INVENTÁRIO
BENS DOADOS
RELAÇÃO DE BENS
HERDEIRO LEGITIMÁRIO
Sumário

Havendo herdeiros legitimários, a relacionação no inventário abrange os bens doados.

Texto Integral

Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório.
1.1. No dia 20/3/2020, AA requereu o inventário para partilha dos bens deixados por falecimento de sua mãe BB.
1.2. No desenvolvimento do inventário e na sequência da apresentação da relação de bens pelo cabeça de casal, o interessado AA veio aos autos requerer a condenação das requeridas e a sua notificação para entregarem à massa da herança, na pessoa do cabeça de casal, os bens da herança que têm na sua posse, que descriminou para apuramento do valor da inoficiosidade. E que se proceda à avaliação dos bens doados com vista ao apuramento do valor da inoficiosidade.
1.3. No dia 12/12/2022, CC, DD e EE vieram aos autos responder e terminaram pugnando pelo prosseguimento dos autos de inventário, tendo em consideração a relação de bens apresentada pelo Cabeça-de-Casal, rectificando-se, contudo, o valor do passivo, de € 10.013,00 para € 11.513,00.
1.4. Seguindo os autos os seus termos, no dia 25/11/2024, foi proferida a decisão recorrida que decidiu:
i. Inscrever a verba “Deve o interessado AA à herança a quantia de 11.513,00 € (onze mil quinhentos e treze euros” na relação de bens;
ii. Aditar à relação de bens o saldo bancário de 23,55 € na conta de depósitos à ordem n.º , aberta junto da Caixa Geral de Depósitos, S.A.;
iii. Não inscrever na relação de bens qualquer quantia referente a título de subsídio de funeral ou de subsídio por morte;
iv. Inscrever no passivo da relação de bens, a seguinte verba “Deve a herança ao interessado FF com despesas de funeral o montante de 4.439,09 €”;
v. Não relacionar na relação de bens, um fio em ouro; uma pulseira; arrecadas; um relógio de sala antigo; uma secretária em madeira de pau-preto e cinco meias pipas.
vi. Aditar à relação de bens o rádio Siera, com o valor de 1,00 €, com a menção que foi doado e a identificação dos donatários;
vii. Aditar à relação de bens, com a menção que foram doados e a identificação dos donatários, o prédio urbano composto, por casa de sobrado com uma loja no rés-do-chão e 3 divisões no 1.º andar, tem um anexo e quintal, sita na Rua 1, a confrontar de Norte com GG, de Sul com HH, de Nascente com Rua 2 e do Poente com II, inscrita na matriz sob o art.º ., anteriormente inscrito na matriz sob o art.º .º e com o valor matricial de € 28.010,29, registado na Conservatória na ficha nº ; e o Prédio rústico composto por cultura arvense, sito no Localização 3, com a área de 150 m2, da Localização 4, a confrontar de Norte com Caminho Público, de Sul com JJ, de Nascente com HH e do Poente com ...-Herdeiros, inscrito na matriz sob o art.º .º, anteriormente descrito na matriz sob o art.º º, com o valor patrimonial de €7,48, e registado na Conservatória de Registo Predial na ficha nº .
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1.6. Os interessados FF, CC, DD e EE recorrem dessa decisão.
Com interesse para a presente apelação, apresentaram as seguintes conclusões que delimitam o recurso:
VI. Salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao decidir que deve ser aditada à relação de bens o rádio sierra e os imóveis referidos em 1 e 2 dos factos provados, com a menção de que foram doados e a identificação dos donatários, por não julgar verificada a caducidade do art. 2178º do CC, por considerar que a instauração do processo de inventário evitou o prazo ali estabelecido.
VII. In casu, a legitima do Requerente e do Cabeça-de-Casal, descendentes da inventariada, respectivamente Recorrido e Recorrente, é de 2/3, cfr. art. 2157º e nº 2 do art. 2159º, ambos do CC.
VIII. Logo, apenas e só as doações que afetam a legítima dos herdeiros legitimários, in casu, 2/3 da herança, podem, eventualmente, ser atendidas, cfr. art. 2162º e 2168º, ambos do CC.
IX. E, no limite, as doações sempre terão de ser consideradas como feitas por conta da quota disponível.
X. Assim, não estando ainda apurado o valor da herança, prematuro se torna afirmar que as doações levadas a cabo pela Inventariada devem ser consideradas.
XI. De qualquer forma, o direito à eventual redução de liberalidades inoficiosas mostra-se, de facto, extinto por caducidade.
XII. É indubitável e pacífico que o prazo de caducidade plasmado no art. 2178º do CC se aplica às doações de que são beneficiários terceiros, a quem não seja herdeiro do autor da herança.
XIII. Se é certo que o art. 2178º não concretiza o meio processual pelo qual deve ser pedida a redução de liberalidades inoficiosas, é também igualmente certo que essa mesma redução tem de ser expressamente pedida.
XIV. E, de forma alguma se pode fazer corresponder à entrada do processo de inventário a um qualquer pedido de redução de liberalidades inoficiosas.
XV. Nem se pode presumir que com a instauração de um processo de inventário, pretende o Requerente, per si e ab initio, reduzir liberalidades inoficiosas, particularmente quando esse mesmo requerente invoca a existência de vários bens como integrantes do acervo hereditário.
