DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
NEGLIGÊNCIA
MANDATÁRIO
FALECIMENTO
Sumário

1. A deserção da instância prevista no art.º 281.º n.º 1 do CPC exige não só que o processo esteja parado há mais de seis meses, mas também uma omissão negligente da parte em promover o seu andamento, que do seu ato está dependente, comportamento que tem de ser apreciado e valorado pelo tribunal.
2. O falecimento do mandatário da A. comunicado ao processo por colega de escritório, com junção da certidão de óbito, determina a suspensão da instância, com a necessidade da parte proceder à constituição de novo mandatário com vista ao prosseguimento do processo.
3. Embora objetivamente esteja em causa a falta por parte da A. da prática de um ato necessário ao prosseguimento do processo, como é o da constituição de novo mandatário, não pode qualificar-se tal omissão como descuidada ou negligente, a partir do momento em que nada nos diz que a mesma teve conhecimento do falecimento do seu mandatário, que sabia da necessidade de constituir novo mandatário no processo com vista ao seu prosseguimento ou até de que os autos se encontravam suspensos.
4. Constata-se a falta do tribunal a quo, quando nada faz no período de 8 meses após a comunicação da morte do Ilustre Advogado, não proferindo despacho a suspender a instância, não dando conhecimento à A. da informação prestada ao processo, nem tão pouco a notificando da necessidade de constituir novo advogado, não tendo ainda diligenciado por ouvir a A. previamente ao despacho que proferiu a julgar deserta a instância.

Texto Integral

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Vem AA intentar a presente ação declarativa com a forma de processo comum contra a Viamillenio – Comércio de Automóveis, Ld.ª, formulando a final os seguintes pedidos:
“A - Ser a Ré condenada à restituição integral do valor pago pelo automóvel, na quantia 5.250,00 € e aceitar o retorno do automóvel;
B – Ser a Ré condenada ao pagamento da quantia de 2,650,20 €, referente ao valor do crédito bancário e a dedução do valor pago pelo automóvel;
C – Ser a Ré condenada ao pagamento da quantia de 899,68 €, referente a despesas bancárias e administrativas;
D – Ser a Ré condenada ao pagamento da quantia de 120,28 €, referente ao valor da factura paga, pela colocação de pneus novos;
E – Ser a Ré condenada ao pagamento da quantia de 72,14 €, referente ao valor da factura paga, pelo check up ao automóvel;
F - Tudo totalizando a quantia de 8.992,30 €, (oito mil, novecentos e noventa e dois euros e trinta cêntimos), acrescida de juros à taxa legal (obrigações comerciais) até ao efectivo e integral pagamento.
G - Ser a Ré condenada ao pagamento dos Danos não patrimoniais causados à Autora, num valor nunca inferior a 5.000,00 €.”
Tendo o processo prosseguido os seus termos, foi proferida sentença a 04.09.2021 que julgou a ação parcialmente procedente e declarou resolvido o contrato celebrado entre as partes que teve por objeto o veículo com a matrícula ..-QP-.. e condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 6.342,10, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação, até efetivo e integral pagamento e a aceitar a entrega do veículo, absolvendo-a do demais peticionado.
Por não se conformar com a sentença proferida a R. veio dela interpor recurso, alegando que a audiência de julgamento não deveria ter ocorrido sem a presença do seu mandatário, em virtude do justo impedimento que impossibilitou a sua comparência nessa audiência, mais invocando erro notório na apreciação da prova.
O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu Decisão Sumária em 20.06.2022, na qual se decidiu: “Em face do exposto, decido julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida relativa à apreciação do justo impedimento, anulando a sentença e parcialmente o julgamento datado de 14/7, designando-se nova data para continuação da produção de prova indicada pela Autora, podendo o Ilustre Mandatário do Réu exercer o contraditório em relação às declarações da Autora e testemunhas indicadas pela Autora. Se necessário e resultar da contraprova assim produzida, poderão os Ilustres mandatários ouvir de novo as provas indicadas pela Ré, nos termos supra expostos.”
