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HOMICÍDIO
TENTATIVA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Sumário
Sumário: Não são considerações de culpa que interferem na decisão de suspender, ou não, a execução de uma pena de prisão, mas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.
Texto Integral
Acordam os juízes da 3ª Sec. Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.
Relatório
Pelo Juízo Central Criminal de Sintra – J4 – foi proferido Acórdão que decidiu, entre o mais, do seguinte modo: (…) A) Julgar a acusação do Ministério Público parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência: 1. Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º, todos do Código Penal na pessoa de BB, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (efectiva). 1.2. Absolver o arguido do demais imputado. (…)
Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: (…) 1. Vem o presente recurso interposto do Douto Acórdão do Tribunal Criminal de Sintra, o qual, decidiu condenar o arguido numa pena efectiva pela prática, em autoria material, de: - um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º, todos do Código Penal na pessoa de BB; 2. O que resultou na condenação, na pena de quatro e seis meses de prisão. 3. Entendeu também o Tribunal que, no caso concreto, não existiam condições para substituir a pena de prisão por uma pena não preventiva da liberdade, não suspendendo a sua pena. 4. E baseado nesse entendimento, não se concedeu a suspensão da sua pena – como resulta de fls.20 e seguintes do Douto Acórdão - para o qual se remete e se dá por reproduzido para os devidos efeitos – por entender que: - “A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da execução da pena de prisão é clara no sentido de visar o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes. A par deste as necessidades de prevenção geral do caso devem permitir essa suspensão tendo em atenção o impacto dos mesmos na sociedade e, bem assim, por reporte ao um um grau diminuído da ilicitude e da culpa. Ora, in casu, atenta a natureza e gravidade dos actos praticados, mormente, o crime de homicídio, os fracos factores de auto-censura do mesmo por parte do arguido, as necessidade de prevenção geral que se estima elevadas e alarme social que este tipo de ilícito gera na sociedade e a urgência de tutela do bem jurídico protegido – a vida -, considera este Colectivo de Juízes que as finalidade de punição impõem o cumprimento ecfectivo da pena de prisão aplicada, sendo de afastar a suspensão da sua execução.” 5. Ora, por não se poder conformar com o douto Acórdão, quanto à medida da pena, que deveria ter sido suspensa na sua execução, face à contextualização dos factos e a cima de tudo ao juízo de prognose que ainda assim se poderá fazer; 6. Porquanto, se o arguido fosse uma pessoa que não fosse recuperável, em termos de reinserção social, ainda mesmo assim acharia que a pena aplicada tinha sido exagerada para o seu caso, mas a verdade é que não é o caso vertente. 7. Ora vejamos, o arguido em julgamento, explicou dentro das suas possibilidades os factos e, mostrou total arrependimento, que deveria ter sido valorado. 8. Contudo, aplicada que foi a pena, a mesma não foi suspensa na sua execução. 9. Entende o Tribunal não ser possível alcançar ínfimo índice de juízo de prognose positivo que possa permitir conceber que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarão ainda de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 10. Ora, o aqui Recorrente não pode deixar de discordar com tal entendimento, e isto salvo o devido respeito. 11. Medida essa – suspensão da sua pena - que seria o mais correcto e razoável no caso vertente dos autos, para uma pessoa que se arrepende da conduta que teve perante os factos. Mas sejamos sinceros e humanos, para perceber que não se trata de um caso típico de homicídio e, muito mais no contexto em que os factos se desenrolaram ... 12. Mas que o Tribunal entendeu - erradamente na nossa perspectiva e salvo o devido respeito - que não se afigura contexto apto a fazê-lo corrigir-se como as exigências preventivas gerais e especiais do caso espécie reclamam. 13. Ora, aqui é do nosso modesto entendimento, que essa seria a solução e a pena correcta a aplicar ao caso vertente, e muito mais quando o arguido Recorrente, demonstrou total arrependimento e o Tribunal constatou isso e assim o verteu em sede de Acórdão. 14. Mas mesmo que o considerassem “irrecuperável em matéria de arrependimento” - o que se contesta, uma vez que cada caso deveria ser um caso distinto, sem análises preconcebidas e limitadoras nas suas conclusões - nunca esperaria que o condenassem a uma pena efectiva de prisão. 15. Assim sendo, pensa ser esta pena ora recorrida injusta e exagerada, quanto à grau da sua participação e até em comparação com outras penas de outros arguidos, sendo certo que o arguido demonstrou total arrependimento. 