I - Dentro da categoria geral das presunções, existem as presunções legais ou de direito e as presunções naturais, judiciais ou de facto. Nas primeiras, é a norma legal que, verificado certo facto, considera demonstrado um outro facto.
II - Na presunção legal relativa, a lei considera um facto (presumido) como certo até prova em contrário, ou seja, o juiz tem de considerar determinado facto como verdadeiro, na ausência de suficiente prova em contrário. A parte beneficiada com a presunção tem de provar o facto-base, ficando dispensada de provar o facto presumido. Sobre a parte para a qual o facto presumido é desfavorável, recai o ónus da prova do facto contrário ao facto presumido.
III - A lei prevê e admite que a carta enviada para citação seja entregue a “qualquer pessoa” que se encontre na residência ou no local de trabalho do citando e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.
IV - O nº 4 do artigo 225º do CPC equipara, à citação pessoal, a citação feita em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, estabelecendo a presunção que o citando teve oportuno conhecimento do acto da citação.
V - Trata-se de uma presunção legal relativa, pelo que a negação do facto presumido só pode ser feita mediante prova do contrário e não por contraprova que apenas cria a dúvida ou incerteza acerca da verdade dos factos.
VI - Para se concluir pela falta de citação, nos termos do artigo 188.º, n.º 1, alínea e), do CPC, não basta o citando demonstrar que não teve oportuno conhecimento do acto de citação. Sobre o citando recai o ónus de alegar e demonstrar (i) que não teve oportuno conhecimento do acto de citação e (ii) que tal ocorrência (o não conhecimento) sucedeu devido a circunstâncias que não lhe são imputáveis.
VII - A citação constitui o meio privilegiado para a concretização de um dos princípios basilares do processo civil, o contraditório, que se encontra assegurado com a concessão, ao citando, da não só da possibilidade de provar que a citação chegou ao seu conhecimento efectivo depois de passados cinco dias sobre aquele em que foi efectuada (arts. 225º, nº4, e 245º, nº, 1, al. a), do CPC) e, também, de provar que dela não chegou a ter conhecimento antes do termo do prazo da defesa, por facto que não lhe seja imputável.
Acordam os Juízes da 5.ª Secção (3ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relatora: Anabela Mendes Morais
Primeiro Adjunto: Manuel Fernandes
Segundo Adjunto: António Mendes Coelho
I_ Relatório
A autora A... – COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A. instaurou a presente acção declarativa contra AA, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de €7.946,06, acrescida dos juros legais, vencidos desde a citação até total e efectivo pagamento, bem como as custas processuais e demais encargos com o processo.
Para o efeito, invocou, em síntese, que:
_ No âmbito da sua actividade, celebrou com BB, um contrato de seguro, do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º ...77, relativo ao veículo ligeiro de passageiros, marca AUDI, modelo ..., de sua propriedade, com a matrícula ..-QT-.., através do qual este transferiu para si a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária desse veículo. Este contrato incluía a cobertura de danos próprios da viatura – choque, colisão e capotamento -, com o capital de € 10.533.00.
_ No dia 15 de Novembro de 2021, pelas 19h15m, na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., BB conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-QT-.., no sentido freguesia .../freguesia ..., circulando na sua mão, pela hemi-faixa direita da Estrada Municipal ...79, atento o sentido em que seguia, tendo sido surpreendido por um animal bovino, que se encontrava nessa hemi-faixa e que veio a embater contra a parte frontal daquele veículo.
_ O animal, propriedade do réu e à sua guarda, deambulava pela rodovia, sozinho e desgovernado, sem qualquer sinalética luminosa que os utilizadores da via pudessem perceber a sua presença na faixa de rodagem, principalmente durante a noite.
_ Impunha-se ao réu um dever de cuidado, mantendo os animais cercados e não os deixando circular livremente ou, pelo menos, mantendo-os devidamente sinalizados, cuidados que não observou, como podia e devia, tendo-se limitado a libertar os animais na via pública, deixando-os à sua sorte, com a consciência de que, com o seu comportamento, corria um risco sério de puder causar danos a terceiros, como veio a suceder. Considera que o sinistro é exclusivamente imputável ao réu que violou os deveres de cuidado que lhe eram exigíveis, incorrendo em responsabilidade civil.
_ Em consequência do embate, resultaram danos no veículo seguro. O sinistro foi regularizado pela autora, nos termos da cláusula 38.ª, alínea c), das Condições Gerais da Apólice, tendo por base a perda total do veículo, indemnizando o segurado na quantia de €7.573,00 (valor seguro: €10.533,00; valor do salvado: €2.960,00). Facultou ao Segurado um veículo de substituição durante o período de privação do veículo (9 dias), suportando um custo de €373.06.
_ Com o aludido pagamento, a autora encontra-se sub-rogada contratualmente nos direitos do seu segurado, nos termos do artigo 50.º das Condições Gerais da Apólice e do n.º 1 do artigo 136.º do DL 72/2008, de 16 de Abril. Actuando na posição jurídica do lesado e podendo este demandar o réu, a autora também o pode demandar.
I.1_ Para citação do réu foi expedida, em 6 de Março de 2023, uma carta registada com aviso de recepção, dirigida à Rua ..., freguesia ... – ....
I.2_ Em 6/3/2023, foi junto aos autos o aviso de recepção, constando do mesmo que foi assinado “[p]or pessoa a quem foi entregue a carta e que se comprometeu após a devida advertência, a entregá-la, prontamente, ao destinatário”. No local destinado à data e assinatura, consta “CC” e “23/03/07”.
I.3_ Em 8/3/2023, foi enviada nova carta, ao réu, dirigida à Rua ..., freguesia ... – ..., e de cujo teor consta, entre o mais, que:
Nos termos do disposto no art.º 233.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª notificado de que se considera citado na pessoa e na data da assinatura do aviso de recepção de que se junta cópia, conforme recebeu a citação e duplicados legais.
O [p]razo para contestar é de 30 [d]ias.
Àquele prazo acresce uma dilação de (…) 5 dias por a citação não ter sido efectuada na pessoa de V. Exa.
A falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo (s) Autor(es).
O prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais.
Terminando em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.(…)”.
I.4_ Não foi apresentada contestação no prazo legal.
I.5_ Em 22/5/2023, foi proferido despacho, convidando a Autora a, no prazo de 10 dias, complementar a sua petição inicial, com a limitação decorrente das disposições conjugadas dos artigos 590.º, n.º 5 e 265.º, do novo Código de Processo Civil.
I.6_ Na sequência do convite, a autora, em 2/6/2023, apresentou nova petição.
I.7_ Em 5/6/2023, foi expedida nova carta, dirigida ao réu, com vista à sua notificação da petição corrigida, nada tendo sido dito pelo mesmo.
I.8_ Em 7/7/2023, foi proferido o seguinte despacho:
“Ao abrigo do preceituado no artigo 567.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, consideram-se confessados os factos alegados pela Autora na petição inicial sobre os quais pode recair confissão.