XVI. Estamos num domínio de um direito disponível, não subtraído à vontade do herdeiro legitimário, e que tem efectivamente que ser exercido e pedido expressamente.
XVII. Fazer corresponder à entrada em juízo de um processo de inventário, a um pedido de redução de liberalidades oficiosas, tornaria absolutamente inócua e sem qualquer utilidade ou efeito o disposto no art. 2169º do CC, quando estatui que: “As liberalidades inoficiosas são redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, (…)”, sublinhado e realçado nosso.
XVIII. Da mera instauração de um processo de inventário não se pode assumir e fazer corresponder o exercício de um direito, disponível, que tem de ser expresso e pode ou não ser exercido.
XIX. E importa atentar que existe a maioria da Jurisprudência defende que o art. 2178º do CC, ao referir-se ao prazo de caducidade da acção de redução de liberalidades inoficiosas, deixa aberta a possibilidade de ser intentada acção comum em vez de (ou apesar do) processo de inventário.
XX. Entendendo-se que, quando estejam em causa os direitos dos herdeiros legitimários por liberalidades instituídas a favor de quem não assume tal qualidade, a acção comum é um meio processual adequado à redução das liberalidades por inoficiosidade.
XXI. Pelo que, não sendo as Recorrentes DD e EE, herdeiras legitimárias, teria o Recorrido que instaurar acção comum para efeito de redução das liberalidades inoficiosas.
XXII. O que não ocorreu.
XXIII. Atente-se ao Acórdão dessa Relação de Lisboa, de 23.06.2022, disponível em www.dgsi.pt: “(…) Em nosso entender, no quadro legal vigente, não sendo a redução de legados inoficiosos uma função específica do processo de inventário, mas incidental, e estando expressamente previsto no art. 2178.º do CC o direito de ação de redução de liberalidades inoficiosas, parece-nos inaceitável afirmar que a redução de inoficiosidades apenas poderá ser peticionada e obtida, em toda e qualquer circunstância, mediante a instauração de processo de inventário. Uma tal afirmação de princípio deve ser rejeitada, antes se impondo, numa interpretação sistemática e teleológica dos artigos 1082.º e 1119.º do CPC e 2174.º, n.º 2, e 2178.º do CC, proceder a uma análise casuística, a qual não pode deixar de apontar no sentido da possibilidade de uma ação declarativa comum ser intentada pelos herdeiros legitimários com o propósito de redução de liberalidades inoficiosas numa situação como a dos autos, em que o Réu legatário não é herdeiro legitimário, existindo um litígio unicamente entre este último e os herdeiros legitimários litisconsortes, os quais não mostram estar desavindos quanto à partilha da herança ou sequer manifestam a pretensão de proceder à mesma.
Tanto mais quando os Autores são os únicos herdeiros legitimários do seu falecido pai, demandando em litisconsórcio o legatário, único beneficiário do testamento, para - subsidiariamente (no caso de improceder o pedido principal de declaração de nulidade do legado do usufruto de prédio “ilegal”) - obterem a condenação deste no pagamento em dinheiro da importância da redução da (única) liberalidade inoficiosa, atinente ao usufruto dos (alegadamente) únicos bens da herança. Não se vê, pois, fundamento legal para considerar que a lei lhes impõe que esse litígio, atinente tão só à redução de legado inoficioso - na hipótese de não ser inválido -, deva ser dirimido em processo de inventário.”
XXIV. Mesmo que se admita que é possível seja através do processo de inventário, seja através de acção autónoma para o efeito, é imperativo que, a ser essa a intenção do herdeiro legitimário, a eventual redução de liberalidades inoficiosas seja efectiva e expressamente pedida, mas sujeita ao prazo estabelecido no art. 2178º do CC.
XXV. Aliás, o legislador não distingue a aplicação do art. 2178º do CC, logo não cabe ao intérprete distinguir onde o legislador não o faz, ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus, cfr. art. 9º do CC.
XXVI. E, se é admissível o pedido de redução de liberalidades inoficiosas através do inventário ou de acção comum, imperioso se torna concluir que de forma alguma a mera instauração do processo de inventário tem a virtualidade de impedir a verificação do decurso do prazo de caducidade do art. 2178º do CC.
XXVII. A Inventariada faleceu no dia 24.07.2018.
XXVIII. As doações dos imóveis feitas pela Inventariada às donatárias, DD e EE, ora Recorrentes, com reserva de usufruto a favor da de cujus, ocorreram no dia 16.12.2011, do que o Recorrido teve logo conhecimento, cfr. desclarações da Testemunha KK.
XXIX. A relação de bens foi apresentada no dia 15.03.2022.
XXX. A reclamação à relação de bens, foi apresentada no dia 05.04.2022, sem que fosse requerida a redução das doações em causa por inoficiosidade.
XXXI. Apenas no dia 20.04.2022, o Recorrido apresentou incidente de inoficiosidade, por apenso aos autos de inventário, mas sem desse incidente, até hoje, os Recorrentes tenham sido notificados.
XXXII. Por seu turno, as donatárias DD e EE, ora Recorrentes, foram citadas apenas no dia 31.10.2022 e 11.11.2022, respectivamente.
XXXIII. A conduta do Recorrido expressa inequivocamente a sua aceitação da herança da inventariada, cujos efeitos se retroagem à data da abertura da herança, cfr. art. 2050º e 2031º, ambos do CC, ou seja, a 24.07.2018.
