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ALTERAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA
OBJETO DO RECURSO
Sumário
I - A alteração da decisão (sua revogação ou modificação) depende da (concludência) impugnação da(s) causa(s) ou razão(ões) que a justificam e em que a mesma fundamenta a sua injunção decisória. II - Impugnando-se a decisão quanto a fundamento que não presidiu à (não justificou a) sua prolação (ou seja, não abrangendo o objecto do recurso os fundamentos ou razões que determinaram o sentido da decisão), não poderá obter-se a alteração da decisão recorrida, por o fundamento em que a mesma se baseia não ser atacado - a impugnação não interferirá, de modo algum, na solução da causa, pois que o objecto do recurso se circunscreverá a discutir fundamento alheio à decisão recorrida e que é indiferente à solução da causa.
Texto Integral
Apelação nº 2436/21.4T8VNG-C.P1
Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Raquel Lima
Alberto Taveira
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
RELATÓRIO
Apelante: AA.
Insolvente: A..., Ld.ª.
Juízo de comércio de Santo Tirso (lugar de provimento de Juiz 3) – T. J. da Comarca do Porto.
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Decretada a insolvência da sociedade A..., Ld.ª., processou-se, por apenso, o incidente de qualificação da insolvência no âmbito do qual o credor B..., Ld.ª, propôs a sua qualificação como culposa, com afectação de BB, CC e AA, o que também propôs o administrador da insolvência e conclui o Ministério Público no seu parecer.
Observada a tramitação legal (tendo deduzido oposição a requerida AA) e realizado o julgamento, foi proferida sentença que, com fundamento no disposto nos artigos 186º, nºs 1, 2, alíneas a), d), f), g), h), e i) e º 3, alínea a), 188º e 189º do CIRE, qualificou como culposa a insolvência de A..., Ld.ª e identificou como afectados todos os requeridos, e no que interessa à economia da presente apelação, também a requerida AA, decretando a sua inibição para administrar património de terceiros, para o exercício do comércio e bem assim para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses, condenando-a ainda a indemnizar os credores da devedora insolvente, no montante de 112.500,00€ (cento e doze mil e quinhentos euros), até às forças do seu património.
Inconformada com a sentença, apela a requerida afectada, terminando as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões:
1) A Recorrente renunciou à gerência da insolvente em 14/03/2017.
2) Desde essa data, não mais praticou qualquer acto de gestão de facto ou de direito na aqui insolvente.
3) Não houve nenhum depoimento ou facto que prove que a Recorrente praticou actos de gestão na Insolvente a partir de 14/03/2017.
4) O incumprimento da insolvente perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social, são em datas posteriores à renuncia da gerência por parte da Recorrente.
5) É falso que a Recorrente tenha sido declarada insolvente.
6) A Recorrente aprovou um incidente do plano de pagamento, que foi aprovado em 07/08/2023 no 3º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, desta comarca.
7) Salvo o devido respeito, entende a Recorrente a existência de um erro de julgamento por errónea análise/ ponderação da factualidade não provada.
8) A douta sentença recorrida viola o disposto nos artigos 615º nº 1, al. b) e c) do C.P.Civil.
Contra-alegou o credor que deu inicial impulso ao incidente em defesa da decisão recorrida e pela improcedência da apelação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Delimitação do objecto do recurso – questões a apreciar.
As questões suscitadas pela apelante (atendendo às conclusões formuladas na apelação – por estas se delimita o objecto do recurso, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 608º, nº 2, 5º, nº 3, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), podem sintetizar-se nos seguintes termos:
- a nulidade da decisão, à luz das alíneas b) e c) do nº 1 do art. 615º do CPC,
- a censura dirigida à decisão sobre a matéria de facto,
- a não verificação dos pressupostos para que apelante seja incluída no âmbito subjectivo da insolvência culposa - isto é, para que possa ser afectada pela qualificação (por não demonstrado que, após recusa à gerência, tenha praticado qualquer acto de gestão).
