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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INTENÇÃO DE MATAR
Sumário
Sumário: I. Não está em causa, com o recurso da matéria de facto, a realização, pelo tribunal de recurso, de um novo julgamento, mas tão-só analisar se o realizado em 1.ª instância cumpriu os critérios legais na respectiva produção de prova e a valorou de forma consentânea com tais critérios, sempre tendo presente o elevado grau de conformação da convicção por força do princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º do Código de Processo Penal). II. O recurso interposto, no que diz respeito à impugnação da matéria de facto não tem a menor viabilidade, considerando que não cumpriu, minimamente, o ónus de impugnação especificada que é imposto pelo art. 412.º do CPP, pois o que o recorrente faz é afirmar a insuficiência da prova produzida para sustentar a sua versão negativa da prova dos factos, em contraponto com a que resultou provada na sequência da realização da audiência de discussão e julgamento. III. A “medida” da intenção de matar não é necessariamente aferível pelas directas consequências da actuação do agente; essas consequências podem ser um elemento muito relevante, mas longe de decisivo. Podemos concluir perfeitamente pela intenção de matar e não haver sequer consequências (por exemplo, alguém dispara uma arma na direcção de outrem mas não lhe acerta) ou excluir essa intenção quando o resultado possa ter sido a morte (como sucede nos chamados crimes agravados pelo resultado - praeter intencionais).
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório:
Em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, ao arguido AA (solteiro, ..., filho de BB e de CC, natural de ..., de nacionalidade …, nascido a ........2004, sem residência certa, pernoitando, aquando da sua detenção, na zona de ..., em …, preso preventivamente no ...) foi imputada a prática, em coautoria e em concurso real, como reincidente, nos termos dos arts. 75.º, n. os 1 e 2 e 76.º do Código Penal de:
- Um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22°, 23° e 131° do Código Penal;
- Um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210°, n° 1, do Código Penal; e de
- Um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 21°, n° 1, e 25°, al. a) e b) do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-A, I-B e IV, anexas ao mesmo diploma.
O Ministério Público requereu, em sede de despacho de acusação, fosse arbitrada a favor da vítima, DD, uma quantia destinada a reparar os danos por si sofridos, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal.
Foi deduzido pedido de indemnização civil contra o demandado/ arguido, pelo demandante ..., que requereu do mesmo o pagamento da quantia de € 2.988,34 (dois mil novecentos e oitenta e oito euros e trinta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde a notificação do demandado para contestar o pedido, a título de ressarcimento das despesas em que incorreu com o tratamento hospitalar que prestou ao ofendido.
Na sequência da audiência de discussão e julgamento, a decisão proferida foi a seguinte (transcrição parcial): “Em face do exposto, decide este Tribunal Colectivo: 1. Julgar a acusação totalmente procedente, por provada, e, em consequência, condenar o arguido, AA, como reincidente: 1.1. Pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22°, 23° e 131° do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão; 1.2. Pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210°, n° 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; 1.3. Pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 21°, n° 1, e 25°, al. a) e b) do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-A, I-B e IV, anexas ao mesmo diploma, na pena de 2 (dois) anos de prisão; 1.4. Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em 1.1. a 1.3, na pena única de 9 (nove) anos de prisão; 2. Julgar procedente o pedido de arbitramento de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público, e, em consequência, condenar o arguido AA a pagar ao ofendido, DD, indemnização por danos não patrimoniais pelo valor de € 12.000 (doze mil euros); 3. Julgar totalmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela ..., e, em consequência, condenar o demandado, AA, a pagar-lhe a quantia de € 2.988,34 (dois mil novecentos e oitenta e oito euros e trinta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde a presente data e até integral pagamento.[…]”
II- Fundamentação de facto
Inexistindo factos não provados, decisão recorrida apresenta a seguinte factualidade provada:
1. “O arguido AA e o ofendido, DD, são ambos sem-abrigo e pernoitavam, em ... de 2024, em tendas por baixo do ..., em ...;
2. O arguido e o ofendido conheceram-se em ... de 2024, data em que o arguido passou a pernoitar numa tenda no mesmo local que o ofendido;
3. No dia .../.../2024, cerca da 01:05 horas, o arguido dirigiu-se junto do ofendido quando este se encontrava ao telemóvel a falar com a sua mãe, fora da tenda onde dormia, e encetou conversa com o mesmo;
4. Como o ofendido continuou ao telemóvel, o arguido, de forma repentina, agarrou no telemóvel do ofendido e começou a puxar o mesmo para si para o subtrair e ficar na sua posse;
5. O ofendido tentou agarrar o arguido pelos braços como forma de se defender e impedir que o arguido levasse o seu telemóvel, mas, face à superioridade física do arguido perante o ofendido, este não logrou recuperar o telemóvel;
6. O ofendido, na tentativa de recuperar o seu telemóvel, pediu ao arguido AA para lhe devolver tal objecto e afirmou que lhe entregaria o respectivo valor, por forma a não ficar impedido de falar com os seus pais, o que o arguido recursou;
7. Em acto continuo, o arguido empunhou um objecto cortante de natureza não concretamente apurada e desferiu várias pancadas e três golpes cortantes no ofendido;
8. Um dos golpes atingiu o ofendido na face, desde a orelha até junto do lábio, do lado esquerdo, e outro atingiu-o no braço direito e junto à virilha, do lado direito;
9. Depois das agressões perpetradas pelo arguido ao ofendido, o mesmo encetou fuga para parte incerta, na posse do telemóvel do ofendido, de marca ..., no valor aproximado de 40 euros;
10. Das agressões infligidas pelo arguido ao ofendido resultaram feridas sangrantes na hemiface e na região retroauricular esquerdas, na fossa íliaca direita, e no membro superior direito;
11. Na sequência dessas agressões, o ofendido foi assistido no serviço de urgência do ..., tendo sido posteriormente transferido para o ..., onde foi observado e realizada limpeza, desinfeção e sutura das feridas, tendo aí permanecido internado durante uma semana;
12. Em consequência dos golpes supra descritos, o ofendido passou a apresentar as seguintes sequelas:
• Face: cicatriz linear no pavilhão auricular esquerdo, desde a anti-hélice ao lóbulo, eucrómica, vertical, com 2cm de comprimento; cicatriz linear em L de concavidade superior na região pré-auricular e malar esquerda, eucrómica e eutrófica, com 12 cm de comprimento, na sua maior extensão coberta por barba; cicatriz linear desde o ângulo esquerdo da mandíbula até à linha média do ramo mandibular esquerdo, eutrófica e hipocrómica, oblíqua ântero-inferiormente, com 9 cm de comprimento;
• Abdómen: cicatriz infracentimétrica na fossa ilíaca direita, praticamente impercetível;
• Membro superior direito: cicatriz linear no terço proximal da face anterior do braço, rosada, hipertrófica, com vestígios de pontos de sutura, oblíqua ínfero-medialmente, com 5cm de comprimento, sem retração;
13. Das lesões infligidas e dos tratamentos realizados, com respetivas sequelas objetivadas, resultaram no ofendido cicatrizes no pavilhão auricular e hemiface esquerdas e no membro superior direito;
14. Do evento em apreço resultou, em concreto, perigo para a vida do ofendido, uma vez que careceu de suporte aminérgico por quadro de hipotensão subsequente à sedoanalgesia necessária ao tratamento das lesões;
15. Tais lesões determinaram, para a consolidação médico-legal, com afetação da capacidade de trabalho geral e com afetação da capacidade de trabalho profissional, número de dias ainda não apurado;
16. Ao retirar o telemóvel ao ofendido, o arguido actuou com a intenção concretizada de lho subtrair e de se apropriar de tal objecto, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e bem assim não se inibindo de utilizar a violência para concretizar os seus intentos;
17. Ao desferir as pancadas e os golpes que desferiu no ofendido, considerando a zona atingida, nomeadamente a pancada e golpe da zona da cabeça, o arguido sabia que com aquela conduta poderia causar a morte do ofendido considerando a letalidade do objecto utilizado, resultado que pretendia e que sabia que podia suceder, não se inibindo de actuar da forma descrita;
18. O arguido apenas não logrou alcançar os seus intentos devido à intervenção médica que chegou ao local, concretamente, uma viatura da VMER, e o rápido transporte ao Hospital;
19. No momento da detenção, ao ser revistado de folina mais pormenorizada para dar entrada nas celas de detidos da ..., o arguido tinha consigo: - 9 (nove) embalagens de cocaína, com o peso de 2,571 gr; - 3 (três) embalagens de heroína, com o peso de 1,205 gr; - 3 (três) comprimidos de Clonazepam, com o peso de 0,340 gr.
20. O arguido conhecia as características e a natureza ilícita das substâncias que detinha na sua posse, bem sabendo que não as podia deter naquela quantidade, nem as podia ceder a terceiros;
21. Em todas as descritas atuações, o arguido actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente;
22. O arguido já anteriormente à prática dos factos supra descritos foi julgado e condenado pela prática de factos suscetíveis de integrar ilícitos penais dolosos da mesma natureza;
23. Em concreto, foi condenado no âmbito do Processo n.° 991/22.0PPPRT, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do Porto - Juiz 13, pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;
24. O arguido foi detido fora de flagrante delito no dia ........2022, pelas 22:00, e esteve ininterruptamente preso, em prisão preventiva à ordem do referido processo, desde ........2022, tendo a pena sido declarada extinta por efeito do seu integral cumprimento em 24.10.2023;
25. No entanto, tal condenação não foi suficiente para obstar a que o arguido cometesse novos ilícitos penais dolosos; Quanto ao pedido de indemnização civil provou-se que:
26. Entre os dias ........2024 e ........2024 o Hospital demandante prestou assistência ao ofendido, DD , em virtude das lesões por este sofridas, supra referidas, a qual importou em € 2.988,34 (dois mil novecentos e oitenta e oito euros e trinta e quatro cêntimos); Mais se apurou que:
27. O arguido é natural de ..., tendo imigrado sozinho para Portugal aos 17 anos de idade, na sequência de pedido de protecção internacional que formulou;
28. Em face desse pedido de protecção, obteve autorização de residência em Portugal e foi acolhido numa instituição de asilo para crianças e jovens refugiados;
29. Na referida instituição apresentava comportamentos de desobediência às regras e ausentava-se frequentemente sem autorização;
30. Decorreu em seu favor um processo de promoção e protecção, tendo recusado o apoio do Tribunal de Família e Menores pouco antes de atingir a maioridade;
31. No âmbito da Segurança Social portuguesa não deu seguimento ao processo iniciado a seu favor, como requerente de asilo, pelo que se encontra indocumentado desde 2022;
32. Desconhece-se se possui, no país de origem, enquadramento familiar;
33. Não lhe são conhecidas experiências profissionais;
34. No país de origem frequentou a escola até ao 5° ano de escolaridade;
35. Em Portugal, no decorrer do processo de acolhimento, esteve matriculado na ..., mas recusou a frequência das aulas;
36. No Estabelecimento Prisional apresenta sérias dificuldades de adaptação às normas institucionais, registando frequentes infracções disciplinares e isolamentos em pavilhão destinado ao cumprimento de medidas disciplinares;
37. Não apresenta juízo crítico nem de auto-censura face aos factos supra descritos, cuja gravidade não interiorizou;
38. Para além da condenação supra referida em 23., apresenta os antecedentes criminais: - Por sentença proferida em 24.04.2024, transitada em julgado a ........2024, pelo Juízo Local Criminal de Leiria, juiz 1, no âmbito do processo 732/23.5T9LRA, foi condenado, por factos reportados a ........2023, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €5.”