XXXIV. Logo, dispunha o Recorrido, nos termos do disposto no art. 2178º do CC, até ao dia 24.07.2020 para, querendo, requerer a redução das doações por inoficiosidade.
XXXV. Logo, porque o Recorrido não requereu a redução das liberalidades inoficiosas até 24.07.2020, nem a instauração do processo de inventário corresponde a qualquer requerimento para redução de liberalidades por inoficiosidade, é forçoso concluir que se mostra
verificada a caducidade de eventual redução das doações feitas pela Inventariada às netas, DD e EE, ora Recorrentes, por inoficiosidade.
XXXVI. E, como tal, consequentemente, não podem ser aditados à relação de bens o radio sierra e os bens imóveis referidos nos pontos 1 e 2 dos factos provados.
XXXVII. Padece assim a sentença recorrida de incorrecta interpretação e aplicação do disposto no art. 1118º, nº 1 do CPC e do disposto nos arts. 9º, 2031º, 2050º, 2156º, 2157º, 2159º, 2162º, 2168º, 2169º e 2178º, todos do Código Civil.
XXXVIII. Assim, face ao exposto, impõe-se assim, pelos fundamentos supra aduzidos, a revogação do despacho recorrido, na parte impugnada, substituindo-se por douta decisão que julgue verificada a caducidade de requerer a redução de liberalidades inoficiosas, e
consequentemente, julgada a reclamação à relação de bens improcedente, e não aditar à relação de bens o rádio sierra e os bens imóveis que correspondem ao prédio urbano composto por casa de sobrado com uma loja no rés-do-chão e 3 divisões no 1.º andar, tem um anexo e quintal, sita na Rua 1, a confrontar de Norte com GG, de Sul com HH, de Nascente com Rua 2 e do Poente com II, inscrita na matriz sob o art.º ., anteriormente inscrito na matriz sob o art.º .º e com o valor matricial de €28.010,29, registado na Conservatória na ficha nº  e ao prédio rústico composto por cultura arvense, sito no Localização 3, com a área de 150 m2, da Localização 4, a confrontar de Norte com Caminho Público, de Sul com JJ, de Nascente com HH e do Poente com ...-Herdeiros, inscrito na matriz sob o art.º .º, anteriormente descrito na matriz sob o art.º º, com o valor patrimonial de €7,48 e registado na Conservatória de Registo Predial na ficha nº , o que se requer.
TERMOS EM QUE E SEMPRE, Invocando-se o DOUTO SUPRIMENTO DESSE VENERANDO TRIBUNAL deverá ser revogado o despacho recorrido, na parte impugnada, substituindo-se por outra decisão que julgue verificada a caducidade de requerer a redução de liberalidades inoficiosas, e consequentemente, julgada a reclamação à relação de bens improcedente, e não aditar à relação de bens o rádio sierra e os bens imóveis que correspondem ao prédio urbano composto por casa de sobrado com uma loja no rés-do-chão e 3 divisões no 1.º andar, tem um anexo e quintal, sita na Rua 1, a confrontar de Norte com GG, de Sul com HH, de Nascente com Rua 2 e do Poente com II, inscrita na matriz sob o art.º LL., anteriormente inscrito na matriz sob o art.º .º e com o valor matricial de €28.010,29, registado na Conservatória na ficha nº  e ao prédio rústico composto por cultura arvense, sito no Localização 3, com a área de 150 m2, da Localização 4, a confrontar de Norte com Caminho Público, de Sul com JJ, de Nascente com HH e do Poente com ...-Herdeiros, inscrito na matriz sob o art.º .º, anteriormente descrito na matriz sob o art.º .º, com o valor patrimonial de €7,48 e registado na Conservatória de Registo Predial na ficha nº , o que se requer, tudo com as demais consequências legais”.
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1.6. O interessado AA respondeu e interpôs recurso subordinado, terminando por formular as seguintes conclusões:
1. Da prova produzida presente nos autos, designadamente da prova documental, resultam factos que não foram considerados entre os provados, os quais não poderiam ser excluídos, pela sua relevância para a boa decisão da causa;
2. Com efeito, foi junto aos autos em 15/03/2022 na aplicação Citius sob a referência 12086567 com a Relação de Bens apresentada pelo Cabeça de Casal o documento n.º 2, correspondente ao extrato bancário da conta da inventaria existente no BPI em 2010 que ora se transcreve (a data do óbito da inventariada ocorreu em 2018).
3. Em face desta prova documental em que são identificados os beneficiários das transferências, não vislumbramos razão para que o ilustre julgador do Tribunal a quo possa ter dúvidas sobre o beneficiário de tais transferências, e atribuir à prova testemunhal valor determinante como o fez.
4. De facto, o que resulta provado deste documento é que foi transferido o valor de € 1.500,00 dinheiro da conta titulada pela inventariada para a conta do Sr. AA, nada mais!
5. A outra transferência foi para conta da inventariada BB.
6. Acresce que, sobre esta matéria, a prova testemunhal foi tão débil e assente em testemunhas tendenciosas, com pouca razão de ciência que o convencimento do meritíssimo juiz a quo o crédito da herança só poderia ter resultado da indevida aplicação da inversão do ónus da prova…
7. A nossa a ilação resulta do teor do Despacho Saneador: (…) “Acresce que o Requerente recusou o consentimento para que se apurasse quem foi o beneficiário das transferências bancárias (conforme ata da audiência de produção de prova).
