, bem como com os dois filhos da ex-companheira.
22- Veio para Portugal por a sua ex-companheira ter vindo residir juntamente com o filho de ambos para … e o arguido querer estar próximo dele e acompanhar o seu processo de desenvolvimento. Põe a hipótese de poder regressar a Inglaterra quando o seu filho for um pouco mais velho.
23- Posteriormente estabeleceu uma relação de namoro, “durante cerca de três meses” (de acordo com o teor das declarações que prestou para efeito de elaboração do relatório social) com a mãe da vítima, que conheceu através da internet.
…
Tem um bom relacionamento com a ex-companheira, …, mãe do seu filho e apoia incondicionalmente este com quem passa os fins-de-semana.
24-… reside sozinho em … numa habitação arrendada que descreve como tendo condições de habitabilidade.
25- Nos tempos livres, dedica-se à prática da pesca, havendo indicadores de que se encontra bem integrado na comunidade local.
…
29- O arguido não tem antecedentes criminais.
Com interesse para a decisão da causa, não houve factos por provar.
Como é sabido, e resulta do disposto nos arts. 368.º e 369.º, ex vi art. 424.º, n.º 2, todos do CPP, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem o objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.
Seguidamente das que a este respeitem, começando pelas atinentes à matéria de facto e, dentro destas, pela impugnação ampla, se tiver sido suscitada e, depois dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP.
Por fim, das questões relativas à matéria de direito.
Será, pois, de acordo com estas regras de precedência lógica que serão apreciadas as questões suscitadas.
Na verdade, a fls. 14, no início do ponto «IV- DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA», o Tribunal faz referência à moldura penal abstracta aplicável aos ilícitos pelos quais o arguido vinha acusado, e pelos quais vem condenado, como sendo a de pena de prisão de um a oito anos.
Contudo, depois de ponderar os diversos factores atinentes à determinação da medida concreta das penas, conclui, a fls. 16, pela condenação do arguido na «pena de 2 (dois) meses de prisão pela prática de cada um dos três crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art 171º, nº1, do C.Penal de que vem acusado», em evidente contradição com a moldura penal abstracta que pouco antes enunciara, com a referência à moldura abstracta do concurso que indica (também a fls. 16) como situando-se entre 2 anos e 6 anos de prisão, e com o que, a final, consta do dispositivo do acórdão, no qual figura a condenação do arguido na pena de dois anos de prisão por cada um dos mencionados ilícitos.
Tratando-se de um manifesto lapso de escrita, cuja eliminação não importa modificação essencial do decidido, nada impede a sua correcção, ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do CPP, que agora se determina, devendo anotar-se no segundo parágrafo de fls. 16 do acórdão recorrido, a palavra «anos» no local onde agora consta «meses».
E também não contesta a medida das penas principais, parcelares e única, aplicadas, questionando apenas a imposição das sanções acessórias.
Contudo, pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto vem suscitada a questão de saber se a decisão recorrida padece de nulidade, por falta de fundamentação relativamente às penas impostas, questão que, de todo o modo, sempre seria de conhecimento oficioso.
Não se vislumbra a existência de nulidade insanável ou de qualquer dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, pois que a decisão se mostra lógica, coerente, harmónica, destituída de lacunas ou antagonismos factuais, de factos contrários às regras da experiência comum ou de erro patente para qualquer cidadão, nela inexistindo também qualquer inconciliabilidade na fundamentação ou entre esta e a decisão, sendo, por outro lado, a fundamentação de facto suficiente para suportar um juízo seguro de direito.
Mostra-se, assim, definitivamente sedimentada a matéria de facto fixada pelo Tribunal recorrido.
E considera-se também assente a qualificação jurídico-penal operada que, como referimos, não vem questionada.
Vejamos, pois.
Dispõe o art. 40.º do CP que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» (n.º 1), e que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» (n.º 2).
É, pois, de acordo com as proposições fundamentais de política criminal sobre a função e os fins das penas condensadas nesta norma, que estabelece um modelo de prevenção, que haverá que interpretar e aplicar os critérios de determinação da medida da pena.
Como se escreve no Ac. do STJ de 16-01-2008 (Proc. n.º 4565/07 - 3.ª)[1], «O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente».
