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INVENTÁRIO
CÔNJUGES
ACORDO DE TRANSMISSÃO
DÍVIDA
CREDOR
EFICÁCIA
CASO JULGADO
Sumário
I. O acordo de transmissão/assunção de dívida efetuado entre os ex-cônjuges devedores no âmbito de um processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal, na ausência de declaração expressa do credor em sentido contrário, produz efeitos apenas nas relações internas dos devedores, sendo ineficaz perante o credor. II. A sentença que homologou a partilha efetuada pelos ex-cônjuges entre si, partilha em que o ex-marido assumiu a dívida decorrente de contrato de mútuo celebrado com terceiro (credor), não estendendo o caso julgado ao credor, produz efeitos apenas na relação entre os ex-cônjuges.
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DA 6ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I - Relatório.
1. Dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado, sob o regime de comunhão de bens adquiridos, entre AA e BB, foi requerido, por apenso aos autos de divórcio, por AA contra BB, o inventário para partilha dos bens comuns do casal.
2. Exerceu as funções de cabeça de casal a requerida BB.
3. Relacionados os bens comuns, foi relacionado no passivo, sob a verba n.º 1, além do mais, um direito de crédito, tendo subjacente a concessão de um mútuo para a aquisição de um veículo automóvel, em nome de 321 Crédito - Instituição Financeira de Crédito, S.A.1.
4. Citado a credora 321 Crédito - Instituição Financeira de Crédito, S.A., como interessada direto na partilha, a mesmo reclamou o seu direito de crédito sobre o património comum do casal dissolvido, com o valor em dívida, na altura, de 9.478,70€, desde logo informando os autos que “não prescinde de receber a totalidade do seu crédito, bem como da manutenção das obrigações contratuais (…) e das respetivas garantias associadas ao contrato (livrança e reserva de propriedade sobre o veículo)”.
5. Prosseguiram os autos para a conferência de interessados, para a qual foi convocado, entre outros, a credora agora recorrente, com a seguinte informação: «Fica V. Ex.ª notificada, na qualidade de Mandatária, do despacho de 23/11/2025,de que se junta cópia. Mais fica notificada de que foi designado o dia 10/04/2025, pelas 10 horas, para a realização da CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS, destinada a compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um dos interessados e o valor por que devem os bens ser adjudicados ou, não havendo acordo, à indicação das verbas ou lotes e respectivos valores para que, no todo ou em parte sejam objeto de sorteio, ou ainda se procure acordo na venda total ou parcial dos bens e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados. É também objeto da conferência a deliberação sobre o passivo e a forma do seu pagamento. Em caso de impedimento e mediante prévio acordo com os restantes mandatários, poderá, no prazo de 5 Dias propor datas alternativas».
6. A ora recorrente requereu a dispensa de comparência à conferência de interessados, “uma vez que não terá qualquer intervenção no processo de inventário”, tendo sido dispensada.
7. Efetuada a conferência de interessados (no dia 10/04/2025), na ausência da referida credora (dispensada a sua presença), o requerente e a requerida acordaram que o veículo automóvel em causa fosse adjudicado ao requerente e que a referida verba do passivo fosse também adjudicada ao requerente.
8. Na mesma diligência, o tribunal homologou a partilha efetuada pelos interessados, nos seguintes termos: “SENTENÇA. Os presentes autos de acção especial de inventário na sequência de divórcio foram intentados por AA contra BB sendo esta a cabeça de casal, tendo os interessados alcançados acordo quanto à partilha dos bens nos termos supra constantes. Por ser objetivo e subjetivamente possível homologa-se a referida transação (artºs 283º, nº2, 284º, 289º e 290º, nº1 Código de Processo Civil), adjudicando aos interessados as verbas conforme acordadas para composição dos respectivos quinhões e condenando os mesmos a pagar o passivo conforme também acordado sendo o do credor Wizink na proporção de metade pelos ex-cônjuges. Custas por ambos na proporção de metade. Valor da causa: O correspondente à soma do activo da relação de bens. Registe e notifique.”
9. A credora 321 Crédito - Instituição Financeira de Crédito, S.A., não conformado com tal decisão, interpôs recurso da mesma, apresentando as respetivas alegações, onde formulou as seguintes conclusões:
1. A 18 de janeiro de 2024, AA intentou, ao abrigo do disposto nos artigos 1788º do Código Civil e 1404º do Código de Processo Civil, o inventário para partilha de bens, cuja requerida é BB.
2. Tal pedido surge após decretação do divórcio, que correu termos no âmbito do processo n.º23271/23.0T8LSB - Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 2 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, por Sentença transitada em julgado em 21-12-2023 e proferida em 20-11-2023.