Desta feita, a prova produzida e a falta de colaboração do Requerente, para permitir esclarecer quem foi o beneficiário das transferências, permitem concluir que o beneficiário das transferências foi efetivamente o Requerente.
Deste modo o ponto 6 ficou provado”
8. Ou seja, o nosso meritíssimo juiz do tribunal a quo precipitadamente concluiu que existiria fundamento para inverter o ônus da prova, a nosso ver mal!
9. Ora se a autorização que o ora recorrente teria de prestar era para consultar o extrato que acima se transcreveu, tal seria desnecessário, pois que a prova estava nos autos e não existia fundamento para esse procedimento.
10. Cremos que pode, o meritíssimo juiz a quo, ter sido induzido em erro por outro documento junto aos autos em 04/11/2022 na aplicação Citius sob a referência 12978010.
11. Mas basta uma leitura atenta para perceber que se trata da mesma informação, mas esta truncada pelo BPI, o qual invoca o segredo de justiça, embora sem relevância pois que já existia nos autos tal informação.
12. Ora, a sanção civil por violação do princípio da cooperação das partes para a descoberta da verdade material, consagrado no n.º 1 do citado art.º 417.º apenas deve ser aplicada quando essa falta de colaboração vai ao ponto de tornar impossível ou particularmente difícil a produção da prova, o que não é o caso.
13. E tal também não poderia levar a considerar que a prova testemunhal manifestamente insuficiente - assente em três testemunhas duas delas, os genros do cabeça de casal casados com as duas filhas do cabeça de casal, as quais são donatárias de todos os bens da herança e intervenientes nos presentes autos e que teriam a ganhar com a inclusão do crédito da herança sobre o herdeiro legitimário - seria determinante para criar a sã convicção do Julgador.
14. A testemunha MM - marido de uma das donatárias - fundamentou o seu conhecimento sobre o hipotético “levantamento” de dinheiro da conta da inventariada pelo Sr. AA que alegou na ordem dos € 10 a 11mil euros no que ouviu dizer à Sra. D. Olívia, apesar de nada ter visto e a nada ter assistido, foi só o que ela lhe disse.
15. Importa referir que a D. Olívia não sabia ler nem escrever, facto que era do conhecimento das duas testemunhas maridos das donatárias, sendo, pois, questionável esta fonte da informação, em que assentava a razão de ciência das testemunhas.
16. A testemunha MM referiu também que terá sido da consulta que a inventariada fez ao Banco que esta retirou a conclusão que o filho AA, ora recorrente foi quem lhe levantou o dinheiro, o que conforme resulta do documento supra, não corresponde à verdade.
17. A testemunha MM não soube explicar a razão de ser do “levantamento” do dinheiro bem como não soube explicar a proveniência do dinheiro levantado.
18. A testemunha NN, - também marido de uma das donatárias- apresentou um tal interesse no resultado do processo favorável à esposa, que afinal o valor que alegadamente, o ora recorrente teria levantado, e já não era no montante € 10.000,00 ou de € 11.000,00, mas passou a ser de € 13.000,00.
19. E, revelou ainda saber que o ora recorrente AA, em 2006 também retirou dinheiro da conta da inventariada para pagar ao irmão, ora cabeça de casal, um terreno que lhe comprou, tudo com base no que a inventariada lhe terá dito.
20. Trata-se de um depoimento tendencioso e visava pôr em causa o carácter do ora recorrente, com base em factos falsos e assentes no pouco saber das testemunhas.
21. A discrepância de depoimentos é evidente, sendo relevante que nem esta nem a anterior testemunha afirmam ter visto o extrato bancário, e nenhuma acerta no valor efetivamente levantado.
22. O mesmo se passa com a Testemunha OO, a qual desconhece os valores que foram levantados, não viu nada, sabe pouco e apenas o que a inventariada lhe terá dito, ou seja, que o filho “levantou o dinheiro todo”, desconhecendo o que é o “todo”.
23. Esta testemunha inquirida sobre se sabia a razão de tal levantamento e se conhecia a proveniência do dinheiro revela que nada sabe, não obstante referir que não sabe se a mãe o autorizou e se o dinheiro não seria proveniente da herança do marido da inventariada.
24. Em face do supra exposto é errónea decisão sobre a matéria de facto, pelo que deve ser corrigida e retirada da Relação de Bens a seguinte verba:
a. “Deve o interessado AA à herança a quantia de € 10.013,00 (dez mil e treze euros)”
25. Acresce que no que respeita à apreciação da matéria de direito também mal andou o Tribunal a quo, pois que para demonstrar o eventual crédito da herança relativo a saldo bancários inexistentes à data da morte da inventariada, não ponderou que tal constituiria uma questão prejudicial para resolução da qual deveria o interessado lançar mão da ação
comum.
26. Porém, ainda que se entenda que o juiz deve dirimir todas as questões suscitada e controvertidas que se revelem indispensáveis para alcançar o fim do processo, não pode ser a qualquer custo, designadamente, sem a observância do princípio do dispositivo.
27. Acrescendo que, no caso concreto, o Tribunal a quo lançou mão do instituto do enriquecimento sem causa, sem que tal tivesse sido sequer invocado pela parte a que aproveita.