Assim, notifique o Ilustre Mandatário da Autora para, querendo, apresentar as suas alegações por escrito, nos termos do disposto no artigo 567.º n.º 2 do Código de Processo Civil.”
I.9_ Notificada desse despacho, a autora apresentou, em 17/7/2023, alegações, pugnando pela condenação do réu no “pagamento à Autora da quantia de € 7.160,09, acrescida dos juros legais de mora que se vencerem desde a citação, até efectivo e integral pagamento, bem como nas custas judiciais e demais encargos com o processo.”.
I.10_ Em 12/10/2023, foi proferida sentença, constando do seu dispositivo:
« Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a presente acção parcialmente procedente, e em consequência, decide-se:
a) Condenar o Réu AA a pagar à Autora A... – Companhia de Seguros de Ramos Reais, SA., a quantia de 7.946,06€ (sete mil novecentos e quarenta e seis euros e seis cêntimos), acrescida dos juros vencidos e vincendos desde a citação, até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa legal de 4%.
I.11_ Por carta [com o registo RE ...59PT e a referência 93240694] expedida em 13/10/2023, foi o réu, notificado da sentença.
I.12_ Por requerimento apresentado em 26/10/2023, o réu arguiu a “nulidade por falta de citação”, pedindo que seja declarada a nulidade com fundamento na falta de citação e, consequentemente, a nulidade de todo o processado subsequente à petição inicial, com as legais consequências.
Para o efeito, alegou, em síntese, que:
_ O réu é produtor e vendedor de fumeiros, passando a grande maioria dos dias do ano deslocado da sua residência, em Portugal e no estrangeiro, em venda ambulante, em feiras e festas.
_ Na pretérita terça-feira, dia 24 de Outubro, numa das curtas deslocações à sua residência – onde vive com os pais -, foi surpreendido com a notificação da sentença proferida nos presentes autos, pousada em cima de um móvel e que aí havia sido deixada pela sua irmã, CC, que a recebera bastantes dias antes.
_ Contactou o seu Mandatário que, no dia 25 de Outubro de 2023, consultou os presentes autos e logo concluiu que a citação havia sido feita, a 07/03/2023, na pessoa da irmã do réu, CC, e a notificação subsequente, remetida nos termos do artigo 233º do CPC, também havia sido por esta recebida, a 09/03/2023, períodos em que o réu se encontrava ausente da sua residência, pois que se havia deslocado para uma feira realizada em ..., em França.
_ Quer da citação, quer da notificação subsequente, não foi dado conhecimento ao réu, pela sua irmã.
_ Só no dia 24 de Outubro de 2023, tomou o réu conhecimento da existência dos presentes autos, razão pela qual não contestou a presente acção.
_ A causa de pedir desta acção assenta, essencialmente, nos factos em discussão nos autos a correr termos no mesmo tribunal, sob o processo nº 167/22.7T8BAO, factos impugnados, na sua maioria, pelo ora réu.
Concluiu o réu que se verifica a nulidade por falta de citação, no termos da alínea e) do nº 1 do artigo 188º do CPC, o que, de acordo com o disposto no artigo 187º, al. a), do mesmo diploma, determina a anulação de todo o processado subsequente à petição inicial.
Indicou prova testemunhal e juntou documentos.
I.13_ Notificada, a autora pronunciou-se sobre a nulidade por falta de citação, arguida pelo réu, pugnando que o incidente de nulidade seja julgado improcedente ou de acordo com a prova que vier a produzir-se.
Alegou, em síntese, que:
_ O réu invocou que só agora constatou que a citação havia sido feita, a 07/03/2023, na pessoa da sua irmã, CC, e que a notificação subsequente, remetida nos termos do artigo 233º do CPC, foi igualmente por esta recebida a 09/03/2023. Porém, o réu foi notificado da junção do requerimento, por parte da autora, em 6 de Junho de 2023, recebida, igualmente, por CC.
_ O réu invocou, ainda, que a citação e a notificação subsequente foram recebidas num período em que se encontrava ausente da sua residência, pois que se havia deslocado para uma feira realizada em ..., França, ou seja, durante o período de 7 de Março a 6 de Junho, devendo proceder à junção de comprovativo da sua estadia, nesse país, no referido período.
I.14_ Em 13/11/2023, foi proferido o seguinte despacho:
«Em 12.10.2023 foi proferida sentença nos presentes autos, que se mostra notificada ao Réu.
Mostra-se esgotado o poder jurisdicional do Juiz – cf. artigo 613.º do Código de Processo Civil – pelo que não cumpre apreciar a questão suscitada.
Notifique.»
I.15_ Na mesma data, ou seja, 13/11/2023, o réu apresentou novo requerimento no qual alegou que “apenas tomou conhecimento do envio da notificação datada de 5 de Junho, na sequência da leitura do requerimento da A. que antecede o presente e após consulta informática do processo – apenas tinha atentado na citação e notificação subsequente remetida nos termos do artigo 233º do CPC.”.
Sustentou, então, o réu que “[t]al como a citação e a notificação que lhe sucedeu, a referida notificação de 5 de Junho não foi [por si] recebida, nem dela lhe foi dado conhecimento”, acrescentando que é “irrelevante a recepção e conhecimento da mesma” porquanto, a nulidade da citação foi por si invocada na sua primeira intervenção nos autos.
Advogou, ainda, que não alegou ter estado na feira realizada em ..., em França, até ao dia 6 de Junho, mas “que para aí se deslocou e se encontrava durante o período em que foi recebida, pela sua irmã, a citação e notificação subsequente, remetida nos termos do artigo 233º do CPC”.
I.16_ No dia 4/12/2023, o réu interpôs recurso do despacho proferido em 13/11/2023 que foi julgado procedente por Acórdão proferido em 19/2/2024, por esta Relação e revogado o despacho recorrido, determinando-se a sua substituição por outro que conheça da arguida falta/nulidade da citação do réu.
I.17_ Por despacho de 17/4/2024, foi admitido o “incidente de falta/nulidade da citação do Réu AA”.
Produzida a prova, foi proferida decisão, tendo o Tribunal a quo julgado “improcede[nte] a alegada nulidade de falta de citação, que não se julga verificada, pelo que não cumpre proceder a anulação do processado.
