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REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Sumário
Sumário: De harmonia com os critérios determinantes da suspensão da execução da pena de prisão, consagrados no art. 50º do CP, o cumprimento dos deveres ou regras de conduta impostos, como condição da suspensão da execução da pena, e/ou integrantes do plano individual de reinserção social e a consequente extinção da pena (art. 57º do CP) revelam que o programa de ressocialização teve êxito. Contrariamente, o incumprimento desse programa de reinserção social indicia o fracasso da prognose que justificara a suspensão. Todavia, não basta esta constatação objectiva para que se verifique como consequência desse incumprimento, a revogação da suspensão da pena de prisão (art. 56º). Porque a revogação da suspensão da pena não é de aplicação automática, importa considerar as causas do incumprimento dos deveres impostos ao condenado. A revogação só terá lugar, quando, depois de esgotados todos os meios que permitam apurar as concretas circunstâncias em que ocorreu o incumprimento dos deveres, estas revelarem que falhou o diagnóstico feito pelo tribunal no momento em que se decidiu pela suspensão e que, portanto, ficou irremediavelmente comprometida a função da pena, nomeadamente, as finalidades de prevenção geral e especial, que fundamentaram a suspensão da execução da pena. A única conclusão lógica que pode, pois, retirar-se do manifesto desinteresse do arguido em cumprir com tais regras de conduta e deveres, faltando sucessivamente às entrevistas, sessões e consultas agendadas pela DGRSP, ausentando-se por longos períodos e permanecendo incontactável, sem qualquer motivo atendível, é que em relação a ele a ressocialização é inviável, sem o cumprimento efectivo da pena de dois anos e um mês de prisão, como são inviáveis as finalidades que se visavam prosseguir com a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, nestes autos.
Texto Integral
Os Juízes da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa acordam, em conferência:
I – RELATÓRIO
Por despacho judicial proferido em 30 de Abril de 2025, no processo sumaríssimo nº 667/22.9PBAGH.L1 do Juízo Local Criminal de Angra do Heroísmo do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores foi determinada a revogação da suspensão da execução da pena de dois anos e um mês de prisão em que o arguido AA havia sido condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, n.º 1, al. b), e n.º 2, al. a), do Código Penal.
O arguido interpôs recurso desta decisão, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões:
I. Exmos. Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, o despacho proferido pelo douto tribunal foi inesperado, e o sentimento de injustiça é desmesurado!
II. mas porque ainda existe fé na justiça, acreditamos que v. exas. irão fazer justiça!
III. O Recorrente foi condenado, pela prática de um Crime de Violência Doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, suspensa na execução por igual período, ficando sujeita a regime de prova e à regra de conduta de frequência de programa para agressores de violência doméstica.
IV. A DGRSP apresentou 04 (quatro) relatórios periódicos de acompanhamento, concluindo-se sempre pela a adesão do Recorrente ao acompanhamento.
V. Os relatórios datados de ... de ... de 2024; ... de ... de 2024 e ... de ... de 2024, é possível concluir-se que a adesão do Recorrente ao acompanhamento foi plena.
VI. Apenas, no último relatório, datado de ... de ... de 2025 é que foram visíveis alguns constrangimentos.
VII. Cumpre alertar que a execução da pensa suspensa deste recorrente terminaria no dia ... de ... de 2025.
VIII. No entanto, a DGRSP explica no 4.º relatório apresentado ao Tribunal o seguinte: «Apesar de continuar a ter dificuldade na comparência às entrevistas de acompanhamento agendadas, AA mantem recetividade à nossa intervenção e assume uma atitude ajustada e colaborante no contacto presencial. Com efeito, em contexto de entrevista, faculta informação sobre a sua situação e enquadramento e aborda todos os temas propostos.»
IX. O Recorrente acabou por comparecer a uma das 18 sessões, acabando excluído por ter excedido o limite de faltas permitido, mas quando convocado para comparecer na DGRSP, compareceu.
X. Altura em que o Recorrente, em contexto de entrevista com a DGRSP «justificou as ausências às sessões com o facto de ter iniciado um novo trabalho, mas também com alguma desorganização pessoal, não tendo revelado resistência a uma nova integração.»
XI. Atenta a impossibilidade de o Recorrente em tempo útil integrar um novo grupo de formação, a DGRSP ponderou a hipótese do Recorrente realizar as sessões do Módulo em formato de aplicação individual, que tem uma duração menor, uma maior flexibilidade de agendamento das sessões e que teria início no passado mês de ....
XII. Sucede que a realização das sessões do Módulo em formato de aplicação individual não foi possível, porque o Recorrente, no entanto, foi preso à ordem do Proc. 99/22.9PBAGH, no passado dia ... de ... de 2025, na sequência da revogação da suspensão da execução de pena, encontrando-se em cumprimento de uma pena de 02 (dois) meses de prisão, com término previsto para .../.../2025, por não cumprimento do pagamento de uma pena de multa por falta de meios económicos.
XIII. A DGRSP teve o cuidado de relatar a situação do Recorrente, mas nunca, em momento algum, quer nos relatórios que envia ao douto Tribunal, quer na própria Audição de Condenado, demonstrou que o Recorrente não tivesse manifestado interesse no cumprimento do regime de prova a que ficou obrigado.
XIV. Caso o Recorrente não tivesse sido preso à ordem de outro processo, teria realizado as sessões do Módulo em formato de aplicação individual, e bem assim cumprido o regime de prova a que ficou obrigado na aplicação da suspensão da execução da pena.
