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EMPREITADA
DANOS CAUSADOS PELO EMPREITEIRO
CADUCIDADE
Sumário
I - Os estragos provocados pelo empreiteiro que instalou um varandim nas pedras de escadas pré-existentes consubstanciam danos colaterais ao contrato de empreitada. II - Estando em causa danos em bens que não integravam o objeto do contrato de empreitada, a situação não se subsume às previsões normativas atinentes à caducidade do direito a exigir a eliminação de defeitos no âmbito daquele contrato. III - Ainda que assim não se entendesse, a comunicação pela empreiteira aos donos da obra de que estes lhe deveriam indicar o valor da reparação para efetuarem diretamente o pagamento e de que iriam acionar contrato de seguro constitui reconhecimento inequívoco da sua responsabilidade. IV - Este reconhecimento do direito constitui causa impeditiva da caducidade.
Texto Integral
Processo: 1170/24.8T8AVR.P1
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Sumário
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Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.ª adjunta: Maria de Fátima Andrade
2.ª adjunta: Teresa Pinto da Silva
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
AA e BB intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “A..., Unipessoal, Lda.”. Pedem que a R. seja condenada a pagar-lhes € 4.489,50, referentes à reparação e eliminação dos estragos causados nas escadas interiores da sua habitação, bem como no valor que resultar da atualização dos valores orçamentados para a execução dos trabalhos, acrescidos de € 600,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Alegam:
- que em agosto de 2022 contrataram a R. para colocar um varandim nas escadas interiores da sua habitação, bem como para aplicar um produto no mesmo, a fim de lhe dar brilho, o que a R. fez, tendo sido pago o correspondente preço;
- que ao proceder à aplicação do produto no varandim a R. deixou que este caísse em cima das escadas, gerando manchas indeléveis nas pedras;
- que a R. assumiu a responsabilidade pela reparação;
- que o valor necessário à reparação é de € 4.489,50;
- que a recusa posterior da R. em assumir os encargos lhes causou transtornos, incómodos e desgosto.
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A R. contestou.
Invocou a caducidade do direito dos AA., por estes terem conhecimento do alegado desde, pelo menos, agosto de 2022, tendo a ação sido proposta em 25-3-2024.
Aduziu que as escadas estavam protegidas quando da aplicação do spray, que não foi aplicado diretamente nos guarda-corpos, mas num pano. Atenta a posição de trabalho do operador seria impossível que aquele causasse derrame. Embora numa primeira abordagem se tenha disponibilizado para pagar a reparação, depois de analisada a questão, concluiu que o produto era insuscetível de ter causado as manchas.
Os AA. responderam que a R. assumiu que as manchas na pedra se ficaram a dever à aplicação do spray no metal ocorrido e a responsabilidade pela solução. Tal impede o decurso do prazo de caducidade.
Foram julgados verificados os pressupostos legais e realizado julgamento.
Após inspeção ao local, as partes foram convidadas a pronunciarem-se quanto à possibilidade de o tribunal tomar em consideração, na sentença, os factos que decorreram da instrução da causa (que as manchas alegadas na petição inicial são as que estão retratadas na descrição que consta da ata de 12-11-2024 e nas fotografias obtidas pelo tribunal, na inspeção ao local).
As partes nada opuseram.
Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando a R. a pagar aos AA. € 3.650,00, acrescidos do valor da atualização dos orçamentos referidos em 11) dos factos provados (referentes aos custos de aquisição e de aplicação/substituição das pedras da escadaria interior da moradia destes), que se vier a apurar em sede de incidente de liquidação e absolvendo-a do demais peticionado.
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Inconformada, a R. interpôs o presente recurso, que finalizou com as conclusões que se seguem.
1 - A decisão recorrida errou no julgamento da matéria de facto e de direito, ao decidir como decidiu os factos considerados como provados sob os números 4, 5, 6, 7 e 8 dos factos e, consequentemente, os mesmos têm que ser dados como não provados, devendo, ainda, ser valoradas positivamente as declarações de parte da legal representante da Ré, as quais são credíveis.
2 - E, consequentemente, têm que dar como provadas as alíneas f), g), h), i), dos factos não provados;
3 - Tal como, deve ser dado como provado que, quando os Autores, propuseram a ação já tinha decorrido o prazo de caducidade do direito dos autores.
4 - Competia aos Autores o ónus da prova do direito de que se achavam titulares, ou seja, deviam fazer prova do seu alegado direito, nos termos do disposto no artigo do artigo 342º, nº 1 do Código Civil.
