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PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
FRUSTRAÇÃO DA COMUNICAÇÃO
Sumário
O senhorio pode recorrer ao procedimento especial de despejo nos casos em que a resolução do contrato de arrendamento não haja operado por se ter frustrado a comunicação da mesma ao arrendatário, quando a resolução se funda na mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda (ou de outros encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário). (Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
V. S.A. (A.) apresentou procedimento especial de despejo contra E. (1º R.) e T. (2ª R.), requerendo o despejo dos RR. e o pagamento de rendas em dívida, e alegando para tanto e em síntese que:
• Em 29/5/2023 celebrou com os RR. contrato de arrendamento urbano para habitação relativamente a uma fracção autónoma da sua propriedade, contra o pagamento da renda mensal de € 650,00 e pelo prazo de 3 anos, renovável por iguais e sucessivos períodos de 1 ano;
• Tendo os RR. passado a gozar do locado de forma efectiva e plena, não procederam ao pagamento da totalidade da renda de Março de 2024 nem ao pagamento das rendas posteriores, encontrando-se em dívida a quantia global de € 8.605,99.
Com o seu requerimento a A. juntou cópia do contrato de arrendamento, constando da cláusula 15ª do mesmo que:
“1. Todas as comunicações entre as partes relativas ao presente contrato devem ser realizadas por escrito, por carta registada com aviso de recepção. 2. Os Outorgantes fixam que o domicílio convencionado da Segunda e Terceiro Outorgantes, nomeadamente e para os efeitos do disposto no artigo 9º, nº 7 alínea c) do NRAU, é o constante no presente Contrato. 3. Em caso de alteração de morada, para efeitos de comunicação entre as partes, aquele que alterar, compromete-se a comunicá-la à Senhoria, no prazo de 30 dias, por carta registada com aviso de recepção”.
Com o mesmo requerimento a A. juntou ainda certidão da notificação avulsa da 2ª R., feita por contacto pessoal de agente de execução na morada correspondente à fracção autónoma objecto do contrato de arrendamento, pela qual lhe foi dado conhecimento que os RR. deviam pagar as rendas vencidas e não pagas e juros, tudo aí melhor identificado, e que se considerava resolvido o contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento da renda por período superior a três meses, caso tal pagamento não fosse efectuado no prazo de um mês.
Com esse mesmo requerimento a A. juntou ainda certidão negativa relativa à notificação avulsa do 1º R., aí estando certificado que a notificação “não foi concretizada uma vez que no local fui recebido pela notificanda T. (…), que declarou que o requerido/notificado, que é pai do seu filho mais novo, não reside neste local desde finais de Fevereiro de 2024 e desconhece o seu actual paradeiro (…)”.
Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15º-D do NRAU foi efectuada a notificação dos requeridos e, na falta de oposição, foi o requerimento convertido em título para a desocupação do locado, nos termos do art.º 15º-E do NRAU.
Tendo os autos sido distribuídos nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15º-EA, nº 1, do NRAU, no tribunal recorrido foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, declara-se verificada a excepção dilatória de falta de condição de admissibilidade do procedimento especial de despejo, nos termos das disposições conjugadas previstas nos artigos 9.º, n.º 7, 10.º, n.º 5 e 11.º, n.º 4 e 15º, n.º 2, alínea e), todos do NRAU e, em consequência, absolve-se os requeridos da instância”.
A A. recorre desta decisão final, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
I. A sentença recorrida absolveu os Requeridos da instância com fundamento na verificação da excepção dilatória de falta de condição de admissibilidade do procedimento especial de despejo, por alegada ausência de prova válida da comunicação da resolução do contrato de arrendamento.
II. Tal decisão incorre em erro de julgamento, ao aplicar de forma excessivamente formalista as disposições do NRAU, em violação dos princípios da boa-fé, da tutela jurisdicional efectiva e da economia processual.
III. No que respeita ao Requerido E., resulta dos autos que este abandonou o imóvel arrendado em Fevereiro de 2024, conforme declarado pela coarrendatária T.
IV. O contrato de arrendamento celebrado entre as partes estabelece, na cláusula 15.ª, o domicílio convencionado para efeitos de comunicações, obrigando as partes a comunicar qualquer alteração no prazo de 30 dias, por carta registada com aviso de recepção.
V. De acordo com o artigo 9.º, n.º 7, alínea c), do NRAU, a comunicação dirigida ao domicílio convencionado é válida e eficaz, sendo inoponível ao senhorio qualquer alteração não comunicada nos termos acordados.
VI. Nos termos do artigo 10.º, n.º 5, alínea b), do NRAU, o envio de carta subsequente apenas se impõe quando não haja domicílio convencionado, pelo que exigir ao senhorio nova tentativa de notificação para local sabidamente abandonado constitui um formalismo inútil e desproporcionado.
VII. Nos termos do artigo 9.º, n.º 7, alínea c), do NRAU, a resolução do contrato pode ser feito por escrito assinado, quando exista domicílio convencionado no contrato celebrado por escrito, sendo inoponível ao senhorio qualquer alteração posterior não comunicada.