XV. O Recorrente foi preso no dia ... de ... de 2025 à ordem do Proc. 99/22.9PBAGH, com término previsto para dia ... de ... de 2025, e o término da presente medida ocorria no dia ... de ... de 2025, o que já não daria tempo ao Recorrente para frequentar as sessões do Módulo Psicoeducacional, nem em contexto grupal nem no formato individual.
XVI. Conforme decorre do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no processo n.º 221/14.9SBGRD-A.C1, relatora Helena Bolieiro: «A revogação da suspensão, é ato decisório que determina o cumprimento da pena de prisão substituída, não constitui uma consequência automática da conduta do condenado, antes depende da constatação de que as finalidades punitivas que estiveram na base da aplicação da suspensão já não podem ser alcançadas através dela, infirmando-se definitivamente o juízo de prognose sobre o seu comportamento.»
XVII. Assim, entende-se que ao Recorrente deveria de ter sido descontados 02 (dois) meses, 02 (dois) meses estes que representam o tempo em que esteve preso à ordem de outro processo e que o impossibilitou de cumprir o que havia sido acordado entre o Recorrente e a DGRSP!
XVIII. Deve, por essa razão, o despacho do douto Tribunal ser revogado.
Nestes termos e nos mais de direito, sempre com o suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho proferido pelo douto tribunal, e por consequência ser dada a possibilidade de o recorrente concluir o regime de prova no período de 02 (meses), tendo presente o desconto que lhe deverá ser feito pelo tempo que esteve preso à ordem de outro processo, e que o impossibilitou de concluir a o regime de prova a que a suspensão da execução da pena dependia!
Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou a sua resposta, na qual concluiu:
1. Foi o recorrente AA condenado, como autor material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152.º n.º 1 b) e n.º 2 a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 1 (um) mês de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
2. A suspensão da execução da pena foi acompanhada de um regime de prova, com vigilância e apoio dos serviços da DGRS, com a obrigação de o arguido comunicar ou colocar à disposição todas as informações e documentos solicitados pelo técnico de reinserção social e ainda com a obrigação de receber visitas ou comparecer perante o técnico de reinserção social competente sempre que este o entenda por necessário, e tendo em vista:
a) Prevenir o cometimento no futuro de factos de idêntica natureza;
b) Permitir o confronto do arguido com as suas ações e tomada de consciência das suas condicionantes e consequências;
c) Procurar o confronto do arguido com os problemas de que padece, procurando alcançar formas de os eliminar/minorar;
d) Promover a consciência e assunção da responsabilidade do comportamento violento e a utilização de estratégias alternativas ao mesmo, objetivando a diminuição da reincidência.
A suspensão da execução da pena será ainda sujeita às seguintes regras de conduta:
a) Frequência do programa para agressores de violência doméstica (PAVD), devendo a DGRSP informar o Tribunal, no fim do mesmo, acerca do desempenho do arguido.
3. O período de suspensão teve início em ...-...-2023 e terminou em ...-...-2025.
4. Por despacho de ...-...-2025 (Ref. Citius n.º 59272170, datada de ...-...-2025) foi decidida a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos ao recorrente, determinando-se que o mesmo cumprisse a pena de prisão em causa, nos termos do artigo 56.º n.º 1 a) do Código Penal, pois o recorrente infringiu grosseiramente o plano homologado, concretamente a frequência do referido programa, pois culposamente faltou ao mesmo.
5. Desde o segundo relatório da DGRSP que foi salientada a desorganização e a dificuldade que o recorrente apresentava em cumprir o calendário estipulado, sendo que, ao longo do tempo, o recorrente nada fez para corrigir este comportamento.
6. As faltas injustificadas do recorrente ao programa de agressores para violência doméstica são especialmente reprováveis e evidenciam a falta de cuidado do mesmo, porquanto nunca se preocupou em justificar as faltas atempadamente, encontrando-se até incontactável, sendo que apenas após a realização do programa e porque convocado, por via postal, referiu que tais faltas se deviam a um período de desorganização pessoal.
7. Não pode defender o recorrente que podia cumprir os deveres e regras do regime de prova, caso fosse descontado o período em que o recorrente esteve preso à ordem de outro processo, pois o recorrente já estava em incumprimento do plano homologado, antes de ser preso, sendo esse incumprimento voluntário e reiterado.
8. Pelo exposto, o Tribunal a quo não violou o artigo 56.º n.º 1 a) do Código Penal.
Deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pelo recorrente, confirmando-se o despacho recorrido.
Remetido o processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, a Exma. Sra. Procuradora Geral da República Adjunta emitiu parecer, acompanhando, na íntegra, as contra-alegações de recurso apresentadas pelo Ministério Público junto do tribunal de 1ª instância, nada tendo a acrescentar às mesmas.
Cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, não houve resposta.
Colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência prevista nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito ( Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, a única questão que cumpre apreciar é a de saber se houve omissão dos deveres impostos como condições da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, neste processo, de forma grosseira e com culpa grave, se a mesma compromete o juízo de prognose favorável que alicerçou a mesma suspensão e, consequentemente, se a pena imposta deve ser declarada extinta nos termos do art. 57º do CP.