Por despacho de 06.05.2024 o tribunal a quo determinou a notificação das partes para, no prazo de 10 dias, se pronunciarem/requererem o que tivessem por conveniente, em virtude de deliberação anteriormente proferida, de que nessa data (alegadamente) se deu conhecimento às partes, que determinava a afetação do processo ao titular do J24 do Juízo Local Cível da Comarca de Lisboa, o que implicaria a repetição dos atos instrutórios realizados em sede de audiência, ou seja, a sua repetição integral.
Nenhuma das partes se pronunciou.
No dia 20.06.2024 foi junto documento aos autos por uma Colega de escritório do Ilustre Mandatário constituído pela A. nos presentes autos, informando do seu falecimento em 05.06.2024 e juntando certidão de óbito.
O processo só em 18.03.2025 voltou a ser tramitado, data em que foi aberta conclusão ao juiz que proferiu o seguinte despacho que se reproduz:
“Por despacho proferido a 06/05/2024, notificado a 13/05/2024, e por o então Juiz Titular deste Juízo Local entender que “por referência ao artigo 605.º do Código de Processo Civil, ante, além do mais, o princípio da plenitude da assistência do juiz (corolário dos princípios da oralidade e da livre apreciação de prova), estará implicada a repetição dos actos instrutórios realizados em sede de Audiência, entenda-se, repetição integral”, foram as partes notificadas para, no prazo de dez dias, se pronunciarem / requererem o que tivessem por conveniente.
As partes não se pronunciaram.
Entretanto, foi junta aos autos certidão que comprova o decesso do Ilustre Mandatário da Autora, ocorrido no dia 05/06/2024.
Neste conspecto, cumpre declarar suspensa a instância, ao abrigo do preceituado nos artigos 269.º, n.º 1, al. b, e 271.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Todavia, a suspensão retrotrai-se à data em que o facto devia ter sido comprovado no processo.
Neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 11/06/1987, onde foi relator Melo Franco, e cujo sumário se encontra disponível em www.dgsi.pt, e onde podemos ler:
“I- Falecido o advogado, mandatado em processo em que é obrigatória a sua constituição, a instância suspende-se a partir do momento em que se junta aos autos a respetiva certidão de óbito, salvo o caso previsto na parte final do artigo 278.º do Código de Processo Civil.
II - A suspensão retrotrai-se à data em que o facto devia ter sido comprovado no processo.”
Assim, declaro a instância suspensa desde 20/06/2024, data em que a Colega do Ilustre Mandatário da Autora informou os autos do decesso do mesmo.
Desde essa data, nada veio a ser comunicado ou requerido pela Autora, não tendo sido praticado qualquer ato apto a impulsionar o prosseguimento dos presentes autos.
Os presentes autos encontram-se, assim, parados, por exclusiva negligência da Autora em promover os seus ulteriores termos, designadamente mediante a constituição de novo Mandatário, in casu obrigatória, desde há mais de 6 (seis) meses.
Pelo exposto e ao abrigo do que dispõem os artigos 281.º, n.º 1, n.º 3 e n.º 4, e 277.º, alínea c) do Código de Processo civil, declaro extinta esta instância, por deserção.”
A A. veio a 09.04.2025 constituir novo mandatário no processo.