3. Existiam bens a partilhar adquiridos pelos ex-cônjuges e passivo contraído por ambos na constância do matrimónio, não se tendo conseguido acordo entre os mesmos para partilha extrajudicial.
4. No decurso da ação de inventário, a Cabeça-de-Casal BB relacionou na Relação de Bens Comuns (documento nº 2 junto com requerimento datado de 01/05/2024) como verba nº 2 do ativo o veículo financiado marca BMW, matrícula ..-QR-.., do ano de 2013, com o valor comercial de € 14.000,00 (catorze mil euros) e como verba n.º 1 do passivo o Crédito junto do Banco 321Crédito, com o contrato nº ...0...80, para aquisição da viatura BMW (verba nº 2 do ativo), à data com uma dívida no montante de € 12.480,00 (doze mil, quatrocentos e oitenta euros).
5. Foi a Recorrente por ofício datado de 04/09/2024, citada para deduzir oposição ou impugnação ao processo de inventário, tendo por requerimento datado de 20/09/2024, reclamado os seus Créditos nos termos do nº 2 do artigo 1088º do Código de Processo Civil, nos seguintes termos:
“1. A 26 de julho de 2017 requerente e requerida, ora mutuários, AA e BB, celebrou com a 321 Crédito um contrato de financiamento com o nº ...0...80, com vista ao financiamento de um veículo automóvel marca BMW, modelo 320 D, com a matrícula ..-QR-...
2. O referido contrato foi celebrado por 120 meses, com início dos pagamentos a 05 de setembro de 2017.
3. O valor mensal da prestação é de €315,85 (trezentos e quinze euros e oitenta e cinco cêntimos).
4. Na presente data, o contrato encontra-se em cumprimento, ainda que com pagamentos tardios.
5. O valor atual em dívida é de € 9.478,70 (nove mil, quatrocentos e setenta e oito euros e setenta cêntimos).
6. Não obstante o valor atribuído ao veículo financiado e respetivo destino, a 321 Crédito não prescinde de receber a totalidade do seu crédito, bem como da manutenção das obrigações contratuais, no âmbito da outorga do contrato de financiamento, ao qual foi atribuído o nº 2016615, para aquisição de uma viatura marca BMW, modelo 320 D, com a matrícula ..-QR-.., e bem ainda das respetivas garantias associadas ao contrato (livrança e reserva de propriedade sobre o veículo). (…)”
6. De acordo com a Sentença proferida, e no que à aqui Recorrente diz respeito, nomeadamente, à Verba nº 1 do Passivo, a mesma ficou adjudicada ao Requerente. Decidindo-se como se decidiu, a Recorrente/Credora perdeu garantias que lhe estavam associadas, nomeadamente a retirada de um mutuário do contrato, pode decisão judicial, sem que para tal facto se pudesse pronunciar.
7. A Recorrente, manifestou expressamente que não autorizava a desvinculação de nenhum dos mutuários sem o seu consentimento prévio. Apesar disso, o tribunal de primeira instância homologou uma transação entre os ex-cônjuges, na qual a dívida foi atribuída exclusivamente ao ex-marido.
8. Ora, com o devido respeito, que é muito, tal assunção de dívida não pode ser oponível à Recorrente, por falta de consentimento.
9. Relativamente à assunção da dívida pelo cabeça de casal, no que respeita ao Recorrente, o Tribunal a quo decidiu que a mesma fica adjudicada e que se responsabiliza unicamente este pelo seu pagamento, nos termos do disposto no artigo 1353.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, uma vez que o banco credor não se encontrava presente.
10. Nos termos do artigo 595.º, n.º 1 do Código Civil, a assunção de dívida entre o antigo e novo devedor depende sempre da ratificação por parte do credor.
11. Inexistindo ratificação, o contrato entre o antigo e novo devedor não é eficaz em relação ao credor, pelo que não pode valer como assunção de dívida.
12. Sem a ratificação, o contrato não é eficaz perante o credor.
13. No caso sub judice, não houve ratificação, porquanto o Banco credor declarou expressamente o contrário, isto é, que se manteria a responsabilidade de ambos os cônjuges, em conformidade com os contratos celebrados entre as partes.
14. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.09.2013, referente ao Processo n.º 2092/11.8TBOAZ-A.P1, quando refere “na partilha dos bens do casal, na sequência de divórcio, assunção por um deles do pagamento de um crédito hipotecário só exonera o outro cônjuge de responsabilidade perante o credor se este expressamente o libertar dessa obrigação”.