2.2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida é a seguinte (transcrição integral):
O arguido AA foi, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152º, n.º 1, al. b), e n.º 2, al. a), do Código Penal, condenado nos presentes autos, e por despacho com valor de sentença de ... de ... de 2023, transitado a ... de ... de 2023, na pena de 2 anos e 1 mês de prisão (fls. 115 e ss.).
A execução da pena foi suspensa por igual período, ficando esta sujeita a regime de prova e à regra de conduta de frequência de programa para agressores de violência doméstica.
O plano de reinserção social foi apresentado a ... de ... de 2023 (fls. 139 e seguintes) e foi judicialmente homologado a ... (fls. 143).
A ... de ... de 2024 a DGRSP apresentou relatório periódico de acompanhamento, informando da adesão do arguido ao acompanhamento (fls. 167 e seguintes).
A ... de ... de 2024 a DGRSP apresentou segundo relatório de acompanhamento (fls. 170). Nele voltava a referir a adesão do arguido ao acompanhamento. Não obstante, referia-se ainda que o arguido se encontrava numa fase de maior desorganização em termos pessoais e emocionais, decorrente da intensificação dos consumos de álcool.
A ... de ... de 2024 a DGRSP apresentou terceiro relatório de acompanhamento (fls. 178), referindo dificuldades mais recentes no cumprimento do calendário de entrevistas, mostrando-se o arguido ainda agregado à intervenção, não revelando qualquer resistência e assumindo postura receptiva e colaborante.
A ... de ... de 2025 a DGRSP apresentou quarto relatório de acompanhamento (fls. 181).
Nele se referiu:
“Apesar de continuar a ter dificuldade na comparência às entrevistas de acompanhamento agendadas, AA mantem receptividade à nossa intervenção e assume uma atitude ajustada e colaborante no contacto presencial. Com efeito, em contexto de entrevista, faculta informação sobre a sua situação e enquadramento e aborda todos os temas propostos.
(…)
Ainda no âmbito do cumprimento das condições impostas judicialmente, AA foi encaminhado para a frequência das sessões em grupo que compõem o Módulo Psicoeducacional do Programa CONTIGO no passado dia ..., estando o termo das mesmas previsto para .../.../2025. Apesar de ter revelado motivação para a frequência do programa, o probando apenas compareceu à primeira das 18 sessões previstas, tendo sido excluído por ter excedido o limite de faltas permitido. Apesar das tentativas de contacto telefónico, não se conseguiu comunicar com o probando (por ter alterado o número de telemóvel), que apenas compareceu nesta Equipa a .../.../2024, e após envio de convocatória via postal.
Em contexto de entrevista, justificou as ausências às sessões com o facto de ter iniciado um novo trabalho, mas também com alguma desorganização pessoal, não tendo revelado resistência a uma nova integração. Não obstante, e atendendo à data de término da presente suspensão, já não seria possível em tempo útil o probando integrar um novo grupo de formação, dado que o mesmo só terá início no próximo dia .../.../2025, com término previsto para meados de Junho próximo.
Desta forma, ponderou-se a hipótese do probando realizar as sessões do Módulo em formato de aplicação individual, que tem uma duração menor, uma maior flexibilidade no agendamento das sessões e que teria início no presente mês de .... Não obstante, tal não foi possível porque o probando foi preso à ordem do Proc. 99/22.9PBAGH, no passado dia ..., na sequência da revogação da suspensão de execução da pena, encontrando-se em cumprimento de uma pena de 2 meses de prisão, com término previsto para .../.../2025.
Neste contexto, e atendendo à data prevista de término da presente medida (.../.../2025), AA já não terá tempo para frequentar as sessões do Módulo Psicoeducacional, nem em contexto grupal nem no formato individual.”
*
O arguido foi ouvido na presença de técnico da DGRSP.
O Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, defendendo o arguido ter interesse em cumprir com a obrigação de frequência do programa.
*
Refere o art.º 56º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal, o seguinte: “A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social.”
Cabe citar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 2001, Processo 01P1092, pesquisável em www.dgsi.pt: “A suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos” (sublinhado não original).
O que estas palavras querem dizer é que a suspensão da pena de prisão não é uma forma encapotada de absolvição ou uma condenação a que faltou a coragem para absolver: e a existência de sanções para o incumprimento das condições da suspensão aí estão para o comprovar.
A regra de conduta a que foi sujeito o arguido ficou acima plasmada: tinha de frequentar um programa direccionado para a problemática da violência doméstica. Esse programa é composto por dezoito sessões. O arguido apenas compareceu à primeira sessão a ..., tendo sido excluído por faltas. Tentou-se contactá-lo, mas tal só se revelou possível a ..., pois o arguido havia alterado o número de telemóvel sem o comunicar.
Ponderou-se integrá-lo no programa em formato individual, mas foi, entretanto, preso para cumprimento de uma pena de prisão à ordem de outro processo, a qual terminou a ... de ... de 2025.
Ouvido, o arguido não apresentou qualquer justificação razoável ou sensata nem para as faltas ao programa nem para o facto de ter mudado de meio de comunicação e não ter informado a DGRSP disso.
Insistiu que queria cumprir o programa, mas quando perguntado por que não o havia feito em ..., nada respondeu.
De resto, não é estranho esse incumprimento, atendendo aos relatórios anteriores apresentados pela DGRSP. É que os últimos relatórios de acompanhamento diziam já que o arguido, apesar de mostrar adesão ao acompanhamento, se encontrava numa fase de maior desorganização em termos pessoais e emocionais, decorrente da intensificação dos consumos de álcool, com dificuldades no cumprimento do calendário de entrevistas.
