I - Nas acções especiais de anulação previstas no artigo 46.º da Lei da Arbitragem Voluntária, o tribunal estadual apenas tem competência para anular decisões finais dos tribunais arbitrais se se verificar algum dos fundamentos expressamente referidos no n.º 3 desse artigo.
II - O artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária estabelece o prazo máximo dentro do qual a arbitragem deve estar concluída e a respectiva sentença notificada às partes, pelo que não é equiparável nem gera a mesma consequência a disposição do Regulamento do CICAP que estabelece um prazo dentro do qual o árbitro após a conclusão da audiência deve proferir a sentença e esta ser notificada às partes.
III - A Lei da Arbitragem Voluntária apenas permite a impugnação da decisão arbitral pela via da “Ação de Anulação de Sentença Arbitral”, dirigida ao tribunal estadual competente – no caso, ao Tribunal da Relação.
IV - O pedido de Anulação da Sentença Arbitral pressupõe a verificação de algum dos fundamentos taxativamente previstos na Lei da Arbitragem Voluntária, e que correspondem, grosso modo, apenas a vícios de ordem formal (equiparados às nulidades da sentença previstas no artigo 615.º do Código de Processo Civil).
RELAÇÃO N.º 249
Relator: Alberto Taveira
Adjuntos: Maria Eiró
Maria da Luz Seabra
I - RELATÓRIO.
AS PARTES
Reqda: AA.
A)
No entretanto, AA havia comunicado ao COLÉGIO ... que era a sua intenção inscrever o seu filho numa outra instituição com recurso a uma bolsa de estudo, facto que, efectivamente, veio a ocorrer em Julho de 2023.
AA comunicou ao COLÉGIO ... tal circunstância e pediu a dispensa do pagamento que lhe seria exigível nos termos do regulamento desta.
COLÉGIO ... respondeu a AA, emitindo factura correspondente a três meses que propinas que seriam devidas – 1.350,00 €.
Tendo-se procedido aos tramites legais, ouvido o COLÉGIO ..., realizada a audiência, a final é proferida SENTENÇA, nos seguintes termos:
“Nestes termos, declara-se a nulidade da cláusula relativa ao teor do artigo 21° do Regulamento do COLÉGIO ..., pelo que a Reclamante nada deve à Reclamada.“
Formula o seguinte pedido:
“Termos em que, em conclusão, deve ser anulada a sentença arbitral proferida nos autos de arbitragem de consumo supra identificados pelos seguintes fundamentos:
A) Pronúncia indevida, por violação do disposto no art. 15º, nº 2, do regulamento do CICAP, nos termos supra expostos, prazo imperativo que não foi prorrogado e que, nos termos do disposto no art. 43º da LAV, no seu nº 3, (aplicável por força do disposto no art. 19º, nº 3 do Regulamento do CICAP) põe automaticamente termo ao processo arbitral, fazendo também extinguir a competência dos árbitros para julgarem o litígio que lhes fora submetido. Por tal motivo é nula a sentença arbitral, o que pode ser declarado pelo tribunal estadual competente (art. 46º, nº 3, a) alíneas V e VII, da RAL, o que se pretende e aqui reclama;
B) Falta de fundamentação da sentença arbitral, ocorrendo violação do imperativo constitucional (art. 205º, nº 1 da Constituição), legal (art. 42º, nº 3 da LAV) e regulamentar (art. 15º, nº 1 do Regulamento do Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto - CICAP), nos termos supra expostos, pelo que a sentença arbitral viola os requisitos estabelecidos no nº 3, do art. 42º, da RAL, sendo nula, o que pode ser declarado pelo tribunal estadual competente (art. 46º, nº 3, a) alínea VI) da RAL), o que se pretende e aqui reclama;
C) Decisão proferida com base em juízo de equidade, ocorrendo violação do disposto no art. 39º, nº 1 da RAL e art. 14º, nº 3 do Regulamento do CICAP, nos termos supra expostos, pelo que a sentença padece de vícios graves de natureza formal e processual, suscetíveis de revestir influência decisiva na resolução do litígio, sendo nula, o que pode ser declarado pelo tribunal competente (art. 46º, nº 3, al. A), IV) da RAL), o que se pretende e aqui se reclama.“
Devidamente notificada AA, não apresentou contestação.
Foi proferido despacho a requerer ao Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto a remessa do processo integral.
Não há lugar a produção de prova (tanto mais que não foi requerida).
Face da natureza das questões suscitadas no âmbito deste processo não há lugar há realização de diligências instrutórias.
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***
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II-FUNDAMENTAÇÃO.
Não existem excepções, questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa.
A) Tempestividade da prolação da decisão arbitral – prazo de 15 dias após a audiência. Esgotamento do poder jurisdicional. Sentença nula – artigo 46.º, n.º 3, alínea a), alíneas v) e vii) do LAV (Lei da Arbitragem Voluntária Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro).
B) Se a decisão arbitral deve ser anulada por ter sido violado o dever de fundamentação – dá como provados factos que não são factos; a sentença não faz juízo critico dos meios de prova não explicitando as razões da sua motivação – artigo 46.º, n.º 3, alínea a), alínea vi) da LAV.
