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INJUNÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
CARTÃO DE CRÉDITO
EXTRACTOS BANCÁRIOS
Sumário
I\ O requerimento de injunção, relativamente a uma dívida pela utilização de um cartão de crédito (ou de um contrato de abertura de crédito), dá origem a um título executivo insuficiente se não vier acompanhado dos extractos da conta bancária através da qual o devedor utilizou tal cartão (ou tal crédito). II\ Esse título tem de ser complementado através daqueles extractos para o que deve ser proferido um despacho de aperfeiçoamento (notificação ao exequente com esse fim). III\ Deve ser anulado todo o processado posterior ao requerimento executivo, penhoras incluídas, quando a execução tiver seguido sem esse convite.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
A 06/03/2023, a Unicre - Instituição Financeira de Crédito, SA, requereu contra BB uma execução sumária para obter dela o pagamento de 24.437,34€, com base numa injunção iniciada a 22/09/2014 e a que tinha sido aposta a fórmula executória em 05/01/2025.
Só a 25/03/2023 é que a Unicre juntou cópia do contrato de 1999 subjacente à injunção, com 3 páginas: a primeira é o pedido de adesão, a segundo são as condições particulares de utilização e direitos e obrigações das partes, de 1999, e a terceira, sem qualquer referência no requerimento de injunção ou no requerimento de execução, as condições particulares de 2008.
A executada foi citada após penhora, a 05/05/2023, mas sem envio do contrato. A executada deduziu oposição por embargos de executado, alegando, em síntese, na parte que ainda interessa, que a exequente não procedeu à junção aos autos da cópia ou original do contrato celebrado entre as partes, em violação manifesta do disposto no artigo 855-A do CPC, pelo que o requerimento executivo deveria ter sido recusado; no requerimento de injunção não se mostram alegados os factos essenciais que constituem a causa de pedir, pelo que padece de ineptidão; o crédito exequendo está prescrito de acordo com o art. 317/-b do Código Civil; os juros moratórios peticionados estão prescritos de acordo com o artigo 310/d do CC. A exequente contestou reiterando os fundamentos da execução e pugnando pela improcedência da oposição e juntando o contrato, mas só com o pedido de adesão de 1999 (1.ª página) e as condições particulares de 2008 (3.ª página).
Com dispensa de audiência, foi proferida a 12/03/2025 a seguinte sentença: julgam-se os presentes embargos parcialmente procedentes e, em consequência, declara-se extinta a execução relativamente aos juros de mora e compulsórios compreendidos entre 05/01/2015 e 11/03/2018, prosseguindo a execução apenas quanto ao mais peticionado. A executada recorre desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que determine a inexigibilidade do título executivo ou, subsidiariamente, declare a prescrição de todos os juros de mora – invocando a nulidade do título executivo por ineptidão do requerimento de injunção, por falta de alegação de factos, e a prescrição de todos os juros, moratórios e compulsórios vencidos até 11/03/2018. A exequente não contra-alegou.
* Questões a decidir: a falta do título executivo e a prescrição de todos os juros de mora e compulsórios vencidos até 11/03/2018. Estão dados como assentes os seguintes factos “em virtude de confissão, acordo das partes e documentos juntos aos autos” [transcrevem-se apenas os que ainda importam à decisão das questões a decidir]
1\ No dia 22/09/2014 a exequente dirigiu ao Secretário de Justiça do Balcão Nacional de Injunções um requerimento de injunção no qual solicitou a notificação da agora executada, com domicílio na Rua CC, Lisboa, no sentido de lhe pagar 5.567,30 € de capital, 5.880,53 € de juros de mora, 180€ de outras quantias e 153€ de taxa de justiça paga.
2\ Consta no referido requerimento, além do mais que aqui se dá por reproduzido, o seguinte:
Contrato de: Utilização de cartão de crédito
Data do contrato: 27-07-1999
Período a que se refere: 27-07-1999 a 22-09-2014
Exposição dos factos que fundamentam a pretensão:
1\ A requerente é uma instituição financeira de crédito, que exerce a actividade de financiamento de crédito e emissão e gestão de cartões de crédito, nomeadamente VISA e MASTERCARD.