16. PARECE – NOS INJUSTA ESTA CONSTATAÇÃO, em termos de medida da pena! 17. Assim, com o devido respeito, há que pôr em dúvida a racionalidade e a coerência do juízo ou processo lógico – indutivo que terá conduzido à convicção dos julgadores, ponderado que terá sido – e admitimo-lo, nessa parte – o conjunto de toda a prova produzida, na estrita obediência – que ora não se questiona – ao mandamento do artº127 do CPP. 18. Temos que valorar que o arguido face à sua percepção da realidade e entendimentos de conceitos e, à possibilidade que se afigura mais provável e razoável - nunca mais iria cometer qualquer crime e, isso devia ser um dos elementos a valorar para o “prognóstico favorável” que deveria ter sido feito. 19. E podem crer V. Exias que muitas ilações retirou o Arguido deste período em que está privado da sua liberdade. 20. Muito sofreu e sofre com a decisão imposta de prisão efectiva e, não sendo mentira que, durante este tempo só pensa que a sua vida acabou, porque ainda acalentava o sonho de a sua pena ser suspensa: 21. Assim, pese toda a carga penal e consequências decorrentes dessa conduta irregular perante a Sociedade, o Arguido merece ainda uma oportunidade para poder ter um futuro com alguma dignidade e, poderia fazê-lo com a suspensão da sua pena, que lhe possibilitava poder continuar a exercer a sua profissão e de ser um cidadão válido para a sociedade ... 22. Já não representando qualquer perigo para a sociedade. 23. O arguido sabe que cometeu erros no passado, mas desde já se mostra arrependido e, espera do Douto e Venerando Tribunal uma oportunidade de poder refazer a sua vida de modo útil e sendo um sujeito activo e positivo para a Sociedade. 24. O arguido volta a frisar que a manter-se a situação presente dar-lhe a antever um futuro bastante incerto e inseguro, senão mesmo a antevisão da perda de tudo que conseguiu com o seu trabalho; 25. A revogação da pena do arguido e consequente suspensão da mesma, seria de plena Justiça; 26. Atendendo aos princípios gerais de direito e à tão visada reinserção social, afere-se como excessivamente gravosa e, acima de tudo, contraproducente a não alteração da pena aplicada ao ora requerente; 27. Salvo devido respeito, a própria condição pessoal do agente, é de molde a decidir-se por medida que contribua para a reintegração e não para a segregação, cumprindo-se assim o disposto no artº40 do CP e, isto sem querer diminuir a gravidade dos factos; 28. As circunstâncias e contornos que tomou o crime praticado pelo ora Recorrente e descritos no douto Acórdão, assim como as descritas condições pessoais do arguido constantes dos autos, deveriam ser consideradas como tendo um relevo especial, impondo-se uma suspensão da sua pena, tal previsto no artigo 50º do CP. 29. Seguindo o expendido raciocínio, é forçoso colocar a hipótese de suspensão da pena, ao abrigo do artº50 nº1 do CP, concluindo-se, como pugnamos, que a simples censura do facto e ameaça da prisão efectiva, aliadas a um rigoroso plano de prova, realizam de forma adequada e suficientes as finalidades da punição, face a todos os condicionalismos já sobejamente expressados, permitindo assim antever alguma dignidade para a sua vida - e isto sem desvirtuar os factos e o Ofendido -, porque não tem ilusões que se se mantiver o acórdão, TUDO perderá. 30. A este respeito, desde já se advoga que as normas constitucionais que se consideram violadas são as vertidas no nº1 do artº32º, nº6 do artº29º e nº4 do artº30º da Constituição da R. Portuguesa; 31. Crê-se que estão reunidas as condições de facto e de direito para uma efectiva suspensão da pena; Nestes termos deve ser dado Provimento ao presente recurso, Revogando-se a sentença recorrida e, sendo-lhe suspensa a sua pena. (…)
O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo: (…) 1. Por acórdão proferido no dia 3 de junho de 2025, data em que se procedeu à respetiva leitura e depósito foi o arguido AA condenado pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º, todos do Código Penal na pessoa de BB, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (efetiva). 2. Inconformado com esta decisão, o arguido interpôs o presente recurso, limitando-se a matéria de direito e, em concreto, à decisão de não suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado. 3. Concordando-se com a fundamentação do acórdão recorrido a este respeito, na perspetiva do Ministério Público não se encontram reunidas as condições para que se determinasse a suspensão da execução da pena, porquanto a elevada ilicitude dos factos, a ausência de qualquer juízo de autocensura, e as evidentes necessidades de prevenção, geral e especial, não permitem formular quanto ao arguido um juízo de prognose favorável. 4. Conclui-se, em conformidade, pelo acerto do douto acórdão recorrido e, concomitantemente, pela não violação de qualquer dispositivo legal, devendo o recurso improceder. (…)
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O recurso foi admitido, com forma, modo e efeito devidos.