C) Quando a decisão arbitral se pronunciou sobre a cláusula penal do regulamento do COLÉGIO ... apreciou-a fazendo um juízo de desproporcionalidade. As partes não acordaram que o conflito fosse decidido de acordo com a equidade. Haveria a sentença que ser decidida de acordo com o direito. – artigo 46.º, n.º3, alínea a), alíneas iv) da LAV.
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OS FACTOS
“1. A Reclamante, em 3 de agosto de 2023, preencheu, no portal eletrónico da Reclamada, um formulário de pré-inscrição do seu filho, a fim de este poder vir a frequentar o 10º ano de escolaridade no COLÉGIO ...;
2. A Reclamada, em 7 de novembro de 2023, comunicou com a Reclamante, via email, informando que esta seria contactada, telefonicamente, para dar continuidade ao processo de admissão do seu filho, doc junto com a contestação, a páginas 43 dos presentes autos;
3. A Reclamada, em 11 de abril de 2024, enviou uma mensagem (SMS) à Reclamante para marcação de entrevista, a realizar no dia 19 de abril de 2024, pelas 16 h, no âmbito do processo de admissão do seu filho no COLÉGIO ...;
4. A referida entrevista ocorreu na data e hora agendada, tendo a Direção do COLÉGIO ... admitido o estudante, em causa, para o 10º ano de escolaridade, ano letivo 24/25, doc junto com a contestação, a páginas 44 dos presentes autos;
5. A Reclamada, em 23 de abril de 2024, comunicou à Reclamante resultado da admissão, doc jurito com a contestação, a páginas 44 dos presentes autos;
6. A Reclamante procedeu à inscrição e ao pagamento do seguro escolar (Secundário) no valor de 355,00 Euros, docs juntos com a contestação a páginas 45 a 48 dos presentes autos;
7. A Reclamante, paralelamente ao processo de candidatura do seu filho ao colégio da Reclamada, em data não determinada, procedeu a uma inscrição daquele em um programa de bolsas de mérito e excelência da Fundação ..., para frequência no ensino secundário, encontrando-se as candidaturas abertas até dia 7 de abril de 2024;
8. A Reclamante informou que teve conhecimento destas bolsas em março de 2024 e que o seu filho realizou entrevista no colégio 1... no programa de bolsas de estudo da Fundação para o referido colégio;
9. A Reclamante esclareceu que a bolsa a conceder pela Fundação prolongar-se-á até ensino superior se o estudante apresentar uma média de 17 valores;
10. A Reclamante alegou que a inscrição no COLÉGIO ... se deveu ao facto de estar reccosa relativamente à admissão do seu filho àquela bolsa de mérito, dado que o estudante em causa, tinha no 2º período do ano letivo em curso, evidenciado uma diminuição no seu rendimento escolar, doc 1 junto com a Reclamação inicial;
11. A Reclamante referiu, ainda, razões pessoais para a preocupação na educação do seu filho, salientando a ajuda de sua mãe, para tal desiderato;
12. A Reclamante declarou que é professora e que à data se encontrava em ... para o exercício das suas funções docentes;
13. A Reclamante esclareceu que a Reclamada somente admitiu o seu filho em atenção às capacidades do mesmo;
14. A Testemunha, BB, mãe da Reclamante, reiterou a situação familiar de sua filha e netos, declarando que na ausência, por motivos profissionais da sua filha, foi ela e o seu marido que ficaram com a "guarda" dos netos;
15. A Testemunha declarou que a situação familiar, mãe deslocada de uma família monoparental, interferiu na vida escolar do seu neto, CC;
16. A Testemunha declarou que ainda que a sua filha, ora Reclamante, teve de solicitar uma baixa, para assistência à família, pois a Testemunha encontrava-se doente, tendo a seu cargo os dois filhos da Reclamante;
17. A Testemunha referiu que com o regresso da filha ao Porto, o CC voltou a subir as notas;
18. A Testemunha explicou que os seus netos frequentaram o Colégio 2..., na cidade do Porto, beneficiando sempre do apoio do Estado para custear a respetiva educação, pois que de outro modo não seria possível face ao rendimento do agregado familiar;
19. A Testemunha explicou, ainda, que os seus netos, enquanto estudantes do Colégio 2... beneficiaram de contratos simples, usufruindo, deste modo, de comparticipação do Estado;
20. A Testemunha acrescentou que seria essa a intenção, solicitar apoio, se o seu neto tivesse de estudar no colégio da Reclamada, possuindo este, também, essa possibilidade;
21. A Reclamante, em 13 de junho de 2023, rececionou um email enviado pelas Bolsas colégio 1... (na sequência da candidatura ao programa de bolsas de estudo Fundação ...) comunicando que o aluno CC tinha sido comtemplado com uma bolsa escalão A, correspondente a 100% da anuidade, atribuída pela referida Fundação, e que se destinava ao ingresso e frequência do Ensino Secundário, 10º ano, doc 2 junto com a Reclamação inicial;
