LIBERDADE CONDICIONAL
Sumário

I – Na apreciação da liberdade condicional a meio da pena, que não é de aplicação automática, o Tribunal deve ser prudente na formulação de um juízo de prognose que, tendo inerente um certo risco, terá o mesmo que ser calculado e fundado, sendo que, havendo dúvidas sobre a capacidade do agente de não repetir crimes se for colocado em liberdade, o referido juízo de prognose deve ser desfavorável e não ser concedida a liberdade condicional.
II - O recorrente ainda não é capaz de assumir um juízo ético de censura pela prática dos crimes. Não se descortina como seja possível concluir que o condenado, uma vez posto em liberdade, a meio da pena, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem praticar crimes, nem que tal libertação seja compatível com a defesa da ordem e da paz social. Mantêm-se as exigências de prevenção especial e geral.
III - Não pode ser agendada para momento posterior ao respetivo marco a apreciação da concessão da liberdade condicional aquando do cumprimento de dois terços da pena em função da proximidade temporal de anterior verificação dos pressupostos referentes ao cumprimento de metade da pena.

Texto Integral

Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
I. No Juízo de Execução de Penas de Lisboa, Juiz 3, foi proferida decisão, em 16.05.2025, que negou a concessão de liberdade condicional ao recluso AA.
Do Recurso
II. Inconformado, recorreu o condenado AA, rematando a sua motivação com formulando as seguintes conclusões (transcrição):
«A) Da decisão que não lhe concedeu a liberdade condicional
1. O recorrente encontra-se a cumprir uma pena de 8 anos de prisão, à ordem do processo n.º 128/20.0JELSB, do Juízo Central Criminal de Setúbal, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22/01.
2. Foi apreciada a concessão da liberdade condicional em renovação da instância, após o meio da pena e antes dos 2/3, mas a mesma não lhe foi concedida.
3. A concessão da liberdade condicional neste marco da pena está dependente da verificação dos pressupostos elencados no n.º 2 do artigo 61.º do Código Penal.
4. O recorrente discorda do entendimento sufragado na decisão recorrida quanto à não verificação dos pressupostos materiais.
5. Atendendo às circunstâncias do caso em concreto, à vida anterior do recorrente, à sua personalidade e à evolução desta durante a execução da pena de prisão, entende o recorrente que está em condições de ser libertado condicionalmente no marco da pena agora em apreciação.
6. A decisão recorrida parece entender, logo em primeiro lugar8, que há crimes (p.e. o crime de tráfico de estupefacientes) que são insuscetíveis de concessão de liberdade condicional antes do cumprimento dos 2/3 da pena.
7. Acontece que, o crime pelo qual o recorrente cumpre pena não se distingue, neste plano, de qualquer outro, pois, caso contrário, o legislador tê-lo-ia dito.
8. A decisão recorrida diz, de um modo geral e abstrato, que as necessidades de prevenção geral são muito elevadas e que a comunidade não compreenderia a libertação do perpetrador de crimes desta natureza quando ainda faltam cerca de 3 anos para o seu termo!
9. Evidencia que o recorrente cumpriu pouco mais do que o meio da pena, desconsiderando, para além de todo o caminho trilhado até agora, que se encontra a cerca de 2 meses do cumprimento dos 2/3!
10. A decisão recorrida tinha, em primeiro lugar, de verificar se existe ou não um juízo de prognose favorável sobre o comportamento do futuro do recorrente no meio social, e só depois aferir, de forma concreta, do preenchimento ou não da alínea b) do n.º 2 do artigo 61.º do CP, o que não aconteceu! – vide, neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19.01.2021. 9
11. Não obstante veio a decisão recorrida, num segundo momento, referir que, in casu, subsistem exigências não desconsideráveis de prevenção especial porque a versão dos factos do recorrente em sede de audição, ainda que de assunção parcial, não coincide com a que resulta da decisão condenatória.
12. Tal, no entender da decisão recorrida, evidencia que o recorrente não interiorizou em plenitude a dimensão da gravidade dos seus atos e das consequências para o próximo, o que é indispensável para que se conclua que está munido de um relevante inibidor endógeno.