2\ Por documento escrito e datado de 27/07/1999, a requerente convencionou com a requerida os termos e condições da atribuição e utilização do cartão de crédito n.º 000000.
3\ O referido contrato foi celebrado no âmbito da actividade exercida pela requerente e a solicitação e no interesse da requerida.
4\ A requerente concedeu à requerida a utilização do mencionado cartão de crédito, proporcionando o acesso da requerida aos serviços de pagamento de bens e serviços em diversos estabelecimentos comerciais e a operações complementares, denominadas de cash advance, cash advance em conta e crédito pessoal, que a requerida especificadamente utilizou.
5\ Mediante a utilização do referido cartão de crédito pela requerida, a requerente obrigou-se, nos termos contratuais acordados, ao pagamento integral dos bens e/ou serviços adquiridos pela requerida, em Portugal ou no estrangeiro, até ao limite máximo de crédito convencionado, bem como a reembolsar as instituições de crédito junto das quais a requerida viesse a efectuar levantamentos ou operações a crédito, designadamente em caixas de Multibanco e Visa.
6\ A requerida comprometeu-se a, por força da titularidade do cartão de crédito supra identificado, pagar a anuidade ajustada e a pagar à requerente, 20 após a data de emissão de cada extracto de conta mensal, a quantia total neste inscrita como saldo em dívida ou, em alternativa, a efectuar o pagamento em prestações mensais não inferiores a 5% do valor total em dívida.
7\ Nos termos acordados, no caso de pagamento parcial ou de não pagamento do saldo em débito, sobre o valor da dívida remanescente incide uma taxa de juro anual, ainda que calculada mensalmente, actualmente fixada em 23.568%.
8\ A requerida efectuou diversas utilizações do referido cartão de crédito ao adquirir bens e/ou serviços em distintos estabelecimentos e ao aceder a operações de cash advance e de crédito pessoal, no valor de 5.567,39€.
9\ A requerida não procedeu ao pagamento à requerente do referido saldo em débito nem, tendo apenas vindo a proceder, em alternativa, a pagamentos que não ascendem, de forma alguma, o montante mínimo das prestações mensais convencionadas.
10\ Na verdade, a requerida, embora tendo efectuado diversos pagamentos, tendo o último sido realizado a 20/08/2014, não procedeu ao pagamento do valor mínimo convencionado, tendo inclusivamente sido interpelada diversas vezes para o efeito, tendo assim o saldo em dívida passado a vencer juros à taxa convencionada.
11\ A requerente honrou, de forma pontual e integral as suas obrigações, pagando o preço de todos os bens e/ou serviços adquiridos pela requerida junto dos estabelecimentos comerciais em que esta efectuou as diversas transacções e colocou à sua disposição os montantes por si solicitados, no âmbito das operações denominadas de cash advance e de crédito pessoal.
12\ Por outro lado, no estrito cumprimento das suas obrigações contratuais, a requerente remeteu à requerida, para a morada por esta escolhida no pedido de adesão ao cartão como domicílio convencionado e sem que lhe tenha sido comunicada qualquer alteração, os extractos do saldo devedor referentes ao supra indicado cartão.
13\ Com referência ao valor de 5.567,30€, entretanto incumprido pela requerida, acresce o valor referente aos juros vencidos a 22/09/2014, correspondente à data de apresentação do presente requerimento de Injunção, calculados à mencionada taxa de 23.568%, que ascende a 5.880,53€.
14\ Ainda ao montante de capital e juros acima indicado 180€ respeitante a encargos de cobrança judicial, de acordo com o disposto nas condições gerais de utilização enviadas à requerida.
15\ Assim, o crédito da requerente, reportado à data de apresentação do presente requerimento de injunção, ascende a 11.627,83€.
16\ Ao valor mencionado acrescem igualmente os juros que, à taxa de 23.568%, se vencerem desde o dia posterior à apresentação do presente requerimento de injunção até efectivo e integral pagamento e ainda o respectivo imposto de selo, tudo nos termos dos artigos 405, 559, 762, 798, 804, 805 e 806 todos do CC e números 17.1.1. e 17.2.1. da Tabela Geral do Imposto de Selo.