15. Conclui-se assim não ter havido liberação da ex-cônjuge é BB das dívidas bancárias assumidas perante a Recorrente, na medida em que este não deu o seu consentimento expresso à transmissão das dívidas da Requerida para o seu ex-marido.
16. Pelo que, ao não ter ratificado o acordo homologado pela douta Sentença, a assunção de dívida pelo ex-cônjuge mulher é inoponível à aqui Recorrente, por ser ineficaz relativamente ao Banco credor, continuando este, por via do contrato, a poder exigir o pagamento de ambos os ex-cônjuges.
17. Pelo que, não deveria o tribunal a quo homologado por sentença a transação acordada entre os ex-cônjuges, sem a prévia autorização da Recorrente.
18. A assunção da dívida, antes comum, por uma das partes no inventário para separação de meações não vincula o credor hipotecário que não deu o seu consentimento expresso a tal transmissão da dívida, pelo que esse credor pode continuar a exigir o pagamento de ambos os ex-cônjuges.
Termina pedindo a procedência do recurso e a revogação da sentença proferida pelo do Tribunal “a quo”, substituindo-a por outra que mantenha os ex-cônjuges responsáveis pela dívida respeitante ao contrato de financiamento nº ...0...80.
10. Não foram apresentadas contra-alegações.
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II - Fundamentação.
O objeto do recurso, nos termos previstos nos artigos 635º/4, 637º/2, 639º, 640º, 641º/1-b), 652º/1-a) e 663º/2 e 608º/2 do Código de Processo Civil, encontra-se delimitado pelas conclusões das alegações do(a)(s) recorrente(s), não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas2.
Assim, analisadas as conclusões das alegações da apelação, tendo subjacente a realidade factual descrita no relatório que antecede e estando em causa uma questão de direito, cumpre apreciar e decidir: a) se o acordo dos ex-cônjuges, em processo judicial de partilha dos bens comuns do casal dissolvido, relativamente à transmissão de uma dívida comum, é oponível ao credor que não deu o seu acordo à transmissão; b) se a sentença homologatória da partilha, tendo subjacente a oposição do credor à transmissão do crédito, tem por efeito a transmissão do crédito para um dos ex-cônjuges e é oponível ao credor.
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Estando assente a factualidade relevante para o conhecimento do mérito, nos termos descritos no relatório que antecede e nomeadamente a intervenção da ora recorrente nos autos de inventário como credora de ambos os ex-cônjuges, a reclamação do crédito em causa, como dívida do casal e da responsabilidade de ambos os ex-cônjuges, a transmissão efetuada pelos ex-cônjuges, a ausência de acordo da ora recorrente (antes a sua oposição escrita à transmissão da dívida e das garantias) e a sentença homologatória da partilha, importa analisar a questão de direito.
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Dispõe o artigo 1133º/1 do Código de Processo Civil, que «decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns».
Requerido o inventário para partilha dos bens comuns, o mesmo segue a tramitação prevista nos artigos 1082º e ss. do Código de Processo Civil, tendo por função, nos termos previstos no artigo 1082º/d), «a partilha dos bens comuns do casal».
Assim, exercendo as funções de cabeça de casal o cônjuge mais velho (cfr. artigo 1133º/2), o mesmo deve relacionar os bens comuns, aí se incluindo as dívidas comuns (cfr. artigo 1098º).
Os credores do património comum, como interessados diretos na partilha, podem apresentar reclamação à relação de bens e impugnar a dívida (o seu direito de crédito sobre) do património comum (cfr. artigo 1104º).
Nos termos previstos no artigo 1106º/1, relativo à «verificação do passivo», «as dívidas relacionadas que não hajam sido impugnadas pelos interessados diretos consideram-se reconhecidas, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 574.º, devendo a sentençahomologatória da partilha condenar no respetivo pagamento».
Daqui resulta, desde logo que, não tendo a dívida relacionada em nome da ora recorrente sido impugnada pelos interessados diretos na partilha, a mesma se considera reconhecida e que, a não ser que os interessados acordem no seu pagamento em modo diverso daquele que se encontre em vigor no âmbito da relação contratual, a sentença homologatória da partilha devia condenar os devedores no respetivo pagamento.
Na tramitação dos autos, decidida a forma à partilha, foi agendada «conferência de interessados», tendo em vista a partilha dos bens comuns do casal, para a qual foram convocados todos os interessados diretos na partilha, e, assim, os credores do património comum, com menção do objeto da conferência (cfr. artigo 1110º), tendo em vista a partilha dos bens entre os interessados (cfr. artigo 1111º e 1112º).