28. Ou seja, recorreu ao instituto do enriquecimento sem causa espontânea e inovadoramente, mas sem proceder à análise de todos os pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa.
29. Desde logo não foi apreciado o princípio da subsidiariedade, ou seja, não foi apurado se o empobrecido só recorreu à ação de enriquecimento à custa de outrem, por não ter outro meio para cobrir os seus alegados prejuízos.
30. Bem como não foram apreciados, pois não se alegou e muito menos se provaram factos, os restantes pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa, designadamente: A existência de um enriquecimento; Que ele careça de causa justificativa; Que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição;
31. Particularmente, não foi apreciada o pressuposto relativo à ausência de causa jurídica justificativa da deslocação patrimonial, pois que, nem sequer não foi alegado pelos ora recorridos, que o tal levantamento de dinheiro -no valor de € 1.500,00, o único que se provou- não tinha qualquer motivo justificativo …
32. A jurisprudência tem vindo a pronunciar-se sobre a falta de causa justificativa do enriquecimento quando não existe uma relação ou um facto que, à luz do direito, da correta ordenação jurídica dos bens ou dos princípios aceites pelo ordenamento jurídico, legitime tal enriquecimento, por dever pertencer a outra pessoa, por se tratar de uma vantagem que estava reservada ao titular do direito.
33. Motivo por que no corpo das presentes alegações transcrevemos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 02-07-2009 no processo 123/07.5JVNF.S1, publicado em www.dgsi.pt, e em cujo teor nos revemos em termos de aplicação ao caso sub judice, pois que seu no âmbito do qual se discute situação similar à dos autos; donde resulta a complexidade da causa de ser do instituto do enriquecimento.
34. Em face do supra exposto, afigura-se-nos que, em face da complexidade da prova a produzir numa ação com fundamento no enriquecimento sem causa, a tramitação do processo de inventário revelar-se-ia inadequada, por implicar uma efetiva diminuição das normais garantias que estão asseguradas às partes no processo declarativo comum.
35. Termos que o Ilustre Julgador no seu douto Despacho Saneador efetuou uma errónea interpretação dos factos provados ao direito, aplicando impropriamente o instituto do enriquecimento sem causa, pelo que deve o mesmo ser alterado nesta parte e retirada da Relação de Bens a seguinte verba:
a. “Deve o interessado AA à herança a quantia de € 10.013,00 (dez mil e treze euros)”
Nestes termos, previamente alterada a matéria de facto ora impugnada, deve o douto Despacho Saneador alterado na parte em que incluiu indevidamente um crédito da herança sobre o ora recorrente”.
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1.7. Os apelantes FF, CC, DD e EE responderam ao recurso subordinado, pugnando:
- Pela rejeição do recurso subordinado, por incumprimento do ónus de indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A audição de toda a prova produzida na diligência realizada no dia 04.11.2024, gravada através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo; e,
- Pela negação de provimento ao recurso.
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1.7. As questões a decidir estão delimitadas pelas conclusões dos recorrentes e centram-se no seguinte:
- Se os bens doados deverão integrar a relação de bens, considerando a existência de herdeiros legitimários;
- Se o recurso subordinado deverá ser rejeitado, nomeadamente quanto à questão da impugnação da matéria de facto;
- Se procede a impugnação da matéria de facto;
- Se é de manter a verba relativa à dívida do recorrente AA.
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2. Fundamentação.
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2.1. Foi julgado provado que:
1. No dia 16 de dezembro de 2011, a Inventariada BB doou em comum às Interessadas DD e EE, o prédio urbano composto, por casa de sobrado com uma loja no rés-do-chão e 3 divisões no 1.º andar, tem um anexo e quintal, sita na Rua 1, a confrontar de Norte com GG, de Sul com HH, de Nascente com Rua 2 e do Poente com II, inscrita na matriz sob o art.º ., anteriormente inscrito na matriz sob o art.º º e com o valor matricial de € 28.010,29, registado na Conservatória na ficha nº .
2. No dia 16 de dezembro de 2011, a Inventariada BB doou à Interessada DD o prédio rústico composto por cultura arvense, sito no Localização 3, com a área de 150 m2, da Localização 4, a confrontar de Norte com Caminho Público, de Sul com JJ, de Nascente com HH e do Poente com ...-Herdeiros, inscrito na matriz sob o art.º .º, anteriormente descrito na matriz sob o art.º .º, com o valor patrimonial de €7,48 e registado na Conservatória de Registo Predial na ficha nº .
3. A Inventariada BB faleceu no dia 24.07.2018, no estado de viúva, deixando como únicos herdeiros os seus dois filhos, o Requerente e Cabeça de casal.
4. DD e EE são filhas do Cabeça de casal e netas da Inventariada.
5. No seu requerimento de 15-03-2022, o Cabeça de casal apresentou a seguinte relação de bens:
“Verba 1
(Crédito)
Deve o interessado AA à herança a quantia de 10.013,00 € (dez mil e treze euros).
Verba 2
(Passivo)
Deve a herança ao interessado FF com despesas de funeral o montante de 4567,50€ (quatro mil quinhentos e sessenta e sete euros e cinquenta cêntimos).
6. O Requerente retirou a quantia de 11.513,00 €, pertencente a BB de uma conta bancária do Banco BPI [seguramente por lapso, a decisão alude à Caixa Geral de Depósitos, quando os documentos juntos pelas partes referem que a movimentação ocorreu numa conta do BPI, o que aqui se corrige], sem conhecimento e autorização da Beneficiária.