Assim, dentro dessa linha de orientação, o Tribunal terá de atender, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 71.º do CP, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
«Na escolha da pena, considera Figueiredo Dias, a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, na perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
Essa prevalência opera a dois níveis diferentes:
- em primeiro lugar, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas, coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração;
- em segundo lugar, sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efectiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição (v.g., multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão), são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstractamente aplicáveis deve ser a eleita.
Por seu turno, a prevenção geral surge aqui sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.»[2]
Por outro lado, de acordo com o disposto no art. 97.º, n.º 5, do CPP, todos os actos decisórios devem ser fundamentados, com especificação dos respectivos motivos de facto e de direito, necessidade que decorre das exigências do Estado de Direito plasmadas no art. 205.º, n.º 1, da CRP.
Conforme tem vindo a ser entendimento uniforme, designadamente do Tribunal Constitucional[3], a fundamentação cumpre duas funções:
a) uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente;
b) outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz ad quem, que procura, acima de tudo, tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão – que procura, dir-se-á por outras palavras, garantir a transparência do processo e da decisão.
No que respeita especificamente à sentença, dispõe o art. 374.º, n.º 2, do CPP, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25-08 (já que intocado pelas subsequentes alterações legislativas), que «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Como foi referido nos acórdãos do TC n.ºs 322/93 (DR, II, de 29-10-1993) e 172/94 (DR, II, de 19-07-1994), citados posteriormente nos acórdãos n.ºs 102/99 (DR, II, de 01-04-1999), 288/99 (DR, II, de 22-10-1999), 258/01 (DR, II, de 02-11-2001) e 232/02 (DR, II, de 18-07-2002), a fundamentação da decisão há-de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.
No caso da aplicação de uma pena, seja ela principal ou acessória, o Tribunal tem de dar a conhecer, na sentença, os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada (cf. art. 375.º, n.º 1, do CPP).
O Tribunal pronunciou-se, em concreto, sobre a determinação da medida das penas principais (parcelares e única) e acessórias, nos seguintes termos:
«…
Em concreto, importará referir que as necessidades preventivas de ressocialização e reinserção social do arguido, são medianas.
Já quanto às exigências de prevenção geral de integração, diremos ser de salientar a natureza do crime em apreço e o contexto em que os factos ocorreram.
Nos termos do n.º 2 do art. 71º C.P. citado, tomar-se-ão em consideração os seguintes elementos que, não fazendo parte do tipo, depõem contra ou a favor do arguido:
- o grau de ilicitude dos factos (que tem que ver com o número e o grau de violação do interesse ofendido e o contexto escolhido, as consequências daí advenientes para vitima);
- as exigências de prevenção geral que rodeiam estes ilícitos, face à ocorrência deste tipo de crimes, por alguma falta de maturidade da menor, contribuindo para fomentar um sentimento de insegurança e para a diminuição da confiança da comunidade na ordem jurídica vigente;
- o dolo (direto) do arguido, pois que atuou ele de modo consciente, determinado e orientado por uma vontade de preenchimento do tipo de ilícito em questão;
- a idade (46 anos) do arguido no momento da prática da factualidade em causa;
- No que concerne às exigências de prevenção especial, as mesmas são medianas, uma vez que o arguido é primário e ainda que não tenha assumido os factos, encontra-se integrado sócio-profissionalemente.
Tomando em conta todos os aspetos acabados de mencionar, entende o Tribunal adequada a fixação de uma pena de 2 (dois) meses de prisão pela prática de cada um dos três crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art 171º, nº1, do C.Penal de que vem acusado.
Dúvidas não há, perante esta transcrição, de que o Tribunal recorrido se pronunciou expressamente sobre a medida concreta das penas principais, parcelares e única, sobre a possibilidade de substituição desta última, e ainda sobre as penas acessórias cuja imposição vinha requerida pelo Ministério Público.
Nessa fundamentação o Tribunal, depois de aludir aos critérios que presidem à determinação da medida das penas, tomou em consideração o grau de ilicitude dos factos e o grau de culpa do ora recorrente, sem deixar de, em sentido atenuativo, aludir às suas apuradas condições pessoais, sem antecedentes criminais e integrado social e profissionalmente, tendo ponderado devidamente as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial.
