INJUNÇÃO
CITAÇÃO
CONVENÇÃO DE DOMICÍLIO
NULIDADE
Sumário

I. A cláusula contratual que prevê apenas comunicações entre as partes “ao abrigo do contrato” não constitui convenção de domicílio para efeitos de citação ou notificação judicial (art. 2.º do DL n.º 269/98 e art. 12.º-A do respetivo regime anexo).
II. Não havendo convenção de domicílio válida, a citação no procedimento de injunção deve ser realizada por carta registada com aviso de receção; a sua omissão gera nulidade (art. 198.º do CPC).

Texto Integral

Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
Identificação das partes e indicação do objeto do litígio
AA deduziu embargos de executado por oposição à execução para pagamento de quantia certa (€ 34 133, 55), baseada em requerimentos injuntivos aos quais foi aposta a fórmula executória, que por sua vez contra si e BB, move a sociedade comercial Silhuetas Difusas - Unipessoal, Lda, exequente nos autos principais.
Alegou que o Tribunal competente para a execução é o Tribunal de Lisboa, por força do convencionado entre as partes; que que não tiveram oportunidade de se defender nos procedimentos de injunção, porque o exequente indicou uma morada que sabia estar desactualizada; que as facturas a que diziam respeito titulavam serviços não prestados, não sendo devidos quaisquer juros comerciais, uma vez que a exequente não é uma sociedade comercial.
Admitidos os embargos, a embargada contestou, pugnando pela competência do Tribunal, dizendo que o embargante foi devidamente notificado no domicílio convencionado e que os fundamentos aduzidos não podem aqui ser conhecidos por se tratar de matéria de defesa a ter lugar no respectivo processo de declaração.
Após realização da audiência prévia, o tribunal a quo proferiu SANEADOR-SENTENÇA, em que proferiu decisão sobre o mérito da causa, concluindo nos seguintes termos:
Assim sendo, face ao supra exposto, o Tribunal decide:
a) Julgar inadmissível a oposição à execução mediante embargos de executado na parte relativa à relação contratual estabelecida entre as partes (artigos 16. a 20. do requerimento inicial) e, em consequência, não conhecer da mesma;
b) Na parte remanescente, julgar improcedente a presente oposição mediante embargos de executado e, em consequência, determinar o prosseguimento da execução.
c) Condenar o embargante nas custas devidas.
Para tanto convoca, na parte relevante, a seguinte fundamentação:
«No presente caso, resulta da factualidade apurada que as partes estabeleceram convenção de domicílio, tendo as notificações sido expedidas por via postal simples com prova de depósito para a morada convencionada. Como tal, as mesmas foram regularmente concretizadas.
Nesta sede, argumenta o embargante que a Exequente não só sabia que nenhum dos Executados se encontrava na morada convencionada no contrato de prestação de serviços, como sabia a morada correcta e exacta de cada um dos Executados (artigo 6.º). Porém, tal argumentação não procede, uma vez que o embargante subscreveu a convenção de domicílio, não tendo sido invocado qualquer vício da vontade. É, pois, irrelevante se o executado se encontrava ou não na morada convencionada e se a exequente sabia ou não disso, valendo antes o acordado entre as partes.
Assim sendo, nesta parte, improcedem os presentes embargos.
Alega, também, o embargante que não foram prestados os serviços titulados pelas facturas constantes dos requerimentos de injunção.
Porém, decorre das supra citadas normas legais que, fundando-se a execução em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, constituem fundamento de oposição à execução mediante embargos de executado, os fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações bem como os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 (artigo 857.º, n.º 1 do CPC).
Decorre, assim, desta última norma que, não tendo deduzido oposição ao requerimento de injunção, não pode o ora Embargante pretender discutir, no âmbito dos presentes embargos, questões atinentes à relação contratual existente entre as partes e que esteve na génese das quantias peticionadas no requerimento de injunção identificado nos autos. Tal meio de defesa diz respeito a factos anteriores à instauração do requerimento de injunção, pelo que poderiam e deveriam ter sido alegados em sede de oposição ao mesmo, ficando, assim, precludida a sua invocação em sede de oposição à execução.