5 - Prova essa que não fizeram.
6 - O tribunal “a quo” incorreu numa manifesta violação das regras relativas à distribuição do ónus da prova, bem como do disposto no artigo 466.º, do Código de Processo Civil.
7 - O Tribunal “a quo” ao não fazer uma correta aplicação do direito à matéria de facto provada violou os princípios do direito probatório.
8 - O Tribunal “a quo” violou, além do mais, o disposto nos artigos 466.º, 607.º, n.º 5, 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, 619.º e 342.º, 1220.º e 1224.º, 1225.º, do Código Civil.
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Os AA. contra-alegaram, finalizando nos termos seguidamente transcritos.
A) Entendem os Recorridos que razões não existem para colocar em crise a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo.
B) A Recorrente tenta extrair da prova constante dos autos, nomeadamente das declarações de parte da legal representante da Ré/Recorrente produzidas em audiência de julgamento e da prova documental junta aos autos, o que a mesma não permite dar.
C) No entender dos Recorridos a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo ou mácula, porquanto o Tribunal a quo fez uma correta valoração da matéria de facto, e um adequado enquadramento da mesma no direito, daí resultando que assiste razão à ora Recorrente na pretensão deduzida em juízo.
D) A apreciação e as conclusões que para a análise dos factos era importante extrair dos depoimentos prestados em audiência de julgamento não podia ser outra que não aquela que foi feita pelo Tribunal a quo, e donde resultou a determinação e fundamentação dos factos dados como provados e dos factos dados como não provados.
E) Entendeu e bem o Tribunal a quo que as declarações prestadas pela legal representante da Ré eram pouco compatíveis com as regras da lógica e da experiência comum, além de que foram contrariadas pelos outros meios de prova produzidos, que mereceram - e bem - maior credibilidade.
F) Se em relação à decisão quanto à matéria de facto nada há a apontar ao Tribunal a quo, o mesmo se diga quanto à matéria de direito.
G) Os Recorridos corroboram o enquadramento dos factos no direito que foi efetuado pelo Tribunal a quo, nomeadamente ao nível da responsabilidade civil contratual, em consequência do contrato de empreitada acordado entre Recorrente e Recorridos.
H) É correta a análise que, a propósito da temática da caducidade do direito invocado pelos Autores/Recorridos, se encontra vertida na douta sentença recorrida.
I) Enquadrando os danos no regime geral da responsabilidade contratual, não lhes sendo, assim, aplicáveis as regras especiais relativas à verificação da obra, sua aceitação, denúncia dos defeitos e atribuição ou exercício dos direitos conferidos pelos artigos 1221º a 1225º do Código Civil (ou pelos artigos 16º, 17º e 25º do DL 84/2021, de 18 de outubro, nomeadamente no que respeita aos prazos de caducidade, tal significa que o direito que os ora Recorridos pretendem exercer, por via desta ação, não está sujeito aos prazos de caducidade previstos no regime legal do contrato de empreitada, para a reparação dos defeitos da obra, mas sim ao prazo de prescrição de vinte anos, concluindo-se desse modo que tal direito não se encontra caducado.
J) Ainda que assim não fosse, sempre se imporia considerar que o reconhecimento do direito dos Autores/Recorridos, por parte da Ré/Recorrente, impediu a caducidade do mesmo, ao abrigo do disposto no artigo 331º, n.º 2 do Código Civil, como bem considerou o Tribunal a quo.
K) Em conclusão, tal como considerou o Tribunal a quo, ainda que se entendesse ser aplicável ao presente caso o regime da caducidade dos direitos do dono da obra, em relação ao empreiteiro, pelos defeitos nos trabalhos executados, atendendo a que está em causa um direito disponível, que a Ré/Recorrente dispõe de legitimidade para o reconhecimento e que este ocorreu de imediato e através de várias formas, forçoso seria concluir que a caducidade se encontraria impedida.
L) O Tribunal de recurso não está impedido de dar ou não dar credibilidade a um(ns) determinado(s) depoimento(s) desde que essa sua opção se mostre explicitada em termos racionais na motivação da decisão de facto e essa explicitação se mostre conforme às regras da experiência e da lógica.