III- Convicção da matéria de facto O Tribunal a quo justificou a convicção da matéria de facto nos seguintes termos: “Para formar a sua convicção, o tribunal atendeu ao conjunto da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, depois de sujeita à respectiva e prudente análise crítica. Em audiência, o arguido negou ter desferido qualquer golpe no ofendido, rejeitando ainda ter-lhe subtraído o telemóvel. Sucede, porém, que o depoimento prestado pelo ofendido, DD, perante autoridade judiciária no decurso do inquérito (fls. 156 a 158), e reproduzido em audiência nos termos previstos no art. 356°, n° 4, do Código de Processo Penal, por não ter sido possível obter a sua notificação e comparência em julgamento, foi absolutamente esclarecedor quanto à efectiva ocorrência de todos os factos que, por referência às agressões de que foi vítima e à subtracção do seu telemóvel, resultaram provados. Na verdade, o ofendido esclareceu de forma cabal, e sem quaisquer dúvidas ou hesitações, o modo como foi agredido pelo arguido, bem como as circunstâncias em que este lhe subtraiu o telemóvel, em estrita concordância com a factualidade que se consignou como provada. Tal depoimento do ofendido foi ainda corroborado, quanto à autoria dos factos em apreço, pelo teor do auto de reconhecimento do arguido, de fls. 29 a 31, e quanto às lesões que o mesmo sofreu e aos tratamentos que lhe foram prestados, pelo teor da reportagem fotográfica de fls. 15 a 17 e 26, dos documentos clínicos de fls. 204 a 230, 275 a 324 e 327 a 330, do relatório pericial de fls. 234 a 235 e da factura relativa aos custos de tais tratamentos, de fls. 344-verso. De igual forma, dos depoimentos isentos prestados em audiência pelas testemunhas EE e FF, agentes da PSP, resultaram inequívocos os ferimentos apresentados pelo ofendido e a necessidade de lhe ser proporcionada assistência hospitalar, tendo acorrido ao local na sequência de chamada via rádio dando conta da ocorrência de um esfaqueamento na zona de ..., não tendo, porém, interceptado o arguido nas proximidades. Do teor do aditamento de fls. 73 e do auto de apreensão de fls. 74, devidamente conjugados com o teor do relatório de exame pericial de fls. 100, retirou-se a factualidade, que resultou provada, relativa aos produtos estupefacientes que o arguido tinha consigo aquando da sua detenção. O teor da certidão processual de fls. 163 a 183 e do certificado de registo criminal de fls. 356 e seguintes permitiram dar como assentes as anteriores condenações criminais que o arguido apresenta e o relatório social elaborado pela DGRSP, contante dos autos, foi fundamental para permitir a convicção atingida quanto aos factos respeitantes ao percurso de vida do arguido.”
IV- Recurso:
O arguido apresentou recurso, retirando-se da sua motivação as seguintes conclusões, que se passam a transcrever:
“ a) Por Acórdão datado de 11 de Junho de 2025, o douto tribunal coletivo julgou totalmente procedente a acusação e decidiu: 1. Julgar a acusação totalmente procedente, por provada, e, em consequência, condenar o arguido, AA, como reincidente: 1.1. Pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22°, 23° e 131° do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão: 1.2.Pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210°, n° 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão: 1.3. Pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 21°, n° 1, e 25°, al. a) e b) do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-A, I-B e IV, anexas ao mesmo diploma, na pena de 2 (dois) anos de prisão: 1.4. Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em 1.1. a 1.3, na pena única de 9 (nove) anos de prisão; (…) b) Contudo, não se conforma o Arguido com tal decisão, porquanto, entende que houve erro na apreciação da prova e insuficiência da matéria de facto para a decisão proferida uma vez que entende que da prova produzida não resulta prova dos factos que lhe são imputados, como infra se demonstrará. c) Mais, o Arguido entende ainda que erro de julgamento e errada qualificação jurídica pois o douto tribunal a quo valorou factos que não são objecto dos autos, tampouco resultam da prova ou do despacho de acusação. d) Face à prova produzida, entende, concomitantemente, que, existe, também violação do princípio fundamental do processo penal – o princípio do in dubio pro reo1. e) S.M.O., há manifesta insuficiência da prova para os factos que erradamente, o tribunal deu como provados. Assim, nos termos do artigo 412ºnº3 do CPP estamos perante um erro de julgamento. f) No mais, o tribunal valorou os depoimentos prestados pelas testemunhas apenas na parte em que interessava para a efetiva condenação do arguido, descurando questões em que divergem os depoimentos e em que, nitidamente, resulta factualidade diversa da constante no despacho acusatório. g) E no que ao Ofendido concerne, é apodítico que o seu discurso não foi claro, não foi verossímil, vai até contra as regras da experiência comum, contudo, o douto tribunal valorou apenas o que seria essencial para a condenação que resultou no douto Acórdão proferido. h) Consta ainda do referido acórdão que o “Em audiência, o arguido negou desferir qualquer golpe, rejeitando ainda ter-lhe subtraído o telemóvel”, o que é totalmente falso pois, inicialmente o Arguido remeteu-se ao silencio, e no final da produção de prova falou sobe os factos e confirmou ter agredido o Ofendido. i) Existem, assim, factos dados como provados que não deveriam estar provados, pois que nenhuma outra prova foi produzida, com relevância para os factos; j) O certo é que existe vício que deverá ser corrigido, no âmbito dos poderes irrestritos do Tribunal da Relação, podendo este alterar a matéria de facto e sobre eles extrair novas conclusões, procedendo a impugnação da matéria de facto que ora se faz e se requer aditando-se e alterando-se os seguintes: k) Alteração dos factos provados para não provados nova redação dos artigos e aditando-se outros artigos: l) - Deverá constar dos factos provados que: - O ofendido e Arguido conheciam-se, bebiam juntos e pelo menos 2 semanas antes dos factos que tinham discussões: - O Arguido é consumidor de estupefacientes; - O Arguido toma clonazepam (Rivotril) por prescrição médica; m) Deverá dar-se por não provado o ínsito nos artigos 4.º, 5.º, 6.º,7.º,18.º devendo ser substituído por um só artigo com a seguinte redação: Em circunstâncias que não foi possível apurar, o Arguido e Ofendido iniciaram uma discussão, tendo o Arguido desferido pelo menos 3 golpes cortantes no Ofendido. n) No que à prova documental concerne temos ainda que referir que há uma grandeconfusãoentreoepisodiode13/07/2024 e os episódios de violência que o Ofendido tem na via vida, que configuram esfaqueamentos, agressões, em várias datas ao longo de 2024 e já em 2025. o) Nada destes factos se relacionam com o Arguido e s.m.o., só demonstram que o Ofendido se envolve em vários desacatos e confusões, que o próprio não sabe e não quer explicar. p) Que a sua versão não é verossímil pois o mesmo não referiu todos os eventos, e que deixam uma dúvida persistente sobre a verdade dos factos que levou a esta ofensa à integridade física. q) A qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido, apenas permite concluir pela existência de um crime de ofensa à integridade física grave, nunca, de um crime de homicídio na forma tentada. r) Note-se que o Arguido, em Julgamento reconheceu ter esfaqueado o Ofendido, embora num contexto muito diferente da versão apresentada por este, que também como vimos não é verossímil. s) A tentativa é, precisamente, começo de execução não completa de um crime, por motivo alheio à vontade do agente. t) Trata-se, na tipicidade subjetiva, de um facto doloso (como resulta de todo o circunstancialismo volitivo externalizado) e no plano da tipicidade objetiva, no caso se verifica quer a dimensão positiva, quer a negativa: na primeira, está presente, nos factos recordados supra, a prática de atos de execução tendentes à consumação; na segunda, a falta de conclusão do resultado, a ausência de consumação. u) Se o Arguido vem acusado de um crime de homicídio na forma tentada, perguntamo-nos porque é que não consumou o referido crime? v) Não foi com certeza porque foi dada assistência médica, já que resulta dos autos que o Arguido já estaria longe do ofendido quando chegou a referida assistência, e tampouco foi transportado imediatamente ao Hospital. Falou com as testemunhas e só após se fez o transporte. w) Isto porque, as lesões em causa, apesar de causarem impressão a quem visse, não eram idóneas a produzir a morte do mesmo de forma imediata. x) Tendo resultado provados os factos que consubstanciam “atos de execução” do crime de homicídio e os factos que realizam o “dolo” de homicídio, para haver punição por crime de homicídio tentado (e, não apenas por crime de ofensa à integridade física consumada), não basta acrescentar apenas (como “facto” provado) que “a morte não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade do arguido, concretamente por ter sido prestado auxílio o Arguido”; y) Esta afirmação é estritamente conclusiva e tem de ser retirada de outros factos, que se têm de estar especificados na acusação, demonstrados no julgamento, e descritos finalmente nos factos provados do acórdão. z) Querendo o agente matar a vítima e ficando sem se saber por que razão não o fez, não é suficiente a (não) explicação que se reduz ao referido enunciado linguístico, estritamente conclusivo; pois é sempre factualmente que a resposta tem de ser dada. aa) Na ausência factual dessa resposta, várias hipóteses permanecem em aberto: o arguido não prossegue a execução do crime por se convencer de que a vítima já está morta ou que vai morrer seguramente? Não prossegue devido à intervenção de terceiros? Ou não prossegue porque desiste de matar? bb)Apesar de constar do referido Acórdão que o Arguido não logrou alcançar os seus intentos devido à intervenção médica que chegou ao local, concretamente, uma viatura da VMER, e rapidamente transportado ao hospital, tal não é o que resulta da prova, pois que, as testemunhas referiram que quando chegaram ao local já lá estava a equipa da VMER e que estiveram a falar com o Ofendido. cc) Note-se que tal está documentalmente provado, até porque a data da ocorrência é 1.05h e o ofendido só foi admitido no hospital pelas 2.21.41h, quase 1h30min depois. dd)Sendo ainda evidente que em todos os relatórios clínicos constantes dos autos, resulta o abuso de álcool por parte da vítima, presente em todos os relatórios médicos; ee) Nestas circunstâncias, e revelando-se essa resposta factual essencial à boa decisão da causa, pode configurar-se o vícioda insuficiência da matéria de factopara a decisão (art. 410º, nº 2, al. a), do CPP) resolúvel por via do reenvio para novo julgamento a fim de se apurarem os factos em falta, ou a absolvição do arguido do crime (mais grave) tentado e a consequente condenação pelo crime (menos grave) consumado. ff) A zona ferida foi a cara, não sendo um corte profundo, não tendo afectado nenhum órgão vital, nem existiu qualquer impedimento para o arguido consumar, caso quisesse, o crime de homicídio. gg) Como o mesmo arguido referiu em sede de julgamento, admitiu ter esfaqueado, embora em defesa a uma agressão, tese que até pode não ser valorada pelo douto Tribunal, mas também não há em lado alguma prova ou até indício que este o quisesse matar. hh)Do mesmo modo, resulta evidente que não foi encontrada a arma do crime, nem a quem pertencia, sendo que do relatório pericial não resulta que a sua vida tenha ficado em perigo, e o internamento deveu-se a cirurgias plásticas como é natural. ii) Pelo que, o tribunal, atento a motivação, o grau de culpa e sobretudo as circunstâncias em que ocorreram os factos como acima se explanou, não deveria ter condenado o arguido por um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 131º,), 22º, 23º, todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão, mas antes deveria ter feito a correcta qualificação jurídica dos factos apurados, subsumindo-se a conduta do Arguido num crime de Ofensa à Integridade Fisica Grave, conforme dispõe o artigo 144.