17\ Em caso de frustração da notificação da requerida e de envio do presente procedimento à distribuição com fundamento nesse facto, a requerente desde já declara, nos termos do disposto no art. 231/9 do CPC, pretender que a notificação daquele seja levada a cabo por funcionário judicial.
18\ A requerente desde já declara, para os efeitos previstos no art. 626 do CPC, a sua vontade de executar judicialmente a sentença que venha a condenar a requerida ao pagamento da quantia peticionada, indicando desde já a Agente de Execução, LP […]
3\ No dia 06/10/2014 foi remetida carta registada com aviso de recepção para a morada sita na Rua DD, Linda-a-Velha, para notificação do requerimento de injunção à requerida, ora executada.
4\ A carta referida em 4 veio devolvida com a menção “Não atendeu”.
5\ Foram efectuadas pesquisas nas bases de dados da secretaria do Balcão Nacional de Injunções para apuramento do domicílio da ora executada, das quais resultou ter a mesma residência na Rua CC Lisboa, que havia sido indicada no requerimento de injunção.
6\ No dia 19/11/2014 foi remetida carta por via postal simples com prova de depósito para a morada sita na Rua CC Lisboa, tendo sido depositada pelo distribuidor postal no dia 20/11/2014.
7\ No requerimento referido em 1 foi aposta a seguinte expressão “Este documento tem força executiva”, seguindo-se a data de 05/01/2015 e a assinatura electrónica do Secretário de Justiça do BNI.
8\ A exequente instaurou a acção executiva da qual os presentes autos constituem apenso, contra a executada no dia 06/03/2023, apresentado como título executivo o requerimento de injunção.
9\ Subjacente ao requerimento de injunção está um contrato de utilização de cartão de crédito celebrado no dia 27/07/1999.
10\ Por requerimento de 25/03/2023 a exequente juntou aos autos de execução o contrato referido em 9.
[…]
* Quanto à falta de título executivo A executada diz o seguinte nesta parte:
I\ Um requerimento injuntivo onde não se alegaram factos que permitam apurar qual e como foi apurado o pretenso capital em dívida, em que não se alegou o valor das alegadas prestações em dívida, em que não se alegaram os pretensos factos pelos quais concluiu que o contrato teria sido incumprido e onde não se alegaram factos que permitam perceber como e sobretudo quando se venceram os alegados juros, padece de ineptidão, o que gera a nulidade de todo o processado, por violação do artigo 10/2-b-d do RPCOP, aprovado pelo DL 269/98, de 01/09, com a redacção anterior, nos termos do artigo 186/1-b do CPC, o que constitui uma excepção dilatória que implica a absolvição da instância executiva, nos termos dos artigos 577/-a e 576/2, ex vi 551/1, todos do CPC.
II\ Tal documento dado à execução não constitui um título executivo à luz do disposto nos artigos 10/5 e 713, ambos do CPC, resultando estes preceitos violados, pois sendo nulo o documento dado à execução, a correcta interpretação daqueles preceitos impunha a declaração de inexigibilidade do título. A sentença, sobre esta questão, tem a seguinte fundamentação:
Nos termos do artigo 186 do CPC, é nulo o processo quando a petição inicial for inepta por, nomeadamente, faltar ou ser ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, considerando estes como o efeito jurídico que se pretende obter ou o facto, também jurídico, donde emana a pretensão deduzida.
Importa reter que o vício em questão apenas se verifica quando a peça processual é verdadeiramente omissa quando à pretensão deduzida ou ao seu fundamento jurídico, excluídos ficando, assim, os casos que, de forma menos abundante, mas ainda perceptível, é feita a indicação do pedido do autor, bem como dos seus pressupostos, sem prejuízo de enfermar de deficiências de facto ou de direito, que em momento ulterior possam até fazer naufragar a pretensão deduzida.
A petição inicial é o articulado em que o autor, além do mais, expõe os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção e formula o respectivo pedido (artigos 552 e 724 do CPC).