E, também, julgamos, não se verifica qualquer das excepções previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 857.º do Código do Processo Civil e n.º 2 do artigo 14.º-A do Decreto-Lei n.º 269/98.
Assim, a inadmissibilidade do aludido meio de defesa como fundamento dos embargos implicaria, em sede liminar, o seu indeferimento parcial, nos termos do disposto no artigo 732.º, n.º 1, al. b) do Código do Processo Civil, o que não sucedeu no caso concreto, pelo que importa neste momento, conhecendo de tal questão, julgar pela sua inadmissibilidade.»
Inconformado, o embargante/executado apelou desta decisão, concluindo, no essencial:
A. A presente execução tem por base três requerimentos de injunção aos quais apenas foi aposta fórmula executória atenta a falta de oposição dos executados, porque a exequente indicou a morada convencionada no contrato, sabendo já que a mesma estava desactualizada e que as notificações não iriam ser conhecidas pelos destinatários;
B. De tal ocultação intencionalmente provocada pela ora Recorrida resultou a negação da concretização do direito de defesa que assistia aos ali requeridos e, em particular, ao Recorrente;
C. Não agiu com boa fé a ora Recorrida, que deveria ter indicado a efectiva morada do ora Recorrente, tal como havia feito aquando das interpelações admonitórias para pagamento da quantia que dizia ser-lhe devida;
D. Atenta a forma ilegal como foram constituídos e obtidos os requerimentos de injunção, não podiam valer como títulos executivos;
E. Ao Tribunal a quo competia certificar e apurar, sem qualquer margem para dúvidas, se o consagrado direito constitucional de tutela jurisdicional efectiva havia sido ou não esbulhado ao ora Recorrente e demais executados;
F. Apesar da falta de prova de ter sido respeitado o consagrado direito constitucional de tutela jurisdicional, o tribunal a quo optou por responder que as notificações das injunções foram realizadas na morada correcta, isto é, na morada convencionada no contrato;
G. O referido direito constitucional sobrepõe-se a qualquer disposição legal de direito adjectivo e o seu respeito devia e tinha de ser plenamente provado, o que não sucedeu;
H. Face à forma ilegal como os títulos executivos foram constituídos e obtidos, o tribunal a quo deveria ter declarado: a) A ilegalidade dos mesmos; b) A violação do direito constitucional de defesa que assistia ao ora Recorrente e demais executados ou, no mínimo, a dúvida sobre se tal direito havia sido, de facto, assegurado e tornado efectivo; e c) A total procedência total dos embargos do ora Recorrente; e d) A condenação da ora Recorrida no pagamento das custas e ainda como litigante de má fé.
O apelado contra-alegou, pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida.
II – QUESTÕES A DECIDIR:
Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do Código de Processo Civil), são as seguintes as questões a tratar:
- se o Tribunal a quo decidiu mal ao considerar válidas as notificações dos requerimentos de injunção, enviadas para os domicílios convencionados pelas partes.
- se o recorrente ficou impedido de invocar, em sede de embargos, os meios de defesa de que dispunha em sede de processo declarativo, por via da não oposição aos embargos.
- se a recorrida agiu com má-fé ao indicar nos requerimentos injuntivos a morada do domicílio convencionado e se deve ser sancionada a esse título.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO:
O Tribunal a quo considerou provada, com base no «acordo das partes e do teor dos documentos juntos aos autos e dos autos principais, cujo teor não foi impugnado» a seguinte factualidade:
A. A exequente intentou acção executiva contra o executado (e outro) para pagamento do valor de € 34 133, 55, apresentando como título executivo três requerimento de injunção com aposição de fórmula executória.