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto
Na sentença recorrida consideraram-se, com pertinência e interesse para a causa:
Factos provados
1. A insolvente ‘“A..., Ld.ª, é uma sociedade comercial cujo objecto social se identifica com prestação de serviços de transitário e logística, com sede na Rua ..., ..., ... Matosinhos, com um capital social de 500.000,00€, composto por duas quotas, a saber, uma no valor de 375.000,00€ pertencente a CC e outra de 175.000,00€ pertencente a CC, sendo seu gerente CC, desde deliberação datada de 30.11.2020 registada em 18.12.2020, conforme inscrição no competente registo através da Ap..., tudo como flui do teor da certidão permanente junta aos autos principais a fls. 34 a 42 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. Na estrutura societária da insolvente ocorreram diversas alterações, ao longo do tempo, sendo que inicialmente o capital social era de 50.000,00€, e seus quotistas BB (quota de 27.500,00€), AA (quota de 7.500,00€), DD (quota de 7.500,00€) e EE (quota de 7.500,00€), exercendo funções de gerência BB, AA e FF.
3. AA, consta como tendo cessado funções de gerência por renúncia datada de 9.09.2010, conforme Ap... inscrita na competente Certidão do Registo Comercial, sendo que em 22 de Fevereiro de 2017 é deliberada (novamente) a nomeação como gerente, sendo registada a cessação de tal gerência em Julho de 2019, fazendo reportar a renúncia a tais funções a deliberação de 14.03.2017 (já dada por integralmente reproduzida no facto 1).
4. FF, consta como tendo cessado funções de gerência por renúncia dada conhecimento à sociedade em 26.06.2014, conforme Ap... inscrita na competente Certidão do Registo Comercial.
5. BB consta como tendo cessado funções de gerência, na sociedade insolvente, por renúncia datada de 30.11.2020, conforme AP... inscrita na competente Certidão do Registo Comercial.
6. Aos 02/03/2017 consta registado aumento de capital, alterações ao contrato de sociedade e designação de membros de órgãos sociais da ora insolvente, ali tendo sido exarado o montante do aumento de 450 000,00€, através de novas entradas em numerário subscritas por ambas as sócias, em reforço proporcional do valor nominal das suas quotas, passando a titular/sócia BB a deter quota de 375.000,00€, e a sócia AA a deter quota de 125.000,00€, sendo gerentes (nominais) AA e FF, conforme inscrição no competente registo, através da AP....
7. Foi registada em Julho de 2019 a cessação de funções de gerência por parte dos referidos AA e FF, ali constando renúncia datada de 14 de março de 2017, conforme AP. ... inscrita na competente Certidão do Registo Comercial atinente à sociedade insolvente.
8. O credor B..., Ld.ª, devidamente identificado nos autos, deu entrada de pedido de declaração da insolvência de A..., Ld.ª aos 31/03/2021,tendo a sentença declaratória da insolvência da sociedade requerida sido proferida por sentença datada de 02.11.2021, pelas 10h10m, sentença que viria a transitar em julgado.
9. A insolvente evidenciou uma quebra acentuada de vendas de 2018 para 2020, tendo sido evidenciadas vendas até Março de 2021.
10. No exercício de 2020, a sociedade devedora passa a apresentar resultados negativos, sendo que a contabilidade encontra-se organizada, aquando da elaboração do relatório a que alude o art.º 155.º do CIRE, até 31.12.2020.
11. Aquando da declaração da insolvência, a devedora contabilisticamente não se encontrava em falência técnica, apresentando capital próprio de 721.563,68€, com activos contabilísticos que ascendiam a 1.516.109,14€, e com lucros em 2021 de 66.125,29€, o que não correspondia à realidade.
12. O Balancete Geral à data da declaração da insolvência, certificado pelo contabilista e assinado pelo gerente, evidenciava um saldo de caixa no valor de 27.268,35€, e um saldo de bancos no valor de 142.259,09€ (valor de 142.973,52€ deduzido do valor de 703,42€ que se verificou existir efectivamente nos bancos), valores estes que não lograram ser apreendidos a favor da massa insolvente, os quais foram apropriados/afectados a outros fins pela gerência da sociedade (BB).
13. Notificado o gerente CC, através de carta registada com aviso de recepção emitida pelo administrador da insolvência nomeado nos autos, Dr. GG, datada de 26 de Janeiro de 2022, para proceder ao pagamento/transferência dos valores referidos em 12., a favor da ‘massa insolvente de A..., Ld.ª’, veio aquele CC, através de mandatário, informar que nada praticou em representação da sociedade insolvente, e que ao ter sido nomeado gerente pelos então sócios da insolvente, o seu intuito era tentar encontrar possíveis investidores interessados em adquirir a sociedade em causa, assim tendo informado não poder entregar à massa insolvente qualquer valor por não os deter, tudo como flui do teor da prova documental junta a este apenso a fls. 24 a 27, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
14. Apesar de formalmente ter aceite constar como gerente da sociedade A..., Ld.ª, o requerido CC nunca praticou qualquer efectivo acto de gestão na empresa.