Assim, se não deixarmos de ter presente a matéria factual apurada, tal como teve o Tribunal recorrido (ainda que por remissão), a fundamentação aduzida, embora bastante sucinta, permite compreender o porquê dessa decisão e do processo lógico-mental que lhe serviu de suporte, pelo que não ocorre a assacada falta de fundamentação.
De todo o modo, ainda que se entendesse ser essa fundamentação insuficiente, nem assim seria de ter por verificada a nulidade do acórdão, uma vez que esta só ocorre quando existe uma absoluta falta de fundamentação[5].
Apreciemos, então, o mérito da decisão, na medida em que vem questionado, que é, como referido, a da aplicação das penas acessórias previstas nos arts. 69.º-B, n.º 2, e 69.º-C, n.º 2, ambos do CP.
Considera o recorrente que tais penas não deviam ter-lhe sido impostas, por não se justificarem no caso concreto e, ademais, por a sua aplicação estar ferida de inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade contido no art. 18.º, n.º 2 da CRP, entendimento que é também sustentado pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu parecer.
Adiantamos, desde já, que, em nosso entender, lhes assiste razão.
À data dos factos em apreço vigorava a redacção originária de ambos os referidos preceitos, introduzidos no CP pela Lei n.º 103/2015, de 24-08, que, na parte que ora importa, dispunham:
Art. 69.º-B, n.º 2:
«É condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre 5 e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor.»
Art. 69.º-C, n.º 2:
«É condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre 5 e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor.»
A imperatividade/obrigatoriedade de aplicação que parecia decorrer da literalidade dos preceitos, com a utilização das palavras «É condenado…», suscitou desde logo a questão de saber se essa obrigatoriedade era compatível com a proibição constitucional dos efeitos automáticos das penas consignada no art. 30.º, n.º 4, da CRP, temática sobre a qual desde há muito o Tribunal Constitucional se vinha pronunciando[6], sempre as suas decisões sublinhando que na aplicação das penas acessórias, como das penas principais, devem estar presentes, para além do mais, os princípios da culpa, da necessidade e da proporcionalidade, sendo imprescindível a mediação de um juízo que avalie os factos praticados e pondere a adequação e a necessidade de sujeição do condenado a essas medidas, não podendo as mesmas resultarem ope legis da simples condenação penal[7].
Com a redacção dos preceitos introduzida pela Lei n.º 15/2024, de 29-01 (em vigor desde 01-03-2024 – cf. art. 7.º do mesmo diploma), em que a formulação «É condenado» foi substituída pela expressão «Pode ser condenado», dúvidas não restam de que as penas acessórias aí previstas não são imperativas em caso de condenação pela prática de algum dos aí referidos crimes, mesmo sendo a vítima menor.
Contudo, como bem observa o Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, subsiste a questão da conformidade de tais normas com o princípio da proporcionalidade.
Sobre ela se pronunciou o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 442/2024[8], no qual se lê:
«13. As penas acessórias associam-se, por natureza, a certo crime. Trata-se de modelar a censura jurídico-criminal através da fixação de uma consequência criminal que acresce à pena principal, orientada pelo específico circunstancialismo que presidiu à situação concreta e mediada pelo julgador.
É essa a razão pela qual a sua aplicação e medida dependem da culpa do agente e das exigências de prevenção (n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal), visando a reintegração do agente (n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal): a sua previsão tende à proteção de bens jurídicos constitucionalmente respaldados, visando simultaneamente dissuadir a prática de crimes, restabelecer a confiança da comunidade na vigência das normas violadas e censurar o agente por um ato que lhe é imputável. Por assim ser, «torna-se — até jurídico-constitucionalmente — indispensável que aquele instrumento ganhe um específico conteúdo de censura do facto, por aqui se estabelecendo a sua necessária ligação à culpa» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português — Parte Geral II, cit., p. 96).