M) De facto, como resulta do disposto no artigo 607º, n.º 4, do CPC, é essa análise crítica da prova que se espera e exige do juiz do processo, que não é – nem pode ser – mero recetáculo acrítico dos depoimentos, cabendo-lhe, por isso, avaliar da consistência, seriedade, objetividade e rigor de tais depoimentos.
N) Assim, uma eventual alteração da decisão de facto pela Relação, ainda que sustentada na sua própria e autónoma convicção, só se justifica quando se evidencia a existência de um erro do julgador ao nível da apreciação crítica da prova, ou seja, quando, como é o caso, estando em causa meios sujeitos à livre apreciação do julgador (artigo 396º, do Cód. Civil), se revela a existência de um erro ao nível da avaliação/valoração da prova que viola as regras da experiência e da lógica aplicáveis ao caso.
O) Dito isto, confrontando a motivação da sentença quanto aos factos julgados provados e não provados com a audição integral dos depoimentos, não se vislumbra na avaliação desses depoimentos a existência de um qualquer erro ao nível da apreciação racional, lógica e conforme com a experiência comum, de tais depoimentos.
P) Na verdade, se a prova nunca é uma certeza absoluta ou naturalística sobre um determinado facto, ainda assim a prova em juízo não se basta com meras possibilidades ou conjeturas, destituídas de uma base objetiva e segura, pois que tem a prova que ser apta a produzir no espírito do julgador uma muito significativa probabilidade quanto à verificação dos factos em causa.
Q) Por conseguinte, em resumo, apreciando a prova produzida nos presentes autos, entendem os Recorridos que não existem razões sérias e fundadas para que possa haver uma divergência da convicção formada pelo Tribunal a quo, a qual é, no entender dos Recorridos, absolutamente conforme com uma análise prudente, segura, lógica e conscienciosa da mesma.
R) Por conseguinte, pelos motivos supra expostos deve-se manter inalterada a decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto dado como provada e não provada, por se entender que foram corretamente julgados os pontos de facto constantes da douta sentença recorrida, não assistindo, por conseguinte, qualquer razão à Recorrente quando pugna pela sua alteração, nos termos constantes das suas alegações.
S) Mantendo-se inalterada a matéria de facto dada como provada e não provada, como aqui entendem os Recorridos, nenhum fundamento existe igualmente para a impugnação da matéria de direito, tal como consta da douta sentença recorrida.
T) Os Recorridos aderem na íntegra ao enquadramento dos factos no direito tal qual ele é feito pelo Tribunal a quo, e em todos os seus pontos, pelo que, e para evitar qualquer tipo de repetições, os Recorridos dão por reproduzida a douta sentença recorrida na parte relativa à matéria de direito.
U) Assim sendo, face ao supra exposto, deverão improceder as conclusões das alegações, pois motivos não existem para que a Recorrente coloque em causa a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo.
V) Em consequência dever-se-á manter a douta decisão recorrida, proferida pelo Tribunal a quo.
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II - Questões a dirimir:
a - da reapreciação da matéria de facto;
b - da caducidade do direito dos AA..
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III - Fundamentação de facto
A. Factos provados (enunciados na sentença)
1) A ré é uma sociedade que se dedica, entre outras, à prestação de serviços de serralharia civil, elaboração de peças e estruturas em inox, ferro e outros materiais ferrosos, nomeadamente guardas, varandins, escadas, passa mãos, estruturas metálicas.
2) No ano de 2022, os autores remodelaram uma moradia unifamiliar, sita em ..., na qual residem, tendo solicitado à ré a colocação de um varandim em inox, nas escadas interiores da mesma, e a aplicação de um produto naquele, a fim de lhe dar brilho.
3) A ré realizou os trabalhos referidos em 2) no mês de Agosto de 2022, tendo emitido a correspondente fatura, com o n.º ..., datada de 17-08-2022, que foi paga pelos autores.
4) Ao proceder à aplicação de produto de dar brilho ao varandim, a ré deixou cair/pingar o mesmo em cima das escadas.