º alínea a) do Código Penal, qualificação essa que foi a que sempre existiu até à prolação do despacho de acusação. jj) Quanto ao crime de trafico de estupefacientes de menor gravidade, não pode resultar provado que o Arguido tinha estupefaciente que não consta no libelo acusatório, nomeadamente e embalagens de Heroína. kk) Tal não consta da acusação. ll) O arguido tem direito a saber, quantos, e quais, os ilícitos em relação aos quais deve organizar a sua defesa, e tem o direito a não ser surpreendido pela imputação de um novo ilícito, que não pode, de acordo com lei expressa ser considerado como um mero erro de escrita, tanto mais que o alegado erro não era da autoria do Mmo Juiz, mas sim do MºPº, logo, nos termos do disposto no artº 380º do CPP. mm) Não tendo sido sanado, não existe acusação quanto este segmento, não podendo o Tribunal condenar o arguido por factos que não constam da acusação. nn)No mais, resulta da prova produzida que o Arguido era consumidor de estupefaciente e mesmo em ambiente prisional tem que tomar medicação como seja clonazepam -rivotril. oo) Pelo que, o mesmo pode provar que tal substância é tomada por prescrição médica, o que o Tribunal simplesmente não quis apurar. pp)Resultando apenas que tinha consigo cocaína, que como referiu o próprio ofendido, era para consumo do mesmo. qq)Não concebendo a defesa como poderá vira ser condenado na pena de 2anosde prisão efetiva por tal facto. rr) Devendo, pois, a posse do estupefaciente ser considerada para consumo, devendo pois ser o Arguido absolvido da pratica deste crime; ss) Para a verificação do vício a que alude a alínea a) artigo 410.º, n.º 2 do CPP, é necessário que os factos se apresentem insuficientes para a decisão a proferir, ou seja, a matéria de facto dada como provada necessita de ser completada, por lhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são indispensáveis à formulação de um juízo seguro de condenação ou de absolvição. tt) Por seu turno, o vício de erro notório na apreciação da prova, corresponde ao erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando dos factos tidos por provados e não provados decorre uma conclusão logicamente inaceitável para o homem de média formação. uu)Percorrendo este segmento da decisão recorrida, é apodítico que os propalados vícios ocorrem, por se verificar insuficiência para a decisão de direito da matéria factual provada, tendo o tribunal a quo incorrido em erro de apreciação da prova que em audiência foi produzida. vv) O douto Tribunal a quo deu como provados todos os factos que não resultaram dos testemunhos. ww) A prova direta dos factos sujeitos a comprovação judicial na audiência de julgamento foi parca, pouco coerente, contraditória, sendo também diminuta e despicienda a prova indiciária reunida e analisada em sede de audiência. xx) Ora, naturalmente, neste tipo de processo, tendo em conta o concreto crime, teria o tribunal que proceder com o maior cuidado, objetividade, isenção e rigor, evitando a formulação de um juízo arbitrário ou intuitivo sobre a verificação, ou não, de um facto ou do próprio crime. yy) A convicção deve ser adquirida através de um processo racional, ponderado e maturado, alicerçado e objectivado na análise crítica e concatenada dos diversos dados e contributos carreados pelas provas produzidas, no máximo respeito pelos princípios da presunção da inocência,da verdade material e da legalidade. zz) Assim, o Tribunal a quo fez uma deficiente e errónea apreciação dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento. aaa) Pelo que, nos presentes autos ,deveria ter sido ditada uma absolvição quanto a este crime, uma vez que, de forma alguma racional e lógica, não se poderia ter dado como provada a prática pelo Arguido dos crimes de que vinha acusado e na parte até que não vem acusado. bbb) No que concerne ao crime de roubo, foi o Arguido condenado pela pratica, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de roubo, p. p. pelo artigo 210.º n.º 1 do CP, na pena de 3 anos de prisão. ccc) Isto porque, na versão apresentada pelo Ofendido, o Arguido roubou um telemóvel ao ofendido, da marca Wiko, no valor de €40,00. ddd) Quanto a este crime, e para fundamentar esta condenação o douto Tribunal considerou: “Na verdade, o ofendido esclareceu de forma cabal, e sem quaisquer dúvidas ou hesitações, o modo como foi agredido pelo arguido, bem como as circunstâncias em que este lhe subtraiu o telemóvel, em estrita concordância com a factualidade que se consignou como provada” eee) Ainda que se admita que o arguido tivesse a intenção de subtrair um telemóvel, já ficou por apurar se essa intenção inicialmente formada se manteve, tanto mais que também se deu como provado que ele levou o telemóvel consigo. fff) Deveria o tribunal a quo ter investigado e apurado o destino do mesmo a partir do momento em que o arguido a levou consigo alegadamente, pois só assim poderia ter uma convicção fundada sobre a intenção com que o arguido agiu e assim fazer a adequada integração jurídica dos factos. ggg) Trata-se de um telemóvel que, nem o ofendido provou existir, não referiu qual o modelo, quando comprou, qual o IMEI, não indicou o nr de telemóvel associado para que se pudesse fazer a geo-localização do mesmo. hhh) Verifica-se o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a correta solução de direito porque faltam elementos que podiam e deviam ter sido indagados. iii) Aquando da detençãodo Arguido este tinha consigo telemóvel, applewatch, fios – não tinha nenhum telemóvel da marca indicada pelo Ofendido. jjj) Ou seja, os bens que tinha consigo são naturalmente de valor substancialmente superior ao do telemóvel que o Ofendido diz que lhe foi subtraído e que terá estado na origem das agressões. kkk) Não pode, s.m.o., colher essa versão. lll) Sendo essencial para a descoberta da verdade material, nomeadamente ao nível do dolo, saber o que efetivamente aconteceu ao tlm após o mesmo ter sido alegadamente retirado ao ofendido e não constando da sentença factos que retratem essa realidade, estamos perante o vício previsto na alínea a., do nº 2, do artº 410º. mmm) Padecendo a sentença do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto na alínea a., do nº 2, do artº 410º e não sendo possível supri-lo em sede de recurso uma vez que se impõe a produção de nova prova, há que reenviar o processo para novo julgamento relativamente à totalidade do seu objeto nos termos previstos nos artigos 426º e 426º-A. nnn) A condenação de qualquer pessoa pela prática de qualquer crime, e sob determinada configuração no que ao elemento subjetivo do mesmo respeita, exige que a convicção positiva do julgador assente numa certeza que alicerçada por sua vez em elementos probatórios concretos e seguros o bastante- afaste as dúvidas sobre essa mesma convicção. ooo) Isto é, assentando embora qualquer decisão do julgador penal na sua livre convicção, o processo de formação dessa mesma convicção é em si mesmo vinculado e sujeito a regras. ppp) Tem-se, pois, por afetada a absoluta e rigorosa certeza probatória que qualquer condenação penal exige como seu fundamento. qqq) As circunstâncias referenciadas, ligadas à produção de prova em sede de audiência, inquinam o processo de formação da convicção do Tribunal nesta parte sendo, por isso, são suficientes e relevantes ao ponto de se entender não ser possível assacar terminantemente a este arguido a atuação imputada, sendo certo que é princípio basilar do Direito Penal o de que qualquer dúvida razoável na convicção do julgador deve ser valorada em benefício do arguido (“in dubio pro reu.”). rrr) O que resulta afinal demonstrado nos autos é, pois, de que o arguido agiu com intenção de atingir corporalmente o ofendido, mas tão só pela forma como o fez, e nas concretas circunstâncias em que atuou. sss) Não resulta provado quer o trafico de estupefacientes, quer o roubo. ttt) E, portanto, entende a defesa que para além da necessária alteração da qualificação jurídica do crime de homicídio na forma tentada para ofensa à integridade física qualificada, tem o arguido que ser absolvido da prática do crime de roubo e trafico de estupefacientes de menor gravidade. uuu) Assim, resulta claro que a interpretação extensiva feita pelo MM. Juiz a quo da norma constante do artigo 127.º do CPP viola o princípio da presunção da inocência na sua vertente do in dubio pro reo consagrado no artigo32.º,n.º 1, 1.ª parte da Constituição da República Portuguesa. vvv) Por tudo quanto se encontra exposto, a douta decisão recorrida violou de forma clara e inequívoca, os princípios orientadores do processo penal e, ainda os princípios constitucionais da plenitude das garantias de defesa, do Estado de Direito Democrático, da proporcionalidade e do in dubio pro reo. www) No nosso entendimento, a valoração das declarações prestadas pelo Ofendido perante Magistrado, valoração quase exclusiva para a decisão proferida, viola de forma intolerável, o seu direito de defesa, designadamente porquanto: - O arguido não pôde contraditar o meio de prova em audiência, onde apenas foi reproduzido; - Foi prestado perante magistrado do MºPº, na ausência da defensora do Arguido; - Materialmente, na decisão, o tribunal recorrido procedeu a uma valoração extrema do depoimento, única prova para levar a cabo a condenação de que ora se recorre. xxx) Note-se que, em ... de 2025 o Arguido estava e mantem recluso, pelo que nada existia que impedisse a presença da defensora do mesmo em tal ato. yyy) Pelo que entendemos que, sem prejuízo da livre apreciação da prova, foi usado de forma indevida, sendo que a interpretação extensiva feita pelo Coletivo da norma constante do artigo 127.º do CPP, viola o princípio da presunção da inocência na sua vertente do in dubio pro reo consagrado no artigo 32.º, n.º 1, 1.ª parte da Constituição da República Portuguesa. zzz) Pelo que, na ausência de demais prova, não tendo o Ofendido comparecido em sede de julgamento, não pode o douto Tribunal a quo alicerçar uma decisão, que é tão pesada na vida de um indivíduo com pouco mais de 20 anos, só com base nessas declarações, não tendo sido permitido ao Arguido o exercício do contraditório. aaaa) Ainda que tudo não proceda, sempre se considera absolutamente excessiva a fixação das penas parcelares devendo serem alteradas para um quantum próximo dos respetivos limites mínimos, aplicando-se o regime relativo a jovens delinquentes e sanando-se a invocada reincidência, que entendemos não existir; bbbb) Devendo ainda, atendendo a todo o circunstancialismo invocado, aplicar-se a suspensão da execução da antedita pena de prisão, com sujeição a regime de prova. NESTES TERMOS E nos mais de Direito que V. Exas. sempre suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência: a) Ser reconhecido e declarado o erro de julgamento e respectiva alteração da matéria de facto provada e não provada, nos moldes apresentados, com as necessárias consequências legais; b) Ser reconhecida e declarada a manifesta insuficiência da matéria de facto para a decisão proferida (art. 410º, nº 2, al. A), do CPP) bem como a errada qualificação jurídica quanto ao crime de homicídio na forma tentada; c) Devendo ser o Arguido absolvido dos crimes de roubo e de tráfico de estupefacientes de menor gravidade; d) Subsidiariamente, sempre deverá o Arguido ser absolvido dos de roubo e de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, por violação do princípio do in dubioproreo e errada e excessiva valoração das declarações prestada pelo ofendido perante magistrado, sem possibilidade e exercício por parte do arguido ao contraditório; e) Caso assim não se entenda, f) a fixação das penas parcelares para um quantum próximo dos respetivos limites mínimos; g) - a pena única de 4 anos de prisão (na qualificação jurídica ponderada pelo tribunal a quo) ou a pena de 3 anos e 8 meses de prisão (no contextura da tipificação jurídica pugnada pelo arguido); e h) - a suspensão da execução da antedita pena de prisão, com sujeição a regime de prova.”