Por não se conformar com a decisão que julgou extinta a instância por deserção, a A. vem dela interpor recurso, pedindo a sua revogação e substituição por outra que determine o prosseguimento dos autos, formulando para o efeito as seguintes conclusões que se reproduzem:
a) O presente Recurso versa sobre a decisão que põe termo à causa por deserção da instância, decisão essa com a qual a ora Recorrente não se conforma;
b) A decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de um requisito essencial, que consiste na necessidade de existir negligência das partes (ou, no caso em concreto, da Recorrente), conforme expressamente resulta dos n.ºs 1 e 3 do artigo 281.º do CPC;
c) O Tribunal a quo, bem sabendo que a Recorrente já não tinha Mandatário constituído, em virtude do falecimento do seu anterior Mandatário, não se limitou a proferir uma decisão de suspensão da instância, a que sempre haveria lugar, em virtude de tal falecimento; antes tendo proferido, em simultâneo, no mesmo ato, uma decisão de extinção da mesma, por deserção, nos termos do disposto no artigo 277.º, al. c) do CPC;
d) Após ter conhecimento do falecimento do Mandatário da Recorrente, através de terceiro que não é parte (nem representante) processual, o Tribunal a quo nunca notificou a Recorrente, nem para lhe prestar informação sobre o óbito do seu Mandatário, nem para que esta constituísse novo Mandatário, em virtude de se tratar de uma causa em que é obrigatória tal constituição;
e) Só em face de tal notificação e subsequente inércia da ora Recorrente é que o douto Tribunal a quo poderia ter julgado a instância deserta, já que a deserção pressupõe que exista negligência da(s) parte(s), que, no caso em concreto, não se pode considerar ter existido;
f) Não tendo sido dado conhecimento à Recorrente do falecimento do seu então Mandatário, nunca esta poderia saber da necessidade de praticar qualquer ato, como seja a constituição de novo mandatário ou outro ato do qual resultasse o necessário impulso processual;
g) Não se pode considerar que existe inércia da parte no que diz respeito à falta de andamento do processo, quando a essa parte não é dado qualquer conhecimento do facto que provocou a paragem do mesmo;
h) A considerar-se que existe alguma negligência, então – salvo o devido respeito, que é sempre muito -, apenas se pode concluir que essa negligência é do Tribunal a quo, e não da ora Recorrente;
i) Desde o dia 20.06.2024, o Tribunal a quo possuía conhecimento sobre o falecimento do Ilustre Mandatário da Autora, em virtude de uma Colega do mesmo, que nada tinha a ver com os presentes autos, ter junto no processo o seu assento de óbito;
j) Não poderia o Tribunal a quo supor que a Recorrente tinha conhecimento do falecimento do seu advogado e do facto de já não ter qualquer mandatário constituído nos autos;
k) Desde 20.06.2024, até à data em que proferiu a decisão de que ora se recorre, o Tribunal a quo não prestou à Recorrente qualquer informação sobre a necessidade de suprir a falta de constituição de Mandatário, nem praticou qualquer outro ato suscetível de prestar o devido conhecimento à Autora do ónus que sobre ela impendia, não só de constituir novo mandatário, como de praticar atos para impulsionar a instância;
l) Em bom rigor, a instância deveria ter sido suspensa imediatamente após o conhecimento pelo Tribunal do facto suspensivo, devendo o mesmo notificar de imediato a Recorrente dos factos que fundamentaram tal suspensão e, principalmente, informá-la do ónus que sobre esta impendia;
m) O que não sucedeu, tendo o Tribunal a quo proferido a decisão de suspensão da instância e, em ato imediatamente subsequente (ou melhor, no mesmo ato!), declarado a extinção da mesma por deserção;
n) O Tribunal a quo não cumpriu, pois, o seu dever de gestão processual, nos termos do artigo 6.º do CPC;
o) É, aliás, esse o espírito da Lei, conforme resulta cabal do disposto nos artigos 41.º e 47.º, n.º 3, do CPC, resultando do preceituado na Lei Processual Civil que, em qualquer caso em que se verifique a ausência do Mandatário, a parte deve ser notificada para suprir tal ausência;
p) No caso em concreto, não foi dado qualquer conhecimento à Recorrente do facto de já não se encontrar patrocinada por advogado, motivo pelo qual nunca poderia a mesma imaginar que a regularidade ou continuidade da instância estava dependente de um ato a praticar por si;
q) Não existiu, pois, qualquer negligência por parte da Recorrente e, em consequência, nunca poderia ter a instância ser declarado extinta por deserção;
r) A decisão ora recorrida encontra-se em desconformidade com o estatuído no mais recente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 2/2025, datado de 23.01.2025, do qual decorre que a extinção por deserção é composta por um elemento de natureza objetiva, e de um elemento de natureza subjetiva, que expressamente determina que se deve verificar inércia pela parte a quem compete o impulso processual e esta tenha atuado por negligência;