Ou seja, o arguido não se mostrou avesso ao apoio e à orientação dados pela DGRSP, mas quando teve de gastar do seu tempo a frequentar sessões de um programa, recusou-se a fazê-lo.
Reestabelecido o contacto com o arguido depois de uma ausência de cerca de dois meses, e por sua inteira responsabilidade, cumpriu uma pena de prisão, o que inviabilizou uma colocação no programa, desta feita em formato individual.
O arguido infligiu grosseiramente o dever imposto de frequência do programa destinado a agressores de violência doméstica, na medida em que ao longo de dois anos foi sendo acompanhado mas não se compenetrou de que tinha de cumprir rigorosamente com as condições impostas, sendo-lhe perfeitamente possível fazê-lo.
É patente, pois, o desinteresse manifestado pelo arguido sobre a sua própria sorte, bem como a violação grosseira da regra de conduta estabelecida na decisão judicial.
Assim, e ao abrigo do disposto no art.º 56º, n.º 1, al. b), do Cód. Penal, revogo-lhe a suspensão da execução da pena de prisão em que o mesmo foi condenado, o que determina o cumprimento da pena já fixada.
Após trânsito passe os competentes mandados de condução ao E. P. (despacho com a referência Citius 59272170);
Com relevo para a decisão, importa considerar, ainda, a seguinte factualidade:
Em ... de ... de 2022, o Mº. Pº. deduziu acusação contra o arguido AA, em processo sumaríssimo, imputando-lhe a prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, al. b), 2, al. a), sancionável ainda nos termos dos nºs 4 e 5 do referido preceito do Código Penal (acusação com a referência Citius 53989855);
Por decisão proferida em ... de ... de 2023, transitada em julgado em ... de ... de 2023 e com o valor de sentença, o arguido AA foi condenado, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º nº 1 al. b) e nº 2, al. a) do Código Penal, na pena de dois anos e um mês de prisão, suspensa, na respectiva execução, por igual período sujeita a regime de prova e à regra de conduta de frequência de programa para agressores de violência doméstica (referência Citius 54706852);
O plano de reinserção social foi apresentado a ... de ... de 2023 (referência Citius 5178859);
Por despacho proferido em ... de ... de 2023, foi judicialmente homologado (referência Citius 55349866);
A ... de ... de 2024 a DGRSP apresentou relatório periódico de acompanhamento, concluindo que:
«AA vem revelando adesão ao presente acompanhamento, contexto em que tem comparecido, na generalidade, às entrevistas agendadas por esta Equipa e assumido uma postura receptiva e colaborante. Revela também preocupação com o cumprimento das acções a que ficou vinculado no âmbito da presente medida, estando mais consciente dos limites da sua conduta e vindo a centrar-se na melhoria das suas condições em termos familiares e laborais» (referência Citius 5539214);
A ... de ... de 2024 a DGRSP apresentou outro relatório de acompanhamento da execução do regime de prova e do programa para agressores de violência doméstica, no qual se refere além do mais, o seguinte:
«AA continua a residir em casa do progenitor, e apesar de descrever um bom relacionamento com aquela figura, reporta alguma disfuncionalidade na organização do agregado, decorrente do consumo excessivo de bebidas alcoólicas por parte do pai, do irmão e dele próprio, assumindo um descontrolo recente a este nível, com impacto na sua estabilidade emocional e capacidade de autocontrolo. Não antecipa uma alteração deste enquadramento, sobretudo por questões económicas, considerando não ter condições para assegurar o pagamento de uma renda de habitação.
«AA mantém também o mesmo enquadramento laboral, desempenhando funções de ... na empresa ..., com vínculo contratual pelo período de um ano, e com possibilidade de renovação. Mostra-se satisfeito com esta integração laboral, embora refira uma situação económica precária, com dificuldade em assegurar os encargos mensais, atrasando-se por vezes no pagamento da pensão de alimentos aos 4 filhos menores.
«Ainda no âmbito do cumprimento das acções associadas à presente suspensão, prevê-se a integração do probando nas sessões do Módulo Psicoeducacional do Programa CONTIGO, aplicadas em grupo e direccionadas a agressores na conjugalidade, ainda durante o presente ano.
«Resta referir que AA foi condenado, à ordem do processo 99/22.9PBAGH, a 2 meses de prisão, suspensa pelo período de um ano com regime prova, pela prática de dois crimes de dano, em ... de 2022, sentença transitada em julgado a .../.../2024.
(…)
«AA vem revelando adesão ao presente acompanhamento, contexto em que tem comparecido, na generalidade, às entrevistas agendadas por esta Equipa e assumido uma postura receptiva e colaborante. Não obstante, encontra-se numa fase de maior desorganização em termos pessoais e emocionais, decorrente nomeadamente da intensificação dos consumos de álcool, e há registo de um novo processo em que está indiciado pela prática de novo crime de violência doméstica, relativamente à mesma vítima.» (referência Citius 5645148);
A ... de ... de 2024 a DGRSP apresentou terceiro relatório de acompanhamento das medidas do regime de prova e do programa para agressores da violência doméstica referindo, além do mais, o seguinte:
O arguido «indicia uma maior estabilidade emocional, aparentemente associada à redução dos consumos de álcool, que refere como muito esporádicos e contextualizados a festividades, referindo também ter reduzido o convívio social e um afastamento da associação com pares problemáticos.