15. O requerido CC, notificado pelo administrador da insolvência, nos termos do art.º 83.º do CIRE, prestou colaboração, informando-o que nunca havia estado antes na sede da insolvente e compareceu aquando da tomada de posse da mesma por arrombamento, em 15.12.2021, sendo que a requerida BB, apesar de notificada – quer por carta (e email para mandatário) quer por chamada telefónica – nunca compareceu nem enviou ao administrador da insolvência informações pelo mesmo solicitadas até à data da elaboração do parecer a que alude o art.º 155.º do CIRE.
16. Apesar do referido em 6), tais entradas em numerário nunca vieram a ser efectivamente realizadas, tendo apenas existência contabilística com vista a melhorar ‘rácios financeiros’, sendo que as sócias BB e AA, apesar de notificadas pelo administrador da insolvência para efectivarem tais entradas – valores que deveria ter dado entrada nos Cofres da empresa -, não o vieram a fazer.
17. C..., Ld.ª, sociedade por quotas, com sede na Rua ..., ..., ... Matosinhos, com o capital social de 5.000,00€, com o objecto social consistente em comércio a retalho e artigos de vestuário e adornos pessoais, constituída em 1996, tinha como gerente BB, e como sócios BB (quota de 4.250,00€), AA (quota de 250,00€), HH (quota de 250,00€) e DD (quota de 250,00€), constando da certidão do registo comercial de tal sociedade o registo, através da AP..., a dissolução e encerramento da liquidação da mesma, tudo como flui do teor da certidão junta a fls. 70 a 77 do presente apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida, para os devidos e legais efeitos.
18. No balancete geral à data da declaração da insolvência, certificado pelo contabilista e assinado pelo gerente CC, constava evidenciado, na conta ..., um saldo devedor de 365.574,97€ – tendo como devedora a sociedade referida em 17), em razão do que o administrador da insolvência nomeado nestes autos notificou aquela sociedade devedora, na pessoa da sua liquidatária BB, para depositar o valor em dívida na conta da massa insolvente de A..., transferência que nunca veio a ocorrer (fls. 21 deste apenso – página 3 do Balancete Geral junto com o parecer do AI - e fls. 121 dos autos principais).
19. D..., Ld.ª, sociedade por quotas, com sede na Rua ..., ..., ... Matosinhos, constituída em 2016, com o capital social de 360,00€, com objecto social consistente em comércio a retalho de vestuário, calçado, acessórios de moda, bijutaria, marroquinaria, artigos de cosmética e de higiene pessoal, artesanato e brindes, tinha como gerente BB, e como sócios BB (quota de 185,00€) e AA (quota de 175,00€), constando da certidão do registo comercial de tal ente societário que o mesmo foi declarado insolvente por sentença de Março de 2020, tendo tal processo sido encerrado após rateio final por despacho de 07 de Julho de 2021, tudo como flui do teor da certidão de fls. 78-79 deste apenso, que aqui se dá por reproduzido.
20. No balancete geral à data da declaração da insolvência, certificado pelo contabilista e assinado pelo gerente CC, constava evidenciado, na conta ..., um saldo devedor de 8.196,38€ – tendo como sociedade devedora a aludida em 19), em razão do que o administrador da insolvência nomeado nestes autos notificou aquela sociedade devedora por carta datada de 26.01.2022, na pessoa da sua gerente BB, para depositar o valor em dívida na conta da massa insolvente de A..., transferência que nunca veio a ocorrer (fls. 21 deste apenso – página 3 do Balancete Geral junto com o parecer do AI - e documento 8 junto com o parecer do AI).