Tendo a exequente lançado mão da providência de injunção, procedimento que, conforme decorre do respectivo regime ínsito no DL 269/98, permite obter, de forma célere e simplificada, um título executivo, quando estão em causa obrigações pecuniárias, balizadas entre determinados montantes, nos termos do artigo 10 do [regime anexo ao] mesmo diploma, devia aquela formular a sua pretensão no modelo de requerimento legalmente aprovado, no qual, para além do mais, importa que seja feita a exposição sucinta dos factos que fundamentavam a sua pretensão, no sentido de, embora em termos mínimos de precisão, ser possível ao requerido contestar, sem prejuízo de nos casos em que haja transmutação em processo declarativo, pela oposição deduzida, nos termos do artigo 16, poder ser objecto de despacho de aperfeiçoamento, com vista à superação de deficiências detectadas, nos termos do artigo 17/3.
No requerimento de injunção dado à execução consta que a exequente, solicitou a notificação da ora executada, no sentido de lhe pagar 11.780,83€, sendo 5.567,30€ de capital, 5.880,53€ de juros de mora, 180€ de outras quantias e 153€ de taxa de justiça paga, constando ainda daquele requerimento estar em causa um contrato de utilização de cartão de crédito datado de 27/07/1999.
Em face do requerimento de injunção dado à execução, tal como está preenchido, não pode deixar de se divisar do mesmo a exigência de cumprimento de uma obrigação pecuniária, resultante da invocada existência de um contrato acordado entre as partes, percepcionando-se qual o pagamento que se pretende por reporte a uma específica actividade desenvolvida, numa data apontada.
Com efeito, podemos percepcionar que a causa de pedir no procedimento de injunção é constituída pela existência de um contrato de utilização de um cartão de crédito a que coube o n.º 000000, com a consequente concessão de crédito ao respectivo titular, para aquisição de bens ou serviços nos estabelecimentos comerciais aderentes ao sistema sob o qual foram emitidos.
Contrato esse que foi incumprido após 20/08/2014, data em que foi efectuado o último pagamento, apresentando um saldo em débito de 5.567,30€, a que acrescem juros e encargos.
Assim, considera-se ter sido feita a indicação dos elementos constitutivos da causa de pedir.
Aliás, nos embargos que deduziu, a executada, discordando da posição assumida pela exequente, demonstra perceber perfeitamente o que esta pretende, tanto mais que alega a prescrição do crédito exequendo, verificando-se que interpretou convenientemente o título executivo, colocando-o até no âmbito da previsão do artigo 186/3 do CPC que estabelece que se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, não se julgará procedente a arguição, quando ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.
Pelo exposto, julga-se improcedente a arguida nulidade decorrente da ineptidão do requerimento de injunção dado à execução. Apreciação:
No caso do pedido do pagamento de um valor global resultante da utilização de um cartão de crédito, a causa de pedir é constituída pela celebração do contrato e pelas sucessivas utilizações do cartão, com as quais o utilizador se constitui devedor dos sucessivos empréstimos em que tal utilização se consubstancia.
Antes da reforma de 2013 do CPC (e depois dela enquanto, por força do entendimento de acórdãos do Tribunal Constitucional, se encontrarem a executar títulos particulares), quando se estava no âmbito de uma execução, a questão da falta de causa de pedir colocava-se normalmente a nível de título executivo, pois que se dizia que este tinha de ser constituído pelo contrato e pelos extractos da conta através da qual tinha sido utilizado o cartão e que demonstravam aquelas utilizações. Este complexo título executivo servia assim simultaneamente de alegação da causa de pedir e de prova daquelas utilizações.
Quando faltavam os extractos, o exequente devia ser notificado para os juntar, de forma a completar o título executivo (o que implicava também o complemento da causa de pedir).