22. A Reclamante comunicou, no mesmo dia, à Reclamada o resultado daquela bolsa com o propósito de cancelar a inscrição do seu filho no Colégio da Reclamada, aproveitando para solicitar o não pagamento da quantia que lhe seria exigível de acordo com o Regulamento interno COLÉGIO ..., artigo 21º, doc 3 junto com a Reclamação inicial;
23. A Reclamada, 26 de junho de 2024, via email, relembra à Reclamante o teor do artigo 21º do Regulamento interno do Colégio, doc 3 junto com a Reclamação inicial;
24. A Reclamada cm 26 de junho de 2024 emite fatura, relativa aos três meses que considera devidos, conforme artigo 21º do seu regulamento interno, no valor de 1.350,00 Euros, doc junto com a contestação a páginas 51 dos presentes autos;
25. A Reclamada em 27 de junho de 2024 reitera a obrigação de frequência por um período de três meses ou pagamento do valor correspondente a tal período, artigo 21º do regulamento interno do colégio, doc junto com a contestação a folhas 52 dos presentes autos;
26. A Reclamante em 2 de julho de 2024, via email, sublinha, novamente, a situação da bolsa e a cobertura da mesma, doc junto com a contestação a páginas 53 e 54 dos presentes autos;
27. A Testemunha apresentada pela Reclamada DD, com funções administrativas na Reclamada, explicou o procedimento de acesso à admissão pelo COLÉGIO ...;
28. A Testemunha, EE, com funções administrativas na Reclamada, explicou o que sucede em caso de desistência de um aluno e a penalização que tal acarreta;
29. A Testemunha, EE, explicou a ratio relativamente à divisão de alunos por turmas, informando que apesar da Reclamada ter lista de espera de alunos interessados em ingressar na instituição, em junho, os pais já não concretizam a inscrição dos filhos, tendo, na maioria dos casos, já decidido o estabelecimento que os mesmos irão frequentar, pelo que o cancelamento da inscrição de um aluno provoca sempre prejuízos para a instituição em causa;
30. A Testemunha, EE, referiu que não preencheram a ratio dos 25 alunos por turma no 10º ano de escolaridade.
3.1.2 Dos Factos Provados
Prova documental:2, 4, 5, 6, 10, 21, 22, 23, 24,25 e 26.
Prova por declaração: 1, 3, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 27 e 28.
3.1.3 Dos Factos não provados: 29 e 30.
O Tribunal Arbitral, na formação da sua convicção, teve ainda em conta os factos acessórios discutidos na audiência de julgamento. “
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DE DIREITO.
A)
Do dispositivo legal aplicável.
Dispõe o artigo 46.º, n.º 3 da LAV, o seguinte:
“3 - A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se:
a) A parte que faz o pedido demonstrar que: (…)
v) O tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar; ou (…)
vii) A sentença foi notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com ao artigo 43.º;”
Por sua vez o artigo 43.º, n.ºs 1 a 3 da LAV, com a epígrafe “Prazo para proferir sentença”, regula:
“1 - Salvo se as partes, até à aceitação do primeiro árbitro, tiverem acordado prazo diferente, os árbitros devem notificar às partes a sentença final proferida sobre o litígio que por elas lhes foi submetido dentro do prazo de 12 meses a contar da data de aceitação do último árbitro.
2 - Os prazos definidos de acordo com o n.º 1 podem ser livremente prorrogados por acordo das partes ou, em alternativa, por decisão do tribunal arbitral, por uma ou mais vezes, por sucessivos períodos de 12 meses, devendo tais prorrogações ser devidamente fundamentadas. Fica, porém, ressalvada a possibilidade de as partes, de comum acordo, se oporem à prorrogação.
3 - A falta de notificação da sentença final dentro do prazo máximo determinado de acordo com os números anteriores do presente artigo, põe automaticamente termo ao processo arbitral, fazendo também extinguir a competência dos árbitros para julgarem o litígio que lhes fora submetido, sem prejuízo de a convenção de arbitragem manter a sua eficácia, nomeadamente para efeito de com base nela ser constituído novo tribunal arbitral e ter início nova arbitragem.“
Artigo 6.º, da LAV, com a epígrafe “Remissão para regulamentos de arbitragem”, regula.
“Todas as referências feitas na presente lei ao estipulado na convenção de arbitragem ou ao acordo entre as partes abrangem não apenas o que as partes aí regulem directamente, mas também o disposto em regulamentos de arbitragem para os quais as partes hajam remetido.“
Por fim, o artigo 15.º, n.º 2 e 3 do Regulamento do Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto (CICAP), dispõe:
“2. A sentença arbitral, cujo original fica depositado no Centro, é notificada às partes com o envio de cópia simples, no prazo máximo de 15 dias seguidos a contar da data da realização da audiência.
3. O prazo referido no número anterior poderá ser prorrogado, por igual período, por impedimento do árbitro.”
No artigo 18.º, Regulamento do CICAP dispõe:
“1 – Em sede de conciliação/arbitragem, as notificações são efetuadas por carta registada com aviso de receção.