VIII. No caso dos autos, a resolução foi comunicada ao Requerido E. através de notificação judicial avulsa, meio legalmente previsto no artigo 9.º, n.º 7, alínea a), do NRAU, sendo certo que, em momento algum, o Requerido informou a Requerente de qualquer alteração de morada.
IX. A jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto (v.g. Acórdão de 28.10.2021, Proc. 16944/20.8T8PRT-A.P1) confirma que, estando convencionado o domicílio no contrato, é válida a notificação feita para esse endereço, mesmo que o arrendatário o tenha abandonado sem aviso.
X. No que respeita à Requerida T., a notificação judicial avulsa foi concretizada, tendo esta sido pessoalmente informada da resolução contratual, cumprindo-se os requisitos previstos nos artigos 9.º, n.º 7, alínea a), 10.º, n.º 5, alínea a), e 15.º, n.º 2, alínea e), todos do NRAU, bem como no artigo 1084.º, n.º 2 do Código Civil.
XI. A douta sentença recorrida incorre, pois, em erro de julgamento ao aplicar indistintamente os alegados efeitos da ausência de prova de notificação válida ao Requerido E. à posição da Requerida T., cuja notificação foi pessoal e eficaz.
XII. Estando plenamente verificados, quanto a ambos os Requeridos, os requisitos legais de admissibilidade do procedimento especial de despejo, a sentença deve ser integralmente revogada, com o consequente prosseguimento dos autos.
Os RR. não apresentaram qualquer alegação de resposta.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, a única questão submetida a recurso, delimitada pelas aludidas conclusões, prende-se com a (im)possibilidade de fazer uso do procedimento especial de despejo em face da falta de comunicação ao 1º R. da resolução do contrato de arrendamento.
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A materialidade com relevo para o conhecimento do objecto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
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Do art.º 15º do NRAU resulta a possibilidade de o senhorio utilizar o procedimento especial de despejo para efectivar a cessação do arrendamento e obter título para a desocupação do locado, nos casos de resolução do contrato de arrendamento comunicada ao arrendatário nos termos do art.º 1084º, nº 2 do Código Civil. Nesse caso, e tendo presente a al. e) do nº 2 do referido art.º 15º do NRAU, o procedimento especial de despejo tem por base o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no nº 2 do art.º 1084º do Código Civil.
Na decisão recorrida considerou-se que “o recurso ao procedimento especial de despejo depende de o contrato de arrendamento já se encontrar validamente cessado. Quando a cessação ocorra por resolução, o procedimento especial de despejo só poderá ter por base o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil – artigo 15.º, n.º 2, al. e) do NRAU. Sem os referidos documentos a acção não poderá prosseguir devendo o requerimento ser recusado pelo Balcão do Arrendamento e do Senhorio (doravante BAS) – artigo 15.º-C, n.º 1, alínea b) do NRAU – e caso não seja indevidamente recusado pelo BAS, não poderá deixar de ser conhecida a excepção dilatória de falta de condição de admissibilidade do procedimento especial de despejo”.
Resulta da conjugação do nº 2 do art.º 1084º com o nº 3 do art.º 1083º, ambos do Código Civil, que o senhorio pode resolver o contrato quando a mora no pagamento da renda seja igual ou superior a três meses, operando tal resolução por comunicação do senhorio ao arrendatário onde, de forma fundamentada, seja invocada a obrigação incumprida. E no que respeita à forma de efectivar a comunicação em questão, resulta do art.º 9º, nº 7, do NRAU, que a mesma é efectuada por:
a. Notificação avulsa;
b. Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original;
c. Escrito assinado e remetido pelo senhorio através de carta registada com aviso de recepção, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação.
Ou seja, quando no contrato de arrendamento urbano (necessariamente reduzido a escrito, por força do disposto no art.º 1069º, nº 1, do Código Civil) haja sido convencionado o domicílio do arrendatário, a comunicação não carece de ser efectuada por notificação avulsa ou por contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, podendo ser efectuada por carta registada com aviso de recepção, remetida para o domicílio convencionado, nos termos permitidos pela al. c) do nº 7 do art.º 9º do NRAU. E quer essa carta tenha sido devolvida porque o arrendatário (destinatário da mesma) recusou o seu recebimento, quer tenha sido recebida por terceiro (que assinou o aviso de recepção), ainda assim a comunicação considera-se realizada, por força da conjugação do nº 1 e da parte final da al. b) do nº 2 do art.º 10º do NRAU. O que é o mesmo que dizer que, em qualquer uma dessas circunstâncias, tal comunicação integra o título que serve de base ao procedimento especial de despejo.
Todavia, se a carta for devolvida por não ter sido levantada no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, então a comunicação correspondente só se considera recebida no 10º dia posterior ao do envio de nova carta registada com aviso de recepção, nos termos conjugados dos nº 3 e 4 do mesmo art.º 10º (ou seja, decorridos 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta).