Tal não obsta a que as penas acessórias possam perseguir, também, outras finalidades, de acordo com o interesse público que imediatamente se visa proteger. Razão pela qual se exige uma ligação especial entre o crime cometido e o interesse subjacente: «Com a sanção acessória, afinal, mais do que impor um mal ao agente e desse modo prosseguir, entre outras, finalidades preventivas (mas também isso), visa-se proteger de forma imediata o interesse público que esteja em causa. Pelo que será de exigir uma conexão especial entre o crime cometido, abstractamente considerado, e o interesse público que a restrição visa salvaguardar» (Francisco Borges, “Efeitos automáticos…”, cit., p. 890). É isso, de resto, que o Tribunal Constitucional vem afirmando, exigindo uma específica conexão entre a infração praticada e a pena acessória cominada (Acórdãos n.ºs 143/1995 e 289/1995).
Assim, a adequação, necessidade e proporcionalidade das penas acessórias em causa — que restringem a liberdade de escolha de profissão (artigo 47.º da Constituição) e o direito a constituir família (artigo 36.º da Constituição) — depende da demonstração de que os eventuais efeitos de tutela do interesse público perseguidos se ligam aos crimes cuja prática determina a aplicação das penas acessórias em causa. Isto é, as sanções só serão constitucionalmente lícitas — porque adequadas, necessárias e proporcionais — quando «visem censurar especialmente o arguido pelo circunstancialismo que envolve o crime cometido, circunstancialismo esse que justifica a privação de certo direito, faculdade ou posição privilegiada de algum modo relacionados com a prática do crime» (Pedro Caeiro, “Qualificação…”, cit., p. 566).
Com efeito, do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição decorre «que só razões de prevenção, nomeadamente de prevenção geral de integração, podem justificar a aplicação de reacções criminais» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português — Parte Geral II, cit., p. 84); e daí se impõe que «a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos» (ibidem, p. 227). Ou dito de outro modo: ainda que certo comportamento seja digno de tutela criminal, vedado é ao legislador prever a sua punição para casos em que a pena não surja como consequência jurídica necessária e proporcional (Figueiredo Dias, com colaboração de Maria João Antunes, Susana Aires de Sousa, Nuno Brandão e Sónia Fidalgo, Direito Penal — Parte Geral I, 3.ª edição, Gestlegal, 2019, p. 793). É por esta exata razão que o Tribunal Constitucional vem censurando a fixação legislativa de uma pena fixa, já que esta «pode também conduzir a que o juiz se veja forçado a aplicar uma pena excessiva para a gravidade da infração, assim deixando de observar o princípio da proporcionalidade, que exige que a gravidade das sanções criminais seja proporcional à gravidade das infrações» (Acórdão n.º 95/2001, reiterado nos Acórdãos n.ºs 70/2002, 22/2003, 124/2004 e 163/2004).
Nessa medida, gozando o legislador de uma ampla margem de conformação na definição das sanções criminais, cabe ao Tribunal Constitucional censurar a construção legislativa de consequências penais manifesta e claramente excessivas (cfr. Maria João Antunes, “A problemática penal e o Tribunal Constitucional”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, vol. 1, 2012, p. 109). Assim é porque o princípio da proporcionalidade não se esgota na exigência de necessidade de tutela penal, impedindo que seja ultrapassado o critério da necessidade ou carência da pena.
14. As penas acessórias de proibição de exercer profissões que envolvam o contacto com crianças e de proibição de assumir a confiança de crianças fazem parte das consequências jurídicas para os crimes previstos nos artigos 163.º a 176.º-A quando a vítima seja menor. Têm por finalidade o fortalecimento da reação do ordenamento jurídico à prática daqueles factos ilícitos e culposos e o reforço da reafirmação contrafáctica das expectativas comunitárias na manutenção da validade e vigência das normas violadas, satisfazendo, em particular, necessidades preventivas — gerais e especiais —, realizando um interesse público imediatamente em causa. Exercem, pois, uma função preventiva coadjuvante da pena principal ou de substituição aplicada (Maria João Antunes, “Anotação ao artigo 179.º”, cit., p. 901; Acórdão n.º 143/1995).