2 – Não obstante o disposto no número anterior, qualquer uma das partes pode acordar com o Centro que as suas notificações sejam efetuadas por outro meio, nomeadamente eletrónico.”
Dos autos decorre que a audiência teve a sua ocorrência no dia 13 de Setembro de 2024.
A sentença tem a data de 05 de Outubro de 2024.
A sentença foi notificada às partes por correio electrónico datado de 07 de Outubro de 2024.
Como primeira questão a decidir diz respeito a saber se o prazo a considerar quanto à questão da caducidade, será o decorrente do artigo 15.º do Regulamento do CICAP – 15 dias – ou será aquele que é fixado pelo artigo 43.º da LAV – 60 dias.
Da letra da LAV e do Regulamento do CICAP, é notório que as hipóteses legais da previsão das normas não são as mesmas.
“A caducidade do prazo para a decisão arbitral sem que a mesma seja proferida e notificada às partes, extingue o processo e o poder jurisdicional dos árbitros, mas não devolve o litigio para os tribunais estaduais: limita-se a reabrir o processo com vista à constituição de novo tribunal arbitral, tendo início nova arbitragem. Esta é a solução unanimemente perfilhada no Direito Comparado da arbitragem.
Se a sentença for proferida ou vier a ser notificada apenas depois de decorrido o prazo fixado, a sentença pode ser anulada com fundamento no artigo 46º, nº 3, alínea a), subalínea vii) da LAV (196 Cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de janeiro de 2015, proc. 870/15.8YRLSB-6).”, Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, Cordenada por DÁRIO MOURA VICENTE, 5ª ed. 2021, págs.16 e seguintes.
Tal como se assinalou em aresto deste Tribunal da Relação do Porto 298/20.8YRPRT, de 28.01.2021, relatado pelo Des ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA, estamos perante duas realidades processuais distintas. Face à clareza e assertividade como a questão é exposta no citado aresto, podemos dar aqui por reproduzido o seguinte:
“Basta comparar os dois prazos para se imediato compreender que enquanto o prazo do artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária se refere ao prazo máximo dentro do qual a arbitragem deve estar concluída com a notificação da respectiva sentença às partes, o artigo 15.º do Regulamento se refere ao prazo dentro do qual o árbitro deve após a conclusão da audiência proferir a sentença e esta ser notificada às partes.
Só essa leitura permite compreender que o prazo do artigo 43.ºcomece a correr desde a aceitação do árbitro da sua designação e, portanto, esse prazo compreenda o tempo necessário à instrução e julgamento do litígio e elaboração da sentença. Tal como só desse modo se atinge que o prazo do artigo 15.º se conte a partir da realização da audiência – independentemente do tempo já decorrido desde o início do processo – e que o prazo seja de apenas 15 dias, tempo que seria absolutamente insuficiente para permitir à parte demandada exercer o contraditório e arrolar prova, realizar-se a audiência de produção de prova e ser proferida sentença, tudo isso actos que têm obrigatoriamente de ser praticados.
É certo que o artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária está feito para compreender situações em que a arbitragem se pode mostrar muito complexa e demorada e que o Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto se ocupa apenas de litígios de consumo que em condições normais não possuem complexidade que permita delongas.
Todavia, o artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária não apenas fixa um prazo que vale para todas as situações independentemente da sua complexidade, como consente que o prazo de um ano seja prorrogado por decisão do próprio tribunal arbitral, por uma ou mais vezes, por sucessivos períodos de 12 meses, desde que essa decisão seja devidamente fundamentada e a ela não se opuserem ambas as partes de comum acordo. Já o prazo do artigo 15.º do Regulamento apenas pode ser prorrogado por igual período e por impedimento do árbitro, o que se afasta enormemente do prazo que pode ser atingido ao abrigo do artigo 43.º.
Não sendo o prazo do artigo 15.º do Regulamento um prazo equiparado, rectius, estabelecido para a mesma situação e/ou finalidade do prazo previsto no artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária, não é defensável que no caso se devesse considerar que o prazo máximo dentro do qual a arbitragem devia estar concluída com a notificação da respectiva sentença às partes era de 15 dias e/ou que este prazo se contava desde a realização da audiência.
Por outro lado, a Lei da Arbitragem Voluntária não só não fixa um prazo que deva ser observado pelos peritos entre a conclusão da audiência e a prolação da sentença, como, naturalmente, não associa a esse – inexistente – prazo a consequência de por termo automaticamente ao processo arbitral que é aquilo que nos termos da sub alínea vii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da Lei da Arbitragem Voluntária gera a anulabilidade da sentença arbitral.
Por sua vez, nem o artigo 15.º do Regulamento nem qualquer outro preceito do mesmo Regulamento estabelecem que o decurso de mais de 15 dias entre a data da realização da audiência e a prolação da sentença e sua notificação às partes produza a consequência do encerramento automático do processo arbitral.