Uma vez remetido a este Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer remetendo apenas para as conclusões da resposta ao recurso.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, veio o processo à Conferência.
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Objecto do recurso
Resulta do disposto conjugadamente nos arts. 402º, 403º e 412º nº 1 do Cód. Proc. Penal que o poder de cognição do Tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o Tribunal está ainda obrigado a decidir todas as questões que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem a decisão, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 daquele diploma, e dos vícios previstos no artº 410º nº 2 do mesmo Cód. Proc. Penal, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito, tal como se assentou no Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995 [DR, Iª Série - A de 28.12.1995] e no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência nº 10/2005, de 20.10.2005 [DR, Iª Série - A de 07.12.2005].
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º, por remissão do artº 424º, nº 2, ambos do mesmo Cód. Proc. Penal, resulta ainda que o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem preferencial:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão (artº 379º do citado diploma legal);
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela chamada impugnação alargada, se deduzida [artº 412º], a que se segue o conhecimento dos vícios enumerados no artº 410º nº 2 sempre do mesmo diploma legal.
Finalmente, as questões relativas à matéria de direito.
Tendo em vista este princípio, averigue-se o caso.
O arguido, nas conclusões do recurso, fixa o objecto de apreciação requerida apenas numa única questão, sem discutir a matéria de facto, e pugnando apenas pela suspensão da execução da pena que lhe foi fixada em primeira instância.
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Fundamentação
Muito embora não venha de impugnar-se a matéria de facto, e nem tanto o quantum da pena fixada, de prisão, na primeira instância, e porque a factualidade apurada concorre para a determinação desta e da sua forma de cumprimento, entende-se deixar aqui referenciada a matéria de facto assente pela primeira instância.
Assim, o Tribunal recorrido fixou a matéria de facto provada do seguinte modo: (…) 1. No dia ... de ... de 2022, pelas 15h08m, o arguido AA encontrava-se na sua residência, sita na ..., quando ouviu ruído junto à porta da sua residência. 2. Nessa ocasião, o arguido AA saiu da sua residência e deparou-se com o ofendido, BB, a conversar com CC e, dirigindo-se a estes disse-lhes que não queria ninguém junto à sua porta, iniciando uma discussão com ambos, muito exaltado. 3. E dirigindo-se a BB e a CC tendo proferido: “Eu vou-vos matar!”. 4. No decurso da discussão o arguido AA verificou que se encontrava um blusão desconhecido pendurado no seu estendal, que era propriedade do ofendido BB, pelo que o retirou e atirou-o para o solo. 5. Na sequência deste acto, o arguido AA e o ofendido BB envolveram-se em discussão e iniciaram uma luta física, agarrando-se um ao outro. 6. No imediato em que se agarraram, o arguido AA, munido de um objecto em tudo semelhante a uma faca de características e dimensões não concretamente apuradas, aproveitando o facto de o ofendido BB se ter desequilibrado, com a referida faca, desferiu um golpe nas costas deste, no lado direito, tendo-as perfurado. 7. De seguida o arguido AA abandonou o local. 8. Como consequência directa e necessária da conduta supra descrita do arguido AA, o ofendido BB sofreu dores e uma ferida incisa na região posterior hemitórax direita com hemorragia activa, tendo sido de imediato encaminhado para o ... onde recebeu tratamento médico. 9. Mais sofreu o ofendido BB, na zona do ráquis, uma cicatriz nacarada com sinais de sutura, linear, infero-medial, na região paraverterbal dorsal dorsal, com 3 cm de comprimento. 10. Tais lesões determinaram ainda no ofendido BB 14 dias para a consolidação médico-legal, com 7 dias de afectação da capacidade de trabalho geral e profissional. 11. Ao ouvirem as expressões acima descritas proferidas pelo arguido AA, os ofendidos BB e CC temeram pela sua vida e integridade física. 