13. A decisão recorrida apenas se faz valer da versão dos factos assumidos pelo recorrente não terem acolhimento na decisão condenatória para considerar verificadas exigências de prevenção especial.
14. Acontece que, isso não basta! A assunção total do crime pelo condenado não consta dos requisitos para a concessão da liberdade condicional.
15. Impunha-se, antes, que a decisão recorrida ponderasse (o que não sucedeu) os seguintes aspetos relevantes para a apreciação da concessão da liberdade condicional do recorrente:
a) É a sua primeira reclusão, o que é vivido com especial intensidade, reforçando e repercutindo no futuro os efeitos da parte da pena já cumprida;
b) Não tem processos pendentes; c) Não tem outras condenações;
d) Atualmente não trabalha no EP, para dar lugar a outros reclusos que não têm suporte familiar e financeiro;
e) Frequenta atividades como a leitura, o desporto e a prática religiosa;
f) Não regista infrações disciplinares recentes;
g) Em liberdade, perspetiva regressar ao seu país de origem, mas não para a zona de Santos, local onde residia e foi abordado e de onde partiu o transporte de droga que levou à sua condenação;
h) Pretende exercer atividade profissional no ramo da panificação;
i) Demonstra ter consciência crítica sobre o desvalor da sua conduta e das consequências que a mesma acarreta para as pessoas – tal é evidente do auto de audição do recluso quando se referiu aos consumidores que vê dentro da prisão, à sua saúde, pobreza, à questão financeira que privilegia as pessoas que vendem e que não consomem, como foi o seu caso;
j) Em sede de audição de recluso, explicou as circunstâncias do cometimento do crime, assumindoter responsabilidade;
k) Não é consumidor de produto estupefaciente, o que facilita o distanciamento desta prática ilícita;
l) Não centra o arrependimento que sente nas consequências que a reclusão ocasionou na sua pessoa e na sua família;
m) Tem consciência do ilícito praticado, bem como das consequências graves que o mesmo acarreta, reconhecendo os bens jurídicos protegidos;
n) Conta com o apoio incondicional da sua família, mulher e filhos,contactando comeles por videoconferência, uma vez que se encontram no Brasil;
o) O Conselho Técnico emitiu, por unanimidade, parecer favorável à sua libertação condicionada.
16. Ora, as expectativas de reinserção do recorrente na sociedade são manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade.
17. Tudo isto, devidamente ponderado, permite elaborar um juízo de prognose positivo de que o recorrente, em liberdade, é capaz de manter sua vida de modo conforme ao direito, sem cometer novos crimes.
18. Aqui chegados, importa então avaliar se existem obstáculos à libertação condicional do recorrente no plano da prevenção geral, conforme impõe a alínea b), do n.º 2 do artigo 61.º do Código Penal.
19. O despacho recorrido faz depender a não concessão da liberdade condicional ao recorrente das fortes exigências de prevenção geral decorrentes da gravidade do crime.
20. A decisão recorrida não apontou uma única circunstância concreta que permita concluir pela incompatibilização da liberdade condicional do recorrente, neste marco da pena, com a defesa da ordem e da paz social, o que se impunha. – Vide, neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto. 10
21. No caso concreto do recorrente, a ordem e paz social são adequadamente defendidas com a sua libertação, neste momento.
22. Isto porque, o recorrente interiorizou de forma suficiente a responsabilidade pelos ilícitos cometidos e já operou uma mudança de personalidade que aponta no sentido da compatibilização com o respeito pelos bens jurídicos ofendidos, o que afasta razoavelmente o risco de reincidência e permite concluir pela compatibilização da sua libertação com a defesa da ordem e da paz social.
23. Veja-se, neste sentido, a avaliação global efetuada no relatório da DGRSP:
A avaliação, com as limitações que lhe estão inerentes pela especificidade da sua situação de cidadão estrangeiro, sem referências familiares em território nacional, remete para a existência de condições para concessão da medida em apreciação
O percurso prisional é caracterizado pelo ajustamento comportamental e pela rentabilização da reclusão em prol do desenvolvimento das suas competências. Não beneficiou de licenças de saída, dada a ausência de referências sociofamiliares em Portugal.