B. Do requerimento executivo consta, designadamente, que:
C. A Exequente celebrou com a Independence Communication Group Lda, a 25 de março de 2021, um Contrato de Prestação de Serviços, e em garantia do bom e pontual cumprimento de todas as responsabilidades pecuniárias assumidas os executados declararam-se fiadores até efectivo cumprimento de todas as obrigações inerentes. Nos termos do artigo 229.º do Código de Processo Civil (CPC), foi convencionado o domicílio dos executados, no seu domicílio profissional, pelo que este Tribunal é competente nos termos do artigo 89.º n.º 1 do CPC. Sucede que a Independence Communication Group Lda. deixou de pagar à Exequente a remuneração mensal devida, tendo esta intentado contra cada um dos executados, três injunções referentes a faturas vencidas e não pagas, às quais foram apostas formulas executórias. Nos termos do artigo 641.º, n.º 2 do Código Civil, no âmbito das injunções os executados não procederam ao chamamento do devedor – Independence Communication Group Lda- à demanda, o que importa a renúncia ao benefício da excussão, atento que também não o declararam expressamente em contrário no processo. Nos termos dos artigos 56.º e 709.º do CPC, é permitido à Exequente a cumulação inicial de execuções fundadas em títulos diferentes contra vários devedores litisconsortes. Pelo que a Exequente vem dar à execução seis requerimentos de injunção aos quais foram apostas formulas executórias, conforme especificado em declarações complementares. (…) DECLARAÇÕES COMPLEMENTARES 1. Em referência às faturas: FA 2022/96; Fatura FA 2022/100; FA 2022/117; FT FA.2022/129 e Fatura FT FA.2022/145, cada uma no valor de € 2.460,00, e no total de € 12.300,00, foi intentada contra o executado AA a injunção n.º 109144/23.3YIPRT (conforme título executivo n.º 1) e contra o executado BB a injunção com o n.º 109143/23.5YIPRT (conforme título executivo n.º 2). 2. Em referência às faturas: FT FA.2023/3, Fatura FT FA.2023/10, Fatura FT FA.2023/18 e Fatura FT FA.2023/22, cada uma no valor de € 2.460,00, e no total de € 9.840,00, foi intentada contra o executado AA a injunção n.º 109806/23.5YIPRT (conforme título executivo n.º 3) e contra o executado BB a injunção com o n.º 109803/23.0YIPRT (conforme título executivo n.º 4). 3. Em referência às faturas: FT FA.2023/30, Fatura FT FA.2023/36, Fatura FT FA.2023/46 e Fatura FT FA.2023/59, cada uma no valor de € 2.460,00, e no total de € 9.840,00, foi intentada contra o executado AA a injunção n.º 109809/23.0YIPRT (conforme título executivo n.º 5) e contra o executado BB a injunção com o n.º 109808/23.1YIPRT (conforme título executivo n.º 6). 4. Sobre o valor de € 12.300,00 referido no ponto 1 acrescem juros de mora calculados à taxa de juro comercial em vigor, contados desde 30.09.2023 até à data do efetivo pagamento e sobre o valor de € 19.680,00 (€ 9.840,00 xs 2 referido nos pontos 2 e 3) acrescem juros de mora calculados à taxa de juro comercial em vigor, contados desde 04.10.2023 até à data do efectivo pagamento. 5. Nos termos dos artigos 56.º e 709.º do CPC, é permitido à Exequente a cumulação inicial de execuções fundadas em títulos diferentes contra vários devedores litisconsortes. 6. Atento que o sistema Citius apenas permite a execução individual de cada injunção, a Exequente dá aqui à execução a primeira com o n.º n.º 109144/23.3YIPRT (conforme título executivo n.º 1) e cumula mais cinco requerimentos de injunção, seguindo o processo a forma sumária nos termos e para os efeitos do artigo 550.º, n.º 2, alínea b) do CPC.
D. Em 29/09/2023, a exequente apresentou requerimento de injunção no Balcão Nacional de Injunções contra o embargante sob o n.º 109144/23.3YIPRT, para pagamento do valor de € 13 458,00, no qual foi aposta a menção “Este documento tem força executiva”.
E. No requerimento referido supra consta, designadamente, o seguinte: “Domicílio convencionado: sim” e foi indicado como domicílio a morada sita: Alameda 1
F. No procedimento referido supra, foi expedida carta registada com aviso de depósito para citação do executado para a morada Alameda 1, tendo o depósito sido efectuado no dia11/10/2023.