12. Atento o circunstancialismo descrito, pelos motivos referidos e utilizando um objecto cortoperfurante como usou, usando-a em direção ao corpo do ofendido e desferindo-lhe um golpe na zona das costas, o arguido bem sabia que os golpes poderiam atingir o ofendido num local onde se encontrassem alojados importantes órgãos vitais, tendo previsto que da sua conduta poderia advir a morte do ofendido, sem que contudo, deixasse de levar a cabo a conduta descrita, com tal resultado se conformando, só não tendo logrado atingir tais propósitos por motivos que lhe são alheios. 13. O arguido agiu fazendo uso de um objecto cortoperfurante, tendo consciência que face às características deste instrumento este era perigoso e que tal conduta era susceptível de causar leões mortais ao ofendido, conformando-se com tal desfecho, revelando total desconsideração pela vida/integridade física do ofendido. 14. Agiu o arguido AA na sequência de uma discussão relacionada com a presença do ofendido junto da sua residência, com total insensibilidade pelo valor da vida humana, que sabia dever respeitar. 15. O arguido AA tinha ainda consciência de que as expressões que dirigiu aos ofendidos BB e CC eram susceptíveis de lhes causar medo e inquietação, fazendo-os recear pela sua vida, o que logrou conseguir, e ainda assim quis proferir tais expressões. 16. O arguido AA agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. Condições pessoais (relatório social) do arguido: 17. À data dos alegados factos na base do presente processo (descritos como ocorridos a .../.../2022), o arguido AA, manteria residência em Portugal, na ..., vivendo em quarto subarrendado, em habitação de tipologia T3, partilhada com dois outros inquilinos, de naturalidade guineense, mais velhos, descritos como conterrâneos e pessoas assertivas. 18. Exercia funções laborais, como armador de ferro para empresa de construção civil, trabalhando 8 horárias, auferindo 6€/hora, dispondo de salário mensal estimado entre os 800€ a 900€, que lhe permitia manter uma situação económica adequada às despesas, salientando manter à data, como encargos principais, o subarrendamento do quarto onde residia e contribuição económica para o pagamento da escola e alimentação dos seus dois filhos adolescentes, ambos residentes no país de origem, aos cuidados da sua irmã mais velha. 19. Tendo os pais falecido, manteria contato regular com irmãos e dois filhos residentes no país de origem. 20. Em Portugal, identifica como principais referências a prima DD (a que designa como irmã) e a mãe desta (que designa por tia), pessoas com quem cresceu e face a quem aparenta manter fortes laços afetivos, frequentando à data os seus agregados, situados na zona do ... e da .... 21. O arguido refere que manteria àquela data uma rotina / estilo de vida pró-social, centrado no exercício laboral e pontual convivência com colegas de trabalho e familiares, alegando não manter conflitos de relevo com terceiros, salientando, todavia, que a vivencia naquela zona residencial não seria do seu agrado, sendo que já teria sido confrontando no passado com atitudes abusivas por parte de terceiros. 22. Em data não concretamente apurada, posterior aos factos na base do presente processo, abandonou este domicilio, mudando-se para ..., passando a residir em casa de tipologia T3, junto da ex-companheira EE e seus dois filhos, pessoa que lhe subalugou um quarto na sua habitação, pelo valor de 200€/mês, contribuindo este ainda para as despesas da habitação, tendo usufruto dos espaços comuns. 23. O arguido refere trabalhar em Portugal no ramo da … desde o ano 2018, maioritariamente como ..., para várias empresas, alega que se encontraria a exercer, desde o ano 2023, funções para a empresa: “...”, em regime de contrato, tendo estado cerca de 7 meses, em representação desta empresa a residir e a trabalhar na zona de ..., auferindo em média cerca de 1200€ /mensais. 24. Seguindo descreve, mesmo no período em que residiu e trabalhou no ..., manteve o quarto arrendado em casa de EE, regressando em períodos de folga / fins de semana, ao domicílio, mantendo contacto / convívio regular, com estes seus familiares. 25. É natural da ..., tendo crescido na primeira infância junto dos pais e irmãos, família numerosa de classe baixa, aparenta ter carecido do desejado investimento educativo e parental, viria a abandonar a escola com a 2º classe e a trabalhar desde idade precoce. 26. Na adolescência, foi acolhido no agregado da tia e prima DD, passando a beneficiar do seu apoio, viria à imagem destes, atendendo às crescentes dificuldades económicas vividas no país de origem, a procurar emigrar para a Europa em busca de melhores condições de vida, tendo o feito, de forma clandestina, via marítima e terrestre, alegando ter chegado a Portugal no ano de 2018. 