21. E..., Ld.ª sociedade por quotas, com sede na Rua ..., ..., ... Matosinhos, com o capital social de 50.000,00€, com o objecto social consistente em Representações, serviços aduaneiros, logística e elaboração de estatísticas, constituída em 2005, tinha como gerente BB, e como sócios BB (quota de 24.500,00€), AA (quota de 100,00€), e AA titular como bem próprio (quota de 25.400,00€), constando da certidão do registo comercial de tal sociedade o registo, através da AP..., a cessação da gerência de FF, por renúncia conhecida pela sociedade em 05.03.2017, tudo como flui do teor da certidão permanente junta a fls. 80 a 85 deste apenso – junta a 18.07.2022 ref.ª 438931204 – que aqui se dá por integralmente reproduzida).
22. No balancete geral à data da declaração da insolvência, certificado pelo contabilista e assinado pelo gerente CC, constava evidenciado, na conta ..., um saldo devedor de 62.088,22€ – tendo como devedora a sociedade aludida em 21), em razão do que o administrador da insolvência nomeado nestes autos notificou aquela sociedade devedora por carta datada de 26.01.2022 endereçada para a sua sede, a qual veio a ser devolvida, em razão do que veio a ser realizada nova carta datada de 16 de Fevereiro de 2002, dirigida a FF, na qualidade de gerente daquele ente societário, o qual veio a responder que havia renunciado à gerência, e que tal facto deveria ter sido registado pela responsável da sociedade, tudo como flui do balancete geral ou balancete razão junto com o parecer do AI e documento 9 junto com tal parecer, cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzidos.
23. O valor monetário referido em 22), apesar de formalmente apreendido a favor da massa insolvente, nunca veio a ser transferido a favor da mesma.
24. Não obstante o referido em 17), e não podendo a requerida BB desconhecer que tal crédito da ora insolvente não iria ser satisfeito pela sociedade C..., Ld.ª, na contabilidade nunca foi constituída provisão ou criada imparidade, permanecendo na aprovação de contas de 2020 e 2021 tal valor de 365.574,97€ como ‘activo’.
25. Por virtude do referido em 11), 12), 16), 18), 20) e 24), a contabilidade da insolvente apresentava irregularidades com prejuízo relevante para a compreensão da verdadeira situação económica da sociedade.
26. Do último balancete geral à data da declaração da insolvência, certificado pelo contabilista e assinado pelo gerente nominal CC, na conta ... sob a rubrica ‘Direitos e Imposições’ constava o valor de 342.765,35€ e na conta ... ‘Diversos’ o valor de 15.810,78€, activos que ascendiam a 340.576,13€, os quais carecem de identificação fundamentada e/ou respectivo suporte documental, não tendo sido possível a sua apreensão a favor da massa.
27. No âmbito da presente insolvência foi reconhecido, no competente apenso de verificação e graduação de créditos, um passivo no valor global de 539.680,49€ (entre os quais se contam créditos privilegiados a trabalhadores, Autoridade Tributária e Segurança Social Portuguesa), tudo como flui do teor do processado junto ao apenso B, que aqui se dá por reproduzido, para os devidos e legais efeitos.
28. No âmbito do apenso D, foi ainda reconhecido um outro crédito da insolvência – verificação ulterior de créditos – no montante de 1.520,21€(mil quinhentos e vinte euros e vinte e um cêntimos) ao credor aí identificado (crédito comum), conforme decorre do respectivo processado que aqui se dá por reproduzido. 29. O crédito reconhecido à Segurança Social diz respeito a incumprimentos por banda da sociedade insolvente que remontam a Setembro de 2018, com interrupções, até Abril de 2021, sendo que o crédito reconhecido à Autoridade Tributária respeita a incumprimentos iniciados em Setembro de 2019 (atinente a período de tributação de 01.01.2018 a 31.12.2018) até Outubro de 2021, tudo como flui do Apenso B e documentação junta com a exposição do AI de 18.07.2022 (ref.ª 42899420), que aqui se dá por inteiramente reproduzida.
30. A sociedade insolvente deixou de proceder às rendas devidas pela ocupação das instalações onde tinha sede desde Outubro de 2019.
31. O administrador da insolvência acedeu ao interior das instalações, na sede da insolvente, através de arrombamento, onde verificou a existência de algumas estantes, cadeiras e alguma documentação relacionada com a actividade, mas não a contabilidade, sendo que também ali não foi encontrado nenhum do equipamento do seu activo fixo constante da relação mapa de amortizações, do qual constava, além do mais, diversos computadores, impressoras, sofá, etc., sendo que de acordo com os elementos contabilísticos juntos aos autos, em Dezembro de 2020 o valor atribuído a tal activo fixo tangível (incluindo viaturas automóveis que vieram a ser entregues a entidades locadoras/financeiras) era de 9.956,91€, não tendo sido possível apurar o seu valor de mercado actual.