5) Em consequência, a pedra das escadas interiores da moradia dos autores ficou com as manchas que se visualizam nas fotografias juntas aos autos em 14-11-2024, concretamente:
5.1) no segundo degrau, ficou uma mancha ligeiramente escurecida, sensivelmente a meio do mesmo (foto 1);
5.2) no quarto degrau, ficou com uma mancha ligeiramente escurecida e áspera, a cerca de um palmo do lado direito da escada (foto 2);
5.3) no quinto degrau, ficou com duas manchas ligeiramente escurecidas e ásperas, uma sensivelmente a meio do degrau e outra localizada junto à parede, do lado direito (fotos 3, 4 e 5);
5.4) no sétimo degrau, ficou com três manchas, localizadas mais para junto da parede (foto 6);
5.5) no primeiro patamar da escada, ficou com uma mancha escurecida e, junto aos dois prumos e pateres, a superfície ficou rugosa e áspera (fotos 7 e 8);
5.6) no primeiro degrau depois do segundo patamar, ficou com manchas e, junto ao lado esquerdo do pater, ficou com a superfície está rugosa (foto 9);
5.7) no segundo degrau depois do segundo patamar, ficou com várias manchas escurecidas e ásperas (foto 10);
5.8) no terceiro degrau depois do segundo patamar, ficou com algumas manchas escurecidas, a meio do mesmo (foto 11);
5.9) no quarto degrau depois do segundo patamar, junto ao pater, a superfície ficou rugosa;
5.10) no último degrau depois do segundo patamar (foto 12 e 13), junto ao pater, ficou com uma ligeira mancha escurecida e rugosa. 6) Os autores comunicaram o referido em 5) à ré, solicitando-lhe que assumisse os custos da reparação da escadaria, o que esta aceitou fazer.
7) A ré enviou aos autores a mensagem de correio eletrónico datada de 17-08-2022, a comunicar: «Boa tarde. Como falado por telefone a reparação das escadas indiquem-nos depois o valor, e a empresa que fará a reparação emita a fatura direta a nós que fazemos o pagamento. Com os melhores cumprimentos CC».
8) A ré comunicou aos autores que iria acionar o seguro que tinha celebrado, para cobrir danos decorrentes da sua atividade profissional.
9) Posteriormente, a ré comunicou aos autores que não possuía seguro ativo quando do referido em 3) e 4).
10) As manchas referidas em 5) não podem ser removidas ou eliminadas das pedras da escadaria.
11) Os autores enviaram à ré:
11.1) o orçamento datado de 04-07-2023, relativo à aquisição de pedras novas para a escadaria interior da sua residência, no valor de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros), com IVA incluído;
11.2) o orçamento datado de 25-06-2023, relativo à retirada das pedras manchadas e colocação de novas pedras, na escadaria interior da sua residência, no valor de 1.150,00 € (mil cento e cinquenta euros).
12) Em data não apurada, a ré comunicou aos autores que não pagaria os custos com a escadaria dos autores.
13) Os autores tomaram conhecimento do referido em 5) em agosto de 2022.
14) A presente ação foi instaurada em 25-03-2024.
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B) Factos não provados
Não se provou que:
a) o varandim referido em 2) fosse de alumínio;
b) os orçamentos referidos em 11) tivessem sido solicitados pela ilustre mandatária da ré (na altura);
c) o valor do orçamento referido em 11.1) seja de 3.075,00 € (três mil e setenta e cinco euros);
d) o valor do orçamento referido em 11.2) seja de 1.414,50 € (mil quatrocentos e catorze euros e cinquenta cêntimos);
e) os autores tivessem ficado desiludidos com a ré e desgostosos, por terem que recorrer ao Tribunal e não saberem quando irão ter o problema resolvido;
f) quando da aplicação do spray referido em 4), as escadas se encontrassem isoladas com lençóis;
g) o spray referido em 4) não tivesse sido diretamente aplicado nos guardas corpos em inox, mas sim num pano, que foi depois passado pelo corrimão para limpar o mesmo;
h) o spray referido em 4) não seja suscetível de provocar as manchas referidas em 5);
i) seja possível reparar ou substituir as pedras da escadaria dos autores por montantes inferiores aos referidos em 11);
j) as manchas referidas em 5) sejam decorrentes das próprias pedras.
C. Demais matéria dos articulados
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IV - Fundamentação jurídica
a - Da reapreciação da matéria de facto
A apelante requer que os factos considerados como provados sob os números 4, 5, 6, 7 e 8 sejam dados como não provados e que seja dado como provado o teor das alíneas f), g), h) e i) dos factos não provados.
A matéria assente cuja eliminação é visada pela recorrente é a seguinte:
4) Ao proceder à aplicação de produto de dar brilho ao varandim, a ré deixou cair/pingar o mesmo em cima das escadas.