O Ministério Público em resposta ao recurso pugnou pela sua improcedência, concluindo do seguinte modo (que transcrevemos):
I. Embora o recorrente invoque o vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão – prevista no artigo 410º do CPP –, analisando a fundamentação do recurso conclui-se, salvo no que se refere à menção à cocaína detida e que infra nos pronunciaremos, que o mesmo se consubstancia numa discordância quanto à avaliação da prova produzida para dar como provados os factos, estando assim perante um recurso em matéria de facto nos termos do artigo 412º, 3, do CPP.
II. No mesmo sentido, a invocação da violação do princípio da presunção da inocência assenta na discordância quanto aos factos dados como provados.
III. O recorrente admite ter sido ele a desferir os vários golpes na vítima com um objeto cortante, negando apenas que o tenha feito com intenção de matar.
IV. Ora, a negação do arguido da intenção de matar não é credível precisamente por ser contrariada pelos seguintes elementos constantes da prova documental e pericial dos autos, nomeadamente as fotografias de fls. 18 e 26 e o relatório pericial de fls. 234/235 interpretados de acordo com as regras da experiência: a) O desferimento de golpes profundos no corpo humano com um objeto cortante, desde logo pela perda de sangue – no relatório pericial, a fls. 234 verso consta que a vítima apresentava uma ferida na face a “sangrar ativamente” e feridas com “hemorragia ativa” -, cria sempre um perigo para vida que é conhecido pelo agressor; b) Não foi desferido apenas um golpe, mas pelo menos 3 golpes, reforçando que a intenção não podia ser apenas defender-se ou causar dores na vítima, caso em que um golpe seria suficiente; c) Os locais onde os golpes foram desferidos, nomeadamente na cara e abdómen, áreas sensíveis e de perigo para a vida, ao contrário, por exemplo, de golpes em braços ou pernas. V. A intenção de apropriação, no crime de roubo (tal como no crime de furto, por exemplo), basta-se com, após o momento de subtração – o desapossamento do proprietário -, o agente levar o telemóvel consigo, comportando-se como novo proprietário. A partir deste momento, qualquer destino que o arguido tenha dado – desde deitar fora, dar a outra pessoa, ou qualquer outro destino – é já um poder decorrente de se ter previamente apropriado do bem, comportando-se como um novo proprietário que pode dar o destino que quiser à coisa que considera sua. VI. No que se refere à falta de menção à heroína na acusação, trata-se de um manifesto lapso de escrita, corrigido oficiosamente no acórdão, como decorre com evidência do texto da acusação: “(…) 3 (três) embalagens com, com o peso de (…). A acusação reproduziu no facto 21 os produtos que o arguido tinha na sua posse e que constam do auto de apreensão, por si assinado (fls. 74) e do relatório pericial ao produto estupefaciente apreendido, sendo manifesto que o arguido sabe do que estava acusado. VII. No que se refere ao crime de tráfico de estupefacientes, para além da quantidade, a demonstração de que o destino era a cedência a terceiros decorre da quantidade de embalagens e diversidade de estupefaciente. VIII. No que se refere à medida da pena, o recurso é meramente conclusivo, sem qualquer fundamentação, nem mesmo para a aplicabilidade do regime especial para jovens. Limita-se a concluir que as penas são excessivas e que a pena deveria ser suspensa. IX. Ora, concordamos com o acórdão, desde logo, no sentido de afastar a aplicabilidade do regime para jovens tendo em conta que o recorrente tinha já cumprido uma pena de 1 ano de prisão efetiva, terminada em ... de 2023, tendo praticado os crimes objeto destes autos, de grande gravidade, cerca de 9 meses depois. Esta circunstância permite concluir não existirem razões “para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado” – artigo 4º do DL 401/82 de 23/09. X. Quanto às penas concretas aplicadas – parciais e única - entendemos não merecem qualquer censura. Pelo exposto, deverá ser julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido e ser confirmada a decisão recorrida.”
Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido, corroborando a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1.ª instância.
V- Questões a decidir:
Resulta do art.º 412.º n.º 1 do Código de Processo Penal (e do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995) que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sequência da respetiva motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido por si formulado, de forma a permitir o conhecimento das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que eventualmente existam.
A. Impugnação da Matéria de Facto e alteração da matéria de facto provada e não provada:
1. - Vícios Decisórios: insuficiência da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova (art.º 410.º/2, al. a) e c) do CPP) -
2. (ii.) - Do Erro de Julgamento- art.º 127.º e 412.º/3 e 4 do CPP-
3. (iiii.) – violação do princípio do in dúbio pro reo / Violação do art.º 32.º/2 do CRP - Cls.34 a 44.
4. Valoração das declarações prestadas pela vítima;
B. Da errada qualificação jurídica e da insuficiência da matéria de facto:
1. Na condenação do arguido pela prática do crime de homicídio por ausência da intenção de matar;
2. Na condenação do arguido pela prática crime de roubo;
3. Na condenação do arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade;
C. Da medida concreta das penas aplicadas ao arguido e da não aplicação do regime de jovens delinquentes.
VI- Fundamentos de direito
A - Impugnação da Matéria de Facto e alteração da matéria de facto provada e não provada:
1. - Vícios Decisórios: insuficiência da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova (art.º 410.º/2, al. a) e c) do CPP) -
2. (ii.) - Do Erro de Julgamento- art.º 127.º e 412.º/3 e 4 do CPP-
3. (iiii.) – violação do princípio do in dúbio pro reo / Violação do art.º 32.º/2 do CRP - Cls.34 a 44.
4. Valoração das declarações prestadas pela vítima.
Apreciando.
“Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (…).2”
“Iº A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º, nº2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.os 3, 4 e 6, do mesmo diploma;
IIº No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs3 e 4 do art. 412º do C.P. Penal.”, assim, Acórdão deste Tribunal Superior (Jorge Gonçalves), de 29/3/2011, in www.dgsi.pt3.
“Como vem entendendo, sem discrepância, este Supremo Tribunal de Justiça, o recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os "pontos de facto" que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham "decisão diversa" da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) – art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP –, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer.”, neste sentido, ver Acórdão do STJ de 31 de maio de 2007 (Simas Santos), in www.dgsi.pt4.
O n.º 4 do referido art. 412.º acrescenta que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Há, assim, uma dupla exigência formal quando os recorrentes pretendem ver reapreciada a matéria de facto:
1.ª- exige-se a identificação dos concretos factos que devem ser considerados incorrectamente julgados (não é bastante a sua indicação genérica);
2.ª exige-se a indicação das provas (ou a falta delas) que impõem decisão diversa, com a referência concreta das passagens da gravação em que se funda a impugnação, com a identificação do meio de prova ou meio de obtenção de prova respectivos e, caso o meio de prova tenha sido gravado, é exigida a indicação do início e termo da gravação e a indicação do ponto preciso da gravação onde se encontra o fundamento da impugnação (as concretas passagens a que se refere o n.º 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal).
Com esta dupla exigência formal, o legislador pretende seja feita uma delimitação rigorosa do recurso, que assim deve revelar, a par da fundamentação do que é pretendido, o esclarecimento dos objectivos pretendidos com a sua interposição.
Não está em causa, com o recurso da matéria de facto, a realização, pelo tribunal de recurso, de um novo julgamento, mas tão-só analisar se o realizado em 1.ª instância cumpriu os critérios legais na respectiva produção de prova e a valorou de forma consentânea com tais critérios, sempre tendo presente o elevado grau de conformação da convicção por força do princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º do Código de Processo Penal).
«O tribunal superior procede […] à reanálise dos meios de prova concretamente indicados (ou as questões cuja solução foi impugnada) para concluir pela verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova e daí pela alteração ou não da factualidade apurada (ou da solução dada a determinada questão de direito)»5.