Valor do Incidente: o da acção (não se vislumbrando que o valor do incidente seja diverso da causa) – cf. artigo 304.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
I.17_ Inconformado com essa decisão, o réu interpôs recurso da mesma, por requerimento apresentado em 20/9/2024, formulando as seguintes conclusões:
“A) Vem o presente recurso interposto da decisão que conheceu da nulidade arguida pelo Recorrente, por falta de citação, decorrente do não conhecimento do acto, por facto que não lhe é imputável;
B) O Tribunal a quo entendeu não julgar verificada a nulidade arguida porquanto, apesar de a citação ter sido recebida por terceira pessoa, considera que o Recorrente não logrou demonstrar que a carta de citação não lhe foi entregue e que, em qualquer caso, este não logrou demonstrar que o desconhecimento do acto de citação não lhe seria imputável;
C) O Recorrente não se conforma com a decisão, entendendo que mal andou o Tribunal a quo na decisão, porquanto:
D) O acto de citação constitui o principal garante da salvaguarda do direito ao contraditório, do direito de defesa e da efectiva tutela jurisdicional, princípios basilares do processo civil;
E) Com efeito, a citação só se pode ter por concretizada e válida se o citando teve oportuno conhecimento do acto ou, se não teve, se foi colocado, oportunamente, na posição de livremente dela conhecer;
F) Havendo presunção legal da recepção da carta de citação pelo citando, quando recebida por terceiro, começa o Tribunal a quo por sustentar que o Recorrente não a conseguiu ilidir, por não ter feito prova bastante do contrário, e, por conseguinte, não se pode concluir pelo desconhecimento oportuno da citação;
G) Entende o Tribunal a quo que, para ilidir a presunção, se exigia ao Recorrente que tivesse feito prova em contrário, para além de qualquer dúvida, quanto ao facto presumido, não sendo bastante a contraprova do mesmo;
H) É, porém, diverso o entendimento do Recorrente, tanto no que se refere à prova exigida para afastar a presunção, como quanto à prova feita;
I) Conforme, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 23-11-2021, proferido no âmbito do Proc. nº. 269/08.2TBPBL-C.C1, disponível in www.dgsi.pt, “Como alertam P. Lima e A. Varela (C.C. Anotado, vol. I, 3ª edição, página 310), “as presunções são meios de prova por sua natureza falíveis, precários, cuja força persuasiva pode, por isso mesmo, ser afastada por simples contra prova.”;
J) “Poderia entender-se que a “demonstração em contrário” seria a prova (segura) de que a carta não foi entregue.”;
K) “Porém, esta prova, de facto negativo, não pode desconsiderar a natureza da presunção e aquela doutrina de que bastará uma “simples contraprova.”;
L) “Na salvaguarda da citação, para a referida demonstração, bastará abalar seriamente o facto presumido da entrega da carta, colocando o julgador numa dúvida séria de que esta tenha ocorrido.”;
M) O Tribunal a quo dá como provado – cfr. factos 13) a 16) – que o Recorrente só teve conhecimento da citação e da notificação que se lhe seguiu, enviada nos termos do artigo 233º do CPC, após a decisão de mérito e que o terceiro que recebeu as cartas de citação e da notificação não as abriu e não deu conhecimento do respectivo teor àquele;
N) Acrescendo que o Recorrente, cuja credibilidade é afirmada e sublinhada pelo Tribunal a quo, e a pessoa a quem foi entregue a carta de citação afirmaram que a referida carta não foi entregue àquele;
O) Não sendo aqueles factos dados como assentes absolutamente incompatíveis com uma hipotética entrega da carta de citação ao Recorrente, a afirmação dos mesmos e a produção da prova que os levou a firmar, conjugada com as declarações do Recorrente e o depoimento da receptora da carta, não pode deixar de ser suficiente para demonstrar o facto negativo simétrico, ou seja, a não entrega da carta;
P) Sendo que, se assim não for entendido, quando muito, sempre seria suficiente para colocar o julgador numa dúvida séria quanto à concretização dessa entrega, posição em que ficou o Tribunal a quo;
Q) Cuidando-se da prova de um facto negativo, a apreciação da mesma, devido às maiores dificuldades que lhe estão inerentes, deve ser feita considerando o princípio da proporcionalidade, implicando uma menor exigência probatória por parte do julgador;
R) Não podendo ser exigível ao Recorrente outra prova, quando a lei pretende assegurar um efectivo conhecimento do citando, que o Tribunal a quo, in casu, até dá, como se disse, como assente não ter ocorrido.
S) Mesmo que subsistissem dúvidas sobre se a carta de citação foi ou não entregue ao Recorrente, ainda que apenas considerando que é dado como provado que este não teve conhecimento da citação antes da decisão final de mérito e que a pessoa que recebeu a carta não a abriu e não lhe deu conhecimento do respectivo teor, seria claramente ofensivo da certeza e segurança jurídicas que se impõem quanto à prática e validade de um acto – a citação – que é o garante do direito ao contraditório, do direito à defesa e de uma efectiva tutela jurisdicional – princípios basilares do processo civil – que não concluísse pelo elisão da presunção de entrega da carta de citação;
T) Pelo exposto, tem a presunção de entrega da carta ao Recorrente de se ter por ilidida;
U) Posto isto, admitindo o desconhecimento do acto de citação pelo Recorrente, até data posterior à decisão de mérito, entendeu, ainda, assim, o Tribunal a quo que esse desconhecimento lhe é imputável – apontando razões que julga permitirem tal conclusão – afirmando, a final, que este não provou o contrário;
V) Contudo, mesmo que o circunstancialismo em que assenta a sua conclusão fosse integralmente verdadeiro – e não é –, não é apto a concluir-se que o desconhecimento da citação decorre de facto imputável ao Recorrente;
W) Salvo melhor entendimento, a imputação da responsabilidade do desconhecimento só pode afirmar-se, tendo a carta de citação sido recebida por terceiro, se: após o recebimento pelo terceiro, o citando se coloca em posição de não lhe ser dado conhecimento do acto, de lhe ser entregue a carta de citação ou dado conhecimento dela, ou; antecipadamente, de forma expressa e inequívoca, conferiu poderes a esse terceiro para receber quaisquer citações ou tiver dado ordens expressas aos serviços postais para que a sua correspondência, sem excepção ou esta especificamente, seja entregue ao terceiro que vem a receber a citação;
X) O distribuidor do serviço postal entregou a correspondência à irmã do Recorrente por sua livre decisão – e, admite-se, mas não se sabe, por esta ter declarado encontrar-se em condições de a entregar prontamente àquele – quando aquele podia ter optado por depositar o aviso de recepção no receptáculo postal da residência do Recorrente;
Y) O Recorrente não praticou ou omitiu qualquer acto que tenha contribuído para que a entrega da carta tenha ocorrido nestes termos, sendo irrelevante que a sua irmã, que normalmente recebe a correspondência, quanto a outra correspondência – por acaso, até de menor importância – não a tenha entregue ou se tenha atrasado na entrega;
Z) Não tendo a carta de citação sido entregue ao citando por um terceiro, que a recebeu, mas que não foi especificamente indicado ao remetente ou aos serviços postais para o efeito, nem tinha poderes especiais para a receber e que dessa recepção e do conteúdo da carta não lhe deu conhecimento, forçoso é concluir que o desconhecimento da citação não lhe é imputável;
AA) Por todo o exposto, não tendo, ademais, o Recorrente tido conhecimento oportuno da citação, por facto que não lhe é imputável, não podia o Tribunal a quo ter deixado de julgar verificada a nulidade arguida;
BB) Sem prescindir de tudo o acima exposto, sempre se deixa dito que, salvo o devido respeito e melhor opinião, ainda que se entendesse, como entendeu o Tribunal a quo, que o Recorrente não ilidiu a presunção de entrega da carta de citação e que, em qualquer caso, o desconhecimento do acto lhe é imputável, impunha-se-lhe, em ordem à decisão final proferida, que tivesse dado como provado e levado à matéria de facto assente a entrega da referida carta e o facto ou factos donde concluiu que esse desconhecimento lhe é imputável;
CC) Consequentemente, para além do que substantivamente se alegou, atenta a factualidade dada como provada, sempre se impõe decisão diversa da recorrida, julgando-se por verificada a nulidade da falta de citação e anulando-se todo o processado subsequente à petição inicial.”