5) Em consequência, a pedra das escadas interiores da moradia dos autores ficou com as manchas que se visualizam nas fotografias juntas aos autos em 14-11-2024, concretamente:
5.1) no segundo degrau, ficou uma mancha ligeiramente escurecida, sensivelmente a meio do mesmo (foto 1);
5.2) no quarto degrau, ficou com uma mancha ligeiramente escurecida e áspera, a cerca de um palmo do lado direito da escada (foto 2);
5.3) no quinto degrau, ficou com duas manchas ligeiramente escurecidas e ásperas, uma sensivelmente a meio do degrau e outra localizada junto à parede, do lado direito (fotos 3, 4 e 5);
5.4) no sétimo degrau, ficou com três manchas, localizadas mais para junto da parede (foto 6);
5.5) no primeiro patamar da escada, ficou com uma mancha escurecida e, junto aos dois prumos e pateres, a superfície ficou rugosa e áspera (fotos 7 e 8);
5.6) no primeiro degrau depois do segundo patamar, ficou com manchas e, junto ao lado esquerdo do pater, ficou com a superfície está rugosa (foto 9);
5.7) no segundo degrau depois do segundo patamar, ficou com várias manchas escurecidas e ásperas (foto 10);
5.8) no terceiro degrau depois do segundo patamar, ficou com algumas manchas escurecidas, a meio do mesmo (foto 11);
5.9) no quarto degrau depois do segundo patamar, junto ao pater, a superfície ficou rugosa;
5.10) no último degrau depois do segundo patamar (foto 12 e 13), junto ao pater, ficou com uma ligeira mancha escurecida e rugosa. 6) Os autores comunicaram o referido em 5) à ré, solicitando-lhe que assumisse os custos da reparação da escadaria, o que esta aceitou fazer.
7) A ré enviou aos autores a mensagem de correio eletrónico datada de 17-08-2022, a comunicar: «Boa tarde. Como falado por telefone a reparação das escadas indiquem-nos depois o valor, e a empresa que fará a reparação emita a fatura direta a nós que fazemos o pagamento. Com os melhores cumprimentos CC».
8) A ré comunicou aos autores que iria acionar o seguro que tinha celebrado para cobrir danos decorrentes da sua atividade profissional.
E a matéria que pretende ver provada:
f) quando da aplicação do spray referido em 4), as escadas encontravam-se isoladas com lençóis;
g) o spray referido em 4) não foi diretamente aplicado nos guardas corpos em inox, mas sim num pano, que foi depois passado pelo corrimão para limpar o mesmo;
h) o spray referido em 4) não é suscetível de provocar as manchas referidas em 5);
i) é possível reparar ou substituir as pedras da escadaria dos autores por montantes inferiores aos referidos em 11).
A apelante funda a sua pretensão nas declarações de parte da A., que na íntegra transcreveu.
Relativamente à matéria que a apelante entende que deve ser expurgada dos factos assentes consiste esta na descrição de como aquela ocasionou as manchas nas escadas da casa dos recorridos, na descrição das manchas e na assunção inicial pela apelante de que iria proceder à reparação.
Revisitada a prova produzida, entende-se ter sido produzida prova em conformidade com apurado em 1.ª instância. Relativamente às manchas, para além de ter havido lugar a inspeção ao local, tendo sido carreadas fotografias para os autos, o depoimento de DD, construtor civil, que viu as manchas e que elaborou orçamento relativo à retirada e colocação de pedras novas, descreveu os factos de forma consistente e distanciada. Assegurou que aquando do assentamento das pedras nas escadas as mesmas não tinham as manchas sob discussão. Também EE deixou claro que quando as pedras foram fornecidas não exibiam as manchas em apreço e que não é possível limpar as pedras de modo a remover as manchas. O A., em declarações de parte, depôs no sentido de que as manchas só surgiram após a intervenção da apelante.
No que respeita às declarações de parte prestadas por CC, cônjuge do gerente FF, com poderes de representação, constata-se que esta, nem interveio na execução dos trabalhos, nem presenciou a respetiva realização. As suas declarações a respeito do modo como o spray de limpeza do metal foi colocado não permitem, assim, firmar a convicção do tribunal. CC afirmou ainda ter recebido fotografias da obra em que seriam visíveis proteções de cartão. Essas fotografias, sem embargo, não foram carreadas para os autos.
Por referência à assunção pela R. da responsabilidade pelo ocorrido, para além de corroborada, quer pelo A., quer pela R., consta ainda de e-mail de 17-8-2022. Este, por seu turno, remete para anterior conversa telefónica em que a responsabilidade fora reconhecida.