27. Refere ter chegado a constituir agregado próprio no país de origem, junto de ex-companheira, com quem teve três filhos, vindo a relação a dissolver-se após a vinda para Portugal. 28. Segundo o próprio terá permanecido de forma ilegal em Portugal vários anos, dispondo à data de autorização de residência temporária, concedida na qualidade de cidadão da CPLCP. 29. Segundo transmitido, ambos os progenitores do arguido já faleceram, mantendo este como referências no país de origem, alguns irmãos e dois filhos menores (que residem com a sua irmã), agregado que refere depender do seu apoio económico, encontrando-se em situação social descrita como precária. 30. O arguido refere ter como aspiração quando sair da prisão, permanecer em Portugal salientando a possibilidade de integrar o agregado da prima DD e a intenção de retomar atividade laboral, preferencialmente junto de anterior entidade empregadora, como armador de ferro. 31. O arguido encontra-se desde .../.../2024, em situação de prisão preventiva, presentemente afeto ao ..., à ordem do presente processo por impossibilidade de executar a medida de permanência na habitação com meios de OPHVE. 32. Em ambiente prisional mantem rotina descrita como amoldada às normas e regras prisionais, sem registos disciplinares. 33. Segundo DD o arguido sempre foi uma pessoa responsável e trabalhadora, alicerçada em valores, decorrentes da religião muçulmana que professa, aparentemente rígidos, alegando esta desconhecer historial de outros conflitos com terceiros no meio familiar ou residencial. 34. Do certificado de registo criminal do arguido não constam averbamentos. Pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante .... 1. Em consequência direta dos factos supra descritos o ofendido BB sofreu vários ferimentos tendo necessitado de receber assistência hospitalar prestada pelo demandante ..., os quais tiveram um custo total de €145,77 (cento e quarenta e cinco euros e setenta e sete cêntimos), facturados conforme documento junto com o pedido cível, factura número 2024/3621, datada de .../.../2024. 2. Estes cuidados de saúde foram prestados nas suas instalações e no exercício da sua actividade profissional da demandante. (…)
Concretamente quanto à escolha e determinação da pena, atento o crime de homicídio na forma tentada [p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º, todos do Cód. Penal] que considerou verificado, fundamentou: (…) Da medida da pena Cumpre agora determinar, em concreto, o quantum da pena a aplicar ao arguido. Como ensina Figueiredo Dias7 esta operação importa três fases distintas, a saber: a delimitação da medida legal ou abstrata da pena aplicável ao caso; determinação, dentro daquela moldura legal abstrata, da medida concreta da pena a aplicar; escolha, de entre as penas postas à disposição no caso, da espécie de pena que efetivamente deve ser cumprida, através dos mecanismos das penas de substituição ou das penas alternativas (fase eventual, visto nem todas as penas oferecerem esta possibilidade). Da moldura abstracta da pena A moldura pena abstracta a atender para o crime de homicídio simples é a de prisão de 8 a 16 anos. No entanto, sendo o crime de homicídio praticado pelo arguido meramente tentado, o artigo 23.º do Código Penal implica que se lhe atenue especialmente a pena. A atenuação especial operará com os critérios consagrados no artigo 73.º do mesmo Código, sendo o limite máximo da pena reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido a um quinto. Operando tal atenuação, temos uma moldura penal abstrata de prisão de 1 ano 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses. Da medida da pena O ordenamento jurídico-penal português consagra uma concepção preventivo-ética da pena, ao definir no art.º 40º do Código Penal que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (“conditio sine qua non”) e de limite da pena”8 . É com recurso à disciplina do art.º 71º do Código Penal que se retiram os critérios para a sua determinação, a saber: ▪ a culpa do agente (que nos termos do art.º 40, n.º 2 CP é o seu tecto máximo ao definir que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”; ▪ as exigências de prevenção (cf. art. 71, n.º 1 do Código Penal); ▪ E todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo do crime, deponham a favor ou contra si (cf. art. 71, n.