«Não obstante, não compareceu à consulta de psiquiatria, agendada para o passado dia .../.../2024, no ..., alegando ter-se confundido com o dia e tendo ficado de proceder à sua remarcação. Não revela resistência a esta intervenção, estando a falta à consulta sobretudo associada a alguma desorganização pessoal.
«Em termos laborais, AA encontra-se presentemente numa situação precária, tendo deixado o anterior emprego na construção civil, alegadamente por se ter incompatibilizado com um encarregado, considerando que poderia haver uma escalada no conflito. Neste contexto, vem trabalhando para um empregador local, também na área da construção civil, mas sem vínculo e de acordo com as solicitações, tendo sido orientado para reativar a sua inscrição na Agência de Emprego.
«AA continua a residir em casa do progenitor, e apesar de descrever um bom relacionamento com aquela figura, reporta alguma disfuncionalidade na organização do agregado, decorrente do consumo excessivo de bebidas alcoólicas por parte do pai, referindo uma diminuição neste hábito por parte do irmão. Não antecipa uma alteração deste enquadramento, sobretudo por questões económicas, considerando não ter condições para assegurar o pagamento de uma renda de habitação.
«Mais recentemente, tem pernoitado ocasionalmente em casa da mãe, a pedido desta e para cuidar dos seus dois filhos mais velhos, dado que a sua progenitora trabalha por turnos e, por vezes, faz o período nocturno.
«Ainda no âmbito do cumprimento das acções associadas à presente suspensão, prevê-se a integração do probando nas sessões do Módulo Psicoeducacional do Programa CONTIGO, aplicadas em grupo e direccionadas a agressores na conjugalidade, no grupo a iniciar no próximo mês de ....
«Apesar de algumas dificuldades mais recentes no cumprimento do calendário de entrevistas, AA continua a mostrar-se agregado à presente intervenção, não revelando qualquer resistência e assumindo uma postura receptiva e colaborante no contexto das entrevistas de acompanhamento.
Aparenta uma situação de maior estabilidade emocional e uma crescente consciência crítica relativamente à dinâmica relacional com a vítima e a eventuais factores de risco promotores da reincidência, nomeadamente as questões do álcool e uma proximidade excessiva da ex-companheira, não havendo reporte de novas situações de conflito.» (referência Citius 5850031);
A ... de ... de 2025 a DGRSP apresentou quarto relatório de acompanhamento, no qual referiu:
«Apesar de continuar a ter dificuldade na comparência às entrevistas de acompanhamento agendadas, AA mantém recetividade à nossa intervenção e assume uma atitude ajustada e colaborante no contacto presencial. Com efeito, em contexto de entrevista, faculta informação sobre a sua situação e enquadramento e aborda todos os temas propostos”.
(…)
«Ainda no âmbito do cumprimento das condições impostas judicialmente, AA foi encaminhado para a frequência das sessões em grupo que compõem o Módulo Psicoeducacional do Programa CONTIGO no passado dia ..., estando o termo das mesmas previsto para .../.../2025. Apesar de ter revelado motivação para a frequência do programa, o probando apenas compareceu à primeira de 18 sessões previstas, tendo sido excluído por ter excedido o limite de faltas permitido. Apesar das tentativas de contacto telefónico, não se conseguiu comunicar com o probando (por ter alterado o número de telemóvel), que apenas compareceu nesta Equipa a .../.../2024, e após envio de convocatória via postal.
«Em contexto de entrevista, justificou as ausências às sessões com o facto de ter iniciado um novo trabalho, mas também com alguma desorganização pessoal, não tendo revelado resistência a uma nova integração. Não obstante, e atendendo à data de término da presente suspensão, já não seria possível em tempo útil o probando integrar um novo grupo de formação, dado que o mesmo só terá início no próximo dia .../.../2025, com término previsto para meados de Junho próximo.
«Desta forma, ponderou-se a hipótese do probando realizar as sessões do Módulo em formato de aplicação individual, que tem uma duração menor, uma maior flexibilidade de agendamento das sessões e que teria início no presente mês de .... Não obstante, tal não foi possível porque o probando foi preso à ordem do Proc. 99/22.9PBAGH, no passado dia ..., na sequência da revogação da suspensão da execução de pena, encontrando-se em cumprimento de uma pena de 2 meses de prisão, com término previsto para .../.../2025.
«Neste contexto, e atendendo à data prevista de término da presente medida (.../.../2025), AA já não terá tempo para frequentar as sessões de Módulo Psicoeducacional, nem em contexto grupal nem no formato individual.» (referência Citius 6128393).
2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
A suspensão da execução da pena de prisão, prevista e regulada nos arts. 50º a 57º do Código Penal e nos arts. 492º a 495º do Código de Processo Penal, pode revestir três modalidades: simples; com imposição de deveres e/ou de regras de conduta, que são cumuláveis, de acordo com o art. 50º nº 3 e sujeita a regime de prova assente no «plano de reinserção social», a propósito do qual o art. 54º do CP também permite a inclusão de deveres e regras de conduta, impostos pelo Tribunal.
Os deveres encontram-se previstos, de forma exemplificativa, no artigo 51º nº 1 do C P, enquanto as regras de conduta, tendo em vista a reintegração ou socialização do condenado, se encontram previstas, também a título exemplificativo, no artigo 52º do mesmo diploma.
Entre eles, contam-se a) pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea; b) dar ao lesado satisfação moral adequada; c) entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente.