I.18_ Notificada, a autora/recorrida não apresentou resposta.
I.19_ Por despacho de 2/12/2024, foi admitido o recurso.
I.20_ Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II_ Objecto do recurso
Nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.
Assim, perante as conclusões constantes das alegações do recorrente a única questão que importa apreciar consiste em saber se se verifica a falta de citação com fundamento na alínea e) do nº1 do artigo 188º do Código de Processo Civil (“Há falta de citação (e) [q]uando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.”) e, em caso afirmativo, quais as consequências.
III_ Fundamentação de facto
Pelo Tribunal a quo foi proferida a seguinte decisão de facto (que não se mostra impugnada):
“Com relevância resulta assente que:
1) A Petição Inicial entrou em juízo em 01.03.2023.
2) Em 06.03.2023 foi enviado ofício de citação dirigido ao Réu, constando do mesmo que o prazo para responder era de 30 dias.
3) Mostra-se junto aviso de recepção, com data de 07.03.2023, dirigido ao Réu, assinado por CC, e assinalado o campo “Este AVISO foi assinado (…) por pessoa a que for entregue a carta e que se comprometeu após a devida advertência a entregá-la prontamente ao destinatário”.
4) Em 08.03.2023 foi enviado ofício de onde consta no mais o seguinte “Nos termos do disposto no art.º 233.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª notificado de que se considera citado na pessoa e na data da assinatura do aviso de recepção de que se junta cópia, conforme recebeu a citação e duplicados legais”.
5) O ofício referido em 4) foi recebido por CC em 09.03.2023.
6) Após prolação de convite ao aperfeiçoamento e junta Petição Inicial aperfeiçoada, foi enviado em 05.06.2023 ofício a dar conhecimento ao Réu da nova peça processual.
7) Prolatada Sentença foi enviado ofício de notificação em 13.10.2023.
8) As comunicações referidas em 2), 4), 6) e 7) foram enviadas para a Rua ..., freguesia ... – ....
9) A morada aludida em 8) é onde o Réu reside.
10) As comunicações referidas em 2), 4), 6) e 7) não foram devolvidas a estes autos.
11) O Réu no âmbito da sua actividade profissional de produtor e vendedor de fumeiro, esteve pelo menos no dia 10.03.2023, num stand por si montado, preparado e desmontado, numa feira realizada em ..., em França, nos dias 10, 11 e 12 de Março.
12) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 10.03.2023, o Réu deslocou-se à aludida feira em viatura própria.
13) Pelo menos no dia 24 de Outubro, o Réu encontrou pousado num móvel da sua residência, o ofício mencionado em 7), aí deixado por CC.
14) Ao ler a decisão aludida em 7), o Réu ficou surpreendido com a condenação, e pensando tratar-se de um outro processo, contactou o seu Mandatário, para apurar o motivo da decisão.
15) Após consultados os autos por Mandatário do Réu, e realizadas diligências, o Réu/Requerente tomou conhecimento da tramitação processual mencionada de 1) a 8).
16) CC não abriu os ofícios referidos em 2) e 4), em consequência não deu conhecimento do seu teor ao Réu.
17) CC tem ideia de ter recebido “cartas do Tribunal”.
IV_ Fundamentação de direito
Considerou o Tribunal a quo que tendo sido recebida por terceira pessoa a carta expedida para citação do réu, funciona a presunção legal de recepção da carta de citação pelo citando, ilidida mediante prova do contrário. Não tendo o réu/recorrente demonstrado que a carta não chegou ao seu conhecimento por facto que não lhe é imputável, não se verifica a falta de citação com fundamento na alínea e) do nº1 do artigo 188º do Código de Processo Civil.
Dissente o recorrente/réu da decisão proferida pelo Tribunal a quo por considerar que para ilidir as presunções legais não é necessário a prova em contrário, para além de qualquer dúvida, do facto presumido, sendo bastante a contraprova do mesmo.
Com apoio no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23/11/2021, proferido no Processo nº. 269/08.2TBPBL-C.C1, defende o recorrente «Como alertam P. Lima e A. Varela (C.C. Anotado, vol. I, 3ª edição, página 310), “as presunções são meios de prova por sua natureza falíveis, precários, cuja força persuasiva pode, por isso mesmo, ser afastada por simples contra prova.”. Poderia entender-se que a “demonstração em contrário” seria a prova (segura) de que a carta não foi entregue. Porém, esta prova, de facto negativo, não pode desconsiderar a natureza da presunção e aquela doutrina de que bastará uma “simples contraprova”. Na salvaguarda da citação, para a referida demonstração, bastará abalar seriamente o facto presumido da entrega da carta, colocando o julgador numa dúvida séria de que esta tenha ocorrido.».
Advoga que o Tribunal a quo considerou demonstrado, nos pontos 13) a 16) dos factos provados, que o recorrente só teve conhecimento da citação e da notificação que se lhe seguiu, enviada nos termos do artigo 233º do CPC, após a decisão de mérito e que o terceiro que recebeu a cartas de citação e da notificação não as abriu e não deu conhecimento do respectivo teor àquele. O recorrente, cuja credibilidade é afirmada e sublinhada pelo Tribunal a quo, e a pessoa a quem foi entregue a carta de citação afirmaram que a referida carta não foi entregue àquele.
Conclui que não sendo aqueles factos dados como assentes absolutamente incompatíveis com uma hipotética entrega da carta de citação ao recorrente, a afirmação dos mesmos e a produção da prova que os levou a firmar, conjugada com as declarações do recorrente e o depoimento da receptora da carta, não pode deixar de ser suficiente para demonstrar o facto negativo simétrico, ou seja, a não entrega da carta.
Refere, ainda, que, não sendo esse o entendimento, «sempre seria suficiente para colocar o julgador numa dúvida séria quanto à concretização dessa entrega, posição em que ficou o Tribunal a quo. Cuidando-se da prova de um facto negativo, a apreciação da mesma, devido às maiores dificuldades que lhe estão inerentes, deve ser feita considerando o princípio da proporcionalidade, implicando uma menor exigência probatória por parte do julgador, [n]ão podendo ser exigível ao recorrente outra prova, quando a lei pretende assegurar um efectivo conhecimento do citando, que o Tribunal a quo, in casu, até dá (…) como assente não ter ocorrido».
Acrescenta, ainda, que «[mesmo que subsistissem dúvidas sobre se a carta de citação foi ou não entregue ao recorrente [e sendo considerado provado apenas] que este não teve conhecimento da citação antes da decisão final de mérito e que a pessoa que recebeu a carta não a abriu e não lhe deu conhecimento do respectivo teor, seria claramente ofensivo da certeza e segurança jurídicas que se impõem quanto à prática e validade de um acto – a citação – que é o garante do direito ao contraditório, do direito à defesa e de uma efectiva tutela jurisdicional – princípios basilares do processo civil – que não concluísse pela elisão da presunção de entrega da carta de citação.».