32. Ao activo fixo aludido em 31) – com excepção das viaturas automóveis - foi dado destino concretamente não apurado por parte da gerente BB, dos quais se apropriou, assim inviabilizando a apreensão do mesmo a favor da massa insolvente de A..., Ld.ª, prejudicando os seus credores.
33. F..., Unipessoal, Ld.ª, sociedade por quotas, NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ... Matosinhos, com o capital social de 400,00€, e com o objecto social consistente em Serviços Aduaneiros e Representação, tem como gerente, desde 02.01.2022, DD.
34. A sociedade referida em 33) foi constituída em 21.12.2020, com a firma ‘G..., Unipessoal, Ld.ª’, com o capital social de 400,00€, cuja quota de tal montante era detida por DD, sendo gerente – por deliberação datada de 21.12.2020 – BB, cuja renúncia a tal cargo consta na competente certidão do registo comercial como tendo ocorrido em 2 de Janeiro de 2022, conforme AP... ali inscrita, tudo como flui do teor da certidão junta a este apenso em 18.07.2022, ref.ª43831097, - actualizada na junção de 09.01.2025, ref.ª 67438254 - e consulta ao Portal da Justiça junta pelo administrador da insolvência aos 29.01.2024, ref.ª 47800733, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
35. No balancete geral de 2021 foi detectada a existência de um saldo de bancos no montante de 133.770,57€, respeitante a uma conta que era movimentada pela gerência da insolvente na Banco 1... e à qual correspondia o IBAN ..., conta esta titulada por G..., Unipessoal, Ld.ª, actual IF..., Unipessoal, Ld.ª (a alteração da firma foi inscrita no competente registo em 25.02.2021);
36. O valor aludido em 35) foi retirado do activo patrimonial da insolvente, a favor da sociedade G..., Unipessoal, Ld.ª, transferência processada por BB.
37. Apesar de o administrador da insolvência ter procedido à apreensão formal do valor aludido em 35) – sob a epígrafe verba 7.2 do auto de apreensão junto ao apenso A (valor do saldo de bancos no último balancete da contabilidade de 11/2021, conta 12.1, do balancete certificado pelo Contabilista Certificado e assinado pelo gerente, deduzido do valor encontrado, àquela data, efectivamente, nos bancos de 703,42€) – aquele valor nunca veio a ser transferido a favor da massa insolvente, apesar de a sociedade F..., Unipessoal, Ld.ª ter sido notificada para o efeito, no âmbito destes autos.
38. Quanto à conta de bancos em 2021, evidenciam as mesmas um saldo de 142.705,07€, sendo que o AI apenas logrou apreender, nesse domínio, para a massa insolvente o valor de 699,44€.
39. AA, nascida em ../../1978 é filha de BB, é divorciada, e foi declarada insolvente por sentença proferida no Juízo do Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 3 – transitada em julgado aos 22 de agosto de 2022, tudo como flui do teor da certidão do registo civil junta com exposição datada de 15.12.2022, ref.ª 44167469, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
40. DD, nasceu em ../../1976 e é filha de BB (v. assento de nascimento junto com exposição datada de 15.12.2022, ref.ª 44167469, que aqui se dá por integralmente reproduzida).
41. A sociedade A..., Ld.ª, pelo menos desde finais de 2019, que se encontrava insolvente, o que não podia deixar de ser do conhecimento da sua gerente BB, e não obstante, esta não diligenciou pela sua apresentação à insolvência, como devia e podia.
42. Não obstante o referido em 41), a gerente BB decidiu prosseguir com a actividade da insolvente, no seu interesse pessoal e de sociedades especialmente relacionadas com a insolvente, prejudicando a sociedade insolvente e seus credores.
43. Alguns dos trabalhadores que exerciam funções na insolvente, após algum interregno temporal, vieram a exercer funções na sociedade F..., Unipessoal, Ld.ª.
44. O processo principal veio a ser encerrado por despacho exarado em 17/11/2022, ao abrigo do preceituado no art.º 230.º/1, alínea f), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, atendendo a que o produto obtido com a liquidação do activo apreendido a favor da massa insolvente ascendeu a 812,41€, a ser integralmente absorvido por despesas realizadas e custas processuais.