(sobre tudo isto, veja-se, em relação aos artigos 46/1c, 50 e 804 do CPC antes da reforma de 2013, Lebre de Freitas, A acção executiva, 5.ª edição, Coimbra Editora, 2009 páginas 54 a 57, especialmente notas 41 e 43-A [agora, na 8.ª edição, de 2024, da Gestlegal, nas páginas 73-77, com referência aos artigos 707 e 715 do CPC depois da reforma de 2013; este Professor refere-se expressamente ao contrato de abertura de crédito, havendo que ter em conta que o contrato de utilização de cartão de crédito é um subtipo dele: neste sentido, expressamente, Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II, 2011, 2.ª edição, páginas 146-147, do n.º 23; e também Manuel Januário da Costa Gomes, Contratos comerciais, 2013, Almedina, páginas 324 a 331, especificamente páginas 326 e 327; e, entre muitos outros: expressamente sobre este último, o ac. do TRC de 16/04/2013, proc. 2551/12.5TBVIS.C1: 1\ Constitui título executivo, integrado na previsão do art. 46/1-c do CPC, o contrato de utilização de cartão de crédito assinado pelas partes que revela a existência da obrigação do executado e a constituição da dívida, nos termos do clausulado no contrato. 2\ Por a obrigação estar dependente da prestação do exequente, nos termos do art. 804/1 do CPC, tal contrato tem de ser complementado com documento, como o extracto de conta, de onde resulte que o cartão foi utilizado e consequentemente mutuada a quantia que dele consta, cujo pagamento foi solicitado ao executado, no cumprimento do contrato celebrado.; e o ac. do TRP de 18/10/2001, proc. 0131358, ambos citados por Lebre de Freitas, na nota 41 da pág. 75 da 8.ª edição. Para o contrato de abertura crédito, normalmente em conta-corrente, vejam-se os acórdãos do TRL de 14/09/2023, proc. 5217/17.6T8OER-A.L1-8; do TRL de 15/09/2022, proc. 18237/13.0YYLSB-A.L1-6; do STJ de 08/06/2021, proc. 951/16.6T8ENT-A.E2.S1; do STJ de 25/03/2021, proc. 6528/18.9T8GMR-A.G1.S1; do TRG de 04/06/2020, proc. 6528/18.9T8GMR-A.G1; do TRL de 05/11/2019, proc. 6424/18.0T8SNT-A.L1-7; do TRL de 06/06/2019, proc. 84/10.3TBSCR-A.L1-8; do ac. do TRL de 16/05/2019, proc. 99/13.0TBVFX-B.L1-6; do TRC de 24/04/2018, proc. 4/13.3TBCVL-B.C1; do TRP de 11/04/2019, proc. 4309/12.2TBMAI-B.P1; do STJ de 10/04/2018, proc. 18853/12.8YYLSB-A.L1.S2; e do TRC de 09/01/2018, proc. 7541/16.6T8CBR.C1; do TRC de 21/02/2017, proc. 1708/12.3TBMGR-A.C1; do TRG de 02/11/2017, proc. 4972/15.2T8GMR.G1; do TRC de 16/03/2016, proc. 86/15.3T8SRT.C1; do TRG de 17/12/2015, proc. 100/12.4TBMSF-A.G1; do TRC de 10/11/2015, proc. 5705/14.6T8CBR.C1; do TRL de 22/11/2012, proc. 9108/10.3TBCSC.L1-2; do TRG de 24/04/2012, proc. 1030/10.0TBFAF-A.G1; do TRC de 20/03/2012, proc. 3620/10.1TBVIS-A.C1; e de 07/02/2012, proc. 957/10.3TBTMR.C1; para um caso de aplicação da complementação da causa de pedir relativamente a um contrato de utilização de cartão de crédito, numa acção declarativa, veja-se ainda o ac. do TRL de 15/09/2009, proc. 4843/07.6TVLSB.L1-7; e para um outro caso, em que os extractos contradiziam o alegado, veja-se o ac. do TRL de 08/06/2004, proc.2614/2003-7, que absolveu o réu da instância por nulidade de todo o processo devido à ineptidão da PI, o que revela bem a importância que os extractos têm para revelar a utilização concreta do crédito inerente ao contrato: “Na acção de condenação no pagamento de quantia resultante da utilização de um cartão de crédito, a causa de pedir é complexa, abrangendo, por um lado, a emissão de um cartão de crédito e, por outro lado, a sua efectiva utilização geradora de créditos por parte dos fornecedores de bens ou dos prestadores de serviços. Só com a explicitação dos bens e serviços adquiridos mediante a utilização do cartão o réu fica em condições de tomar posição sobre os factos, tanto na vertente da efectiva realização das aquisições, como na da eventual extinção da dívida mediante pagamento anterior. A deficiência radical da petição no que respeita a um dos elementos em que se decompõe a causa de pedir complexa gera a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir.”)