Nos presentes autos, está em causa a norma segundo a qual aquela pena é aplicada por um período mínimo de 5 anos, quando seja praticado, contra menor, o crime previsto no n.º 1 do artigo 176.º do Código Penal — que pune quem «a) Utilizar menor em espetáculo pornográfico ou o aliciar para esse fim; b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim; c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior; D) Adquirir ou detiver materiais previstos na alínea b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder».
Ora, tendo em conta o exposto sobre as exigências de proporcionalidade das reações punitivas, a fixação de um limite mínimo de 5 anos destas penas por quem tiver sido condenado pelo crime previsto no n.º 1 do artigo 176.º do Código Penal revela-se manifestamente desproporcionada.
14.1. Em primeiro lugar, a conclusão de que a prática daqueles crimes contra menores revela sempre um interesse público de, pelo período mínimo de 5 anos, proibir a assunção da confiança de menores e de proibir o exercício de qualquer profissão que envolva contactos com crianças (i) e que há uma conexão com a culpa do agente quanto ao específico facto praticado (ii) fica em causa pela amplitude e natureza do concreto circunstancialismo que preside à prática daquele crime. Ao pressupor que todos os sujeitos que pratiquem um qualquer daqueles crimes revelam necessidade de aplicação de ambas as penas por um limite mínimo de 5 anos, o legislador abrange pessoas relativamente às quais um período mínimo de 5 anos pode não encontrar justificação concreta no contexto determinado do crime cometido.
Com efeito, as condutas descritas no n.º 1 do artigo 176.º do Código Penal não revelam sempre, em toda e qualquer circunstância, a necessidade de punir o agente por um período mínimo de 5 anos com a proibição de exercício de profissões que envolvam contacto com menores e com a proibição de assumir a confiança de menor — aí se abrangendo, inter alia, adoção, tutela, curatela, apadrinhamento civil, mesmo de relações jurídicas já constituídas. A circunstância de alguém, v. g., aliciar menor para produzir e exibir fotografias ou vídeos pornográficos, ainda que se possa admitir que constitua um importante indício de que o agente não tem idoneidade para a confiança ou guarda de menores (ou mesmo a tutela ou curatela), é forte a probabilidade de as concretas circunstâncias do caso demonstrarem a desnecessidade, quanto a tais finalidades, de aplicação da pena por um período tão longo. Sobretudo tendo em consideração que, nos termos do n.º 4 do artigo 69.º-C do Código Penal, ela se aplica relativamente a relações (de adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores) já constituídas, cujos efeitos serão destruídos por um período de 5 a 20 anos.
Dito de outro modo: independentemente da questão de saber se uma moldura com uma amplitude tão grande «respeit[a] a proibição constitucional de penas de duração indefinida, estabelecida no artigo 30.º, n.º 1» (Maria João Antunes, “Penas acessórias…”, cit., p. 79), trata-se de reações sancionatórias especificamente associadas a certos crimes porque visam satisfazer necessidades preventivas imediatas, ligadas ao concreto circunstancialismo do crime praticado e que se tutelam pela proibição de exercício de profissões que envolvem contacto com menores e com a proibição de assumir confiança de menores. Ora, ao estabelecer um limite mínimo tão elevado (5 anos) para um conjunto alargado de comportamentos — nem todos indiciando a necessidade de punição por tal período —, o legislador violou a obrigação que se lhe impunha de proceder a uma avaliação diferenciada, estabelecendo a sua aplicação por um mínimo de 5 anos para casos em que a necessidade dessa pena pode não existir. O legislador pressupõe a mesma necessidade de aplicação das penas acessórias por um período mínimo de 5 anos quer para crimes graves contra a liberdade sexual (v. g., violação, abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, abuso sexual de pessoa internada), quer para crimes contra a autodeterminação sexual de gravidade muito diversa — como é o caso da pornografia de menores. Assim violando a injunção constitucional de adequação, necessidade e proporcionalidade da moldura penal.
Esta ideia é, aliás, particularmente evidente no caso que dá origem aos presentes autos, em que a prática dos crimes se consubstancia no aliciamento da vítima, de 16 anos de idade, para produzir e enviar ao arguido, de 21 anos de idade, fotografias e vídeos íntimos através de uma rede social (cfr. pontos 2 a 10 de factos provados). A assunção legislativa de que tal circunstancialismo reclama uma punição por um mínimo de 5 anos com a proibição de exercício de quaisquer profissões que envolvam contacto com menores e de assumir confiança de menores revela-se manifestamente desproporcionada, por abranger situações relativamente às quais não pode verificar-se necessidade de tal pena por um período mínimo de 5 anos.