Ora essa previsão era indispensável – independentemente do mais – para se poder defender que o decurso desse prazo deve ser equiparado ao prazo do artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária para efeitos da remissão fechada[1] para esse preceito em particular feita pela sub alínea vii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º do mesmo diploma, sendo certo que, como vimos, as situação de anulabilidade da sentença arbitral são apenas as previstas na lei e essa previsão é, pelo menos tendencialmente, taxativa.
Por todas estas razões, entendemos que a sentença arbitral não é anulável pela circunstância de entre a data da realização da audiência e a notificação às partes da sentença arbitral terem decorrido mais de 15 dias, pese embora essa circunstância se traduza no incumprimento de uma regra ordenatória da tramitação do processo arbitral no Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto (violação sem consequências processuais e apenas relevante ao nível da avaliação do trabalho do juiz-árbitro no Centro).“
No mesmo sentido, em decisão recente, Tribunal da Relação do Porto 104/24.4YRGMR.P1, de 26.05.2025, relatado pelo Des JOSÉ NUNO DUARTE:
“Com efeito, nas acções especiais de anulação previstas no artigo 46.º da LAV, o tribunal apenas tem competência para anular as decisões finais dos tribunais arbitrais se se verificar algum dos fundamentos expressamente referidos no n.º 3 desse artigo. Ora, analisados estes fundamentos, constata-se que, no que diz respeito à anulação por eventual violação de prazos legais, apenas se encontra prevista a possibilidade de ser anulada a sentença arbitral que haja sido notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com o artigo 43.º da LAV (cf. artigo 46.º, n.º 3, al. a), vii, da LAV). Nenhuma outra inobservância de prazos previstos na Lei é susceptível de fulminar a sentença de nulidade.
Como tal, uma vez que, no caso dos autos, jamais foi alegado, nem se encontra demonstrado, que tenha sido excedido o prazo máximo de prolação e notificação da sentença final definido nos termos do artigo 43.º da LAV (e que também deve ser respeitado quando há lugar à rectificação, esclarecimento ou completação da sentença – cf. artigo 45.º, n.º 6 in fine, da LAV), desnecessário se torna sindicar se, in casu, o tribunal arbitral apreciou ou não o pedido de esclarecimento que lhe foi dirigido dentro do prazo previsto no artigo 45.º, n.º 3 da LAV, se este prazo foi prolongado, ou se o tribunal, por ter-lhe sido apresentado, em simultâneo com o requerimento de aclaração, um pedido de prolação de sentença adicional, passou a dispor do prazo previsto no artigo 45.º, n.º 5, segunda parte, da LAV, para decidir as duas questões. Mesmo que se concluísse que os prazos do artigo 45.º não foram respeitados, a anulação só poderia sobrevir se estivesse demonstrado nos autos que foi ultrapassado o prazo máximo para a prolação e notificação da sentença final às partes. Essa demonstração não foi efectuada e, consequentemente, falece também a possibilidade de, por esta via, ser decretada a peticionada anulação (parcial) da sentença do tribunal arbitral.”
Não se encontra, assim, verificada a arguida nulidade.
Em conclusão, não se estando perante a mesma realidade jurídica que as duas normas legais prevêem, tanto mais que a Reqte não alega e pede a apreciação da decisão arbitral à luz do artigo 46.º e 43.º da LAV.
Pelo exposto, terá que improceder a pretensão da Reqte, nesta parte.
*
B)
Argumenta a Reqte que a sentença arbitral padece de vício de falta de fundamentação: enumera como factos provados quando se está perante reprodução de meios de prova (depoimentos), factos 8 a 20, 27 a 30) e é ininteligível a sentença quando reproduz depoimentos, mas não indica qual o facto que considera provado; existe falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, não tendo procedido ao exame critico dos meios de prova “A decisão é, pois, completamente omissa quanto à motivação da decisão de facto que justificaria a decisão proferida”.
Carece de sustentação a pretensão da Reqte..
Nos termos do artigo 46.º n.º 1 da LAV, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, salvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 39.º.
Assim, em regra, não pode ser interposto recurso perante o tribunal estadual da sentença arbitral que se pronuncie sobre o fundo da causa ou que ponha termo ao processo arbitral, mesmo que dele não conheça. Tal só pode ocorrer se as partes tiverem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e se a decisão não se fundar na equidade, nem for obtida mediante composição amigável.
Por outro lado, por força do disposto no n.º 9 do artigo 46.º da LAV, o tribunal estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões decididas na arbitragem: tais questões, se alguma das partes o pretender, devem ser submetidas a outro tribunal arbitral para serem por este decididas. Assim, Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães 122/23.0YRGMR, de 23.11.2023, relatado pela Des MARIA AMÁLIA SANTOS, sumariado, “II- O pedido de Anulação da Sentença Arbitral pressupõe a verificação de algum dos fundamentos taxativamente previstos na LAV, e que correspondem, grosso modo, apenas a vícios de ordem formal (equiparados às nulidades da sentença previstas no art.º 615º do CPC). III- Não cabe assim na Ação de Anulação da Sentença Arbitral a impugnação do mérito da decisão – nem quanto á matéria de facto, nem quanto à matéria jurídica. IV- Se as partes se vincularam por uma “Convenção Arbitral”, e nada estipularam quanto à possibilidade de recurso da decisão arbitral, têm de sujeitar-se à decisão dos árbitros em tudo quanto exceda as meras questões formais - violação de princípios e regras procedimentais, taxativamente previstas na LAV.” e Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães 169/24.9YRGMR, de 24.10.2024, relatado pela Des CARLA OLIVEIRA, sumariado ” I – Em sede de acção de anulação de sentença arbitral não pode o Tribunal da Relação conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas. II - A discordância com a valoração da prova feita pelo Tribunal Arbitral pode configurar erro de julgamento, mas não uma violação dos princípios da igualdade e do contraditório previstos no art.º 30º, nº 1, da LAV.” e demais jurisprudência citada por este aresto.