Deve, assim, no seu entender considerar-se ilidida a presunção de entrega da carta ao recorrente.
Não tendo a carta de citação sido entregue ao citando por um terceiro, que a recebeu, mas que não foi especificamente indicado ao remetente ou aos serviços postais para o efeito, nem tinha poderes especiais para a receber e que dessa recepção e do conteúdo da carta não lhe deu conhecimento, forçoso é concluir que o desconhecimento da citação não lhe é imputável.
Cumpre apreciar e decidir.
A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender – cfr. artigo 219º, nº 1, do Código de Processo Civil. Constitui o meio privilegiado para a concretização de um dos princípios basilares do processo civil: o contraditório. No processo de natureza dialética, como é o processo civil, é a citação do réu que determina o início da discussão necessária a iluminar a resolução do conflito de interesses, com vista à justa composição do litígio. É pelo acto de citação que se dá conhecimento ao réu da petição ou do requerimento inicial, proporcionando-lhe a faculdade de deduzir oposição.
Sob a epígrafe “Quando se verifica a falta de citação”, dispõe o artigo 188.º do Código de Processo Civil, na alínea e) do nº1 que: “Há falta de citação: [q]uando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável”.
Sobre as modalidades da citação, dispõe o artigo 225º do Código de Processo Civil:
“1_A citação de pessoas singulares é pessoal ou edital.
2_ A citação pessoal é feita mediante:
a) Envio por via eletrónica;
b) Envio por via postal;
c) Contacto pessoal do agente de execução ou do funcionário judicial com o citando.
3 _ É ainda admitida a citação promovida por mandatário judicial, nos termos dos artigos 237.º e 238.º.
4 _ …
5 - A citação por via postal prevista na alínea b) do n.º 2 considera-se efetuada pela entrega de carta registada com aviso de receção, pelo seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º, ou pela certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.
6 - Nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efetuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do ato, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento.
7 - Pode ainda efetuar-se a citação na pessoa do mandatário constituído pelo citando, com poderes especiais para a receber, mediante procuração passada há menos de quatro anos.
8 -…”.
Dispõe o artigo 228º do Código de Processo Civil que:
“1 - A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé.
2 - A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando. [negrito e sublinhados nossos].
3 - Antes da assinatura do aviso de receção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação.
4 - Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando [negrito nosso].
5 - Não sendo possível a entrega da carta, será deixado aviso ao destinatário, identificando-se o tribunal de onde provém e o processo a que respeita, averbando-se os motivos da impossibilidade de entrega e permanecendo a carta durante oito dias à sua disposição em estabelecimento postal devidamente identificado [negrito nosso].
…”.
Nos termos do nº1 do artigo 230º do Código de Processo Civil, “A citação postal efetuada ao abrigo do artigo 228.º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário”.
Das disposições citadas resulta que recebido na secretaria o aviso de recepção, cumpre averiguar quem recebeu a carta. Se a carta de citação tiver sido entregue ao citando, o procedimento é o assinalado nos nºs 1 a 3 do artigo 230º do CPC, considerando-se a citação efectuada no dia da assinatura daquele aviso - artigo 230º, nº 1, do CPC. Se foi entregue a terceiro (citação quase-pessoal), o procedimento é o enunciado sobre os nºs 3 e 4 do artigo 230º do CPC e passa pela remessa de carta registada nos termos do artigo 233º do CPC. O cumprimento deste preceito não exige o efectivo recebimento da segunda carta registada remitida para a efectiva morada ou local de trabalho do citando, produzindo esta efeitos ainda que venha devolvida[1]. Caso o citando ou o terceiro se recusem a assinar o aviso ou a receber a carta, o procedimento a adoptar é o descrito sob o nº6, seguindo-se a tentativa de citação nos temos do artigo 231º do CPC, se outra modalidade não for mais ajustada.
Em anotação ao artigo 225º do Código de Processo Civil, escrevem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[2], «O nº 4 equipa à citação pessoal a que seja feita em pessoa diversa do réu, com o dever de lhe transmitir o seu conteúdo. Assim acontece nas situações previstas no artigo 228º, nºs 2 a 4 (entrega da carta de citação de pessoa singular ou de representante de pessoa coletiva a qualquer pessoa que se encontre na residência ou local de trabalho do citando) e no artigo 232º, nº 2, alínea b)(citação feita por agente de execução ou funcionário judicial com entrega dos elementos da citação a pessoa diversa do citando). Nessa situações, a secretaria deve remeter posteriormente carta registada de advertência prevista no artigo 233º.
[O momento] em que o citando adquire o conhecimento da citação corresponde àquele em que chega a sua posse a carta registada recebida pelo terceiro com as elementos enunciados no artigo 227º. A partir da entrada deste elementos na posse do citando, é irrelevante que este não tome deles efetivo conhecimento, pois estão já na sua esfera de controlo (cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anot., vol. I, 4ª ed., pág.445). Mas, para que opere a presunção do nº 4 é essencial que o terceiro se encontre na residência ou no local de trabalho do citando (artigo 228º, nº 2); só nessa hipótese é aceitável admitir que, com a necessária probabilidade, o terceiro está em condições de assumir o compromisso de entregar a carta ao citando (RL 11-10-11, 2718/08).».
Sobre a presunção legal constante do nº1 do artigo 230º do Código de Processo Civil, referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[3], «A elisão desta presunção deve ser feita logo na primeira intervenção que o réu tiver nos autos, arrolando os meios de prova suscetíveis de demonstrar que, por facto que não lhe é imputável (artigo 188º, nº 1, al.e)), não teve conhecimento da carta de citação, designadamente por não lhe ter sido entregue pela pessoa que assinou o aviso de receção, ou que teve conhecimento da mesma passados mais de 5 dias sobre aquele em que foi efetuada a entrega (artigo 245º, nº1).».
Refere Paulo Pimenta[4], «a lei prevê e admite que em certos casos a carta seja entregue a “qualquer pessoa” que se encontra na residência ou no local de trabalho do citando e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando, devendo ser advertida expressamente nesse sentido (artigo 228º, nº1, in fine, nºs 2 e 4). A este propósito é de notar que o nº 4 do artigo 225º equipara à citação pessoal a citação feita em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, com a particularidade de a lei presumir que o citando teve oportuno conhecimento da citação.». Na nota 433 (pág. 186), refere Paulo Pimenta que “trata-se de todo o modo de uma presunção relativa, pelo que é admitida prova ao contrário.”.
Ensina, ainda, Paulo Pimenta, «Nos termos do nº 1 do artigo 230º, a citação feita nos termos do artigo 228º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando ainda que o aviso receção tenha sido assinado por terceiro, havendo a presunção de que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário, sem prejuízo de demonstração em contrário.».
De harmonia com o disposto no nº1 do artigo 350º do C. Civil, “Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.”, dispondo no nº2, “As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.”.