Com este enquadramento, importa ter em consideração que a ora recorrente foi convocada para a conferência de interessados, nos termos constantes do relatório que antecede, e, requerida a sua dispensa, foi dispensada de comparecer na conferência de interessados.
Nos termos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1111º, os interessados devem, ainda, na conferência de interessados, «deliberar sobre o passivo e a forma do seu pagamento», sendo que «a deliberação dos interessados presentes vincula os que não comparecerem, salvo se não tiverem sido notificados com esta cominação».
Fazia, assim, parte do objeto da conferência de interessados a deliberaçãosobre o passivo e a forma do seu pagamento». No entanto, tendo a ora recorrente sido dispensada de comparecer e não tendo sido convocada com a cominação de que a deliberação dos interessados presentes vincula os que não comparecerem, a conclusão que se impõe é a de que a deliberação dos interessados presentes relativamente ao passivo nunca pode vincular a ora recorrente.
Elaborado o mapa da partilha e decididas todas as questões com relevo na partilha, foi proferida sentença homologatória da partilha constante do mapa (cfr. artigo 1122º/1), tendo o tribunal “adjudicado aos interessados as verbas conforme acordadas para composição dos respetivos quinhões e condenando os mesmos a pagar o passivo (no que agora releva) conforme também acordado”.
Tendo os interessados presentes, e em particular os ex-cônjuges devedores, acordado sobre a forma de pagamento da dívida à credora ora recorrente (apenas pelo ex-cônjuge marido), à revelia da credora ora recorrente e sem qualquer cominação, tendo a sentença homologatória da partilha condenado os devedores a pagar o passivo conforme o acordado, a conclusão liminar, em face da análise das normas processuais com aplicação ao caso, é que tal acordo e a consequente sentença homologatória é ineficaz relativamente à ora recorrente, que no processo manifestou a sua posição de que não prescindia da responsabilização de ambos os devedores e de todas as garantias do contrato e que, tendo faltado à conferência de interessados, não foi notificada com a cominação de que as deliberações dos presentes vinculavam os ausentes.
Em termos de direito substantivo, tendo os ex-cônjuges outorgado um contrato com a ora recorrente (mútuo, com garantias), estando tal contrato em vigor, nos termos previstos no artigo 406º/1 do Código Civil, tal contrato deve continuar a ser cumprido ponto por ponto e, não estando em causa nenhum caso de modificação ou extinção previsto na lei, não pode modificar-se ou extinguir-se sem a concordância da credora, ora recorrente.
Por outro lado, estando em causa uma possível transmissão de dívida (de um dos ex-cônjuges para o outro), nos termos previstos no artigo 595º/1 do Código Civil, a transmissão só opera com intervenção do credor, seja através de contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor, seja mediante contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.
Em todo o caso, mesmo nestas hipóteses, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.
Tudo isto para concluir que, não tendo havido qualquer modificação do teor do contrato (além do mais, porque não existe nenhuma declaração expressa da ora recorrente de aceitação da transmissão efetuada pelos devedores), as obrigações contratuais permanecem as mesmas perante a credora, ora recorrente, tudo isto sem prejuízo do acordo celebrado e homologado por sentença entre os devedores.
E, neste sentido, tendo a sentença homologatória se limitado a homologar o acordo dos interessados (e a ora recorrente, não tendo estado presente, não deu o seu acordo) e a condenar os interessados no pagamento do passivo nos termos acordados, tal decisão, não beliscando o direito de crédito da ora recorrente, para quem o acordo inter-partes é inoponível, tendo respeitado o ordenamento jurídico em vigor, não violou qualquer norma legal ou direito da ora recorrente.
Neste sentido decidiu o AcRL de 28-06-2018 (rel. Des. António Valente): «- A sentença que homologou a partilha efectuada pelos ex-cônjuges entre si, partilha em que o ex-marido assumiu a dívida decorrente de contrato de mútuo celebrado com um Banco, produz efeitos apenas na relação entre os ex-cônjuges. - Não havendo declaração expressa do credor aceitando a transmissão da dívida do antigo para o novo devedor, a transmissão não tem efeito liberatório, mantendo-se a obrigação do antigo devedor solidariamente com o novo obrigado».