Podemos assim, afirmar, categoricamente, que os fundamentos da anulação das sentenças arbitrais estão taxativamente estabelecidos, no nº 3 do artigo 46º da Lei da Arbitragem Voluntária.
De igual modo, é pacífico que a discordância da valoração e relevância dos diversos meios de prova não é fundamento de anulação da decisão arbitral. Entre outros Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães 117/19.8YRGMR, de 28.05.2020, relatado pelo Des PAULO REIS, sumariado “II- A divergência manifestada pela autora quanto à valoração efetuada pelo tribunal arbitral a propósito da prova produzida, argumentando que aquele tribunal não terá dado a devida relevância a alguns meios de prova, desconsiderando, em absoluto, a prova documental e testemunhal por si apresentada, reportando-se para o efeito a diversas circunstâncias que entende resultarem consubstanciadas nos depoimentos das testemunhas que indicou naquele processo, não permite consubstanciar o fundamento de anulação da decisão arbitral previsto no artigo 46.º, n.º 3, al. a), ii), da LAV designadamente por força da ofensa do princípio da igualdade das partes ou por via da violação do princípio do contraditório, mas a mera discordância por parte da autora relativamente à valoração feita pelo tribunal arbitral quanto aos meios de prova e à motivação enunciada sobre os mesmos. III- O fundamento de anulação da decisão arbitral previsto no artigo 46.º, n.º 3, al. a), vi) da LAV que estabelece tal possibilidade nos casos em que a sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42.º, prevendo este último preceito, no que concerne ao n.º 3, que «[a] sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º», é equiparável à nulidade a que alude o artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC. IV- Constando da sentença arbitral a indicação da matéria de facto e da matéria de direito em que se baseia a decisão final não se verifica a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC (não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão), nem causa para a pretendida anulação da decisão arbitral tendo por base a imputação do vício de falta de fundamentação.”, Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa 1692/24.0YRLSB-6, de 07.11.2024, relatado pela Des GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES, sumariado “II. Não configura ausência de fundamentação, com a previsão de nulidade da sentença arbitral, a discordância da parte quanto à análise da prova, pois está arredado a este Tribunal apreciar do eventual desacerto na apreciação das provas e tudo o que subjaz à impugnação factual. III. Logo, apenas sobeja a possibilidade de a decisão arbitral ser anulada se o seu discurso fundamentador for inexistente, incompreensível, obscuro ou inacessível ao comum e mediano jurista. IV. O alegado pelas requerentes situa-se no eventual erro na apreciação da prova e da valoração da mesma na indicação dos factos, o que seria motivo de recurso, em tese, mas não fundamento de anulação da sentença arbitral.” e Acórdão Tribunal da Relação do Porto 319/23.3YRPRT, de 05.03.2024, relatado pelo Des MANUEL DOMINGOS FERNANDES, sumariado “IV - Nesta conformidade, não obstante a amplitude do dever de fundamentação das decisões arbitrais não possa ser definida por decalque do dever sinónimo aplicável às sentenças dos tribunais estaduais, devendo ter em conta as especificidades do processo arbitral e os seus objetivos de celeridade, simplicidade e informalidade, ainda assim a fundamentação deve, em qualquer caso, ter o conteúdo mínimo exigível que permita apreender o sentido, as razões e o percurso racional seguido pelo árbitro na interpretação dos meios de prova. V - Por assim ser o vício de nulidade por falta de fundamentação [art.º 46º, nº 3, al. a), vi) da LAV] da sentença arbitral-invocável através da ação de anulação-só pode ser declarado nos casos em que exista a falta absoluta de motivação. Sempre que a motivação seja deficiente deve essa deficiência ser suprida através de recurso. VI - Está suficientemente fundamentada a decisão arbitral que enuncia, de forma perfeitamente inteligível e apreensível pelos respetivos destinatários, os fundamentos factuais e normativos da decisão, tornando percetível o iter lógico jurídico seguido na resolução do litígio.”
Assim, visto que não há pacto que o permita, não pode este tribunal apreciar e decidir sobre os fundamentos do pedido de anulação que extravasem os enunciados neste nº 3 do artigo 46º da Lei da Arbitragem Voluntária.
Desta forma, face a tal enunciação, a errónea apreciação da prova produzida ou um erro de julgamento ou na aplicação do Direito não são, por si, fundamento para a anulação da sentença, pelo que não há que avaliar se se verificam.