45. Os créditos elencados sob os números 18 (a favor de AA - 8.851,57€), 22 (a favor de II - 15.824,63€) e 23 (a favor de BB - 17.474,21€) na lista dos créditos reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência no Apenso B, foram judicialmente dados por obliterados, em face das exposições juntas aos autos principais por aquelas AA, DD e BB aos autos principais, com data de 17.11.2022, nas quais declararam prescindir daqueles créditos.
46. O crédito reconhecido sob o n.º 14 da lista de créditos de créditos a que alude o art.º 129.º do CIRE - 14.055,67€, a favor do credor H..., Sucursal em Portugal foi liquidado, em virtude do que foi ordenado, por despacho de 22.12.2022, que o mesmo fosse tido por retirado daquela lista.
47. O crédito reconhecido sob o n.º 4 da lista de créditos a que alude o art.º 129.º do CIRE - 39.424,32€, a favor do credor Banco 2..., CRL -, foi, entretanto, liquidado (pelo seu fiador), em virtude do que foi ordenado, por despacho de 22.12.2022, que o mesmo fosse tido por retirado daquela lista.
48. O crédito reconhecido sob o n.º 12 da lista de créditos a que alude o art.º 129.º do CIRE - 54.608,19€ a favor do credor Banco 3..., S.A. – foi parcialmente satisfeito, permanecendo em dívida o valor de 4.608,19€.
Factos não provados
Não provado que
a) Todo o activo fixo da insolvente e seus trabalhadores (ou alguns deles) tivesse sido transferido directamente para a sociedade F... Unipessoal, Ld.ª,
b) A sócia-gerente AA tenha incumprido com o dever de colaboração com o administrador da insolvência até à data da elaboração do parecer junto a este apenso,
c) A requerida AA tenha deixado de exercer quaisquer actos de gerência desde 14.03.2017,
d) A requerida BB nunca se tivesse locupletado com qualquer quantia pertencente à insolvente.
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Fundamentação jurídica
A presente apelação consubstancia exemplo paradigmático de recurso votado ao insucesso por não se impugnarem nem censurarem as razões e argumentos (de facto e jurídicos) em que a sentença apelada fundou a injunção decisória que decretou (quer a qualificação da insolvência como culposa, quer afectação da apelante por tal qualificação) – deixando inatacados, abstendo-se de os censurar, os fundamentos que determinaram o sentido da decisão não só em vista de concluir pela qualificação da insolvência como culposa, nos termos da alínea a) do nº 3 do art. 186º do CIRE - o incumprimento do dever de apresentação tempestiva à insolvência, causadora de agravamento da situação de insolvência – e alíneas a), d), f) e g) do nº 2 do art. 186º do CIRE – v. g., a ocultação de parte considerável do património da insolvente, a disposição de bens da insolvente em proveito pessoal ou de terceiros, e a utilização do crédito ou bens da devedora insolvente contrariamente aos interesses desta, em proveito pessoal ou de terceiros e até o recurso a contabilidade fictícia/encapotada -, actos praticados pela gerente BB, bem assim como acto praticado pela apelante que se considerou causar prejuízo à sociedade e seus credores – ao tempo também gerente, subscreveu, juntamente com a outra sócia, um aumento de capital em reforço proporcional do valor das respectivas quotas, mas nunca fizeram entrar na sociedade o numerário que se vincularam a entregar, tendo feito, verdadeiramente, um aumento de capital contabilístico -, bem como para concluir pela afectação da requerida apelante – conclusão assente em tal aumento de capital fictício, a que procedeu a apelante quando era gerente da sociedade), a apelante sustenta o errado julgamento que imputa à decisão argumentando que após renunciar à gerência não mais praticou qualquer acto de gestão na insolvente, sendo que os incumprimentos da insolvente para com a Segurança Social e Autoridade Tributária ocorreram após ter renunciado à gerência.
Não impugnação das razões e fundamentos que determinaram o sentido da decisão apelada que tem como directa e necessária consequência a improcedência do recurso.
A alteração da decisão (sua revogação ou modificação) depende da (concludente) impugnação da causa ou razão que a justifica e em que a mesma fundamenta a sua injunção decisória – a alteração da decisão (de qualquer decisão) impõe a impugnação das causas (todas elas, caso se trate de causas concorrentes) em que a mesma fundamente o julgado.