G. Em 3/10/2023, a exequente apresentou requerimento de injunção no Balcão Nacional de Injunções contra o embargante sob o n.º 109806/23.5YIPRT, para pagamento do valor de € 10 493,51, no qual foi aposta a menção “Este documento tem força executiva”.
H. No requerimento referido supra consta, designadamente, o seguinte: “Domicílio convencionado: sim” e foi indicado como domicílio a morada sita: Alameda 1
I. No procedimento referido supra, foi expedida carta registada com aviso de depósito para citação do executado para a morada Alameda 1, tendo o depósito sido efectuado no dia 13/10/2023.
J. Em 3/10/2023, a exequente apresentou requerimento de injunção no Balcão Nacional de Injunções contra o embargante sob o n.º 109809/23.0YIPRT, para pagamento do valor de € 10 182,04, no qual foi aposta a menção “Este documento tem força executiva”.
K. No requerimento referido supra consta, designadamente, o seguinte: “Domicílio convencionado: sim” e foi indicado como domicílio a morada sita: Alameda 1
L. No procedimento referido supra, foi expedida carta registada com aviso de depósito para citação do executado para a morada Alameda 1, tendo o depósito sido efectuado no dia 13/10/2023.
M. Do contrato denominado “Contrato de Cessão de Quota”, datado de YYY, subscrito pelo embargante e junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta, designadamente, que: Entre: (…) AA, casado, (…) com domicílio profissional na Alameda 1º-A, 1490 – 190 Algés (…) Cláusula Quinta (Garantias e título executivo) (…) 4. BB e AA declaram-se fiadores da Compradora e assumem subsidiariamente com esta todas as responsabilidades inerentes ao presente contrato e seus aditamentos legais, assim como do contrato de prestação de serviços, durante o prazo estipulado para este contrato, sem limite de tempo e até efectivo cumprimento de todas as obrigações inerentes. (…) Cláusula Décima Sexta (Comunicações) 1. Todas as comunicações ao abrigo do presente contrato deverão ser processadas por escrito, por meio de carta registada com aviso de receção, para as seguintes moradas: (…) Fiadores: para as moradas indicadas no início do contrato; (…)».
Análise dos factos e aplicação da lei
São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar:
1. Validade do título executivo
1. Validade e eficácia da convenção de domicílio
2. Validade e eficácia da notificação no procedimento de injunção
3. Relevância da alteração do domicílio, conhecida antecipadamente pelo requerente da injunção
2. Preclusão dos meios de defesa
3. Litigância de má-fé
4. Responsabilidade pelas custas
1. Validade do título executivo
O título executivo determina os fins e limites da execução, ou seja, o tipo de acção, o seu objecto, bem como, a legitimidade activa e passiva e por isso, constitui um pressuposto especifico do processo de execução – art.s 10º, nº 5 e 53º Código de Processo Civil.
A exequibilidade do direito à prestação pressupõe que o dever de prestar conste de um título e que a prestação seja certa, exigível e líquida – art. 713º do Código de Processo Civil.
Dispõe o art. 703º, al. d) do Código de Processo Civil que podem servir de base à execução os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
O procedimento de injunção visa a obtenção, de forma célere e simplificada, de um título executivo, com a dispensa da acção declarativa, como se lê no respectivo preâmbulo.
Todavia, para garantir a defesa e respeito dos princípios constitucionais da segurança jurídica e do direito ao exercício do princípio do contraditório já referidos, há que cumprir os procedimentos legais previstos, designadamente quanto á notificação em sede de injunção, na qual se traçou um regime específico, integrado ainda por diversas disposições consignadas no Código de Processo Civil – vide arts. 12º a 13º-A do Anexo ao citado D.L. nº 269/98, de 1-09.
Tal regime visa especificamente tutelar, de modo eficaz, o princípio do contraditório e garantir a segurança do procedimento de injunção.
Para tanto, o legislador preveniu-se com particulares cautelas na matéria da notificação da injunção ao requerido.