Ensinam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[5], «Dentro da categoria geral das presunções, cabe distinguir as presunções legais ou de direito e as presunções naturais, judiciais ou de facto. As primeiras são as que têm assento na própria lei. É a norma legal que, verificado certo facto, dá como provado um outro facto, ficando assim comprometida, de algum modo, a liberdade do julgador.
Se a lei admite prova do contrário, como meio de destruir a presunção, esta diz-se presunção iuris tantum. Se a presunção é irrefutável, por não admitir prova do contrário [chama-se-lhe] presunção iuris et de iure. [As presunções] naturais, judiciais ou de facto são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos.
[A] prova por presunção, exceptuando o caso das presunções iuris et de iure, admite contraprova e, por maioria de razão, prova do contrário (1).».
Na nota 1, pode ler-se «Admitem contraprova as simples presunções naturais ou de facto. [As] presunções legais, [normalmente], apenas cedem perante prova do contrário».
Ensina Luís Filipe Pires de Sousa[6], «Na presunção legal é o legislador que fixa o nexo lógico a aplicar a uma afirmação base. [Na presunção] legal relativa, a lei considera um facto (presumido ou probando) como certo até prova em contrário (artigo 350º, nº2). O juiz tem de considerar determinado facto como verdadeiro, na ausência de suficiente prova em contrário. Compete à parte, para a qual o facto presumido é desfavorável, provar que esse facto não é verdadeiro.».
Sobre o ónus da prova nas presunções legais relativas, escreve Luís Filipe Pires de Sousa, «Na presunção legal, exige-se sempre a prova do facto-base/facto probatório à parte de beneficiada. A presunção facilita a atividade probatória na medida em que a parte que beneficia da presunção pode limitar-se a mostrar um facto probatório cuja prova é claramente mais fácil que o do facto que teria de provar se não existisse a presunção. [Por] sua vez, a contraparte fica investida no ónus da prova do facto contrário ao facto presumido. A inversão do ônus da prova ocorre na precisa medida em que a parte beneficiada pela presunção fica dispensada de provar o facto presumido (tendo sempre de provar o facto-base), incumbindo à contraparte a prova do facto contrário ao facto de presumido.
Nos termos do artigo 350º, nº2, as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário.
Refere Antunes Varela que «Esta prova do contrário, bem como a contraprova, dirige-se contra o facto presumido, visando convencer o juiz de que, não obstante a realidade do facto que serve de base à presunção, o facto presumido não se verificou ou o direito presumido não existe.».
Esta asserção é correta quanto às presunções judiciais em que o facto presumido pode ser elidido por contraprova, ou seja, pela demonstração a partir de outras fontes de prova que a afirmação não deve ser dada como provada.
Já quanto às presunções legais relativas, há que distinguir as situações. Se o facto-base da presunção tiver sido provado por prova bastante, o mesmo pode ser atacado por contraprova. Todavia, se tal facto-base tiver sido provado por prova plena, o mesmo só poderá ser elidido pela prova do contrário. Quanto ao facto presumido, tendo mesmo o grau de eficácia probatória de prova plena, a respectiva negação só pode ser feita pela prova do facto contrário .».
Explica ainda que «A presunção legal relativa está prefigurada anteriormente ao litígio de modo abstracto na lei. A contraparte, da parte que pode ser beneficiada pela presunção, facilmente intuirá que é do seu interesse fazer contraprova sobre todos os factos suscetíveis de constituir o facto-base da presunção legal. Se a contraprova oferecida tiver êxito, o juiz não pode aceitar a afirmação do facto-base e, em consonância, a presunção como atividade intelectual do julgador não chega a produzir-se.
As presunções legais relativas (iuris tantum) constituem prova plena quanto ao facto presumido enquanto não se prove o contrário. Não podem ser infirmadas quanto ao facto presumido por simples contraprova mas por prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto (artigo 347º do CC).» .
O recorrente cita Pires de Lima e Antunes Varela, em apoio da posição por si defendida que o facto presumido pode ser afastado por simples contra prova.
Em anotação ao artigo 350ºdo Código Civil, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela[7], «As previsões legais importam a inversão do ónus da prova (cfr. artigo 344º). São designadas correntemente por presunções tantum iuris as que podem ser ilididas por prova em contrário e por presunções iuris et de iure as que não admitem prova em contrário».
A contraprova não é a prova do contrário pois com ela apenas se cria a dúvida ou incerteza acerca da verdade dos factos.
Ainda em anotação ao artigo 350º do Código Civil, escreve Rita Lynce de Faria [8], «O nº 1 deste preceito acaba por ser de alguma forma redundante relativamente ao que já resultaria do disposto nos artigos 349º e 343º, que inclui as presunções legais nas situações de inversão do ónus da prova. Este artigo limita-se a reiterar o conteúdo dos dois preceitos, confirmando o papel da presunção legal no momento da prova, deixando, todavia, claro, que a presunção não se trata de um meio de prova direta a que sempre se terá de recorrer para demonstrar o facto-base. O que significa – reitera-se igualmente - que através das presunções se facilita a prova ao onerado, que apenas terá de provar o facto base da presunção - mas não fica dispensado da prova de qualquer facto.
O nº2 consagra a regra da ilidibilidade das presunções de legais (presunções tantum iuris), sendo as presunções inilidíveis a exceção (presunções iuris et de iure), apenas quando a lei, claramente, o determine. Já as presunções judiciais, pela sua natureza, são sempre ilidíveis. [Há], todavia, diferença na forma de contrariar a força probatória dos dois tipos de presunção, legal e natural, quando ilidíveis. Enquanto a presunção legal possui, como regra, força probatória plena, sendo necessária a prova do contrário para a afastar, já a presunção judicial deverá ceder, pela própria natureza, perante simples contra prova. Por seu lado, as presunções legais inilidíveis, insuscetíveis de qualquer prova em contrário, têm força probatória pleníssima.».
Assim, estando em causa uma presunção legal, “iuris tantum” – sendo o facto presumido, no caso concreto, que o citando teve oportuno conhecimento da citação -, a parte beneficiada pela presunção fica dispensada de provar o facto presumido, tendo sempre de provar o facto-base o que equivale a provar o facto presumido. Por conseguinte, sempre que haja uma presunção legal a favor da pretensão de alguma das partes em litígio, incumbe a essa parte apenas alegar e provar o facto que serve de base à presunção. À contraparte incumbe a prova do facto contrário ao facto de presumido, ocorrendo a inversão do ónus da prova.
Considerando os princípios expostos, para se concluir pela falta de citação e atento o disposto no artigo 188.º, n.º 1, alínea e), do CPC, mostra-se necessário que o destinatário/citando alegue e demonstre (i) que não teve conhecimento do acto de citação e (ii) que tal sucedeu devido a circunstâncias que não lhe são imputáveis.