Já nos casos em que inexiste domicílio convencionado a comunicação carece de ser efectuada por contacto pessoal, nos termos das referidas al. a) e b) do nº 7 do art.º 9º do NRAU. Neste caso, e quando não foi possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio envia carta registada com aviso de recepção para o locado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o arrendatário destinatário da notificação não foi localizado, e a comunicação considera‑se efectuada no 10º dia posterior ao do envio de carta (al. b) do nº 5 do art.º 10º do NRAU).
Ou seja, quando existe domicílio convencionado o senhorio pode optar por fazer a comunicação através de carta registada com aviso de recepção para o domicílio convencionado. E se a carta vier devolvida por não ter sido levantada na estação de correios, a comunicação opera pelo envio de nova carta, 30 a 60 dias depois da data do envio da primeira carta.
Do mesmo modo, e se apesar de existir domicílio convencionado, o senhorio opta por fazer a comunicação através de notificação avulsa (ou seja, através de contacto pessoal de agente de execução, nos termos do art.º 256º do Código de Processo Civil), então torna-se necessário respeitar o disposto no nº 5 do art.º 10º do NRAU. Ou seja, quando a notificação avulsa não se concretiza, porque o notificando não é encontrado, a comunicação só opera pelo envio de carta registada com aviso de recepção, 30 a 60 dias depois da data em que se certifica que o destinatário não foi encontrado para receber a notificação avulsa.
Parece assim, numa primeira abordagem, que como a comunicação da resolução se torna sempre possível a partir de qualquer uma das três formas previstas no nº 7 do art.º 9º do NRAU, aquilo que importa verificar é se o senhorio cumpriu com todo o itinerário procedimental e temporal tendente a afirmar a realização da comunicação.
E faltando a demonstração de algum dos passos desse itinerário, parece que haverá que concluir, como na decisão recorrida, que falta uma condição de admissibilidade do procedimento especial de despejo.
Todavia, importa recordar que resulta do nº 4 do art.º 15º do NRAU que “nas situações previstas no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil é ainda admissível o recurso ao procedimento especial de despejo quando se tenha frustrado a comunicação ao arrendatário”.
O referido preceito foi aditado ao NRAU pela Lei 56/2023, de 6/10. E na exposição de motivos da Proposta de Lei 71/XV/1.ª (que deu lugar ao referido diploma) esclarece‑se que se procede “à revisão do regime do procedimento especial de despejo e da injunção em matéria de arrendamento, simplificando, agilizando e melhorando o funcionamento destes mecanismos, com reforço das garantias de ambas as partes”.
Ou seja, tendo em vista o reforço das garantias do senhorio e do arrendatário foi ampliado o acesso ao procedimento especial de despejo, admitindo-se que o senhorio possa recorrer ao mesmo nos casos em que a resolução do contrato de arrendamento não haja operado por se ter frustrado a comunicação da mesma ao arrendatário, quando a resolução se funda na mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda (ou de outros encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário).
Regressando ao caso concreto, torna-se evidente que a A. senhoria optou pela utilização do procedimento especial de despejo para efectivar a cessação do contrato de arrendamento que havia celebrado com os RR. arrendatários, tendo por fundamento a resolução do mesmo nos termos permitidos pelo nº 3 do art.º 1083º do Código Civil.
Mais se verifica que para efectivar a comunicação resolutória a que respeita o nº 2 do art.º 1084º do Código Civil a A. podia optar pelo envio de cartas registadas com aviso de recepção a cada um dos RR., face à convenção de domicílio constante do contrato de arrendamento, e nos termos permitidos pela al. c) do nº 7 do art.º 9º do NRAU.
Todavia, a A. optou pela notificação avulsa dos RR., nos termos da al. a) do mesmo nº 7 do art.º 9º do NRAU.
Essa notificação avulsa foi concretizada relativamente à 2ª R., mas resultou frustrada relativamente ao 1º R., porque este não foi encontrado no locado e a 2ª R. declarou ao agente de execução que o mesmo já aí não residia e desconhecia o seu paradeiro.
Nessa medida, e ainda que a comunicação resolutória não estivesse comprovada relativamente ao 1º R., podia a A. recorrer ao procedimento especial de despejo (alternativamente à acção de despejo) para fazer cessar o arrendamento por resolução fundada na falta de pagamento de renda, pedindo o despejo e o pagamento das rendas em dívida, e não lhe sendo exigível que a utilização desta forma procedimental não judicial dependesse da comprovação da comunicação resolutória ao 1º R., efectuada nos termos dos art.º 9º, nº 7, al. a), e 10º, nº 5, al. b), ambos do NRAU
Ou seja, no caso concreto torna-se admissível o recurso ao procedimento especial de despejo, nos termos visados pela A. O que significa que o tribunal recorrido não podia considerar verificada a excepção dilatória da falta de condição de admissibilidade do procedimento especial de despejo.
Pelo que, sem necessidade de ulteriores considerações, procedem as conclusões do recurso da A., havendo que revogar a decisão recorrida.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se procedente o recurso e revoga-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pelos recorridos.
11 de Setembro de 2025
António Moreira
Fernando Caetano Besteiro
Paulo Fernandes da Silva