1.1. Validade e eficácia da convenção de domicílio
Nesta sede, ganha particular relevo a fixação convencional do domicílio, pois, nesta hipótese a notificação segue uma via mais simples, nomeadamente mediante o envio de carta simples, dirigida e endereçada para o domicílio ou sede convencionados (vide art. 12º-A do Anexo do citado D.L. nº 269/98).
Efectivamente, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 2º desse diploma legal, nos contratos reduzidos a escrito, susceptíveis de desencadear o procedimento de injunção, podem as partes convencionar o local onde se consideram domiciliadas, para efeito de realização da citação ou notificação, em caso de litígio.
A convenção de domicílio em causa consiste numa estipulação de natureza substantiva tendente à estabilização do domicílio, com particular relevo no plano processual no caso de litígio decorrente do contrato escrito em apreço.
Ou seja, ela traduz-se em clausulado escrito no texto do contrato em que cada uma das partes aceita, para o caso de litígio derivado do mesmo contrato, que certo lugar de domicílio valha para o efeito de receber a citação ou notificação no quadro do respectivo processo.
Tal cláusula visa e permite evitar a dificuldade de comunicação de actos de processo, com a consequente vantagem da celeridade do procedimento de injunção que tenha por objecto o litígio decorrente do contrato.
Para que assim seja, no entanto, importa que a cláusula em questão preveja o local onde se consideram domiciliadas, para efeito de realização da citação ou notificação, em caso de litígio, como expressamente exige o nº 1 do art. 2º do citado D.L. nº 269/98, concretamente, nas palavras de Salvador da Costa “o que é fixado pelas partes em contratos escritos para efeito de o eventual devedor ser procurado pelo credor ou por algum órgão judicial ou administrativo com vista ao cumprimento das obrigações deles decorrentes.” 1
Ora, das considerações supra tecidas, resulta necessária a expressa existência da cláusula de convenção de domicílio com tal finalidade.
Salvo o devido respeito e tal como resultou dado como provado, no contrato celebrado entre as partes e dado como provado sob o ponto M. da factualidade provada não configura domicílio convencionado entre a exequente e o embargante.
Quanto ao assunto em apreço, recorde-se, reza aquela cláusula contratual:
1. Todas as comunicações ao abrigo do presente contrato deverão ser processadas por escrito, por meio de carta registada com aviso de receção, para as seguintes moradas: (…) Fiadores: para as moradas indicadas no início do contrato; (…)»
A estipulação contratual em apreço versa apenas sobre as comunicações contratuais, “ao abrigo do presente contrato”, ou seja, inerentes à sua perfeição, execução e vicissitudes.
Mas é totalmente omissa quanto a citações e notificações judiciais, levadas a cabo por entidades judiciais e administrativas, ou a litígios.
Pelo que não pode ser considerada convenção de domicílio para este efeito.
Neste sentido, veja-se, entre outros2 o recente Acórdão desta mesma Relação e Secção, proferido em 23-01-2025 no processo nº 5402/23.1T8FNC-A.L1-63, assim sumariado:
I. Da interpretação que decorre do disposto no art.º 2º do diploma preambular e do art.º 12º-A do regime anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, relativamente ao que se entende por “Convenção de domicílio”, a par da existência de contrato escrito, de onde resulte tal cláusula, desta terá de resultar inequivocamente que o que se quis estabelecer foi a existência de fixação de domicílio electivo para efeito de litígio, ou seja quando estivesse em causa a notificação por outras entidades que não as partes do contrato.
II. Não resultando do contrato trazido aos autos, como fonte da obrigação assumida entre as partes, ainda que escrito, que se tenha convencionado o domicílio para efeitos de ações judiciais, a citação do executado deveria ter tido lugar por carta registada com aviso de recepção e não com mera prova de depósito.
1.2. Validade e eficácia da notificação no procedimento de injunção
Do que ficou dito decorre que a notificação efectuada ao recorrente, em sede do procedimento de injunção teria de ser por carta regista com aviso de recepção – o que não sucedeu -, dado não ser aplicável o regime previsto no supra citado art. 12º-A, do Anexo ao D.L. nº 269/98, de 1-09.