O recurso interposto pelo arguido, no que diz respeito à impugnação da matéria de facto não tem a menor viabilidade, limitando o seu discurso argumentativo a fazer a afirmação negativa ou discordante da decisão factual constante da decisão recorrida, mas sem apresentar os “momentos” da prova produzida (entendida esta globalmente, numa compaginação de toda a prova e não com uma segmentação interessada) que sustentassem a sua afirmação da factualidade incorrectamente fixada, seja a provada, seja a não provada. Mas devemos acrescentar que não só a selecção dos meios de prova feita pelo recorrente se revela interessada e parcial, como muito pouco rigorosa (para não dizer incorrecta), por exemplo, quando na conclusão h) do recurso afirma o seguinte: “Consta ainda do referido acórdão que o “Em audiência, o arguido negou desferir qualquer golpe, rejeitando ainda ter-lhe subtraído o telemóvel”, o que é totalmente falso pois, inicialmente o Arguido remeteu-se ao silencio, e no final da produção de prova falou sobe os factos e confirmou ter agredido o Ofendido.” Ora, esta é uma consideração pouco séria feita pelo recorrente que tem a ousadia de afirmar que a decisão recorrida é falsa na citação que transcreve (o que, a ser verdade, seria muito grave), para depois afirmar o que não é manifestamente verdade, isto é, que no final da produção de prova falou sobre os factos e confirmou ter agredido o arguido, como se tivessem sido essas as suas declarações lineares. Ouvimos as suas declarações prestadas em audiência, a pedido da sua defensora, no dia 4 de junho de 2025, pelas 16h 13m e 31 e ss., e o que se constata é que, efectivamente, no momento inicial das suas declarações afirma que não tirou qualquer telemóvel à vítima e não a esfaqueou, antes foi atacado pela vítima com a faca, tendo-se protegido, do que resultou a queda da faca no chão, que apanhou e, instado (nomeadamente, a instâncias da sua defensora), em declarações muito imprecisas, admitiu que podia, ao proteger-se, ter acertado na vítima, mas sem querer (portanto, o que afirma na conclusão r) do recurso está muito longe de ser rigoroso, pois o arguido não reconheceu ter esfaqueado a vítima, apenas admitiu – nem sequer no momento inicial das suas declarações - que isso pudesse ter acontecido para se defender).
Portanto, a afirmação do tribunal é correcta, reconhecendo-se que para ser mais rigorosa poderia ter relatado a oscilação das declarações do arguido que se deixaram aqui esclarecidas.
A falta de rigor e leveza do arguido (para dizer pouco), a este respeito, no recurso que interpôs, é por demais evidente e lamenta-se. A convicção do tribunal, que já supra se deixou transcrita, num exercício de transparência e rigor que permitem a um destinatário normal apreender racionalmente o sentido factual decisório, não merece qualquer censura.
Resulta expresso do art. 410.º, n.º 2 do CPP que qualquer dos vícios identificados na norma, têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum.
Compulsada a matéria de facto analisada em si mesma e na sua concatenação com a respectiva convicção, não vislumbramos qualquer dos vícios previstos na norma em causa, designadamente a afirmada insuficiência da matéria de facto (n.º 2, al. a)), pelo que nenhum fundamento há para reenviar o processo para novo julgamento (cfr. conclusão ee), pedido aliás do arguido que revela alguma incoerência argumentativa, pois antes, a propósito do mesmo tema havia sustentado a convolação do crime de homicídio, na forma tentada, para o crime de ofensa à integridade física grave (cfr. conclusão q). Infra voltaremos a este tema relacionado com o enquadramento jurídico penal da conduta do arguido que resultou provada.
Do erro de julgamento
Ainda no âmbito da impugnação da matéria de facto, passemos a analisar a questão relativa ao erro de julgamento na apreciação da prova que é invocado pelo arguido recorrente (art. 412.º, n.º 3, al. a) do CPP).
Afirma o recorrente que foram indevidamente dados como factos provados descritos sob os números 4.º, 5.º, 6.º, 7.º e 8.º, os quais deverão ser substituídos por um só facto: “Em circunstâncias que não foi possível apurar o arguido e o ofendido iniciaram uma discussão, tendo o arguido desferido pelo menos 3 golpes cortantes no ofendido.” (cfr. conclusão m, não podendo este Tribunal deixar de notar que o arguido no facto a aditar sugerido não indica a zona do corpo da vítima onde desferiu os golpes).
Dando aqui por reproduzidas as considerações tecidas no momento imediatamente, recordemos a conjugação dos meios de prova produzidos em audiência que se mostram explicitados na decisão recorrida:
“[…] [O] depoimento prestado pelo ofendido, DD, perante autoridade judiciária no decurso do inquérito (fls. 156 a 158), e reproduzido em audiência nos termos previstos no art. 356°, n° 4, do Código de Processo Penal, por não ter sido possível obter a sua notificação e comparência em julgamento, foi absolutamente esclarecedor quanto à efectiva ocorrência de todos os factos que, por referência às agressões de que foi vítima e à subtracção do seu telemóvel, resultaram provados. Na verdade, o ofendido esclareceu de forma cabal, e sem quaisquer dúvidas ou hesitações, o modo como foi agredido pelo arguido, bem como as circunstâncias em que este lhe subtraiu o telemóvel, em estrita concordância com a factualidade que se consignou como provada. Tal depoimento do ofendido foi ainda corroborado, quanto à autoria dos factos em apreço, pelo teor do auto de reconhecimento do arguido, de fls. 29 a 31, e quanto às lesões que o mesmo sofreu e aos tratamentos que lhe foram prestados, pelo teor da reportagem fotográfica de fls. 15 a 17 e 26, dos documentos clínicos de fls. 204 a 230, 275 a 324 e 327 a 330, do relatório pericial de fls. 234 a 235 e da factura relativa aos custos de tais tratamentos, de fls. 344-verso. De igual forma, dos depoimentos isentos prestados em audiência pelas testemunhas EE e FF, agentes da PSP, resultaram inequívocos os ferimentos apresentados pelo ofendido e a necessidade de lhe ser proporcionada assistência hospitalar, tendo acorrido ao local na sequência de chamada via rádio dando conta da ocorrência de um esfaqueamento na zona de ..., não tendo, porém, interceptado o arguido nas proximidades.”
Analisada a convicção, bem como ponderados os meios de prova aí identificados, não há, nesta parte também, o mínimo fundamento para o recurso interposto, sendo que a zona corporal da vítima atingida pelos golpes desferidos pelo arguido se mostra totalmente identificado, não só pela própria vítima, como pelo reflexo corporal que decorre da análise clínica feita (a zona da cara).
Pretende o arguido o aditamento da factualidade que identifica na al. l) das conclusões do seu recurso, sem para tal adiantar qualquer meio de prova suficiente que a sustentasse.
«O tribunal superior procede […] à reanálise dos meios de prova concretamente indicados (ou as questões cuja solução foi impugnada) para concluir pela verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova e daí pela alteração ou não da factualidade apurada (ou da solução dada a determinada questão de direito)»6
“Nestes casos de impugnação da matéria de facto, a apreciação pelo tribunal superior - Relação - não se restringe ao texto da decisão, mas abrange a análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos n.º s 3 e 4 do artigo 412.º, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do artigo 431.º, alínea b), do Código de Processo Penal. […] A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas. O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto. Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.”, assim, Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ, de 8 de Março de 2012, disponível in 7www.dgsi.pt.8”
Naturalmente, o recorrente não concorda com a factualidade que assim ficou fixada na decisão recorrida, mas essa discordância não tem sustentação nos meios de prova produzidos em audiência, que, pelo contrário, permitiram ao tribunal a quo, ao abrigo do princípio da liberdade de apreciação da prova (art. 127.º do Código de Processo Penal), apresentar as razões (controláveis, nos termos analisados) para concluir pela factualidade provada.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso interposto.
Acrescenta o arguido recorrente, a título subsidiário, que a factualidade (provada) por si identificada sempre deveria por ter-se como não provada por via da aplicação do princípio in dubio pro reo. Sustenta que, no caso concreto, a dúvida se devia ter imposto ao julgador e este, se da mesma não se deu conta, incorreu por esse motivo em erro de julgamento.
A aplicação do princípio in dubio pro reo só se mostra relevante perante uma dúvida objectiva e inultrapassável que se coloque ao julgador.
Da leitura da convicção da decisão recorrida constatamos que ao tribunal a quo não se colocaram quaisquer dúvidas relativamente à prática dos factos por parte do arguido.
Perante a motivação da matéria de facto, conjugando a prova analisada pelo tribunal a quo (tendo igualmente ponderado a versão do arguido) não cremos que assista razão ao recorrente, pelo que nenhuma dúvida entendemos se devesse ter “imposto” ao julgador e da mesma, por decorrência do princípio da presunção da inocência, levasse à não prova dos factos identificados pelo recorrente.
Improcede, nesta parte, o recurso.
Da valoração das declarações prestada pela vítima.
A resposta a esta questão mostra-se muito simples.
Cumpre desde logo dar conta que o arguido, em audiência, através da sua ilustre defensora, não se opôs à reprodução do depoimento prestado pela vítima em ... de ... de 2025, pelo que a arguição de uma qualquer invalidade na ponderação por parte do tribunal de tal depoimento agora em sede de recurso se mostra, no mínimo, pouco coerente.
Resulta do disposto no art. 356.º, n.º 4 do Código de Processo Penal que “[é] permitida a reprodução ou leitura de declarações prestadas perante a autoridade judiciária se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira, designadamente se, esgotadas as diligências para apurar o seu paradeiro, não tiver sido possível a sua notificação para comparecimento.”
Em face da impossibilidade em encontrar o paradeiro da vítima (pressuposto objectivo que o arguido não põe em causa), estavam cumpridos os requisitos legais para se reproduzir o depoimento da vítima prestado perante o Ministério Público, ao que o arguido não manifestou oposição e pôde, como aliás fez, contrariar com as declarações prestadas em audiência, cumprindo-se, nesse momento, o contraditório, permitindo ao tribunal avaliar a sua versão dos factos; não é assim rigoroso o que pelo recorrente é afirmado na sua conclusão www) quando afirma que “o arguido não pôde contraditar o meio de prova em audiência, onde apenas foi reproduzido”.
A valoração (transparente) feita pelo tribunal a quo do depoimento da vítima mostra-se equilibrada e foi ponderada em conjugação com a demais prova produzida em audiência, aqui incluindo as declarações prestadas pelo arguido, no quadro assim do pleno e legítimo exercício do princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127.º do CPP.
Improcede, nesta parte, o recurso interposto.
B. Da qualificação jurídica e da insuficiência da matéria de facto:
1. Na condenação do arguido pela prática do crime de homicídio por ausência da intenção de matar;
2. Na condenação do arguido pela prática crime de roubo;
3. Na condenação do arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade;
Como o próprio tema se mostra enunciado, e considerando a manifesta improcedência do recurso interposto relativamente à impugnação da matéria de facto de que dependia, o essencial, da discussão do enquadramento jurídico-penal, pouco mais nos resta do que analisar se a factualidade provada se mostra bem subsumida aos tipos legais de crimes pelos quais o arguido se mostra condenado.