7. O Cabeça de casal FF suportou despesas de funeral, no montante de 4.567,50 €.
8. O cabeça de casal recebeu subsídio por despesas de funeral, no valor de 128,41 €, por óbito da Inventariada.
9. Em 24-07-2018, a Inventariada tinha 23,55 € na conta de depósitos à ordem n.º , aberta junto da Caixa Geral de Depósitos, S.A.
10. O rádio Siera foi doado às Interessadas DD e EE.
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2.2. Recurso principal. A questão da redução de liberalidades inoficiosas.
Os apelantes propugnam a revogação da decisão que atendeu à reclamação e ordenou a inclusão na relação de bens do rádio e dos bens imóveis, nomeadamente porque não poderá haver lugar à redução de liberalidades inoficiosas.
Não obstante, entende-se que a redução das liberalidades é, de momento, uma falsa questão, pois não foi proferida qualquer decisão sobre a mesma, que seja passível de recurso. Como refere o artigo 621.º, igualmente aplicável aos despachos por via do disposto no artigo 613.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…). Logo, o conhecimento do recurso está restrito à decisão de incluir/excluir os bens da relação.
O processo de inventário tem várias funções, sendo que é de destacar a de fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens – art.º 1082.º, alínea a), do Código de Processo Civil. Para tal efeito, podem intervir num processo de inventário pendente, quando haja herdeiros legitimários, os legatários e os donatários, nos atos, termos e diligências suscetíveis de influir no cálculo ou determinação da legítima e de implicar eventual redução das respetivas liberalidades – cfr. artigo 1085.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
A intervenção dos legatários e donatários no inventário está restrita à deliberação sobre o passivo e ao exercício dos outros direitos que a lei processual lhes concede – cfr. artigo 1107.º, do Código de Processo Civil.
Daí que, como referiu Lopes Cardoso, “a relacionação alcança todos os bens móveis, imóveis, semoventes, direitos e acções, créditos e dívidas do autor da herança que desta não devam exceptuar-se, inclusive, havendo herdeiros legitimários, os bens doados” – in Partilhas Judiciais, Almedina, 1990, Volume I, pág. 429.
De qualquer forma, a solução já foi dada correcta e singelamente na decisão recorrida: “Nos termos do n.º 1 do art.º 2162.º do Código Civil “Para o cálculo da legítima, deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança”.
Neste sentido, entre outros, veja-se o sumário e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14/6/2018: “Não obstante as coisas doadas não integrarem o acervo hereditário devem, no processo de inventário, havendo herdeiros legitimários, ser objeto de relacionação, com o objetivo de lhes ser fixada a natureza, qualidades e valor, para efeitos de cálculo das legítimas e com vista à sua integralidade, com eventual redução, por inoficiosidade, ou à mera igualação da partilha” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 156/07.1TBMDR.G1.
Os bens em causa foram doados pela autora da herança, a qual deixou herdeiros legitimários – cfr. factos # 1, 2, 3 e 10. Tais circunstâncias evidenciam o fundamento para a decisão de relacionar os bens em causa.
Por outro lado, os apelantes não podem antecipar já a decisão sobre a eventual redução das liberalidades por inoficiosidade, nomeadamente por meio da exclusão dos bens doados da relação de bens. Essa será uma decisão que se poderá ou não poderá colocar no momento processual próprio – cfr. art.º 1118.º, do Código de Processo Civil. Os próprios apelantes acabam por admitir esta evidência na conclusão X do douto recurso: “Assim, não estando ainda apurado o valor da herança, prematuro se torna afirmar que as doações levadas a cabo pela Inventariada devem ser consideradas”. É, de facto, prematuro fazer já um juízo de correlação entre o valor do acervo hereditário e o valor das doações. Mas importa começar a recolher os elementos que se poderão vir a revelar necessários a esse eventual juízo, nomeadamente através da relacionação dos bens doados. Para mais, quando os apelantes invocam a caducidade do artigo 2178.º, do Código Civil, sem precisarem sequer como é que o herdeiro legitimário aceitou a herança, quiçá olvidando que foi este quem requereu o inventário e que esta é uma das formas de manifestar essa aceitação – art.ºs 2052.º e 2053.º, do Código Civil.
Por conseguinte, é de julgar a apelação improcedente.
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2.3. O recurso subordinado. A questão da impugnação de facto.
O artigo 640.º, do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente o dever de obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/1/2022 sintetizou a orientação jurisprudencial aí seguida, ao referir que: “No que diz respeito ao enquadramento processual da rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, o Supremo Tribunal de Justiça considerou no acórdão de 3/12/2015, proferido no processo n.º 3217/12.1 TTLSB.L1.S1 (Revista-4.ª Secção), que se o Tribunal da Relação decide não conhecer da reapreciação da matéria de facto fixada na 1.ª instância, invocando o incumprimento das exigências de natureza formal decorrentes do artigo 640.º do Código de Processo Civil, tal procedimento não configura uma situação de omissão de pronúncia.
No mesmo acórdão refere-se que o art.º 640.º, do Código de Processo Civil exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.
Acrescenta-se que este conjunto de exigências se reporta especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC.
Por fim, conclui-se que versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados.