O certo é que não tendo aquele domicílio sido convencionado a notificação da injunção é também ela nula - por força do disposto no art. 198º, do Código de Processo Civil, a citação realizada sem observância das formalidades legais, é nula.
Tal regime de nulidade, previsto em sede do processo civil, e por identidade de razões, é aplicável ao procedimento de injunção.
Compreende-se tal exigência formal a bem da segurança jurídica, tendo em conta as consequências que a mesma acarreta em sede de defesa do requerido no procedimento de injunção.
Nesta conformidade, a aposição da fórmula executória pelo respectivo Senhor Secretário de Justiça partiu de um pressuposto que não estava correcto, já que o aqui recorrente não foi devidamente notificado do requerimento de injunção.
Em conclusão, o título dado à execução é despido de força executiva na medida em que o mesmo pressupõe um correcto exercício do contraditório, tendo o requerido em sede de injunção, a plena oportunidade para deduzir oposição à injunção apresentada.
Não tendo sucedido tal situação no procedimento de injunção em apreço, o título dado à execução mostra-se inquinado e despido de força executiva, pelo que terá de ser julgada procedente a presente oposição à execução com a consequente absolvição da instância do aqui embargante/recorrente, por força da verificada nulidade da notificação.
1.3. Relevância da alteração do domicílio, conhecida antecipadamente pelo requerente da injunção
Questão prejudicada pela anterior.
2. Preclusão dos meios de defesa
Não subsistindo título executivo válido, está também prejudicada esta questão.
3. Litigância de má-fé
Os pressupostos da litigância de má-fé encontram-se regulados no art. 542º do Código de Processo Civil, podendo distinguir-se entre aqueles que têm natureza subjectiva e os que assume natureza objectiva, havendo tal tipo de litigância quando estão reunidos os pressupostos das duas mencionadas naturezas.
A responsabilidade por litigância de má-fé está sempre associada à verificação de um puro ilícito processual. Daqui resulta que os danos referidos no art. 543º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil só podem ser assim os resultados desse ilícito processual, não os resultantes de ofensa de posições jurídicas substantivas que o litigante de má fé possa igualmente dar lugar com o seu comportamento (neste sentido, Pedro de Albuquerque, in A Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil Em Virtude de Actos Praticados no Processo, Almedina, pág. 54 ).
Nos termos do art. 542º, n.º 1, do Código de Processo Civil, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
Por outro lado, dispõe o n.º 2, als. a) e b), do mesmo artigo, que diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou tiver alterado a verdade dos factos.
No caso vertente, entende-se que os factos provados não são – de forma alguma – suficientes para condenar qualquer das partes a este título.
É verdade que que não se provaram os pressupostos da convenção de domicílio, mas tal não é fundamento suficiente para concluir seja o que for a este título.
Desde logo porque existia uma convenção de domicílio, apenas não tinha o âmbito necessário, pelo que estava em causa apenas a sua interpretação. Não foi alegado qualquer facto inverídico, estando apenas em causa uma divergência jurídica.
Pelo que não se pode concluir que tenha ocorrido má-fé de qualquer das partes.
4. Responsabilidade pelas custas
2. Responsabilidade pelas custas
A responsabilidade pelas custas cabe à recorrida, por ter ficado vencida (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).
IV – DISPOSITIVO:
Em face do exposto, na procedência da apelação, acorda-se em revogar a sentença recorrida julgando-se procedente os embargos de executado e consequentemente extinta a execução por falta de título executivo.
Custas a cargo da recorrida.
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Notifique.
Lisboa, 25-09-2025,
Isabel Maria C. Teixeira
Carlos Miguel Santos Marques
Elsa Melo
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1. In “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 7ª edição, 2005 pág. 19.
2. Vide também Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2024-06-12 (Processo nº 133/24.8T8VNF.G1), in https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/133-2024-878447375; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-05-2016 (Processo nº 580/14.3T8GRD-A.C1), in https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/-/3BAB06B0E1BD104B80257FB100340703.
3. Disponível em
https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/3e0aa588434d379880258c270056bd71?OpenDocument