Estes deveres e regras de conduta estão sujeitos à cláusula «rebus sic stantibus», na medida em que por efeito das disposições conjugadas dos artigos 51º nº 3 e 52º nº 4 do Código Penal, podem ser modificados até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento e que justifiquem essa modificação.
A suspensão condicionada é, pois, uma forma de assegurar a reparação dos males do crime e um «meio razoável e flexível para exercer uma influência ressocializadora sobre o agente, sem privação da liberdade», cuja vantagem é precisamente, a «possibilidade de adaptar a sanção às circunstâncias e necessidades do agente» (Jescheck, Weigend, Tratado de Derecho Penal, 2002, p. 898-899), sem perder de vista a necessidade, por razões de justiça e de equidade, de fazer sentir ao arguido os efeitos da condenação, conferindo aos deveres e regras de conduta a natureza de adjuvantes na prossecução dos fins de prevenção geral e especial que o art. 40º do CP atribuí às penas de tutela dos bens jurídicos e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade, evitando, ao mesmo tempo, os efeitos criminógenos das penas curtas de prisão, ou, noutra formulação, serve «para reparar o mal do crime e facilitar a sua reintegração (do condenado) na sociedade, evitando-se, ao mesmo tempo, os danos causados pelo cumprimento de uma pena privativa da liberdade» (Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, Áreas Editora, 2003, 2ª Edição, actualizada e ampliada, pág. 161. No mesmo sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, as Consequências Jurídicas do Crime”, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 349 e 353; Manso Preto, Algumas considerações sobre a suspensão condicional da pena, in Textos, Centro de Estudos Judiciários, 1990-91, p. 173; Faria Costa, Linhas de Direito Penal e de Filosofia alguns cruzamentos reflexivos, 2005, p. 230 e Pablo Galan Palermo, Suspensão do Processo e Terceira Via: avanços e retrocessos do sistema penal, in Que Futuro para o Direito Processual Penal, 2009, pp. 642-643).
Nos termos do art. 56º do CP, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão depende da verificação de uma das circunstâncias enunciadas nas als. a) e b) do mesmo preceito, ou seja, a infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social e/ou a prática de crime, no período de duração dessa suspensão, em circunstâncias que revelem que as finalidades prosseguidas com a suspensão se frustraram.
Por seu turno, o art. 495º nº 2 do C.P. Penal estabelece que, incumprindo o condenado as condições de suspensão, o tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova e antecedendo parecer do Ministério Público e audição do condenado na presença do técnico.
Ao contrário do que sucedia na versão originária do Código Penal, após a entrada em vigor do D.L. 48/95 de 15.3., a ocorrência de tal circunstância não determina de forma automática a revogação da suspensão, que é, agora, prevista como « "ultima ratio" (...), quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências que este preceito contém» (Leal Henriques e Simas Santos, CP Anot, Vol. I, p. 481), como vinha já sendo preconizado por Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 356).
Constituí princípio fundamental do sistema punitivo do Código Penal, o da preferência fundamentada pela aplicação das penas não privativas da liberdade, consideradas mais eficazes para promover a integração do delinquente na sociedade e dar resposta às necessidades de reprovação e de prevenção geral e especial.
Em diversos preceitos se encontram afloramentos de tal princípio, designadamente, no instituto da suspensão da execução da pena de prisão, previsto no art. 50º.
A suspensão da execução da pena constituí uma dessas medidas de conteúdo pedagógico e ressocializante que exige, para além da moldura concreta inferior a cinco anos de prisão, que o Tribunal formule um juízo favorável ao arguido, no sentido de considerar provável que a simples censura da sua conduta e a ameaça da pena são suficientes para que ele não volte a cometer crimes e para satisfazer as exigências de reprovação e prevenção da criminalidade.
Para esse efeito, deverão ser tidas em atenção as condições pessoais do arguido, a sua personalidade e conduta anterior e posterior aos factos, bem como as circunstâncias em que estes foram praticados.
Por conseguinte, de harmonia com os critérios determinantes da suspensão da execução da pena de prisão, consagrados no art. 50º do CP, o cumprimento dos deveres ou regras de conduta impostos, como condição da suspensão da execução da pena, e/ou integrantes do plano individual de reinserção social e a consequente extinção da pena (art. 57º do CP) revelam que o programa de ressocialização teve êxito.
Contrariamente, o incumprimento desse programa de reinserção social indicia o fracasso da prognose que justificara a suspensão.
Todavia, não basta esta constatação objectiva para que se verifique como consequência desse incumprimento, a revogação da suspensão da pena de prisão (art. 56º).
Porque a revogação da suspensão da pena não é de aplicação automática, importa considerar as causas do incumprimento dos deveres impostos ao condenado.
Se, em função dessa averiguação prévia, se constatar ter havido infracção grosseira ou repetida dos deveres de conduta ou das regras impostas ou do plano individual de readaptação social, terá lugar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Se tal conclusão não puder ser formulada, a pena será extinta.
«Há uma violação grosseira quando o arguido tem uma actuação indesculpável, em que o cidadão comum não incorre, não merecendo ser tolerada» (Ac. da Relação de Guimarães 19.01.2009, proc. 2555/08.1. No mesmo sentido, Ac. da Relação do Porto de 9.12.2004, proc. 0414646; Ac. da Relação de Guimarães de 4.05.2009, proc. 2625/05.9PBBRG-A.G1; Ac. da Relação de Coimbra de 06.03.2013, proc.15/07.8GCGRD.C2, todos in http://www.dgsi.pt).