Impugnando-se a decisão quanto a fundamento que não presidiu à (não justificou a) sua prolação (ou seja, não abrangendo o objecto do recurso os fundamentos ou razões que determinaram o sentido da decisão), não poderá obter-se a alteração da decisão recorrida, por o fundamento em que a mesma se baseia não ser atacado.
Em tal situação, a apreciação da(s) questão(ões) imporá ao tribunal ad quem a observância de actividade infértil, pois a impugnação não levará, em razão da delimitação do objecto do recurso traçado pelo recorrente, à alteração da decisão – a impugnação não interfere, de modo algum, na solução da causa, pois que o objecto do recurso se circunscreve a discutir fundamento que foi alheio à decisão recorrida e que é indiferente à solução da causa.
Na situação trazida em apelação a recorrente circunscreve o objecto do recurso à apreciação de fundamento que não presidiu à decisão recorrida – a decisão apelada, quer no segmento em que baseou a qualificação da insolvência como culposa como principalmente na parte em que concluiu dever a requerida apelante ser afectada por tal qualificação, atendeu a facto praticado pela apelante quando era gerente da insolvente, anterior à data da recusa da gerência, não se fundando assim em qualquer acto da apelante ocorrido após tal renúncia à gerência.
A apelante não questiona qualquer dos fundamentos ponderados pela decisão apelada em vista de qualificar a insolvência como culposa ou, mais importante, o fundamento valorizado pela decisão apelada no que a si diz respeito em vista de determinar a sua afectação – o aumento fictício/encapotado (a adjectivação é da sentença apelada).
A argumentação da apelante (de que não praticou qualquer acto de gerência, de facto ou de direito, após renunciar à gerência e bem assim que os incumprimentos da insolvente para com a Segurança Social e Autoridade Tributária ocorreram após ter renunciado à gerência) mostra-se, pois, patente e notoriamente irrelevante para conduzir à alteração da decisão apelada.
Irrelevância que determina que a Relação se abstenha:
- de apreciar da impugnação da decisão sobre a matéria de facto (concedendo ser propósito da apelante impugnar a decisão da matéria de facto, e descurando apurar do cumprimento dos ónus impostos ao recorrente que a impugna – art. 640º, nº 1 e 2 do CPC), constata-se ser patente a desnecessidade de apreciar de tal impugnação, impondo-se à Relação abster-se de a apreciar – é irrelevante a impugnação em vista de se julgar provado que a apelante não praticou qualquer acto de gerência após a renúncia à gerência, pois mais do que não estar positivamente provado que tal tenha ocorrido (e o ónus de prova da matéria necessária à qualificação e à afectação incumbe a quem sustenta tal qualificação e afectação, não aos requeridos), a decisão não se fundou em qualquer acto praticado pela apelante após a renúncia à gerência;
- de apreciar da arguida nulidade da sentença por falta de fundamentação, contradição entre fundamentos e decisão e ambiguidade e obscuridade (arguição não substanciada minimamente – a apelante limita-se a invocar a violação das alíneas b) e c) do nº 1 do art. 615º do CPC, sem alinhavar qualquer argumento que minimamente a demonstre) - não só porque sempre se imporia à Relação suprir os vícios da decisão apelada, caso fossem os mesmos reconhecidos (o que não se concede), donde resultaria que da verificação e reconhecimento das imputadas patologias não resultaria qualquer consequência para o mérito da causa (não teria qualquer reflexo ou influência na decisão da causa e da apelação, pois a verificarem-se, impor-se-ia à Relação supri-los e conhecer do objecto da apelação), como porque, como referido, não sendo atacados no recurso os fundamentos que presidiram e justificaram a decisão apelada (seja quanto à qualificação da insolvência como culposa, seja quanto à afectação da apelante), a invocação da nulidade redunda numa crítica circunscrita à inobservância da boa técnica ou regras de elaboração das decisões judiciais, inconsequente na vertente da alteração do sentido decisório (ou seja, sem qualquer interferência no julgamento da causa ou na invocação de erro de julgamento).
Improcede, pois, a apelação, podendo sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC) nas seguintes proposições:
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DECISÃO
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão apelada.
Custas pela apelante.
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Porto, 16/09/2025
(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)
João Ramos Lopes
Raquel Correia de Lima
Alberto Taveira