s) Em face dos elementos constantes nos autos, no caso concreto não se pode concluir pela verificação do elemento subjetivo que compõe a extinção da instância por deserção;
t) A inércia processual da Recorrente só ocorreu porquanto a mesma nunca teve conhecimento do falecimento do seu (então) Mandatário, nunca tendo sido notificada dessa situação e, portanto, nunca lhe tendo sido dado conhecimento – ainda que se forma indireta - de que sob ela impendia um ónus de impulso processual;
u) Impendia sobre o Tribunal a quo, desde o dia 20.06.2024, o dever de notificar a Recorrente, pelo menos informando-a do facto de já não se encontrar a ser representada por Mandatário, sendo que, nesse caso, pelo menos de forma indireta, a Recorrente vislumbraria a necessidade de constituir novo mandatário e de providenciar pelo andamento da instância;
v) A Recorrente só veio a ter conhecimento da suspensão da instância, do falecimento do seu Mandatário e da necessidade de dar impulso aos autos, no mesmo ato – a decisão ora Recorrida;
w) O douto Tribunal a quo supôs que era do conhecimento da Recorrente o falecimento do seu Ilustre Mandatário, tal como supôs que era negligência da Recorrente a ausência de impulso processual;
x) Em face de uma mera suposição, o Tribunal andou mal ao não dar à Recorrente a possibilidade de, querendo, exercer o contraditório ou se pronunciar sobre a mesma, ao abrigo do disposto no artigo 3.º do CPC e dos seus próprios deveres de gestão processual, e, ao invés, declarar extinta a instância por deserção;
y) Assim, o Tribunal a quo não adotou as medidas processuais adequadas para a verificação, com inteira segurança, da negligência da ora Recorrente;
z) Termos em que, sempre com o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo ao considerar deserta a instância, nos termos dos artigos 277.º, al c) e 281.º, n.º 1, n.º 3 e n.º 4 do CPC, por negligência da Autora, aqui Recorrente;
aa) Em face da ausência de qualquer informação ou notificação por parte do Tribunal a quo, a Recorrente acreditava, até à data em que teve conhecimento da Sentença ora em crise, na normal regularidade da instância;
bb) Nestes termos, não se pode considerar deserta a instância, por negligência da Autora, quando na realidade quem atuou de forma negligente foi o Tribunal a quo;
cc) Ademais, e conforme resulta do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência supra identificado, ainda que o Tribunal a quo entendesse que se poderiam estar verificados os requisitos para a deserção da instância, no caso em concreto jamais poderia declarar a mesma extinta sem antes proceder ao cumprimento do princípio do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3 do CPC;
dd) No caso dos presentes autos, sempre seria necessária a possibilidade de dar à Recorrente a hipótese de, querendo, exercer o contraditório, pois não houve anterior e adequada notificação do Tribunal para a Recorrente, e não resultava dos autos qualquer elemento que permitisse concluir que a mesma teve conhecimento do falecimento do Dr. BB;
ee) Nestes termos, em face do exposto, dúvidas não restam que andou mal o Tribunal a quo ao decidir extinguir a instância por deserção, sem preceder tal decisão da possibilidade de a Recorrente exercer o contraditório;
ff) Ademais, não pode ser julgado verificado o requisito da negligência das partes, essencial à extinção da causa por deserção;
gg) Pelo que se impõe a anulação de tal decisão, o que se por esta via se requer, substituindo-se por outra que, decretando a suspensão dos autos, ordene ainda a notificação da Recorrente para requerer o que tiver por conveniente – já que, entretanto, constituiu novos Mandatários – por forma a dar o necessário impulso processual aos autos. Como é imperativo do Direito e da Justiça!
A R. não veio responder ao recurso.
Foi proferido despacho a admitir o recurso.
II. Questões a decidir
É apenas uma a questão a decidir, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da (não) verificação dos pressupostos da deserção da instância.
III. Fundamentos de Facto
Os factos provados com interesse para a decisão da causa são os que constam do relatório elaborado.
IV. Razões de Direito
- da (não) verificação dos pressupostos da deserção da instância
Alega a Recorrente que não estão verificados os pressupostos da deserção da instância, por não existir negligência da sua parte no facto do processo ter estar parado por mais de seis meses, quando não teve conhecimento do falecimento do seu Mandatário e da necessidade de constituir novo mandatário no processo, não tendo sido proferido despacho pelo tribunal a quo a suspender a instância por aquele motivo, nada lhe tendo sido notificado.