Está-nos vedado exercer a livre apreciação da prova sobre os meios de prova enunciados pela Reqte, por este tribunal não poder conhecer do mérito.
Em face destes considerandos, a argumentação da Reqte falece por completo a pretensão de nulidade da sentença arbitral por manifesta falta de fundamento.
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C)
Notoriamente a Reqte carece de razão. Vejamos.
A sentença arbitral conhecendo da pretensão da Reqda, AA, qualificou como cláusula penal, a sanção prevista no artigo 21.º do Regulamento do COLÉGIO ....
De seguida, a sentença arbitral apreciou a validade da citada cláusula penal à luz do regime da Lei das Clausulas Contratual Gerais, LCCG, Decreto-Lei n.º 446/85 de 25.10, tendo concluído que a mesma é nula nos termos do artigo 19.º, alínea c).
De modo inusitado a Reqte vem sustentar que o Tribunal arbitral decidiu a questão com recurso à equidade, por a certo trecho da sentença se fazer menção da desproporcionalidade da dita sanção.
Sobre o que seja a equidade, podemos socorrer do decidido pelo aresto do Supremo Tribunal de Justiça 1087/14.4T8CHV.G1.S1, de 10.12.2019, relatado pela Cons ASSUNÇÃO RAIMUNDO:
“O Código Civil português, na sua redação atual, não define propriamente a equidade, mas refere-a a propósito de variadas matérias.[3 Cfr. arts. 4.º, 72.º/2, 283.º/1, 339.º/2, 400.º/1, 437.º/1, 462.º, 494.º, 496.º/3, 566.º/3, 812.º/1, 883.º/1, 992.º/3, 1142.º/2, 1158.º/2, 1215.º/2 e 1407.º/2.]
Um juízo de equidade será aquele “que o julgador formula para resolver o litígio de acordo com um critério de justiça, sem recorrer a uma norma pré-estabelecida. Julgar segundo a equidade significa, pois, dar a um conflito a solução que se entende ser a mais justa, atendendo apenas às características da situação e sem recurso à norma jurídica eventualmente aplicável.[4 ANA PRATA, Dicionário Jurídico, Volume I, 5.ª Edição, Coimbra: Almedina, 2008, p. 600.]”
A propósito da equidade Antunes Varela, em anotação ao art. 4º do Código Civil [5 Cfr. Código Civil Anotado, I vol. 3ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora.] refere que “quando se considera a equidade como fonte (mediata) de direito não se quer com isso atribuir força vinculativa à decisão (equitativa) concreta, como faz por exemplo o sistema anglo saxonico que confere binding authority a determinadas decisões judiciais. O que passa a ter força especial são as razões de conveniência, de oportunidade, principalmente de justiça concreta em que a equidade se funda”. E, abordando ainda a equidade no BMJ, 158, 21, diz o seguinte: “… Se difere da justiça, e não se confunde com a moral, a equidade também se não identifica com os juízos de oportunidade que em larga medida intervêm na actividade política, nem sequer coincide com os critérios de conveniência, a que a lei adjectiva manda atender nos chamados processos de jurisdição voluntária. (…) A equidade começa por basear-se em considerações de justiça. No processo da sua formação interferem os mesmos ingredientes que alimentam a substância da justiça, como sejam os princípios da igualdade ou da simples proporcionalidade e, com mais frequência ainda, os juízos de razoabilidade na solução das pendências entre os homens.”.
O Prof. Castanheira Neves [6 Cfr. Questão de Facto - Questão de Direito, p. 351.] refere que, "quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. ... A equidade, exactamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um elemento essencial da juridicidade. ... A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto".
O Código Civil português, na sua redação atual, a primeira norma com que nos deparamos é a que coloca a equidade enquanto fonte de direito, constante do art. 4.º, que, sob a epígrafe “Valor da equidade”, refere o seguinte:
“Os tribunais só podem resolver segundo a equidade:
a) Quando haja disposição legal que o permita;
b) Quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível;
c) Quando as partes tenham previamente convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à cláusula compromissória”.
Trata-se aqui de admitir que os tribunais possam julgar ex aequo et bono, isto é, segundo a equidade.
Com efeito, considerar a equidade como fonte do direito, de per si, não é tecnicamente rigoroso. É que, e ainda que não se saiba com exatidão o que seja a equidade, é certo que ela não necessita de elevar-se à formulação de regras[7], ela não dita um critério material a aplicar na solução de questões jurídicas.
Ela traduz, no nosso sistema jurídico, um método facultativo que o julgador tem ao seu dispor para que possa decidir sem aplicação de regras formais, ainda que essa decisão tenha de ser tomada “à luz de directrizes jurídicas dimanadas pelas normas positivas estritas”[8].
No caso das alíneas b) e c) do art. 4º do Código Civil, levanta-se a questão de saber quais as “balizas” da decisão tomada por equidade, quando esta faculdade resulta de acordo das partes, revelando uma expressa intenção de renunciar, pelo menos em parte, ao direito positivo como critério válido na resolução de algum litígio que as oponha. Entendemos que a decisão tomada por equidade, quando autorizada por acordo das partes, não poderá deixar de se reportar, ultima ratio, ao direito positivo pois a este cabe a última palavra na orientação da decisão equitativa uma vez que é “expressão máxima da justiça em cada sociedade organizada”[9].