A propósito do conteúdo das conclusões, o acórdão de 11-02-2016, proferido no processo n.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1 (Revista) – 4.ª Secção, refere que tendo a recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna (Cfr. no mesmo sentido acórdãos de 18/02/2016, proferido no processo n.º 558/12.1TTCBR.C1.S1, de 03/03/2016, proferido no processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, de 12/05/2016, proferido no processo n.º 324/10.9 TTALM.L1.S1 e de 13/10/2016, proferido no processo n.º 98/12.9TTGMR.G1.S1, todos da 4.ª Secção).
No que diz respeito à exigência prevista na alínea b), do n.º 1, do art.º 640.º do Código de Processo Civil, o acórdão de 20-12-2017, proferido no processo n.º 299/13.2 TTVRL.C1.S2 (Revista) - 4ª Secção, afirma com muita clareza que quando se exige que o recorrente especifique «os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida», impõe-se que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 417/18.4T8PNF.P1.S1.
Os apelantes consideram que o recurso subordinado apresentado pelo apelado, no que diz respeito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve ser liminarmente rejeitado, por força e ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 640º do CPC, não tendo cabimento o convite ao aperfeiçoamento. E no que diz respeito ao incumprimento do disposto do disposto no nº 2 do art. 639º do CPC, deve ser formulado ao Recorrente o convite patente no nº 3 do mesmo diploma legal, restrito ao cumprimento de tal ónus, omitido, (nº 2 do art. 639º do CPC).
Não se acompanha a posição dos apelantes, na medida em que o apelado indicou o facto que pretende impugnar. Na verdade, das conclusões do recurso subordinado resulta o inconformismo relativamente ao julgamento do ponto #6 – cfr. conclusões 7 e 8. O sentido da alteração também resulta da conclusão 4. Os elementos documentais e testemunhais que justificam essa alteração foram identificados, copiados e transcritos com as alegações. Além disso, o recorrente indicou as regras e princípios jurídicos que impunham outra decisão. E, se houvesse qualquer dúvida quanto à interpretação das conclusões, a mesma seria facilmente complementada em face do que consta do corpo das alegações, nomeadamente quando aí se afirma que:
“Temos, pois, que foram incorretamente julgados os seguintes factos considerados provados:
5. No seu requerimento de 15-03-2022, o Cabeça de casal apresentou a seguinte relação de bens:
“Verba 1 (Crédito) Deve o interessado AA à herança a quantia de 10.013,00 € (dez mil e treze euros).
6. O Requerente retirou a quantia de 11.513,00 €, pertencente a BB de uma conta bancária da Caixa Geral de Depósitos, sem conhecimento e autorização da Beneficiária” – cfr. pág. 26 e 27.
Em face disto, cumpre conhecer da impugnação da matéria de facto, não competindo ao tribunal apreciar o estilo das alegações do recurso subordinado, mas apenas o cumprimento dos principais requisitos formais e o seu mérito.
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2.4. Idem.
Está provado que o Requerente retirou a quantia de 11.513,00 €, pertencente a BB de uma conta bancária da Caixa Geral de Depósitos [aliás do BPI], sem conhecimento e autorização da Beneficiária?
De acordo com a relação de bens apresentada no dia 15/3/2022, o interessado AA deve à herança a quantia de € 10.013. O cabeça de casal FF também apresentou uma cópia do extracto bancário que juntou como documento n.º 2.
Analisando a referida cópia do extracto bancário da conta da autora da herança, nota-se que indica três movimentos com possível interesse, a saber:
1.º Foi mobilizado para essa conta o saldo da conta poupança reforma 9/00 no valor € 11.440,43;
2.º Foi transferida a quantia de € 10.013 para outra conta da autora da herança BB; e,
3.º Foi transferida a quantia de € 1.500 para uma conta titulada pelo interessado AA.
Também cumpre destacar outros factos importantes: tais movimentações bancárias ocorreram no dia 23 de Setembro de 2010 e a autora da herança BB faleceu no dia 24 de Julho de 2018, ou seja quase oito anos após a realização daquelas operações bancárias.
Entende-se que não há lugar à aplicação do disposto no art.º 344.º, n.º 2, do Código Civil: Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações. O interessado AA não tornou impossível a prova ao cabeça de casal, visto que este e os demais interessados dispunham de meios alternativos para vencerem a falta da colaboração que se impunha àquele, considerando que não intervém nos autos apenas como um devedor à herança, mas como um interessado (para mais, o interessado AA foi quem requereu o inventário!). O requerimento apresentado pelo cabeça de casal no dia 22/11/2022, em que requer o levantamento de sigilo bancário, evidencia precisamente a possibilidade de ultrapassar a postura do interessado AA.