A decisão recorrida considerou extinta a instância por deserção, no mesmo despacho em que declarou suspensa a instância pelo falecimento do Ilustre Mandatário da A., fazendo retroagir tal suspensão a 20.06.2024, data em que o seu óbito foi comprovado no processo, afirmando que desde aí a A. nada mais veio informar ou requerer, e que “Os presentes autos encontram-se, assim, parados, por exclusiva negligência da Autora em promover os seus ulteriores termos, designadamente mediante a constituição de novo Mandatário, in casu obrigatória, desde há mais de 6 (seis) meses.”
A propósito da deserção da instância regula o art.º 281.º do CPC que dispõe:
1. Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar o impulso processual há mais de seis meses.
2. (…)
3. Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontra a aguardar o impulso processual há mais de seis meses.
4. A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.
5. (…).”
Este instituto constitui uma sanção imposta às partes pela sua inércia em promover os termos do processo, quando lhes compete o impulso processual, evitando assim que por largos períodos de tempo se mantenham nos tribunais processos parados por quem deles se desinteressou.
Se atentarmos na redação do art.º 281.º n.º 1 do CPC constata-se que o que determina a deserção da instância é não só o processo estar parado há mais de seis meses, mas também a existência de uma omissão negligente da parte em promover o ser andamento, que do seu ato está dependente. O comportamento omissivo da parte tem assim de ser apreciado e valorado pelo tribunal.
Na interpretação desta norma importa levar em conta o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 2/2025, proferido no proc. 4368/22.0T8LRA.C1.S1 em 23.01.2025 e publicado no DR n.º 40/2025 série I, de 2025-02-26, que veio uniformizar jurisprudência nos seguintes termos: “I - A decisão judicial que declara a deserção da instância nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil pressupõe a inércia no impulso processual, com a paragem dos autos por mais de seis meses consecutivos, exclusivamente imputável à parte a quem compete esse ónus, não se integrando o acto em falta no âmbito dos poderes/deveres oficiosos do tribunal. II - Quando o juiz decida julgar deserta a instância haverá lugar ao cumprimento do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com inerente audiência prévia da parte, a menos que fosse, ou devesse ser, seguramente do seu conhecimento, por força do regime jurídico aplicável ou de adequada notificação, que o processo aguardaria o impulso processual que lhe competia sob a cominação prevista no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.”
O facto da deserção da instância não ser automática pelo mero decurso do tempo, necessitando do despacho do juiz previsto no n.º 4 do art.º 281.ª do CPC compreende-se, precisamente na medida em que é necessário fazer a avaliação a que alude o n.º 1, no sentido de saber se a paragem do processo resulta efetivamente de negligência da parte em promover o seu andamento e tem como finalidade a constatação da verificação ou não dos pressupostos da deserção.
Ensina Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, pág. 157: “…a partir da propositura da acção cabe ao juiz providenciar pelo andamento do processo, mas podem preceitos especiais impor às partes o ónus de impulso subsequente, mediante a prática de determinados actos cuja omissão impeça o prosseguimento da causa.” E acrescenta a pág. 183 a propósito do princípio da auto-responsabilização das partes que vigora no processo civil e que surge associado ao princípio da preclusão: “A omissão continuada da actividade da parte, quando a esta cabe um ónus de impulso processual subsequente, tem efeitos cominatórios, que podem consistir, designadamente, na deserção da instância.”
O dever de impulsionar os autos é em primeira linha do juiz, cumprindo-lhe dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao seu prosseguimento, como resulta do dever de gestão processual previsto no art.º 6.º n.º 1 do CPC, sem prejuízo do ónus de impulso processual que a lei em casos especiais pode impor às partes.
Como se refere com toda a propriedade no mencionado AUJ n.º 2/2025: “A decisão judicial que declara a instância deserta e, nessa medida, extinta nos termos dos artigos 281.º, n.º 1, e 277.º, alínea c), do Código de Processo Civil, tem como pressuposto essencial a negligência em promover o impulso processual por parte daquele sobre quem impende esse ónus, conjugada com o decurso do período temporal consignado na lei e conducente a tal desfecho. Não é, portanto, suficiente para a produção deste efeito processual - extinção da instância por efeito de deserção - a simples paragem do processo pelo tempo legalmente previsto (mais de seis meses consecutivos).Exige-se ainda, como conditio sine qua non, que esse imobilismo seja devido à injustificada inércia da parte a quem cabe o ónus de promover o prosseguimento dos autos, que dele estava ou deveria estar seguramente ciente, e que não o satisfez. Ou seja, é absolutamente essencial para a declaração de deserção da instância que, em virtude da existência de disposição legal donde resulta o ónus de impulso processual e pela forma como o tribunal lhe comunica, de forma clara, directa e inequívoca, essa necessidade processual de agir, a parte tivesse ou devesse ter o necessário conhecimento, nesse particular circunstancialismo, de que o processo só poderia prosseguir sob o seu impulso e que, se nada fizesse, a instância caminharia inexoravelmente, em morte lenta, para o seu fim.”