Pelo exposto, e como decidido pelo Tribunal a quo, “[a]s presunções legais relativas constituem prova plena quanto ao facto presumido enquanto não se prove o contrário. Não podem ser infirmadas quanto ao facto presumido por simples contraprova, mas por prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto (artigo 347.º do Código Civil).”. Considerando a presunção legal de conhecimento que decorre do nº 4 do artigo 225º do CPC, incumbia ao recorrente alegar e provar (o que não efectuou, conforme se explicitará, de seguida) que, apesar de o acto de citação ter sido efectuado em terceira pessoa, não chegou a ter conhecimento desse acto e que essa ocorrência (o seu não conhecimento) sucedeu por facto que não lhe pode ser imputável – cfr. alínea e) do nº 1 do art.º 188º do CPC -, ilidindo, assim, a presunção legal, em conformidade com o previsto no nº2 do artigo 350º do C.C.
Importa, então, proceder à análise da factualidade considerada na decisão recorrida.
Consta da decisão proferida quanto à matéria de facto que “não resultou demonstrado que a) CC esqueceu-se de entregar os ofícios referidos em 2) e 4) ao Réu, aquando do regresso deste de França” [ Dos factos provados consta que o réu “esteve, pelo menos, no dia 10.03.2023”, numa feira realizada em ..., em França, nos dias 10, 11 e 12 de Março – ponto 11- e, em data não concretamente apurada, mas anterior a 10.03.2023, deslocou-se a essa feira, em viatura própria - ponto 12]. A decisão da matéria de facto não foi impugnada.
Advoga o réu/recorrente que o Tribunal a quo considerou demonstrado, nos pontos 13) a 16) dos factos provados, que só teve conhecimento da citação e da notificação que se lhe seguiu, enviada nos termos do artigo 233º do CPC, após a decisão de mérito e que o terceiro que recebeu as cartas de citação e da notificação não as abriu e não deu conhecimento do respectivo teor àquele. O recorrente, cuja credibilidade é afirmada e sublinhada pelo Tribunal a quo, e a pessoa a quem foi entregue a carta de citação afirmaram que a referida carta não foi entregue àquele.
Conclui que não sendo aqueles factos dados como assentes absolutamente incompatíveis com uma hipotética entrega da carta de citação ao recorrente, a afirmação dos mesmos e a produção da prova que os levou a firmar, conjugada com as declarações do recorrente e o depoimento da receptora da carta, não pode deixar de ser suficiente para demonstrar o facto negativo simétrico, ou seja, a não entrega da carta.
Neste argumento, aduzido pelo recorrente, poder-se-á entender que o mesmo pretende insurgir-se contra a decisão proferida quanto à matéria de facto pois, convoca os meios de prova – as suas declarações e o depoimento prestado por CC, sua irmã. – para concluir que da leitura conjugada dos factos vertidos nos pontos 13 a 16 e daquela prova, não poderá deixar de se considerar demonstrado o facto “a carta [enviada para citação]” não foi entregue” ao réu, pela pessoa que a recebeu, CC.
Ainda que assim se entenda, dispõe o artigo 640º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a. Os concretos pontos de factos que considera incorretamente julgados;
b. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Nos termos do n.º 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil,, do Código de Processo Civil, ”No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”[9].
Percorrendo a peça recursiva, apresentada pelo recorrente, facilmente se constata que não se mostram cumpridos os referidos pressupostos de índole formal. Poder-se-á entender que o pressuposto referido na alínea a) do nº1 do artigo 640º do CPC se encontra cumprido, ainda que de forma imperfeita. No entanto, o mesmo não sucede com os pressupostos referidos nas alíneas b) e c) do nº1 e no nº2 do artigo 640º do CPC. Assim, a entender-se que o recorrente pretendeu impugnar a decisão da matéria de facto, sempre teria de ser rejeitada.
Pelo Tribunal a quo foi considerado provado que em 06.03.2023, foi enviada para a morada onde o réu reside, a carta registada com aviso de recepção, para sua citação [pontos 2, 8, 9 e 10]. Esta carta não foi devolvida e o aviso de recepção, com data de 07.03.2023, mostra-se assinado por CC, encontrando-se assinalado o campo “Este AVISO foi assinado (…) por pessoa a que for entregue a carta e que se comprometeu após a devida advertência a entregá-la prontamente ao destinatário” [ponto 3].
Em 08.03.2023, foi enviada carta para a morada onde reside o réu, nos termos do art.º 233.º do Código de Processo Civil [ponto 4] que foi recebida por CC em 09.03.2023 [pontos 5, 8, 9 e 10]. Esta carta também não foi devolvida.
Da factualidade demonstrada não resulta a inobservância das formalidades do acto de citação em pessoa diversa do citando. Importa salientar que, nos presentes autos, não está em causa a “citação na pessoa do mandatário constituído pelo citando, com poderes especiais para a receber, mediante procuração passada há menos de quatro anos”, prevista no nº 5 do artigo 225º do CPC, mas a citação quase-pessoal prevista no segundo segmento do nº 2 do artigo 228º do CPC, nos termos do qual a “carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, (…) a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando” [sublinhado nosso].
Assim, e salvo o devido respeito, são inócuos os argumentos aduzidos na conclusão z) pois, para a citação em pessoa diversa do citando, nos termos do artigo 228º, nº2, do CPC, exige-se, apenas, que (i) o terceiro que recebe a carta se encontre na residência ou no local de trabalho do citando e (ii) declare encontrar-se em condições de entregar, prontamente, ao citando, a carta recebida [no requerimento apresentado em 26/10/2023, o recorrente não alegou que a sua irmã não se encontrava na sua casa quando recebeu a carta].
Assinado o aviso de recepção, por CC que assumiu o compromisso de entregar, prontamente, ao citando a carta por si recebida, opera a presunção, ou seja, que o citando teve oportuno conhecimento do acto da citação e, assim sendo, que o acto de citação ficou na sua esfera de controlo, no período da dilação de cinco dias.
Sendo esta a factualidade provada, concorda-se com o decidido pelo Tribunal a quo: o réu/recorrente “não logrou demonstrar que a carta destinada à citação não lhe foi oportunamente entregue pela terceira pessoa que a recepcionou.
Argumenta o Recorrente que pelo Tribunal a quo foi considerado que “o desconhecimento do acto lhe é imputável” e, assim sendo, “impunha-se-lhe, em ordem à decisão final proferida, que tivesse dado como provado e levado à matéria de facto assente a entrega da referida carta e o facto ou factos donde concluiu que esse desconhecimento lhe é imputável”.
Conforme já foi referido, provado o facto-base equivale a provar o facto presumido, pelo que a parte beneficiária da presunção não tem que provar que o recorrente tomou conhecimento do acto da citação, nem se mostra necessário integrar, nos factos assentes, que a carta de citação foi-lhe entregue.
Em segundo lugar, pelo Tribunal a quo não foi decidido que o “desconhecimento é imputável ao réu”, mas que este “não logrou demonstrar que a carta destinada à citação não lhe foi oportunamente entregue pela terceira pessoa que a recepcionou e que, por isso, não teve conhecimento do acto de citação por motivo que não lhe é imputável”. Em terceiro lugar, estando a parte beneficiada pela presunção, dispensada de provar o facto presumido – o citando teve oportuno conhecimento do acto da citação -, não se mostra necessário fazer constar da factualidade assente factos dos quais se extraia que o desconhecimento do acto de citação é imputável ao réu pois, como ensinam José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., p. 445), «O momento em que o citando adquire o conhecimento da citação corresponde àquele em que chega à sua posse a carta registada recebida pelo terceiro com os elementos enunciados no artigo 227.º do Código de Processo Civil. A partir da entrada destes elementos na posse do citando, é irrelevante que este não tome deles efectivo conhecimento, pois estão já na sua esfera de controlo».