14.2. Em segundo lugar, a desproporção é revelada pela franca disparidade entre os períodos fixados para a pena principal abstratamente aplicável ao crime do n.º 1 do artigo 176.º do Código Penal (de 1 a 5 anos de prisão) e aqueles que o legislador cominou para as penas acessórias (5 a 20 anos). Ainda que a Constituição não imponha uma igualdade entre os limites penais das penas acessórias e das penas principais (cfr. Acórdão n.º 289/1995), há uma «flagrante desproporcionalidade e excesso na reação sancionatória», uma vez que «considerando os limites mínimos das mesmas — 5 anos —, colide com os princípios da proporcionalidade e da culpa» (Mouraz Lopes e Tiago Milheiro, Crimes Sexuais…, cit., p. 344).
De resto, a manifesta desproporcionalidade pode ser mensurada por confronto com outras penas acessórias. Não existe, ao longo de todo o Código Penal, qualquer outra pena acessória com semelhante imposição de limite mínimo: a pena acessória de proibição de exercício de funções públicas é fixada entre 2 e 5 anos (artigo 66.º); a proibição de conduzir veículos a motor é fixada entre 3 meses e 3 anos (artigo 69.º); a proibição de contacto com a vítima de violência doméstica é determinada entre 6 meses e 5 anos (artigo 152.º); a proibição de contacto com a vítima de perseguição é determinada entre 6 meses e 3 anos (artigo 154.º-A); a pena acessória de inelegibilidade é fixada entre 2 anos e 10 anos (artigo 346.º); a privação do direito a deter animais de companhia não tem limite mínimo e tem um limite máximo de 3 anos (artigo 388.º-A).
O mesmo é dizer que o limite mínimo aqui fiscalizado constitui reação sancionatória manifestamente excessiva: a fixação de uma pena acessória por um período mínimo de 5 anos pode implicar a sua determinação concreta acima do limite da culpa e sem proporção à gravidade da infração.
15. Resta concluir, pois, que as normas fiscalizadas, ao estatuírem um período mínimo de 5 anos para as penas acessórias, são violadoras do disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, na restrição que operam à liberdade de escolha da profissão (artigo 47.º da Constituição) e ao direito a constituir família (artigo 36.º da Constituição).»
Mais recentemente, no mesmo sentido se pronunciou o acórdão do TC n.º 641/2024[9] (aí tendo o recurso por objecto unicamente a norma constante do artigo 69.º-B, n.º 2, do Código Penal, na redação dada pela Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto), no qual, depois de citar o acórdão n.º 442/2024, se refere:
«O Acórdão n.º 442/2024 concluiu, assim, que a norma do n.º 2 do artigo 69.º-B do Código Penal, na redação da Lei n.º 103/2015, na parte em que fixa um período mínimo de 5 anos para a pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, consubstancia uma «restrição desproporcionada» à «liberdade de escolha da profissão (artigo 47.º da Constituição)», sendo nessa medida inconstitucional, tendo em conta o disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. A única diferença a assinalar é que ali estava em causa o crime de pornografia de menores simples, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, do Código Penal, enquanto no presente recurso se discute a fixação em cinco anos do limite mínimo de duração da pena acessória imposta pela condenação por crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea c), e 177.º, n.º 7, do Código Penal, este último na redação da Lei n.º 40/2020, pelo facto do arguido ter cedido e divulgado fotografias e vídeos pornográficos de menor de 14 anos de idade.
Não obstante, as razões que motivaram o juízo positivo de inconstitucionalidade formulado no Acórdão n.º 442/2024 são inteiramente aplicáveis no caso vertente. Na verdade, a desproporção detetada no estabelecimento de um limite mínimo de cinco anos para a duração da pena acessória de proibição do exercício de profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, que envolvam contacto regular com menores advém da conjugação de várias circunstâncias que também se verificam relativamente à norma que integra o objeto do presente recurso.