Actualmente, quando o credor recorre a um requerimento de injunção para obter um título executivo, aquela causa de pedir não se modifica, mas o art. 10/2-d do regime anexo ao DL 269/98 apenas impõe ao requerente que exponha sucintamente os factos que fundamentam a pretensão.
É suficiente para cumprir esta exigência legal que, no caso, o requerente de injunção tenha identificado o tipo de contrato, a data do mesmo, o período a que se refere e acrescentado que a requerida efectuou diversas utilizações do referido cartão de crédito ao adquirir bens e/ou serviços em distintos estabelecimentos e ao aceder a operações de cash advance e de crédito pessoal, no valor de 5.567,39€.
A causa de pedir está assim suficientemente identificada, embora não esteja completa, já que não se alegaram as diversas utilizações do cartão de crédito das quais resulta o valor global que é pedido do requerido.
Neste caso, convertido o requerimento de injunção num título executivo, o exequente, subsequentemente, no requerimento de execução tem de complementar a causa de pedir insuficiente, o que fará com a junção dos extractos da conta. Se não o fizer tem de ser convidado pelo juiz (com intervenção suscitada pelo agente de execução – art. 855/2-b do CPC) a fazê-lo, sob pena de indeferimento liminar por falta de causa de pedir (art. 726/2-b do CPC) ou, se entretanto o processo avançou, de rejeição da execução (art. 734 do CPC) ou de procedência de eventuais embargos (arts. 857 e 729 do CPC).
Cumprido que seja isto, o devedor está em condições de saber o que é que lhe está a ser exigido, a título de capital e a título de juros e desde quando relativamente a cada parcela e pode deduzir a devida oposição contra tal (o que também é verdade face à nova redacção do art. 14.º-A/2 do regime anexo ao DL 269/98 e 857 do CPC).
Grande parte de tudo isto decorre, lido com as necessárias adaptações ao caso (onde a causa de pedir está identificada mas é insuficiente), do que é explicado por Lebre de Freitas, em relação à anterior redacção do regime do anexo 269/98, que é a aplicável ao caso [A execução fundada no título formado no processo de injunção, páginas 161-169, especialmente páginas 164-167, Estudos sobre direito civil e processo civil, vol. II, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2009 - cita-se sem notas e com algumas simplificações; tudo o que se segue continua válido hoje em dia, mas com necessária adaptação da referência aos artigos do CPC e do regime anexo do DL 269/98]:
Questão que tem sido debatida é a de saber se a causa de pedir tem de ser indicada no processo de injunção e na execução que se lhe siga, tal como tem de sê-lo na acção declarativa, bem como na acção executiva baseada em outro título.
A questão põe-se por o processo de injunção não constituir um processo jurisdicional. Nele não havendo decisão a proferir sobre matéria de facto ou de direito, fará sentido exigir a indicação dos factos constitutivos do direito de crédito?
Decisões há que afirmam essa necessidade […].
Este entendimento é de rejeitar. A causa de pedir visa fundamentar o pedido, a fim de na acção declarativa proporcionar o juízo que sobre ele há-de ser emitido, ficando, em consequência, a delimitar o âmbito objectivo do caso julgado, e na acção executiva proporcionar ao executado o conhecimento concreto do que lhe é pedido, a fim de poder decidir sobre a oposição à execução numa acção declarativa em que, designadamente, lhe cabe apenas alegar os factos modificativos ou extintivos do direito de crédito (art. 814-g CPC [≈ actual 729/-g - TRL]). Mas, no processo de injunção, à oposição do requerido basta a afirmação de que não deve ou não reconhece dever: se o requerente não tiver invocado a causa do direito de crédito e o requerido não souber a que crédito o requerente se refere, a simples declaração de não conhecimento vale como oposição. Nem o requerimento de injunção nem a oposição têm, pois, de ser fundamentados: ao requerente basta afirmar-se credor do requerido pela quantia de x e ao requerido bastará dizer que não se reconhece devedor.