O enquadramento jurídico penal da decisão recorrida é o seguinte:
“ 1. Do crime de homicídio na forma tentada: O arguido vem acusado da prática, em autoria material, de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22°, 23° e 131°, todos do Código Penal. Dispõe o referido artigo 131°: Quem matar outrem será punido com pena de prisão de 8 a 16 anos. Estamos, indiscutivelmente, no âmbito dos crimes contra a vida, de entre os quais o homicídio assume sempre particular relevo, atendendo ao bem jurídico que nele está em causa. Com efeito, a vida é considerada como o mais precioso dos bens, e como tal é tratada pela Constituição da República Portuguesa, que consagra a inviolabilidade da vida humana (artigo 24° n° 1). Na arquitectura objectiva da infracção em apreço são de considerar os seguintes elementos essenciais: o sujeito; a conduta; o evento; e o nexo de causalidade Quanto ao sujeito activo deste tipo de crime, ele pode ser qualquer pessoa singular. Do mesmo modo, o sujeito passivo terá de ser uma pessoa humana, enquanto viva (pessoa humana já completamente nascida e com vida). No que se refere à conduta, terá que existir uma acção ou omissão pela qual o agente realiza o resultado proibido por lei — é o facto humano provocador da morte de alguém. Matar é, com efeito, suprimir a vida humana, sendo que essa supressão se pode dar quer por efeito de uma conduta activa (utilização de um meio idóneo para produzir directamente a morte) quer por intermédio de uma conduta omissiva (falta de actuação capaz de evitar o efeito letal). O evento ou resultado no crime de homicídio, pelo menos na sua forma consumada, será, necessariamente, a morte de alguém. Por último, para que se verifique tal tipo de crime, exige-se um nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado produzido — a morte -, de tal forma que se possa afirmar que a morte resultou directa e necessariamente da actuação daquele. Ora, no caso dos autos, temos que quer o arguido, quer o ofendido DD podem ser, respectivamente, agente e vítima deste tipo de crime. Do mesmo modo, o arguido levou a cabo condutas (desferiu diversas pancadas, com um objecto cortante, entre o mais, desde a orelha até ao lábio do ofendido) que não podem deixar de se considerar como abstractamente adequadas a causar a morte do ofendido (dado que as pancadas em apreço visaram atingir o mesmo numa zona vital do seu corpo). Para além do mais, dessas pancadas resultaram feridas sangrantes na hemiface e na região retroauricular esquerdas do ofendido e perigo para a vida deste. O resultado morte, porém, não se consumou, pelo que vem imputada ao arguido a prática de um crime de homicídio na forma tentada. Tendo presentes os actos praticados pelo arguido, a conduta do mesmo preenche, sem margem para dúvidas, a tipicidade objectiva do crime de homicídio tentado, de que se encontra acusado. Com efeito, o arguido desferiu as pancadas na face e cabeça do ofendido, como se logrou apurar, determinando-lhe as lesões supra mencionadas, as quais, em razão da zona corporal em causa, seriam, directa e necessariamente, caso não lhe tivesse sido prestada assistência hospitalar, causa da sua morte, pelo que tais condutas não podem deixar de ser qualificadas como actos de execução de um crime de homicídio simples. Na verdade, é inequívoco que o arguido praticou actos de execução idóneos a produzir o resultado típico do crime de homicídio, que havia decidido cometer, sem que este tenha chegado a consumar-se, por circunstâncias imprevisíveis e alheias à sua vontade (concretamente, pelo facto de ter sido prestado o devido auxílio ao ofendido), pelo que se encontram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do crime em análise, na forma tentada — art. 22°, n° 1, do Código Penal. No que se refere à componente subjectiva do tipo, exige-se o dolo para que o mesmo seja plenamente preenchido. É o ensinamento que se retira do disposto no artigo 13° do Código Penal, segundo o qual só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência (sendo certo que no caso concreto a lei contrapõe aos tipos de crime de homicídio dolosos constantes dos artigos 131°, 132°, 133°, 134° e 136°, ao tipo de crime de homicídio por negligência, a que se reporta o artigo 137° do Código Penal). Ora, no caso dos autos, o que vem imputado ao arguido é o homicídio doloso, na forma tentada. Constam do artigo 14° do Código Penal as situações em que o legislador considera existir dolo, havendo sempre que verificar-se quer o elemento intelectual quer o elemento volitivo do mesmo. Volvendo ao caso dos autos, considerou a acusação que o arguido, ao agir do modo descrito, teria pretendido de forma directa retirar a vida ao ofendido, o que se traduziria num dolo directo — artigo 14° n° 1, do Código Penal. E, dado que foi isso mesmo que resultou demonstrado quanto à intencionalidade da conduta do arguido, temos que, efectivamente, foi sua intenção directa matar o ofendido, estando-se, pois, perante um homicídio simples, na forma tentada, produzido com dolo directo do agente. Consequentemente, está também preenchida a tipicidade subjectiva do crime de homicídio. Mas, para que exista crime é necessário que a acção do agente para além de típica seja ilícita e culposa. Diz-se ilícita toda a conduta típica que seja contrária à ordem jurídica vigente. E essa contrariedade poderá ser afastada se se verificar qualquer causa que exclua a ilicitude. As chamadas causas de justificação devem "deduzir-se do ordenamento jurídico no seu conjunto, pelo que verificando-se uma causa de justificação segundo outros ramos do direito, ela terá relevância no direito criminal, sem embargo de certas proposições permissivas poderem estar vinculadas a determinados tipos e, então, não ser lícita a sua aplicação a tipos diferentes. É que sendo o direito penal a ultima ratio da política social, dado o gravame das suas reacções, nunca uma conduta poderá ser ilícita para o direito penal se for lícita à face de qualquer ramo do direito" (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 1° volume, 1995, pág. 329). Assim, entre outras, são causas de exclusão da ilicitude a legítima defesa, o exercício de um direito, o cumprimento de um dever imposto por ordem legítima da autoridade, o consentimento do lesado e o conflito de deveres. No caso em apreço, não se encontrando qualquer situação justificadora da actuação do arguido, está presente a ilicitude. No que toca à culpa, ela existirá quando o agente, ao agir de forma típica e ilícita, tenha consciência da ilicitude da sua conduta e vontade de se motivar de acordo com essa consciência. Também neste domínio a culpabilidade do agente poderá ser afastada se existir qualquer causa que exclua a culpa, pois nesse caso a sua conduta não merece censura ético-jurídica. São exemplos dessas causas a inimputabilidade, em razão da idade ou de anomalia psíquica, o erro não censurável sobre a ilicitude, o erro sobre as proibições e o estado de necessidade desculpante. Porém, no caso vertente, também não se apurou qualquer circunstância de facto susceptível de afastar a culpabilidade da conduta do arguido, pelo que o mesmo agiu com culpa. Por conseguinte, tendo em conta a materialidade dos factos demonstrados, dúvidas não subsistem de que a conduta do arguido, que resultou provada, consubstancia a prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, pelo qual deve ser punido. 2. Do crime de roubo: Dispõe o preceito legal contido no referido art. 210°, do Código Penal: 1. Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. Ora, na delimitação dos elementos constitutivos do tipo de crime de roubo importa antes de mais considerar, como bens jurídicos protegidos pela incriminação legal, o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis e, simultaneamente, a integridade física, conceito abrangente que inclui, conforme resulta da indicada previsão normativa, a liberdade individual de decisão e acção — neste sentido, v. Conceição Ferreira da Cunha, in Comentário Conimbricense do Código Penal — Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 160. Em face do preceito legal incriminador supra transcrito (art. 210°, n° 1, do Código Penal), são elementos constitutivos — tipo objectivo — do crime de roubo: 1. A subtracção ou o constrangimento a que seja entregue coisa móvel alheia, mediante: A utilização de violência contra uma pessoa; A ameaça com perigo iminente para a vida ou a integridade física; ou A colocação da pessoa na impossibilidade de resistir. Ao nível do elemento subjectivo, trata-se de um crime doloso, bastando-se com qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14.° do Código Penal. Exige-se, ainda, o elemento subjectivo especial da ilegítima intenção de apropriação. No caso concreto, o arguido, com ilegítima intenção de apropriação, isto é, com o propósito de se apoderar do telemóvel pertencente ao ofendido, de forma repentina agarrou nesse objecto e começou a puxá-lo para si, logrando concretizar o seu intento e agindo contra a vontade do referido ofendido. Ora, é inegável que, perante estes factos, ao arguido não pode deixar de ser imputada a prática, em autoria material, de um crime de roubo simples, na forma consumada, p. e p. pelo art. 210°, n° 1, do Código Penal, tendo em conta que actuou com dolo directo, porquanto representou o facto que objectivamente preenche o tipo de crime em apreço e actuou com a intenção de o realizar (art. 14°, n° 1, do CP), logrando atingir o resultado pretendido. Por conseguinte, impõe-se a condenação do arguido nos precisos termos por que vem acusado. 2. Do crime de tráfico de menor gravidade: Dispõe o art. 21°, n° 1, do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro: "Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.". Trata-se de um tipo legal que, prevenindo uma actividade delituosa que se vem desenvolvendo à escala mundial, visa tutelar diversos bens jurídicos, tais como a vida, a integridade física e a liberdade de determinação dos que, dominados pelo vício ao qual não resistem, consomem estupefacientes. No entanto, porque se trata de uma protecção difusa, destinada a uma série indeterminada de pessoas, pode considerar-se que o valor sobretudo tido em conta pela incriminação é a saúde pública em geral. Como o tipo de crime não exige a verificação concreta de um dano nos valores protegidos, é um crime de perigo, que apenas pressupõe a perigosidade do facto para os diversos interesses que pretende tutelar. Os produtos que a norma tem em vista, conhecidos como substâncias psicotrópicas, vêm descriminados nas tabelas previstas no DL n° 15/93, de 22/01. As substâncias denominadas heroína, cocaína e clonazepam e que, em concreto, estão em causa nos presentes autos, vêm indicadas nas Tabela I-A, I-B e IV anexas ao Decreto-Lei n° 15/93. Da leitura da norma legal referida resulta que constitui elemento do tipo objectivo do crime em análise uma das acções aí elencadas: "cultivar", "produzir", "fabricar", "preparar", "oferecer", "vender", "distribuir", "comprar", "ceder", ou deter "ilicitamente". A detenção é ilícita, para efeitos de preenchimento deste tipo de ilícito, quando a substância não se destine exclusivamente ao consumo do agente. Tal é o que resulta do segmento "fora dos casos previstos no artigo 40°" e do artigo 2° n°1 da Lei n° 30/2000, de 29 de Novembro (que pune como contra-ordenação a detenção para consumo próprio de produto estupefaciente em quantidade que não exceda o consumo médio individual durante o período de 10 dias). O tipo legal em apreço configura, como se disse, um crime de perigo abstracto, dado que basta a verificação de uma das condutas referidas, geradoras de uma situação de perigo, não sendo necessária a verificação de uma lesão efectiva para a saúde. Em segundo lugar, é necessário que qualquer das condutas elencadas tenha por objecto uma das substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III. O arguido detinha tais produtos, sem autorização legal, pelo que se encontram preenchidos os requisitos objectivos do crime. Subjectivamente, tendo em conta que o arguido conhecia a natureza estupefaciente dos produtos que tinha em sua posse, e apesar de saber que não estava autorizado a fazê-lo, actuou com dolo directo (art. 14°, n° 1, do Código Penal). O preenchimento integral do crime, p.p. pelo art. 21° do DL n° 15/93, de 22/01 não significa, forçosamente, que o arguido tenha que ser sancionado nesses termos. A par de semelhante norma existem outras que, por força de uma relação de especialidade, se aplicam em seu detrimento, em caso de verificação integral e simultânea. Assim sucede com o tipo privilegiado previsto no art. 25° do mesmo diploma legal. Essa norma aplica-se no caso do artigo 21°, quando pela prática dos factos "a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações"(...). Nestes casos, a lei, em função de um conjunto de circunstâncias, justifica a atenuação da pena, face ao art. 21°, com um menor grau de ilicitude da conduta de quem actua. No caso dos autos, resulta que as quantidades de estupefaciente apreendidas não se poderão considerar elevadas, para além de que não se apurou que o arguido transaccionava tais produtos no âmbito de uma rede organizada. Assim, entende-se ser de enquadrar a conduta do arguido na previsão do art. 25°, alínea a) do Dec.-Lei n° 15/93, de 22.01. O sistema legal procurou, com a norma contida no art. 25° do DL n° 15/93, de 22/01, o que, com toda a propriedade, se tem designado por válvulas de segurança. Destina-se, seguramente, a evitar que as situações em que a danosidade social da conduta é significativamente menor fossem sancionadas com penas desproporcionais, pensadas para traficantes de larga escala. Face à natureza dos produtos apreendidos e transaccionados, incluídos nas Tabelas supra referidas, anexas ao DL n° 15/93, de 22/01, a pena abstractamente aplicável é de prisão de 1 a 5 anos (art. 25°, al. a) do citado diploma legal). In casu, constata-se que o arguido, de forma consciente e voluntária, detinha na sua posse as substâncias já referidas, com conhecimento e vontade da realização do facto típico correspondente, porquanto sabia constituir crime a detenção das mesmas. Agiu, consequentemente, com dolo directo, na acepção plasmada no art. 14°, n° 1, do Código Penal, pelo que se encontra subjectivamente preenchido o tipo de ilícito em apreço. Inexistem causas que excluam a ilicitude da conduta do arguido, sendo de referir que, tendo agido com capacidade para se determinar de acordo com o conhecimento que possuía da ilicitude dos factos que praticava, é indubitável que procedeu com culpa.”