Desde logo, a amplitude e a diversidade das condutas que podem ser subsumidas no artigo 176.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, cuja previsão abrange um conjunto de comportamentos a que corresponde um grau de censura e/ou danosidade distinto. Como salienta o Acórdão n.º 442/2024, «as condutas descritas no n.º 1 do artigo 176.º do Código Penal não revelam sempre, em toda e qualquer circunstância, a necessidade de punir o agente por um período mínimo de 5 anos com a proibição de exercício de profissões que envolvam contacto com menores. E, assim sendo, «ao estabelecer um limite mínimo tão elevado (5 anos) para um conjunto alargado de comportamentos – nem todos indiciando a necessidade de punição por tal período –, o legislador violou a obrigação que se lhe impunha de proceder a uma avaliação diferenciada, estabelecendo a sua aplicação por um mínimo de 5 anos para casos em que a necessidade dessa pena pode não existir».
Acresce que o limite mínimo de cinco anos é o mesmo, comparativamente com crimes sexuais mais gravosos. Como se refere no Acórdão n.º 442/2024, «[o] legislador pressupõe a mesma necessidade de aplicação das penas acessórias por um período mínimo de 5 anos quer para crimes graves contra a liberdade sexual (v. g., violação, abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, abuso sexual de pessoa internada), quer para crimes contra a autodeterminação sexual de gravidade muito diversa – como é o caso da pornografia de menores. Assim violando a injunção constitucional de adequação, necessidade e proporcionalidade da moldura penal».
Por outro lado, «a manifesta desproporcionalidade pode ser mensurada por confronto com outras penas acessórias», uma vez que «[n]ão existe, ao longo de todo o Código Penal, qualquer outra pena acessória com semelhante imposição de limite mínimo».
Por fim, apesar de aqui estar em causa o crime de pornografia de menores agravado, mantém-se a «franca disparidade» entre «os períodos fixados para a pena principal abstratamente aplicável» (um ano e seis meses de prisão a sete anos e seis meses de prisão) «e aqueles que o legislador cominou para as penas acessórias (5 a 20 anos)».
É de manter por isso a conclusão a que se chegou no Acórdão n.º 442/2024, segundo a qual «a fixação de uma pena acessória por um período mínimo de 5 anos pode implicar a sua determinação concreta acima do limite da culpa e sem proporção à gravidade da infração», violando assim o «disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, na restrição que opera […] à liberdade de escolha da profissão (artigo 47.º da Constituição)».[10]
No caso concreto, impõe-se ponderar a aplicação das mencionadas penas acessórias à luz da actual redacção dos preceitos que as prevêem, introduzida pela Lei n.º 15/2024, de 29-01, que se apresenta como sendo o regime legal mais favorável ao arguido (cf. art. 2.º, n.ºs 1 e 4), uma vez que, como referimos, com ela se eliminou o carácter obrigatório dessa aplicação.
Nessa ponderação casuística, que obedece aos critérios gerais de fixação da pena principal (arts. 40.º, n.ºs 1 e 2, e 71.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CP) haverá que ter em conta, desde logo, o que resulta da factualidade apurada, designadamente os concretos contornos dos ilícitos: a natureza dos actos praticados, que o próprio Tribunal recorrido afirma poderem «estar próximos do limiar mínimo no que respeita à tutela penal», a actuação sobre uma única vítima, em três ocasiões diferentes todas ocorridas no mês de Setembro de 2019, sendo a ofendida menor de 14 anos, que completaria no mês de Dezembro seguinte; e as próprias condições pessoais do arguido, que, tendo 46 anos de idade à data da prática dos factos, não averba antecedentes criminais e se encontra social, profissional e familiarmente integrado.
O Tribunal recorrido fixou cada uma das penas parcelares (principais) em 2 (dois) anos de prisão e a pena única em 3 (três) anos de prisão, determinando a sua suspensão, por igual período, com sujeição a regime de prova.
E, embora consignando o entendimento de que «as penas acessórias não terão que ser consideradas consequência direta do crime», faz apelo aos factores referidos a propósito das penas principais e acrescenta-lhes «a conduta do arguido em sede de julgamento de não posicionamento perante os factos», para concluir ser adequado fixar a medida de cada uma das penas acessórias em oito anos[11].