A equidade será, em primeira linha, a correção, mais ou menos intensa, da Lei. Conforme é dito, de forma bastante expressiva e sintética, por MAGDI SAMI ZAKI, “Si les hommes étaient parfaits, ils n’auraient pas besoin de «lois». Si les «lois» étaient parfaites, elles ne s’opposeraient pas à l’équité. Les lois corrigent les hommes. L’équité corrige les lois, les seconde, supplée à leur défaillance selon le mot de Papinien”.[10]
Esta correção da Lei pode operar, como se disse, de forma mais ou menos intensa. O Prof. Menezes Cordeiro[11], indica as duas aceções fundamentais de equidade:
“ – Uma noção mais «fraca», que, partindo da lei positiva, permitiria corrigir injustiças ocasionadas pela natureza rígida das normas abstratas, aquando da aplicação concreta;
- Uma noção mais «forte», que prescinde do Direito estrito e procura, para os problemas, soluções baseadas na denominada justiça do caso concreto”.
Em ambas as aceções, “o julgador, ao decidir, terá de se preocupar apenas com o problema que lhe é posto, sem ter de ponderar a necessidade de, mais tarde, vir ter de decidir outras questões do mesmo modo”.
Num registo mais globalizado[12] encontramos a equidade descrita da seguinte forma:
“Equidade consiste na adaptação da regra existente à situação concreta, observando-se os critérios de justiça e igualdade. Pode-se dizer, então, que a equidade adapta a regra a um caso específico, a fim de deixá-la mais justa. Ela é uma forma de se aplicar o Direito, mas sendo o mais próximo possível do justo para as duas partes.
Essa adaptação, contudo, não pode ser de livre-arbítrio e nem pode ser contrária ao conteúdo expresso da norma. Ela deve levar em conta a moral social vigente, o regime político Estatal e os princípios gerais do Direito. Além disso, a mesma "não corrige o que é justo na lei, mas completa o que a justiça não alcança. Sem a presença da equidade no ordenamento jurídico, a aplicação das leis criadas pelos legisladores e outorgadas pelo chefe do Executivo acabariam por se tornar muito rígidas, o que beneficiaria grande parte da população; mas ao mesmo tempo, prejudicaria alguns casos específicos aos quais a lei não teria como alcançar. Esta afirmação pode ser verificada na seguinte fala contida na obra "Estudios sobre el processo civil" de Piero Calamandrei: [...] o legislador permite ao juiz aplicar a norma com equidade, ou seja, temperar seu rigor naqueles casos em que a aplicação da mesma (no caso, "a mesma" seria "a lei") levaria ao sacrifício de interesses individuais que o legislador não pôde explicitamente proteger em sua norma.
É, portanto, uma aptidão presumida do magistrado.”
O que acaba de referir-se revela bem a dificuldade de que se reveste um julgamento segundo a figura da equidade.
Também a jurisprudência tem tratado a equidade com parcimónia e quando apenas se mostre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante devido.
Assim pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-5-2010, Proc. 408/2002.P1.S1, “IV - O juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade”; no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/01/2016, Proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1 “Não poderá deixar se ter-se em consideração que tal juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade”; e no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-6-2008, Proc. 08A1700 “VII - Assente a existência de valores a apurar, mas não se tendo determinado, com precisão, o seu montante, deve condenar-se no que se liquidar em execução de sentença, se tal liquidação se afigurar possível, designadamente por recurso a meios de prova na fase de liquidação.
VIII - Tal significa a oportunidade para provar os montantes que não se lograram demonstrar na fase declarativa mas, e apenas, com os limites do pedido que nunca podem ser ultrapassados.
IX - O julgamento de equidade, designadamente nos termos do n.º 3 do art. 566.º do CC, só ocorre quando se mostre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante devido. O recurso à equidade constitui um critério residual que só será aplicável desde que dos factos provados se tenha como demonstrada a existência de danos e estiverem esgotadas as possibilidades de determinação do valor desses danos.” “
O juízo que é feito na sentença manifestamente é de direito.
Apreciar a validade de uma cláusula à luz da LCCG é uma operação eminentemente jurídica e de direito. Os considerandos constantes da sentença arbitral claramente são de direito e bem como a conclusão a que chegou. Neste sentido Acórdão Tribunal da Relação de Évora 3132/17.2T8STB.E1, de 06.12.2018, relatado pelo Des MÁRIO COELHO e Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa 8000/20.8T8SNT.L1-7, de 21.06.2022, relatado pelo des EDGAR TABORDA LOPES, entre muitos outros.
Improcede pois a pretensão da Reqte.
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III DECISÃO
Valor da acção: 1.300,00 € (valor indicado na petição inicial, que não foi impugnado pelos réus).
Custas a cargo da A..
Notifique.
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