No mesmo sentido decidiu o AcRL de 19-12-2024 (rel. Des. Teresa Sandiães): «O acordo que consiste na assunção por um dos ex-cônjuges da obrigação de pagamento integral do passivo relacionado em inventário subsequente a divórcio, sem qualquer declaração de aceitação da transmissão da dívida e exoneração do outro ex-cônjuge pelos credores, apenas é vinculativo entre as partes. A exoneração do devedor apenas pode ser efetuada pelo credor. Assim, o codevedor que assume o pagamento integral das dívidas comuns, eximindo o outro devedor do seu pagamento, na ausência de qualquer conduta ilícita e culposa que conduza a que o credor não proceda à exoneração, não responde por danos eventualmente sofridos pela não exoneração e que não se prendam diretamente com as dívidas. É que não vinculando o credor o acordo efetuado entre devedores, aquele que foi eximido do pagamento pelo codevedor continua a responder perante o credor pelo pagamento. Se efetuar o pagamento, por exigência do credor, tem direito de regresso sobre aquele que assumiu o pagamento».
E, mais recentemente, o AcRL de 23-01-2025 (rel. Des. Cláudia Barata): «I - O fim do processo de inventário entre ex-cônjuges é a divisão dos bens comuns do ex-casal, produzindo efeitos apenas na relação que se estabelece entre ambos, ou seja, a partilha realizada no âmbito do processo de inventário é inter-partes, vinculando única e exclusivamente as partes. II - Da conjugação do nº 2 do artigo 592º e nº 1 do artigo 217º, para que a decisão homologatória recorrida produza efeitos na esfera jurídica do Banco Recorrente, também credor hipotecário, impõe-se que este dê o consentimento expresso quanto à transmissão das dívidas apenas para um dos ex-cônjuges, com exoneração do outro. III - O acordo de partilha, devidamente homologado por sentença, só será oponível ao Recorrente credor e como tal só irá exonerar um dos devedores, se existir uma declaração expressa por parte do credor a consentir na referida transmissão. IV - Sem essa declaração expressa o Recorrente credor poderá exigir o cumprimento da obrigação a qualquer um dos ex-cônjuges, continuando estes como devedores solidários (artigos 512º, 518º e seguintes), inexistindo qualquer modificação subjectiva do devedor do crédito hipotecário no âmbito das relações externas ao julgado. V - O acordo celebrado entre os ex-cônjuges quanto à responsabilidade do pagamento das dividas consubstancia uma assunção de dívida, uma vez que o ex-cônjuge marido aceitou que lhe fosse transmitida a quota parte da responsabilidade singular das dividas que se encontrava na esfera jurídica da ex-cônjuge mulher, inoponível ao Banco Credor. VI – Assim, a declaração de vontade entre os ex-cônjuges expressa no acordo, bem como a sentença homologatória proferida pela 1ª Instância que condenou o ex-cônjuge no pagamento da totalidade das dividas ao Banco Recorrente em nada belisca a posição do Recorrente».
No seguimento de decidido neste aresto, entendemos, assim, que a sentença recorrida não violou qualquer disposição legal, porquanto se limitou a homologar o acordo dos interessados ex-cônjuges e a condená-los, nas relações internas, no pagamento do passivo nos termos acordados, sem qualquer repercussão no direito da credora, ora recorrente, que não exonerou expressamente qualquer devedor do cumprimento das obrigações em vigor e a quem não pode ser oposto o caso julgado formado com tal decisão (que apenas pode ser oposto nas relações internas entre os devedores).
Na verdade, no processo de inventário não se procedeu a uma modificação subjetiva do devedor do crédito mutuado, continuando responsáveis pelo cumprimento do mesmo os mutuários. O facto de no inventário a meação dos bens que passaram a integrar a esfera do ex-marido incluir o crédito mutuado, tem efeitos apenas no âmbito das relações entre os meeiros e não nas relações externas.
Como se decidiu no mencionado acórdão de 28-06-2018, o escopo do processo de inventário em causa, é o de obter a divisão consensual dos bens entre os ex-cônjuges, produzindo efeitos apenas na relação que se estabelece entre ambos. Daí que o caso julgado da sentença homologatória abranja os efeitos da partilha entre os ex-cônjuges, efeitos esses que a sentença aqui recorrida em nada beliscou.
Nestes termos, improcede a apelação, devendo a recorrente, atento o decaimento, ser condenada nas custas do recurso (cfr. artigo 527º/1 e 2 do Código de Processo Civil).
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III – Decisão.
Em face do supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
Lisboa, 25 de setembro de 2025.
Carlos Miguel Santos Marques
Nuno Gonçalves
Eduardo Petersen Silva
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1. Tendo sido relacionado na verba n.º 2 do passivo um outro direito de crédito em nome de outro credor: Wizink Bank, S.A.U..
2. Em consonância com o preceituado nos artigos 608º e 609º, ex vi do 663º/2 do Código de Processo Civil, que veda ao juiz a possibilidade de condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir, apreciando todas as questões suscitadas pelas partes, mas também só as questões suscitadas pelas partes – excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não transitadas em julgado.