«Violação grosseira é toda e qualquer violação que possa evidenciar-se como qualificada, qualitativamente denotativa da dimensão do incumprimento do dever ou obrigação impostos, no sentido de se considerar que tal violação se assume como grave na própria amplitude e determinação com que, na sua essência, deixou de ser cumprida a obrigação imposta, não o sendo quando se traduz num mero incumprimento parcial de uma obrigação ou quando, tratando-se de uma obrigação de execução continuada, o incumprimento se verificou apenas em algumas vezes contadas, em comparação com outras em que a mesma foi sendo cumprida.
«A culpa há-de revestir intensidade relevante, seja pela natureza (violação grosseira), seja pela reiteração (atitude geral de descuido e leviandade prolongada no tempo), de molde a constituir uma actuação especialmente censurável, que o cidadão médio pressuposto pela ordem jurídica repudiaria e que, por consequência, não admite tolerância ou desculpa.
«Para a suspensão da execução da pena de prisão ser revogada é necessário que a infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos se deva à vontade do condenado e que se conclua que nenhuma outra medida, para além da revogação, é viável para alcançar as finalidades da punição (artigos 50.º, n.º 1, e 40.º, n.º 1, do Código Penal)» (Ac. da Relação de Coimbra de 10.05.2023, proc. 103/21.8PBLMG-A.C1, in http://www.dgsi.pt).
O que vale por dizer, quando o juízo de prognose favorável, aquando da condenação em pena cuja execução ficou suspensa, se transforma em juízo de prognose desfavorável ao processo de ressocialização, no momento da aferição dos pressupostos da extinção ou da revogação dessa mesma suspensão.
A infracção grosseira «não tem de ser dolosa, sendo bastante a infracção que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade (…) A colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir as condições da suspensão constitui violação grosseira dessas condições» enquanto que a infracção repetida «é aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, isto é, que não se esgota num acto isolado da vida do condenado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória.» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 201-202).
«Infringe o condenado os deveres ou regras de conduta impostos (…) se dá ocasião para que se entenda que irá prosseguir na via criminosa. Isso, todavia, não basta para a revogação, exigindo a lei a infracção grosseira ou repetida, quer dizer: que ele actue em violação desses deveres ou regras de forma objectivamente relevante e com a consciência disso mesmo. Pode também acontecer que o faça repetidamente, por ex., fugindo de forma pertinaz e teimosa ao cumprimento do que lhe está determinado. A conduta deverá ser demonstrativa de uma atitude de rejeição. Não bastará a violação de um dos deveres impostos, a menos que tal violação faça recear que a conduta criminosa se vai renovar, mas para tanto é necessário uma apreciação global da personalidade do sujeito, do seu entorno social e da forma como a violação se processou, de modo a contrariar o prognóstico anteriormente favorável» (M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal, Parte Geral e Especial, Almedina, 2014, págs. 335 e 336).
A revogação só terá lugar, quando, depois de esgotados todos os meios que permitam apurar as concretas circunstâncias em que ocorreu o incumprimento dos deveres, estas revelarem que falhou o diagnóstico feito pelo tribunal no momento em que se decidiu pela suspensão e que, portanto, ficou irremediavelmente comprometida a função da pena, nomeadamente, as finalidades de prevenção geral e especial, que fundamentaram a suspensão da execução da pena (Ac. da Relação de Évora de 19.01.2009, proc. 2555/08-1; da Relação de Évora de 24.06.2010, proc. 982/02.8TAPTM.E1; da Relação do Porto de 12.01.2011, proc. nº 5376/97.2JAPRT-B.P1; da Relação de Coimbra de 6.03.2013, proc. 15/07.8GCGRD.C2; da Relação do Porto de 18.06.2014, proc. 1784/05.4TAVNG.P1; da Relação de Évora de 24.02.2015 proc. 1128/07.1PCSTB-C.E1, de 03.03.2015, proc. 1246/10.9PCSTB.E1; de 26.04.2016 (proc. 5/12.9GIBJA.E1; Acs. da Relação de Lisboa de 27.11.2014, proc. 479/10.2PTSNT.L1-9; de 29.12.2015, proc. 485/07.4PEOER.L1-3; da Relação de Coimbra de 08.07.2015, proc. 423/13.5GBPBL.C1, de 13.07.2016, proc. 1329/07.2TAVIS.C1, da Relação de Évora de 08.03.2018, proc. 2207/13.1GBABF-A.E1, da Relação de Guimarães de 22.01.2018, proc. 97/10.5GCVRL-B.G1, da Relação de Coimbra de 06.02.2019, proc. 221/14.9SBGRD-A.C1, da Relação de Guimarães de 19.12.2023, proc. 2799/15.0T8BRG.G2, da Relação de Évora de 24.01.2023, proc. 990/19.0T8EVR-A.E1, todos in http://www.dgsi.pt).
Assim, se no momento da substituição da pena de prisão, pela suspensão, há um juízo de prognose favorável no sentido de que a censura do facto, a ameaça da pena e a imposição de deveres, regras de conduta ou do plano individual de reinserção social são adequados e suficientes para garantir a ressocialização do condenado e prevenir o cometimento de futuros crimes, no momento da sua revogação, o que há é um juízo de certeza sobre o fracasso da medida substitutiva para concretizar os fins de prevenção geral e especial das penas, ou seja, sobre a inviabilidade de reintegração social do condenado.