Do crime de homicídio na forma tentada.
A subsunção jurídica dos factos provados feita na decisão recorrida mostra-se correcta e, portanto, incensurável, pelo que improcedem assim os argumentos aduzidos pelo arguido recorrente (parte dos quais dependia da alteração factual que apreciámos a propósito da impugnação ampla da matéria de facto). Diremos apenas, em reforço, que a intenção de matar não é necessariamente aferível pelas directas consequências da actuação do agente; essas consequências podem ser um elemento muito relevante, mas longe de decisivo. Podemos concluir perfeitamente pela intenção de matar e não haver sequer consequências (por exemplo, alguém dispara uma arma na direcção de outrem mas não lhe acerta) ou excluir essa intenção quando o resultado possa ter sido a morte (como sucede nos chamados crimes agravados pelo resultado - praeter intencionais).
A intenção de matar subjacente à actuação do arguido resulta plenamente provada e mostra-se assim correcto o enquadramento jurídico penal constante da decisão recorrida.
Relembremos, por fim, por pertinentes, neste momento, as considerações tecidas pelo Ministério Público na sua resposta ao recurso interposto a este propósito: “[o] desferimento de golpes profundos no corpo humano com um objeto cortante, desde logo pela perda de sangue – no relatório pericial, a fls. 234 verso consta que a vítima apresentava uma ferida na face a “sangrar ativamente” e feridas com “hemorragia ativa” -, cria sempre um perigo para vida que é conhecido pelo agressor; [n]ão foi desferido apenas um golpe, mas pelo menos 3 golpes, reforçando que a intenção não podia ser apenas defender-se ou causar dores na vítima, caso em que um golpe seria suficiente; [o]s locais onde os golpes foram desferidos, nomeadamente na cara e abdómen, áreas sensíveis e de perigo para a vida, ao contrário, por exemplo, de golpes em braços ou pernas.”
Quanto ao crime de roubo.
Analisada a matéria de facto, o enquadramento jurídico-penal mostra-se rigoroso, pois subsume de forma correcta a conduta objectiva e subjectiva do arguido que se mostra provada e permite confirmar a prática deste crime.
Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, de menor gravidade.
Insurge-se o arguido quanto à circunstância de não constar da acusação a referência à heroína que detinha no momento em que foi detido, todavia, “[…] trata-se de um manifesto lapso de escrita, corrigido oficiosamente no acórdão, como decorre com evidência do texto da acusação: “(…) 3 (três) embalagens com, com o peso de (…). A acusação reproduziu no facto 21 os produtos que o arguido tinha na sua posse e que constam do auto de apreensão, por si assinado (fls. 74) e do relatório pericial ao produto estupefaciente apreendido, sendo manifesto que o arguido sabe do que estava acusado.” (cfr. resposta do Ministério Público na 1.ª instância).
É compreensível a argumentação do arguido no âmbito do exercício da sua defesa, mas não é procedente, pois resulta à saciedade que sabia deter tal produto estupefaciente, apreendido no momento da sua detenção, conforme o próprio pôde confirmar ao assinar o auto de apreensão. Quer-se valer de um manifesto lapso de escrita, sendo certo que a detenção dos demais produtos estupefacientes, nas circunstâncias detidas, sempre seriam o bastante para enquadrar a conduta no mesmo exacto tipo legal.
Improcede, também nesta parte, o recurso interposto.
Cumpre, por fim, analisar o último tema a decidir colocado pelo recurso interposto pelo arguido.
C. Da medida concreta das penas aplicadas ao arguido e da não aplicação do regime de jovens delinquentes.
Façamos um brevíssimo enquadramento doutrinal do problema, de modo a podermos tomar posição quanto à função do tribunal de recurso quanto é colocado a avaliar, como sucede no presente caso, a medida da pena e a sua espécie, dando voz ao Professor Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 197:
“Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta […] quem sustente que a valoração das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado […] [m]as já assim não será […] se […] tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.”
Neste mesmo sentido “conservador” da actuação do Tribunal de recurso em sede de “revisão” da medida concreta da pena encontrada pelo tribunal da condenação, podemos encontrar jurisprudência muito relevante dos nossos tribunais superiores e com a qual concordamos integralmente9.
Com efeito, a imediação permitida pelo julgamento realizado na 1.ª instância, com a presença das pessoas de carne e osso, com o seu modo de ser revelado na dinâmica da produção de prova, na confrontação contraditória de cada momento da audiência, fornecem ferramentas de análise e de ponderação que, pela natureza das coisas, estão inacessíveis em sede de recurso, e fornecem ao tribunal da condenação mais elementos para encontrar a medida justa e equilibrada. Não significa isto que o tribunal que aplica a pena acerte sempre, dado que pode, no seu percurso lógico, não respeitar as operações previstas na lei para definir a pena concreta (seja, por exemplo, porque pondera uma moldura abstracta incorrecta ou porque não pondera elementos essenciais de avaliação das condutas ou da história de vida dos arguidos ou pondera os que nenhuma relevância podem ter); antes quer isto tudo dizer, que, nesta sede recursal, cabe, no essencial, analisar se o tribunal recorrido incumpriu alguma etapa ou algum critério essencial e o tenha levado a definir, de forma incorrecta, uma pena desajustada ao caso concreto.
É com este enquadramento que cabe, nesta sede, analisar se o tribunal recorrido procedeu correctamente na escolha e determinação da medida da pena.