Passando ao caso em presença, facilmente se constata que embora objetivamente esteja em causa a falta por parte da A. da prática de um ato necessário ao prosseguimento do processo, como é o da constituição de novo mandatário, a verdade é que não pode qualificar-se tal omissão como descuidada ou negligente, a partir do momento em que nada nos diz que a mesma teve conhecimento do falecimento do seu Advogado, que sabia da necessidade de constituir novo mandatário no processo com vista ao seu prosseguimento ou até de que os autos se encontravam suspensos.
Constata-se que foi uma colega de escritório do Ilustre Mandatário da A. e não a A. que veio comunicar ao processo o falecimento deste, juntando a respetiva certidão de óbito.
Perante tal informação, o tribunal podia e devia ter proferido despacho a suspender a instância, nos termos previstos no art.º 271.º n.º 1 do CPC, mais dando disso conhecimento à A., alertando-a para a necessidade de constituir novo mandatário no processo, o que também não fez.
Verifica-se que o tribunal a quo não deu conhecimento à A. do falecimento do seu mandatário comunicado ao processo por terceiro, nem da suspensão da instância daí decorrente, nem tão pouco a notificou para constituir novo mandatário no processo, alertando-a para a necessidade de o fazer com vista ao seu prosseguimento, o que lhe competia quer ao abrigo do dever de gestão processual previsto no art.º 6.º do CPC, quer até do princípio da cooperação contemplado no art.º 7.º do CPC.
Embora objetivamente a A. não tenha constituído novo mandatário no processo, o que era necessário ao seu prosseguimento, a verdade é que os elementos constantes dos autos não mostram que a A. estava ciente de tal necessidade, ou que para tal tivesse sido alertada pelo tribunal, não se vendo por isso como qualificar de negligente a sua conduta.
Constata-se ainda que o tribunal a quo nem sequer fez cumprir o contraditório nos termos do art.º 3.º n.º 3 do CPC, previamente ao despacho em que julgou deserta a instância, em situação em que não pode presumir que a A.: (i) sabia do falecimento do seu Advogado; (ii) estava dentro do regime legal aplicável, no sentido de saber que a instância fica suspensa por essa razão; (iii) sabia da necessidade de constituir novo mandatário com vista ao prosseguimento do processo e para evitar a sua extinção.
Não obstante os autos terem estado parados por mais de seis meses, não pode qualificar-se como negligente o comportamento da A. por não ter entretanto constituído novo mandatário no processo, como é exigência do art.º 281.º n.º 1 do CPC para a deserção da instância, antes se constatando a falta do tribunal em quo, que nada faz no período de 8 meses após a comunicação da morte do Ilustre Advogado, não proferindo despacho a suspender a instância, não dando conhecimento à A. da informação prestada ao processo, nem tão pouco a notificando da necessidade de constituir novo advogado, não tendo ainda diligenciado por ouvir a A. previamente ao despacho que proferiu a julgar deserta a instância.
Em conformidade, procede a apelação, impondo-se a revogação da decisão recorrida, o que se determina, com o consequente prosseguimento dos autos que incumbe ao tribunal a quo diligenciar, atento o Mandatário já constituído no processo pela A.

V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se procedente a apelação interposta pela Recorrente, revogando-se a decisão proferida, devendo o tribunal de 1ª instância promover o andamento do processo nos termos que lhe competem.
Custas pela Recorrente, nos termos do art.º 527.º n.º 1 parte final do CPC, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique.
*
Lisboa, 25 de setembro de 2025
Inês Moura
António Moreira
João Paulo Raposo