A primeira constatação a fazer face a todo o iter processual acima reproduzido na fundamentação de facto é a de que a disponibilidade que o arguido invoca, no seu recurso para se insurgir contra a revogação da suspensão da execução da pena não se traduziu, afinal, em nenhuma consequência prática, ou seja, não se mostra minimamente cumprido, nem o regime de prova e, ainda menos, o dever de frequentar o programa para agressores de violência doméstica, imposto na condenação, como uma das condições para a suspensão da execução da pena de dois anos e um mês de prisão pelo crime de violência doméstica que cometeu.
Com efeito, os relatórios de acompanhamento da execução da medida de substituição aplicada vão sempre mencionando que o arguido vem revelando adesão ao acompanhamento, que revela estar motivado, mas o que é facto é que nem se esforçou por abandonar os hábitos de ingestão alcoólica em excesso, de dezoito sessões previstas para a frequência do programa específico delineado pela DGRSP para agressores de violência doméstica, compareceu a uma única, sem que haja motivo objectivo, justificável ou atendível para ter faltado a todas as restantes, a ponto de não só ter inviabilizado a efectiva frequência de tal programa não servindo minimamente para o efeito, as circunstâncias de estar desorganizado pessoalmente porque vive com o pai e com o irmão e este também têm hábitos de ingestão excessiva de álcool ou de ter mudado de número de telefone, como também, de nem sequer ter aderido proactivamente e de forma autêntica e realmente interessada ao programa individualizado que foi concebido especialmente para ele, em resultado da inexequibilidade do programa CONTIGO.
Como referido num dos relatórios da DGRSP, «apesar de ter revelado motivação para a frequência do programa, o probando apenas compareceu à primeira de 18 sessões previstas, tendo sido excluído por ter excedido o limite de faltas permitido. Apesar das tentativas de contacto telefónico, não se conseguiu comunicar com o probando (por ter alterado o número de telemóvel), que apenas compareceu nesta Equipa a .../.../2024, e após envio de convocatória via postal.»
Foi precisamente para se organizar pessoalmente, que foi determinada a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado neste processo e o facto de ter mudado de número de telefone, impunha-lhe que disso mesmo tivesse dado informação atempada aos serviços da DGRSP, em lugar de se ter colocado em situação de ficar incontactável.
Do mesmo modo, não pode servir de argumento válido o de ter sido privado de liberdade à ordem de outro processo no qual foi condenado numa pena de prisão de dois meses à ordem do Proc. 99/22.9PBAGH, considerando que o tempo de cumprimento efectivo desta pena decorreu entre ... e ... de ... de 2005 e que o efectivo e cabal cumprimento do plano individual de reinserção social e a frequência do programa para agressores de violência doméstica deveria ter-se iniciado logo após a sua homologação judicial, o que aconteceu em ... de ... de 2023, ou seja mais de um ano e meio antes da sua reclusão, sendo certo que desde o início da execução da medida que são recorrentes e sucessivas as faltas, seja a consultas, seja às sessões do programa de violência doméstica, assim como as ausências prolongadas, sem se deixar contactar pelos serviços da DGRSP.
Em suma, a disponibilidade para aderir ao plano individual de reinserção social e ao programa para agressores de violência doméstica foi sempre sendo verbalizada, mas nunca foi sendo cumprida, sob os mais diversos pretextos que apenas revelam uma total falta de adesão e desinteresse pela execução da medida de substituição à prisão.
Neste contexto, a segunda constatação a fazer é a de que esta reiterada recusa do arguido em aderir de forma realmente interessada e proactiva aos deveres, injunções e regras de conduta a que estava obrigado, como condições da suspensão da execução da pena correspondem a um incumprimento grosseiro e imputável ao arguido a quem tempo e oportunidades não faltaram para cumprir tais deveres e que preferiu, de forma livre e deliberada, não o fazer.
Como refere e muito bem o Mmo. Juiz que proferiu o despacho recorrido, «a suspensão da pena de prisão não é uma forma encapotada de absolvição» e «o arguido não se mostrou avesso ao apoio e à orientação dados pela DGRSP, mas quando teve de gastar do seu tempo a frequentar sessões de um programa, recusou-se a fazê-lo».
Tal despacho merece, pois, total concordância, dado o seu acerto.
A única conclusão lógica que pode, pois, retirar-se do manifesto desinteresse do arguido em cumprir com tais regras de conduta e deveres, faltando sucessivamente às entrevistas, sessões e consultas agendadas pela DGRSP, ausentando-se por longos períodos e permanecendo incontactável, sem qualquer motivo atendível, é que em relação a ele a ressocialização é inviável, sem o cumprimento efectivo da pena de dois anos e um mês de prisão, como são inviáveis as finalidades que se visavam prosseguir com a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, nestes autos.
O recurso improcede.
III – DISPOSITIVO
Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa:
Em julgar o presente recurso não provido e, em consequência, manter integralmente o despacho recorrido.
Custas pelo arguido recorrente, fixando a Taxa de Justiça em 3 Ucs – art. 513º do CPP.
Notifique.
*
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Juízes Adjuntos.
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Tribunal da Relação de Lisboa, 24 de Setembro de 2025
Cristina Almeida e Sousa
Rui Miguel Teixeira
Carlos Alexandre