Diga-se ainda que se as escadas tivessem estado protegidas durante a colocação não faria sentido que a R. tivesse aceite, em qualquer momento, reparar o estrago.
Quanto aos factos não provados, são estes o contraponto da materialidade apurada. A prova desta exclui a demonstração daqueles. Em todo o caso, como se viu, a única prova atinente foi a consistente nas declarações de parte da R.. A sua verosimilhança foi excluída pela abundância, valia e consistência dos depoimentos supra referenciados.
Por último, no que respeita aos factos não provados, além do que já se referiu, não foi produzido nenhum meio de prova (no tocante às alíneas b, e e i.), ou os que se produziram foram em sentido contrário (no que respeita às alíneas a, c, d, f, g, h, j).
Improcede, na totalidade, a pretensão recursória da R. por referência à alteração da matéria de facto.
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b - Da caducidade do direito dos autores
A questão que se perfila consiste em determinar se aquando da propositura da ação o direito dos AA. referente à eliminação das manchas nas escadas persistia ou se, ao invés, já se havia extinto pelo decurso do tempo.
A caducidade é uma forma de extinção dos direitos que atua quando estes, devendo ser exercidos em determinado prazo específico, o não sejam. Trata-se de uma figura que gera a cessação dos efeitos negociais, sem carácter retroativo. Prende-se com o direito de ação judiciária. A caducidade é estabelecida com o fim de, dentro de certo prazo, se tornar certa, se consolidar, se esclarecer determinada situação jurídica; por isso, o reconhecimento impeditivo da caducidade tem de ter o mesmo efeito de tornar certa a situação (Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 107, p. 24).
Lê-se no ac. da Relação de Lisboa, de 21-3-2012 (proc. 209/09.1TVLSB-A.L1-2, Sérgio Almeida): quer a prescrição (impium remedium lhe chamaram os antigos) quer a caducidade assentam no não exercício do direito durante determinado período (cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito, 3ª ed., 373); com a diferença que em regra na primeira o direito foi criado sem prazo de vida, mas extingue-se pelo não exercício duradouro; enquanto a caducidade (art.º 298/2, Código Civil) prende-se com a morte de um direito já criado com um certo prazo de vida (neste sentido diz Dias Marques que “a prescrição «mata» o direito, enquanto na caducidade é o direito que «morre»” – cfr. Noções Elementares de Direito Civil, 7ª ed., 118). E ao contrário da outra, a caducidade opera com prazos cegos, valorativamente neutros. As razões de uma de outra são diversas: enquanto a prescrição se prende com a negligência do titular do direito (o que permite compreender que tenha por consequência um direito potestativo a recusar o cumprimento da obrigação, doravante convolada em mera obrigação natural - art.º 303, 304, 304 e 402), a caducidade estriba-se em considerações de certeza e segurança jurídica, que acarretam a perda da titularidade do direito e, mais, a sua extinção.
A recorrente defende que a exceção de caducidade deveria ter sido julgada procedente em face do decurso do tempo. Invoca que o direito dos AA. a obterem a reparação/substituição da cobertura da escada já caducou, na medida em que tiveram conhecimento das manchas existentes na mesma em agosto de 2022 e que só instauraram a ação em 25-3-2024.
É iniludível que entre AA. e R. foi celebrado contrato de empreitada. Este vem definido no art.º 1207.º do C.C. como o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço. Não tendo os AA. cumprido os prazos previstos nos art.º 1224.º e 1225.º do C.C., sustenta a R. que teria caducado o seu direito a verem os defeitos eliminados e a verem-se indemnizados.
No que concerne aos defeitos no contrato de empreitada, dispõe o art.º 1225.º/1 do C.C. que, sem prejuízo do disposto no art.º 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objeto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
Assente-se, assim, em que, estando em causa defeitos da obra, a responsabilidade do empreiteiro perdura durante cinco anos.
Nos termos do n.º 2, a denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia, ou seja, o dono da obra (como o comprador) tem de exercer judicialmente o seu direito após a denúncia do defeito ao vendedor/construtor, dentro do prazo de um ano (cf. ainda os artigos 298.º/2 e 267.º/1 do C.C.).
Prevê o n.º 3 que os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos previstos no art.º 1221.º.
Estes os prazos a tomar em atenção também para efeitos de prazo de caducidade para o exercício de reparação de coisa defeituosa.