Considerando o disposto na al. e) do nº 1 do artigo 188º do CPC e o ónus de prova do facto contrário que recai sobre o réu, o que importa carrear para a decisão de facto é a factualidade assente, caso seja alegada e demonstrada, que corporize que este não chegou a ter conhecimento do acto de citação praticado e que essa ocorrência (o seu não conhecimento) surgiu por facto que não lhe pode ser imputável.
Em reforço da posição por si defendida, argumenta o recorrente que a citação é o garante do direito ao contraditório, do direito à defesa e de uma efectiva tutela jurisdicional, princípios basilares do processo civil, pelo que estando provado apenas que “não teve conhecimento da citação antes da decisão final de mérito e que a pessoa que recebeu a carta não a abriu e não lhe deu conhecimento do respectivo teor”, é “claramente ofensivo da certeza e segurança jurídicas que se impõem quanto à prática e validade [desse] acto», caso não se conclua pela elisão da presunção de entrega da carta de citação.
Conforme já foi explicitado, para ilidir a presunção, não basta, ao citando, provar o não conhecimento do acto de citação. Em segundo lugar, por forma a assegurar a tutela do direito de defesa, é concedido ao citando, não só a possibilidade de provar que a citação chegou ao seu conhecimento efectivo depois de passados cinco dias sobre aquele em que foi efectuada (arts. 225º, nº4, e 245º, nº, 1, al. a), do CPC) mas também de provar que dela não chegou a ter conhecimento antes do termo do prazo da defesa, por facto que não lhe seja imputável.
Como o próprio recorrente admite, os factos ínsitos nos pontos 13) a 16) não são absolutamente incompatíveis com uma hipotética entrega da carta de citação ao recorrente.
Consta do ponto 13, “Pelo menos no dia 24 de Outubro, o Réu encontrou pousada num móvel da sua residência a carta mencionada em 7), aí deixada por CC.” e do ponto 14, “Ao ler a decisão aludida em 7) [sentença], o Réu ficou surpreendido com a condenação, e pensando tratar-se de um outro processo, contactou o seu Mandatário, para apurar o motivo da decisão.” . No ponto 15, foi considerado demonstrado que “Após consultados os autos pelo Mandatário do Réu, e realizadas diligências, o Réu/Requerente tomou conhecimento da tramitação processual mencionada de 1) a 8).”.
Por último, consta do ponto 16 que “CC não abriu [as cartas enviadas pelo Tribunal para citação do réu e para cumprimento da formalidade imposta pelo artigo 233º do CPC], referid[as] em 2) e 4), e em consequência não deu conhecimento do seu teor ao Réu.”.
É inócuo o facto constante do ponto 16 da matéria de facto provada porquanto, o terceiro que recebe a carta assume a obrigação de entregá-la ao citando/dar-lhe conhecimento do recebimento da carta. Não fica obrigado a abrir a carta, ler o seu conteúdo e transmiti-lo ao citando.
É igualmente inócuo o facto constante do ponto 13 da matéria de facto provada – referente à carta expedida para notificação da sentença - porquanto, desse facto não se pode extrair que CC não lhe entregou a carta para citação/não lhe deu conhecimento da carta para citação, logo que a recebeu.
A circunstância de o réu ter ficado surpreendido com a condenação resultante da sentença proferida nos autos (factos ínsitos no ponto 14 da matéria de facto provada) e de ter conhecimento da tramitação processual descrita nos pontos 1 a 8 dos factos provados só após a consulta destes autos pelo seu Ilustre Mandatário, não permite concluir que não chegou a ter conhecimento do acto de citação praticado em momento prévio ao termo do prazo que dispunha para apresentar contestação e que essa ocorrência (o seu não conhecimento) sucedeu por facto que não lhe pode ser imputável [cfr. ponto a) dos factos não provados].
Pelo exposto, e salvo o devido respeito por entendimento diverso, a elisão do facto presumido deve ser feita mediante prova do facto contrário, ou seja, mediante demonstração que, por facto que não lhe é imputável, não teve conhecimento da carta de citação, designadamente por não lhe ter sido entregue pela pessoa que assinou o aviso de recepção ou que esta só lhe deu conhecimento da carta passado mais de cinco dias sobre a data em que foi assinado o aviso de recepção (cfr. artigo 245º, nº1, al. a), do CPC). Pelo réu/recorrente não foi cumprido o ónus que sobre si recai: demonstrar que por facto que não lhe é imputável, a carta não chegou ao seu conhecimento.
Em síntese, provado que a carta de citação, remetida para a residência do réu, foi recebida por CC que declarou estar em condições de prontamente entregar a carta ao destinatário e foi advertida do necessário cumprimento desse dever, presume-se que essa carta foi oportunamente entregue ao citando. Estando em causa uma presunção legal relativa, na ausência de suficiente prova em contrário, o facto presumido- ou seja, o conhecimento oportuno do acto de citação - tem de ser considerado verdadeiro.
Pelo exposto, não se verifica a nulidade da citação com fundamento na falta de citação, nos termos previstos pela alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Civil.
Improcede, assim, o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Atento o disposto no art. 527º, n.º 1, do CPC, as custas do recurso são integralmente da responsabilidade do recorrente, face à improcedência total do mesmo.
Pelos fundamentos acima expostos, julga-se o presente recurso improcedente e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente (artº 527, nº1 e 2, do C.P.C.).
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Anabela Morais
Manuel Domingos Fernandes
Mendes Coelho
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[1] Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, 3ª ed., Almedina, 2022, pág. 292.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, 3ª ed., Almedina, 2022, págs. 286.
[3] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, 3ª ed., Almedina, 2022, págs. 291 e 292.
[4] Paulo Pimenta, em Processo Civil Declarativo, 3ªedição, Almedina, 2024, página 185.
[5] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada Coimbra Editora, 1985, págs. 502 e 503..
[6] Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material, Direito Probatório Material - Comentado, 3ª edição, Almedina, 2023, págs. 87 a 91.
[7] Pires de Lima e Antunes Varela,, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição – revista e actualizada, Coimbra Editora, 1987, págs. 313 e 314.
[8] Rita Lynce de Faria, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Obra colectiva, 2ª edição – revista e actualizada, UCP Editora, 2014, pág. 1014.
[9] Sobre a questão, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed. actualizada, Almedina, 2022, págs. 197 e 198; Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, publicado no DR 220, 1ª série, de 14 de Novembro de 2023): «Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa».
Pode ler-se, na fundamentação - que permitimo-nos respeitosamente transcrever - do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência citado:
«Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.
Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso, conforme o n.º 1, alínea c) do artigo 640[…].
5 — Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.».