º 2 do Código Penal), aqui se atendendo a considerando: - O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; - A intensidade do dolo ou da negligência; - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; - As condições pessoais do agente e a sua situação económica; - A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; - A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Assim, e no cumprimento desta tarefa deverá “dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa”. (…) Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados9 .” * Debrucemo-nos sobre a tarefa seguinte de definição da pena de prisão concretamente a aplicar. No caso presente, são de sopesar as elevadas exigências de prevenção geral, no sentido de repor a confiança dos cidadãos na validade das normas jurídicas violadas com o comportamento lesivo dos bens jurídicos protegidos, na face do sentimento geral de insegurança na sociedade e tendo presente que estamos perante criminalidade gravíssima que cria forte sentimento de insegurança, repúdio e alarme na comunidade e que esta deposita e exige dos tribunais uma efectiva aplicação de penas que defendam e se ajustem aos bens jurídicos em causa, como é o crime de homicídio. Por outro lado, importa atender, a par das circunstâncias que rodearam a prática dos factos – por força de uma discussão iniciada pelo arguido, em grande exaltação. Também, o facto de o arguido ter assumido a execução do golpe, todavia, numa versão ligeira e apodando-a de acidental, o que diminui o juízo de autocensura. Ainda, a inexistência de antecedentes criminais relevantes. Tudo conjugando as necessidades de prevenção especial fixam-se num patamar elevado. Ainda a atender: - a culpa do arguido que é agente que é elevada. - O grau de ilicitude dos factos tendo em atenção o circunstancialismo que rodeou a perpetração do actos, iniciando-se o arguido uma discussão com o ofendido, exaltado e sem motivo para tal escalar violência e moldando-se o dolo do arguido no dolo eventual. - O grau de violação do bem jurídico protegido pela norma, bem como as consequências daí resultantes, mormente, as lesões causadas à vítima, graves. - A falta de antecedente criminais registados pelo arguido. - As condições económicas, sociais e culturais do arguido, de onde se destaca a fraca inserção familiar e laboral. - a postura do arguido em julgamento de aceitação (parcial) dos factos. * Por todo o exposto, entende o Colectivo de Juízes adequada a aplicação ao arguido de uma pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. (…)
Especificamente quanto à suspensão da execução da pena aplicada, considerou o Tribunal recorrido: (…) Disciplina o artigo 50.º n.º 1 do Código Penal que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Ou seja, o Tribunal, perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a cinco anos, terá sempre de fundamentar especificamente a denegação da suspensão da execução da pena de prisão nomeadamente no que toca: a) Ao carácter desfavorável da prognose (de que a censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição); e b) Às exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (na base de considerações de prevenção geral) A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da execução da pena de prisão é clara no sentido de visar o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes. A par deste as necessidades de prevenção geral do caso devem permitir essa suspensão tendo em atenção o impacto dos mesmos na sociedade e, bem assim, por reporte ao um um grau diminuído da ilicitude e da culpa. Ora, in casu, atenta a natureza e gravidade dos actos praticados, mormente, o crime de homicídio, os fracos factores de auto-censura do mesmo por parte do arguido, as necessidade de prevenção geral que se estima elevadas e alarme social que este tipo de ilícito gera na sociedade e a urgência de tutela do bem jurídico protegido – a vida -, considera este Colectivo de Juízes que as finalidade de punição impõem o cumprimento ecfectivo da pena de prisão aplicada, sendo de afastar a suspensão da sua execução. (…)
Vejamos, então, na perspectiva desta Relação se merece acolhimento a pretensão do recorrente.
Comecemos por atender aos elementos relevantes resultantes do processo.
O arguido recorrente vem condenado pela prática, em autoria material de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º, todos do Código Penal na pessoa de BB, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (efectiva).