O art.º 1225.º do C.C. abarca, pois, três prazos de caducidade: o prazo de garantia (supletivo) de 5 anos, contados a partir da entrega do imóvel ao adquirente; o prazo de 1 ano, a contar do conhecimento do defeito, para exercer o direito de denúncia e o prazo de 1 ano, subsequente à denúncia, dentro do qual terá de ser instaurada a ação destinada a exercitar o direito à eliminação dos defeitos ou à indemnização (cf. ac. do S.T.J., de 14-1-2014, proc. 378/07.5TBLNH.L1.S1, Moreira Alves).
A denúncia do defeito funciona como o ato do credor que certifica e comunica ao devedor o seu cumprimento defeituoso para que este possa corrigir a prestação e ainda como pressuposto para o exercício posterior do direito de ação.
Como já referimos, não oferece dúvidas que entre AA. e R. foi celebrado um contrato de empreitada, figurando os primeiros como donos da obra e a segunda como empreiteira. Os AA. não pretendem, porém, obter a reparação de defeitos da obra realizada pela R., nem uma indemnização pelo incumprimento, pela empreiteira, das obrigações principais a que esta se vinculou no contrato dos autos. Conforme bem se apontou na sentença recorrida, o pedido dos AA. não se prende com a eliminação de defeitos da obra realizada pela R.. Está antes em causa a reparação de estragos que os AA. imputam à R., estragos esses alheios à obra por esta realizada.
Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed., nota 1, p. 82) escrevem: A necessidade de fixar um prazo curto para o exercício dos direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização é reconhecida na generalidade das legislações. “Decorrido longo prazo, escreve Vaz Serra (...), pode ser difícil averiguar se a obra tinha vícios e seria prejudicial à segurança do tráfico jurídico que os vícios fossem invocados.
A consagração de prazos curtos para o exercício dos direitos emergentes dos defeitos destina-se a mitigar o risco de averiguação. Tutela de igual forma o direito do empreiteiro a ver definida a sua responsabilidade pelos defeitos da obra no mais curto espaço de tempo após a sua conclusão.
Assim, já não há razão para se fixarem prazos curtos, se os direitos invocados pelo dono da obra não se fundarem em defeitos desta, mas em qualquer outro facto, como na mora ou no não cumprimento da obrigação. Daí a enumeração taxativa, feita no artigo 1224º, dos direitos sujeitos a caducidade. A indemnização a que ele se refere é a prevista no artigo anterior. O pedido, por exemplo, duma indemnização pelo não cumprimento está já sujeito às regras gerais da prescrição (cf. P. Lima/A. Varela, in Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed, nota 1, p. 824).
O art.º 1224.º do C.C. consagra expressamente que os prazos de caducidade apenas se aplicam aos direitos do dono da obra previstos nos artigos 1221º, 1222º e 1223º, do CC, que visam reparar unicamente o prejuízo consubstanciado na existência de defeitos na obra e não quaisquer outros danos.
Também Menezes Cordeiro (in Tratado de Direito Civil, vol. XII, p. 971) escreve: a caducidade do artigo 1224.º tem, estritamente, a ver com os remédios próprios da empreitada, isto é, com a prestação principal do empreiteiro. No tocante aos danos que a transcendem, sejam eles relativos a deveres acessórios de proteção, a responsabilidades extracontratuais ou circa rem operam os prazos normais da prescrição. O mesmo sucede quando o dono da obra fique privado da coisa, pelos danos daí resultantes ou quando possa recorrer a terceiros, para corrigir defeitos ou completar a obra: os custos daí resultantes, a imputar ao empreiteiro, podem sê-lo nos prazos comuns da prescrição. Também não caem sob a alçada do artigo 1224.º os danos subsequentes nem os derivados da mora do empreiteiro na conclusão da obra.
João Cura Mariano (in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7.ª ed., pp. 144 e 172-174) sustenta igualmente que o direito de indemnização pela existência de prejuízos colaterais, provocados pelos defeitos da obra, que impliquem uma responsabilidade contratual do empreiteiro é regido pelas regras gerais do direito de indemnização. Não se lhe aplicando as regras especiais dos artigos 1218.º e seguintes do C.C., não está sujeito aos prazos de caducidade previstos no art.º 1224.º do C.C.. Para o exercício deste direito de indemnização vigora o prazo de prescrição geral.
Na jurisprudência, veja-se o ac. da Relação de Lisboa de 14-2-2023, proc. 38/20.1TNLSB.L1-7, Carlos Oliveira).