Por outro lado, a decisão recorrida não inverteu o ónus da prova, mas apenas notou e ponderou a postura do interessado AA. E afigura-se que o fez acertadamente, pois o interessado AA revelou uma conduta de evasão relativamente a todas as questões relativas às movimentações bancárias em causa, refugiando-se na mera impugnação e na invocação de dúvidas, evitando prestar as informações, os esclarecimentos e a colaboração que razoavelmente se impunham em vista da circunstância indesmentível que retirou vantagens pecuniárias das mesmas. Ou seja, o interessado AA só revela interesse e urgência no desenvolvimento do inventário quanto às questões que lhe interessam. O tribunal não deve deixar apreciar livremente o valor da recusa do interessado AA para efeitos probatórios – cfr. art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
O interessado AA é filho da autora da herança e com ela mantinha uma natural relação de proximidade, evidenciada pela circunstância de serem co-titulares de contas bancárias (vg. informação da CCAM ALTO DOURO C.R.L, de 24/5/2022). O interessado AA acrescenta que a autora da herança BB não sabia ler nem escrever – cfr. art.º 15.º das doutas alegações daquele. Então, se a autora da herança BB não sabia ler nem escrever, quem é que sabia das movimentações das contas bancárias de que era titular? Pelo que resulta dos autos, o interessado AA também não revelou interesse em saber ou em esclarecer tal questão…
A incompreensível postura do interessado AA deverá ser sopesada em face dos demais elementos probatórios dos autos, nomeadamente da documentação junta aos autos (particularmente nos dias 15/3/2022 e 4/11/2022). Afigura-se acertada a decisão recorrida quando considerou os depoimentos das testemunhas MM, NN e OO que relataram os factos que chegaram ao seu conhecimento, nomeadamente através da própria autora da herança. Por outro lado, a existir alguma inverdade nesses depoimentos, cumpre apenas observar que o interessado AA, apesar de não estar onerado, também teria a oportunidade de muito facilmente realizar a contraprova dos factos e de esclarecer todas essas movimentações bancárias, mas por razões que só o mesmo conhece, evitou tal empreendimento.
O interesse indirecto das testemunhas não invalida os respectivos depoimentos, mas apenas impõe um apertado juízo crítico sobre o seu conhecimento dos factos e credibilidade, nomeadamente se é corroborado por outros elementos e/ou com as regras da experiência comum. Não se afigura que os depoimentos das testemunhas se revelem tendenciosos e visem pôr em causa o carácter do ora recorrente, na medida em que a apontada prova documental evidencia, pelo menos, que a autora da herança dispunha de uma conta poupança reforma no valor € 11.440,43 e que tal saldo foi movimentado. O interessado AA beneficiou dessa operação, pelo que os depoimentos das testemunhas seguramente não assentam em qualquer delírio ou propósito de pôr em causa o carácter do ora recorrente, pois como diz o adágio popular: “Onde há fumo, há fogo!”. O interessado AA simplesmente preferiu ignorar o fumo e obstaculizou o cabal apuramento de todos os factos e o esclarecimento desta situação, olvidando que o tribunal também deverá extrair as presunções impostas pela lei e pelas regras de experiência – cfr. art.º 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, e art.º 349.º, do Código Civil.
Assim, tudo ponderado, decide-se manter a impugnada factualidade.
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2.5. A causa da dívida.
Além de impugnar a referida factualidade, o recorrente AA sustenta que o Tribunal a quo lançou mão do instituto do enriquecimento sem causa, sem que tal tivesse sido sequer invocado pela parte a que aproveita.
Porém, na relação de bens apresentada no dia 15/3/2022, foi indicada uma verba consubstanciada numa dívida do interessado AA à herança na quantia de € 10.013 (valor ulteriormente corrigido). O cabeça de casal FF também apresentou uma cópia do extracto bancário que juntou como documento n.º 2. Tal documento complementa a relação de bens e evidencia a mobilização do saldo da conta poupança reforma 199/001 da autora da herança no valor € 11.440,43 e a transferência das quantias de € 10.013 e de € 1.500, sendo esta última directamente para uma conta titulada pelo interessado AA.
A dívida foi singelamente impugnada, mas o cabeça de casal reiterou o propósito de esclarecer tais operações, nomeadamente requerendo que o Banco BPI, apresentasse o extrato de conta n.º -28983 onde refira exactamente o saldo bancário em 08-11-2010 a 21-09-2010, bem como as transferências efecutadas, para que contas, por quem tituladas, bem como o valor das mesmas.
De tudo isto, parece evidente que o cabeça de casal imputa à herança a titularidade de um crédito sobre o interessado AA, estribado na transferência da quantia total de € 11.440,43 e na ausência de uma causa conhecida para tal. Entende-
-se que a decisão se mostra concordante com a posição manifestada nos autos pelo cabeça de casal, em face da natureza e da tramitação própria do processo de inventário, particularmente em face de se ter provado que ”O Requerente [AA] retirou a quantia de 11.513,00 €, pertencente a BB de uma conta bancária do Banco BPI, sem conhecimento e autorização da Beneficiária”.
O processo de inventário não é o meio próprio para o cabeça de casal exigir que se relacione e partilhe o direito (litigioso, na medida em que o devedor não o reconhece)? De acordo com o disposto no artigo 1105.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, “Se o crédito relacionado pelo cabeça de casal e negado pelo pretenso devedor for mantido na relação, reputa--se litigioso”. Ora, tendo presente as considerações já expressas na decisão recorrida, entende-se que não há razões para eliminar o crédito, pelo que é de desatender a argumentação do recorrente e julgar igualmente improcedente o recurso subordinado.
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3. Decisão:
3.1. Pelo exposto, acordam em julgar improcedentes o recurso principal e o recurso subordinado, confirmando a decisão recorrida.
3.2. As custas dos respectivos recursos são a suportar pelos recorrentes, em vista do seu decaimento.
3.3. Notifique.

Lisboa, 25 de Setembro de 2025
Nuno Gonçalves
Jorge Almeida Esteves
Nuno Luís Lopes Ribeiro