À data dos factos, o arguido vivia num quarto arrendado em habitação partilhada com outros indivíduos, não mantendo familiares em Portugal onde tem, como referência próxima, duas pessoas a quem considera como família, mas que não vivem consigo.
Estava integrado laboralmente, como armador de ferro para empresa de construção civil, trabalhando 8 horárias, auferindo 6€/hora, dispondo de salário mensal estimado entre os 800€ a 900€, que lhe permitia manter uma situação económica adequada às despesas, salientando manter à data, como encargos principais, o subarrendamento do quarto onde residia e contribuição económica para o pagamento da escola e alimentação dos seus dois filhos adolescentes, ambos residentes no país de origem, ..., aos cuidados da sua irmã mais velha.
O arguido encontra-se desde .../.../2024, em situação de prisão preventiva, presentemente afeto ao ..., à ordem do presente processo.
Não constam averbados no CRC emitido pelas Autoridades portuguesas quaisquer antecedentes criminais.
Analisando.
Conforme ensina Figueiredo Dias, a fixação da pena deverá obedecer ao critério geral consignado no artigo 71º e ao critério especial previsto no artigo 77º, nº1, ambos do Cód. Penal, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique1, relevando, na avaliação da personalidade do agente.
Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes ao crime em causa, como fez a decisão recorrida e que não está sob censura quanto a isso, conclui-se que a pena em que foi condenado foi fixada ainda no terço inferior da moldura abstracta resultante da atenuação respectiva [crime tentado].
Ora, o arguido não discute, como aliás se compreende, a medida dessa pena, mas tão só a forma de cumprimento da mesma, pugnando pela suspensão dela na execução.
Sendo a pena concreta aplicada fixada em medida inferior a 5 anos de prisão, importava apreciar e fundamentar especificamente quer a concessão, quer a denegação da suspensão da execução da pena de prisão (artº 50º, nº 1 CP).
O que o Tribunal a quo fez, como se deixou transcrito supra, concluindo embora pela não suspensão da pena, atenta a gravidade dos factos e afraca capacidade de auto censura e as necessidades de prevenção geral.
Veja-se.
É sabido que não são considerações de culpa que interferem nesta decisão, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas. A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não de qualquer «correção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como esclarece Zift, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência2. Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Já determinámos que estão em causa "não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise3. Por outro lado, importa esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer juízo de “certeza”, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida. O tribunal deve correr risco "prudencial" (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade. Existindo, porém, razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada4.
A Jurisprudência, por seu lado, tem vindo a acentuar que a suspensão da execução da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o Tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado, que deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a proteção dos bens jurídicos violados, refletindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta ante et post crimen e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infração.
Para o efeito, será de atender que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reação penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vetores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva).
Contudo, como se tem chamado à atenção nas decisões deste Tribunal de recurso, importa ainda considerar a proteção dos bens jurídicos violados, a proteção da própria sociedade em relação ao agente do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente este último, se possa esperar que o mesmo não venha a adotar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).
Na proteção dos bens jurídicos, será ainda de destacar que a reação penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, inequivocamente, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).
Da ponderação destes elementos, decorre que, por vezes, sobrepondo-se à função ressocializadora, seja necessária a execução de uma pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais do Estado de Direito Democrático.
Concretizando,
O crime praticado pelo arguido é objetivamente grave, muito embora na forma tentada, reflecte a protecção da norma ao bem mais valioso cuja protecção assume o nosso ordenamento jurídico: a vida.
O crime, seja consumado ou tentado, e precisamente porque a tentativa não penalmente relevante è aquela em que o resultado do tipo não se completa por facto alheio à vontade do agente, o que denuncia logo a intenção de matar como base da sua actuação, ainda que lograda, dizíamos, o crime em causa suscita grande censura e repúdio, sendo por isso muito elevadas as exigências de prevenção geral.
Tal como as de prevenção especial, pois que o arguido, como resulta dos factos provados, actuou com a deliberação necessária a mostrar como ultrapassado do ponto de vista emocional qualquer motivo ainda que aparentemente relevante, num contexto em que, como resulta dos factos provados, foi ele que procurou o conflito, pelo que a avaliação da sua personalidade em face da necessidade de se manter um comportamento genericamente conforme ao direito sempre mereceria especial atenção e censura.
Senão, vejamos ainda.