A obra da R. a favor dos AA. consistiu na colocação de varandim metálico. A reparação visada pelos AA. situa-se na pedra de escadas cuja realização coube a terceiro. O objeto da reparação é, assim, estranho ao contrato de empreitada celebrado entre AA. e R.. Os danos cuja reparação é visada pelos AA. são danos colaterais da atuação da R..
Estando em causa danos em bens que não eram objeto do contrato de empreitada, a situação não se subsume às previsões normativas atinentes à caducidade do direito a exigir a eliminação de defeitos no âmbito daquele contrato. O direito que os AA. pretendem exercer não está sujeito aos prazos de caducidade previstos no regime legal do contrato de empreitada, para a reparação dos defeitos da obra, mas sim ao prazo de prescrição de vinte anos.
Ainda que assim não fosse, o reconhecimento do direito dos AA., por parte da R., impediu a caducidade do mesmo.
O art.º 331.º do C.C. estabelece com carácter taxativo as causas impeditivas da caducidade, a saber, a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo (n.º 1). Tratando-se de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido (n.º 2).
Se se trata de prazo de proposição de uma ação judicial, o reconhecimento «deve ser tal que torne o direito certo e faça as vezes da sentença, porque tem o mesmo efeito que a sentença pela qual o direito fosse reconhecido» (Vaz Serra, Prescrição extintiva e caducidade, n.º 118, in BMJ n.º 107º).
O reconhecimento a que se refere o n.º 2 do art.º 331.º do C.C. não é a simples admissão genérica de um direito, mas o reconhecimento em concreto, com valor idêntico ao do ato impeditivo - isto é, ao ato da propositura da ação - que torne desnecessária a sua exigência por meios judiciais.
Veja-se o sumário do ac. da Relação de Guimarães de 12-3-2015 (proc. 1800/13.7TBVCT.G1, António Sobrinho): I - O reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido constitui causa impeditiva da caducidade. II - Destinando-se a caducidade a tornar certa, dentro de certo prazo, determinada situação jurídica, o reconhecimento impeditivo da caducidade tem de ter o mesmo efeito de tornar certa a situação. III - Assim, esse reconhecimento deve ser concreto, preciso e inequívoco.
Como explicam P. Lima e A. Varela (Código Civil Anotado, vol. I., pp. 295 e 296): o reconhecimento deve ser tal que torne o direito certo e faça as vezes de sentença, porque tem o mesmo efeito que a sentença pela qual o direito fosse reconhecido.
Deixar crer, gerar suposições ou convicções não se confunde com a certeza aludida a propósito do reconhecimento.
Os AA. comunicaram à R. a existência das manchas existentes nas escadas, solicitando-lhe que assumisse os custos da reparação da escadaria, o que esta aceitou.
Em 17-8-2022, a R. remeteu aos AA. e-mail em que, assinaladamente, se lê: como falado por telefone a reparação das escadas indiquem-nos depois o valor, e a empresa que fará a reparação emita a fatura direta a nós que fazemos o pagamento.
A R. comunicou aos autores que iria acionar o seguro que cobria os danos decorrentes da sua atividade profissional.
A factualidade enunciada consubstancia o reconhecimento inequívoco do direito dos AA. à reparação do dano, as manchas nas escadas.
Por conseguinte, ainda que se entendesse ser aplicável ao presente caso o regime da caducidade dos direitos do dono da obra em relação ao empreiteiro pelos defeitos nos trabalhos executados, o decurso do prazo de caducidade não se teria verificado.
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A pretensão recursória da apelante no que toca à matéria jurídica da causa dependia exclusivamente da procedência do pedido de reapreciação da matéria de facto e/ou do atendimento da exceção de caducidade. A matéria de facto manteve-se inalterada e foi confirmada a decisão de 1.ª instância no sentido de que o direito dos AA. não caducou.
Dependendo a reapreciação da matéria de direito do recurso da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se esta, fica prejudicado o conhecimento daquela (art.º 608.º/2 ex vi parte final do n.º 2 do art.º 663.º, ambos do C.P.C.).
A apelação está, por conseguinte, condenada ao insucesso.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar o recurso totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida por razões que dela em nada dissentem.
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Custas pela apelante por ter decaído integralmente na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 15-9-2025
Teresa Fonseca
Fátima Andrade
Teresa Pinto da Silva