Sem olvidar que na criminalidade sexual contra menores, pela sua natureza e pelas suas consequências, devem ser reforçadas as exigências de proteção dos bens jurídicos em causa e de prevenção especial do agente, não cremos, contudo, que, in casu, uma especial censura dos factos sustente a imposição, a cada um dos concretos ilícitos praticados, de uma pena acessória de «proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores» e de uma pena acessória de «proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores», enquanto coadjuvantes das penas principais, por não se vislumbrar o «particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação em espécie da pena acessória» a que alude o Prof. Figueiredo Dias[12], também não se nos afigurando que essa imposição seja reclamada pelas concretas necessidades de prevenção especial.
Pelo exposto, carecendo de fundamento bastante a aplicação das mencionadas penas acessórias, terão as mesmas de ser revogadas, assim se concedendo provimento ao recurso.
Ainda que assim não se entendesse, sempre seria de considerar, acompanhando a jurisprudência constitucional citada, que a elevação desproporcional do limite mínimo das referidas penas acessórias não permite a sua graduação de acordo com os critérios de determinação das penas que – como se impõe – levem em conta a concreta culpa do agente, sendo a sua imposição no caso concreto, mesmo no seu limite mínimo de 5 (cinco) anos por cada um dos ilícitos (e a pena única que com base nelas viesse a ser fixada), desadequada e violadora do princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18.º, n.º 2, da CRP, pelo que seria, por essa via, de recusar a sua aplicação.
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra em
a) determinar, ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do CPP, a correcção do texto do acórdão recorrido nos termos acima explicitados a fls. 18;
b) conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido, … e, em consequência, revogar as penas acessórias, previstas pelos arts. 69.º-B, n.º 2, e 69.º-C, n.º 2, ambos do CP, que lhe vinham impostas, mantendo-se, no mais, o decidido.
Sem tributação.
Notifique.
[1] In www.dgsi.pt.
[2] Cf. Ac. do STJ de 29-04-2009, Proc. n.º 939/07.2PYLSB.S1 - 3.ª, in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos).
[3] Cf. Ac. n.º 680/98 do Tribunal Constitucional, in www.tribunalconstitucional.pt.
[4] Disponível in www.dgsi.pt
[5] Cf. neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 17-06-2015, Proc. n.º 11/06.2PHLRS.S3 - 3.ª, de 25-06-2015, Proc. n.º 118/09.4GESLV.S1 - 5.ª, de 17-03-2016, Proc. n.º 1180/10.2JAPRT.P1.S1 - 3.ª e de 14-09-2017, Proc. n.º 1930/15.0GBABF.E1.S1 - 5.ª, todos in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de acórdãos); e ainda de 08-11-2023, Proc. n.º 61/16.0GBMMN.S1, in www.dgsi.pt.
[6] Desde logo a propósito da norma do art. 69.º, n.º 1, do CP, com idêntica formulação: «1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor ou na proibição de pilotar aeronaves com ou sem motor (…)».
[7] Cf., entre outros, os acórdãos do TC n.ºs 520/2000, 630/2004, 239/2008, 53/2011, 748/2014, 132/2018 e 256/2020, todos in www.tribunalconstitucional.pt.
[8] Ibidem.
[9] Ibidem.
[10] Cf. ainda, a propósito, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-04-2022, Proc. n.º 3007/16.2T9CSC.L1-5, e da Relação de Évora de 23-04-2024, Proc. n.º 49/21.0JAEVR.E1, ambos in www.dgsi.pt, também referidos pelo MP no seu parecer.
[11] Assim procedendo sem, como devia, fixar, em primeiro lugar, a medida concreta de cada uma das penas acessórias parcelares e proceder, depois, à efectivação do respectivo cúmulo jurídico, em conformidade com o AFJ n.º 2/2018, de 11/01/2018, cuja determinação, embora reportando-se à pena acessória prevista no art. 69.º do CP, não se vê motivo para desconsiderar.
[12] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2009, pág. 158.