Há, porém, que ter em conta que, verificada a oposição do devedor, o processo de injunção se converte em processo de acção declarativa sendo o requerimento de injunção, acompanhado das peças que o seguiram, distribuído para o efeito (art. 16 do regime anexo ao DL 269/98) Agora, aplicam-se as normas que regem a acção declarativa e, para que o tribunal a possa julgar, a causa de pedir tem de ser indicada (art. 467-1-d CPC [≈ actual artigo 552/1-d - TRL]). Em acórdãos […], o TRP decidiu que a acção declarativa especial do DL 269/98 exige a indicação da causa de pedir, podendo por isso soçobrar quando no requerimento de injunção (agora, petição inicial da acção) o requerente não haja alegado os factos constitutivos da causa de pedir. A alegação incompleta destes factos melhor dará, no entanto, lugar a um despacho de aperfeiçoamento, nos termos gerais do art. 508 CPC, n.ºs 1-b e 3 [≈ actual 590/2-b e 4 - TRL], sem prejuízo de a falta total da causa de pedir dever dar lugar ao indeferimento liminar.
Quando, não havendo oposição do devedor, o requerimento de injunção, com a fórmula executória aposta, serve de título executivo, das duas uma:
- Ou o requerimento contém os factos constitutivos do direito de crédito e a causa de pedir da acção declarativa está assim identificada;
- Ou não os contém e os factos constitutivos do direito têm de ser alegados, constituindo assim a causa de pedir da acção executiva.
Também aqui não há, pois, especialidades relativamente ao que, em geral, é exigido ao exequente no acto de propositura da execução, como se vê no art. 810-3-b CPC [≈ actual 724/1-e - TRL]). Não concordo, por isso, com os acs. do TRP que entendem que a falta de indicação da causa de pedir apenas pode ser arguida pelo executado na oposição à execução […]: a falta da causa de pedir é de conhecimento oficioso, constituindo fundamento de recusa do requerimento executivo pela secretaria (art. 811-1-a CPC [≈ actual artigo 725/1-c - TRL]).”
Assim, tem parcialmente razão a executada: a causa de pedir não é inexistente, mas sim insuficiente, não lhe permitindo saber, para já, o que é que está a dever, pelas sucessivas utilizações de crédito e desde quando, isto mesmo relativamente ao valor de 5.567,30€ (nem que parte deste valor, se algum, corresponde a juros).
Assim, deve ser anulado todo o processado, posterior ao requerimento de 25/03/2023 (com a junção do contrato de 1999), penhoras incluídas, de modo a que a exequente junte ao requerimento executivo todos os extractos bancários da conta correspondente à utilização do cartão de crédito.
Depois de completado o título, a executada terá de ser notificada para deduzir oposição, agora já com o conhecimento de todos os extractos (bem como das condições de utilização do cartão de crédito de 1999).
A questão subsidiária fica prejudicada.
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Pelo exposto, julgam-se os embargos parcialmente procedentes, revogando-se a sentença recorrida, que se substitui por esta outra que anula todo o processado posterior à apresentação do requerimento de 25/03/2023 (que completou o requerimento executivo de 06/03/2023), incluindo as penhoras, e convida a exequente a, no prazo de 10 dias (a contar do trânsito deste acórdão e já na 1.ª instância), completar o requerimento executivo através da junção aos autos de todos os extractos da conta bancária que serviu para a utilização do cartão de crédito, devendo depois disso proceder-se à notificação da executada para deduzir oposição (rejeitando-se a execução se a exequente não completar o requerimento executivo).
Custas do recurso, na vertente de custas de parte (não há outras), pela exequente e pela executada, em partes iguais.
Lisboa, 25/09/2025
Pedro Martins
João Paulo Raposo
Paulo Fernandes da Silva