É o seguinte teor da decisão recorrida a este preciso propósito: Estabelecido o quadro factual e o respectivo enquadramento jurídico, importa determinar a natureza e medida concreta da pena a aplicar. O arguido cometeu um crime de homicídio simples, na forma tentada, o qual é punível com pena de prisão de 1 (um) ano, 7 (sete) meses e 6 (seis) dias a 10 (dez) anos e 8 (oito) meses — arts. 22°, 23°, 73°, n° 1, al. a), e 131°, todos do Código Penal. Quanto ao crime de roubo simples, o mesmo é punível, em termos abstractos, com pena de prisão de 1 a 8 anos — art. 210°, n° 1, do Código Penal.— O crime de crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25°, al. a), do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, em cuja prática o arguido também incorreu, é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos. Atendendo ao disposto no art. 40° do Código Penal, que estabelece como fins das penas criminais a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, o escopo da lei será prosseguido na medida em que o restabelecimento da paz jurídica, afectada pela prática do crime, se concilie com as necessidades de prevenção geral e especial que o caso impõem. No tocante à prevenção geral, importa considerar que o direito penal, ao proibir ou impor um determinado comportamento humano, afirma o desvalor do comportamento social em desconformidade com o preceito jurídico, manifestando a vontade de que não se pratiquem factos contrários aos valores merecedores de tutela penal, desincentivando o incumprimento das normas através da imposição de sanções — assim, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, Introdução e Teoria da Lei Penal, Tomo I, Editorial Verbo, 1997, pp. 35 e 36. Esta vertente da prevenção geral visa afastar os restantes membros da sociedade da prática de crimes, concretizando-se através da ameaça repressiva da sanção penal, actuando em termos psíquicos sobre a vontade de agir dos cidadãos abrangidos pelo jus imperii punitivo do Estado. No que concerne à prevenção geral positiva, ou de integração, a aplicação das sanções penais servirá para reforçar a confiança da comunidade na validade e força de vigência das normas que compõem o ordenamento jurídico-penal e que visam a tutela de bens jurídicos. Nesta perspectiva, a função do direito penal, concretizando-se em termos pedagógicos, procura reafirmar os valores assumidos pela colectividade e influir positivamente na sua disposição para cumprir as normas jurídicas, projectando-se no foro íntimo de cada indivíduo como um contributo necessário na manutenção da paz jurídica e da liberdade necessárias à subsistência de um Estado de direito democrático. Na sua vertente de prevenção especial, a pena constituirá um instrumento de intimidação do agente no cometimento de novos crimes (prevenção especial negativa ou de neutralização), devendo assumir ainda como propósitos a ressocialização do delinquente e a prevenção da sua reincidência (prevenção especial positiva ou de integração). Ora, é atendendo aos princípios da necessidade e da intervenção mínima do direito penal, em articulação com as finalidades de reparação do crime e de (re)inserção social do seu agente que se deve pautar a determinação do tipo de pena a aplicar e da sua medida em concreto. Essa determinação em concreto é feita, ainda, em função da culpa do agente e das aludidas exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (art. 71° do Código Penal), não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (art. 40°, n° 2). Ora, no caso em apreço, os crimes que o arguido praticou são objectivamente muito graves, não se tendo apurado qualquer factor de justificação da sua conduta nem pode depor a seu favor o facto de ser sem-abrigo e de viver numa situação de precariedade desinserção social. Na verdade, jamais se pode conceber que tais circunstâncias justifiquem a prática de actos atentatórios da vida humana, do mesmo modo que não são toleráveis lesões da integridade física e do património de terceiros, sendo ainda notório que a proliferação de substâncias estupefacientes é nociva da saúde pública, não sendo tais condutas expectáveis do cidadão honesto, responsável e cumpridor das normais jurídicas e sociais vigentes. A ilicitude, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, e atento o valor dos bens tutelados é, igualmente, de considerar elevada, em relação a todas as condutas empreendidas pelo arguido. Quanto à modalidade de dolo, o arguido agiu com dolo directo e intenso, a que acresce o facto de as exigências de prevenção geral se situarem em nível bastante elevado, atento o perigo de repetição de condutas similares. Há ainda a considerar que o arguido, não obstante ter cumprido já pena de prisão, pela prática de crime doloso, incorreu na prática dos factos que resultaram provados, também de forma dolosa, menos de cinco anos após ter sido colocado em liberdade, revelando, assim, que o cumprimento dessa pena de prisão não foi suficiente para o afastar da prática de novos factos ilícitos, pelo que deverá ser punido como reincidente, nos termos do disposto nos arts. 75° e 76° do Código Penal. Ora, atento o disposto no art. 76°, n° 1, do Código Penal, em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável é elevado de um terço, permanecendo inalterado o seu limite máximo. Por conseguinte, o crime de homicídio na forma tentada praticado pelo arguido é punível com a pena mínima de 2 anos e 28 dias de prisão, o crime de roubo é punível com a pena mínima de 1 ano e 4 meses e ao crime de tráfico de menor gravidade é aplicável a pena mínima de 1 ano e 4 meses de prisão. Importa ainda considerar que, à data da prática dos factos, o arguido era menor de 21 anos de idade. Nos termos do art. 4° do Decreto-Lei n° 401/82, de 23 de Setembro, se ao arguido que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos de idade, for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena, nos termos dos arts. 73° e 74° do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. No caso em apreço, para que o Tribunal pudesse atenuar especialmente a pena de prisão a aplicar ao arguido era necessário que se convencesse de que o cometimento do crime por que vão condenados configurou um "simples acidente de percurso". Porém, atendendo ao dolo directo com que actuou, que certifica a sua vontade expressa e deliberada em infringir as normas penais que protegem os bens jurídicos tutelados pelas normas que violou, bem ciente do caráter ilícito das suas condutas, tanto mais que já antes fora confrontado com a aplicação de pena criminal pela prática de um dos ilícitos agora em causa, não pode o tribunal atenuar especialmente as penas aplicáveis, por não se encontrarem reunidos os pressupostos do já referido preceito legal, para além de que, quanto às necessidades de prevenção especial que se impõem, não se afigurar que as mesmas se mostrassem acauteladas ou diminuídas com a referida atenuação especial. Nesta medida, tendo em conta as molduras abstractamente aplicáveis, tendo por assente que o arguido é reincidente, cumpre precisar que o mesmo actuou sempre com culpa grave, com dolo intenso e directo. Demonstrou ausência de interiorização do desvalor das suas condutas, e das consequências penais das mesmas, e total alheamento face às normais que tutelam os bens jurídicos que infringiu. Deste modo, e atentas as considerações aduzidas, é adequado e justo condenar o arguido nas seguintes penas parcelares: - 6 (seis) anos de prisão pelo crime de homicídio simples na forma tentada; - 3 (três) anos de prisão pelo crime de roubo; e - 2 (dois) anos de prisão pelo crime de tráfico de menor gravidade.”
Cumpre desde já assinalar o lapso do recorrente ao insurgir-se pela sua condenação pela prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada (cfr. conclusão ii), pelo qual não estava sequer acusado e não foi condenado; o arguido, como vimos, foi condenado pela prática do crime de homicídio simples na forma tentada.
A moldura abstracta dos crimes imputados ao arguido mostra-se enunciada de forma correcta na decisão recorrida, tendo para tal sido aplicado o instituto da reincidência, contra o qual o recorrente se insurge, limitando-se a afirmar que, e citamos: “[…] entendemos que não existe.”, portanto, sem cumprir, minimamente, o ónus que lhe é imposto pelo art. 412.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, cuja redacção é a seguinte:
“2 - Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.”
Prevê o art. 75.º, n.º 1 do Código Penal que “[é] punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.”
A aplicação do instituto da reincidência no caso concreto mostra-se factualmente suportada pela factualidade provada de 23 a 25.
Com efeito, o arguido foi condenado no âmbito do Processo n.° 991/22.0PPPRT, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do Porto - Juiz 13, pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão (primeiro pressuposto formal); por outro lado, ficou provado que o arguido foi detido fora de flagrante delito no dia ........2022, pelas 22:00, e esteve ininterruptamente preso, em prisão preventiva à ordem do referido processo, desde ........2022, tendo a pena sido declarada extinta por efeito do seu integral cumprimento em 24.10.2023 (segundo pressuposto formal), e, no entanto, tal condenação não foi suficiente para obstar a que o arguido cometesse novos ilícitos penais dolosos (cfr. facto 25), estando assim verificado o pressuposto material da aplicação do instituto.
Por outro lado, não se verifica qualquer dos requisitos negativos previstos no n.º 2 da norma em apreço, pelo que nenhuma censura merece a decisão recorrida a este respeito.
Da não aplicação do regime de jovens.
A este respeito a decisão recorrida tomou uma posição consciente e expressa, retirando-se da mesma, recordemos:
“Importa ainda considerar que, à data da prática dos factos, o arguido era menor de 21 anos de idade. Nos termos do art. 4° do Decreto-Lei n° 401/82, de 23 de Setembro, se ao arguido que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos de idade, for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena, nos termos dos arts. 73° e 74° do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. No caso em apreço, para que o Tribunal pudesse atenuar especialmente a pena de prisão a aplicar ao arguido era necessário que se convencesse de que o cometimento do crime por que vão condenados configurou um "simples acidente de percurso". Porém, atendendo ao dolo directo com que actuou, que certifica a sua vontade expressa e deliberada em infringir as normas penais que protegem os bens jurídicos tutelados pelas normas que violou, bem ciente do caráter ilícito das suas condutas, tanto mais que já antes fora confrontado com a aplicação de pena criminal pela prática de um dos ilícitos agora em causa, não pode o tribunal atenuar especialmente as penas aplicáveis, por não se encontrarem reunidos os pressupostos do já referido preceito legal, para além de que, quanto às necessidades de prevenção especial que se impõem, não se afigurar que as mesmas se mostrassem acauteladas ou diminuídas com a referida atenuação especial.”
A aplicação do regime de jovens delinquentes é um poder dever que o tribunal a quo encarou como tal, tendo o cuidado de explicar por que motivo não optava pelo mesmo, e, no nosso entender, bem, dado que as circunstâncias inerentes à prática dos factos (de muita gravidade, visando atingir diversos bens jurídicos protegidos, sendo um deles o mais valioso, a vida), associadas à prática anterior, recente, de um crime de roubo simples (não obstante a sua idade, já com um antecedente criminal pela prática de um crime qualificado como especialmente violento – cfr. art. 1.º, al. l do Código de Processo Penal) justificam, sem censura, tal opção.
Em face da correcta enunciação da moldura abstracta aplicável a cada um dos crimes cometidos pelo recorrente, a decisão recorrida sopesou de forma isenta de crítica o comportamento do arguido que resultou provado, a obrigar a uma sinalização rigorosa da consequência penal, pelo que aderimos às considerações a esse propósito tecidas na decisão recorrida para fixar a concreta medida da pena por cada um dos crimes cometidos, não tendo atingido, em qualquer deles, sequer a medida média permitida pela moldura abstracta (a que não foi alheia a ponderação da juventude do recorrente).
Encontradas as penas concretas por cada um dos crimes cometidos, a decisão recorrida teceu as seguintes considerações para encontrar a medida da pena única, por via do cúmulo jurídico:
“Do cúmulo jurídico das penas: Nos termos do artigo 77°, n° I, do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer um deles, é condenado numa pena única, sendo considerados em conjunto, na fixação da medida da pena, os factos e a personalidade do agente. Atento o n° 2 do mesmo preceito, tal pena única terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas. No caso em apreço, verifica-se que a pena única abstractamente aplicável ao arguido, atento o disposto no n° 2 do art. 77° do Código Penal, se situa, no seu limite mínimo, em 6 (seis) anos de prisão, e, no seu limite máximo, em 11 (onze) anos de prisão. Na determinação da medida concreta da pena única a aplicar deve considerar-se, em conjunto, os factos praticados e a personalidade do agente. Ora, atentas as considerações supra efectuadas quanto à determinação da medida concreta das penas parcelares, e nos termos do art. 77°, n°s 1 e 2 do Código Penal, é justo e adequado condenar o arguido, em cúmulo jurídico, pela prática dos três crimes que praticou, na pena única de 9 (nove) anos de prisão.”
“II - Segundo preceitua o n.º 1 do art. 77.º do CP, na medida da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que deverá ter-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente. III - Assim, com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente.”, assim, Acórdão do STJ, de 22/11/2012, proferido no processo n.º 86/08.0GBOVR, relatado por Oliveira Mendes, disponível in www.dgsi.pt.10
Em concordância com as considerações tecidas, entendemos como proporcional e adequada a pena única encontrada (fixada no meio da moldura abstracta) na decisão recorrida, que não permite a reclamada suspensão da sua execução, por exceder os cinco anos (cfr. art. 50.º, n.º 1 do Código Penal).
VII- Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes da 3.ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa:
- em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido, confirmando-se, na sua íntegra, a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, que se fixam em 5 (cinco) UCs.
Notifique.