O arguido estava, à data dos factos, socialmente integrado, de acordo com o apurado pela primeira instância – mesmo não tendo família próxima em Portugal, tinha pessoas próximas que lhe davam apoio (e dão ainda em reclusão), trabalhava e tinha a sua autonomia financeira.
Está em Portugal, segundo verbaliza, desde 2018.
O arguido prestou declarações em julgamento, aceitando parcialmente os factos – ter golpeado o ofendido -, muito embora num contexto que descreveu em oposição às declarações do mesmo ofendido, como tal não confessando integralmente e sem reservas esses factos.
Em complemento a isto, diremos que a sociedade não aceita, e não pode aceitar nunca, que neste tipo de circunstâncias inócuas do ponto de vista social, se considere normalizado o comportamento desta natureza, normalização essa que seria evidenciada por uma decisão que suspendesse a execução da pena de prisão aplicada.
Basta olhar em redor para perceber que grande parte da sociedade se debate actualmente com grandes dificuldades a todos os níveis, com contrariedades diárias, com problemas que afectam as pessoas e os agregados familiares, combatendo elas essas adversidades com trabalho honesto, legal e enriquecedor para a malha social e com o controlo emocional necessário para que se mantenha a são convivência social, e com a determinação de viver e actuar em conformidade à lei.
O facto de o arguido, num contexto em que está inclusivamente integrado laboralmente em Portugal, se ter disposto [concretizando-o com a sua gravíssima actuação], ainda assim, a dirigir-se a uma terceira pessoa com quem instala um conflito, na sequência do qual a agride com um instrumento contundente, perfurante, depois virando-lhe as costas e abandonando o local, este simples facto dá-nos a indicação de que o arguido ainda tem um longo caminho a fazer em termos de integração social [pois que não está socialmente integrado quem pratica um crime tão anti social como este], caminho esse que passa pela verdadeira interiorização do desvalor da conduta [que se percebe não ter sido conseguido ainda, atento o facto de pretender justificar a sua actuação daquela forma], ao que acresce a circunstância de, neste contexto de notada gravidade, não perceber a sociedade a benevolência de qualquer pena que fosse suspensa na respectiva execução.
Para além disto, o que acima se disse deixa evidente, como entendeu também o Tribunal a quo, que não fica estabelecido qualquer juízo de prognose que lhe seja favorável, não sendo aqui atendível a circunstância de se mostrar integrado, uma vez que essa não o impediu de actuar como actuou ainda antes.
O Tribunal a quo fez também essa ponderação de forma correcta, nada havendo, como tal, a apontar à decisão recorrida.
Neste contexto, impõe-se também concluir que a simples ameaça da pena não garantiria as finalidades da punição, aliás, verificando-se mesmo que, neste concreto caso, a potencialidade dessa prisão que o julgamento por esse crime evidencia necessariamente, não foi sequer suficiente para que o arguido interiorizasse o desvalor e gravidade do seu acto, ou sequer o confessasse sem reservas.
Deixando, também por essa via, evidente que as finalidades da punição se salvaguardam apenas com a sujeição a pena para efectivo cumprimento.
Em nenhum momento deixou o Tribunal recorrido de ponderar adequadamente os critérios legais formais e materiais na fixação da pena (efectiva) – arts. 70º, 71º e 72º do Cód. Penal -, o que fez ainda em obediência ao que resulta da Constituição da República Portuguesa – maxime arts. 1º, 9º, al. b), 16º, nº 2, 24º e 25º, 27º, 29º, nº 1 e 3, 30º e 32º da CRP.
Assim, por não se mostrarem reunidos os pressupostos materiais exigidos pelo artº 50º do Cód. Penal para a aplicação de uma pena suspensa na execução, importa julgar improcedente a pretensão do arguido recorrente.
Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o recurso interposto por AA, mantendo-se intocada a decisão do Tribunal a quo.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC’s, a que acrescem os demais encargos legais.
Notifique.
Lisboa, 24 de Setembro de 2025
Hermengarda do Valle-Frias
Cristina Isabel Henriques
Carlos Alexandre
Texto processado e revisto.
Redacção sem adesão ao AO
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1. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Coimbra - 1993, p. 290ss.
2. Figueiredo Dias, idem, p. 343 e 344.
3. Ibidem, p. 344.
4. Ibidem, p. 344 e 345