As necessidades de intervenção ao nível atitudinal, necessárias ao seu processo de reinserção, não se potenciam com a sua continuidade em contexto institucional, no cumprimento de pena de prisão.
24. Acresce que, inexistem circunstâncias concretas nos autos que permitam concluir pela incompatibilidade entre a libertação condicional do recorrente e a defesa da ordem e da paz social.
25. O recorrente encontra-se a menos de 2 meses do cumprimento dos 2/3 da pena, distanciando-se em 1 ano e 2 meses do cumprimento da metade da pena, o que faz com que o requisito da alínea b), do n.º 2 do artigo 61.º do CP se encontre, neste momento, consideravelmente mitigado.
26. O facto de o recorrente ser estrangeiro, sem família em Portugal, que o impede de beneficiar de medidas de flexibilização da pena, também não pode ser ignorado para este efeito.
27. Tanto assim é que o Conselho Técnico, (o qual, de certo modo, representa a comunidade), emitiu parecer favorável, por unanimidade, à concessão da liberdade condicional ao recorrente.
28. Face a todo o exposto, entende o recorrente que se encontram reunidos todos os pressupostos de que depende a concessão da liberdade condicional neste momento.
B) Da decisão que alterou os marcos da pena
29. Entende o recorrente que os despachos que calendarizam as datas da apreciação da liberdade condicional são recorríveis porque afetam direitos, liberdades e garantias individuais.
30. Neste sentido decidiu o acórdão do TRE, em 08.10.2019, no âmbito do processo 59/15.6TXEVR-K.E1, que se junta em anexo: (…) é recorrível qualquer decisão que interfira na apreciação de tal concreta questão ou com ele diretamente relacionada, e que no entender do recorrente viole o disposto na lei substantiva ou adjetiva. Como se verifica no caso presente, em que o Tribunal recorrido decidiu que apesar do arguido completaros2/3do cumprimentodapenaque lhe foiaplicada em 23 Setembro de 2019, ocondenado, ora recorrente, deveriacontinuar em reclusão, durante um período que fixou em seis meses. Decisão, esta, que se mostra suportada em termos de direito, como nela se consignou no disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 61.º do Código Penal, embora a nosso ver tal disposição não permita tal interpretação.
31. Interpretação diversa, no sentido de que os despachos que calendarizam as datas da apreciação da liberdade condicional não são recorríveis, viola as normas constantes nos artigos 27.º, 28.º e 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
32. A interpretação das normas constantes dos artigos 179.º, n.º 1, e 235.º do CEPMPL, segundo a qual se entenda que o despacho que calendariza as datas da apreciação da liberdade condicional não é recorrível, inquina de inconstitucionalidade material a referida norma por contender com o estatuído nos artigos 27.º, 28.º e 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
33. Por outro lado, caso se entenda que o despacho que calendariza as datas da apreciação da liberdade condicional é irrecorrível por não previsto, são as normas constantes dos artigos 179.º, n.º 1, e 235.º do CEPMPL inconstitucionais por violarem o disposto nos artigos 27.º, 28.º e 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Posto isto importa dizer o seguinte:
34. A decisão recorrida ao diferir a apreciação da liberdade condicional do recluso para 16.11.2025, em vezde ordenar a reapreciação para a data em que o mesmo cumpre os 2/3 da pena, ou seja, em 06.08.2025, viola o direito de o recluso ver apreciada tempestivamente, a sua liberdade antecipada, prejudicando-o de forma séria.
35. O recorrente, encontra-se a cumprir 8 anos de prisão desde 06.04.2020, tendo, por isso, o direito de ver apreciada a sua libertação em 06.04.2024 (1/2 da pena), 06.08.2025 (2/3 da pena) e em 06.12.2026 (5/6 da pena).
36. Nãohá que cumprirqualquerperíodomínimo de 6 meses de prisão entre as apreciações de liberdade condicional pelo meio ou pelos dois terços.
37. A decisão recorrida viola os artigos 61º do Código Penal e 173.º do CEPMPL.
38. Neste sentido, decidiu o TRC nos processos 630/07.0TXCBR-A.C111, 1211/06.0TXCBR-A.C112 e 1128/07.1TXCBR-A.C113, bem como o TRE no processo 59/15.6TXEVR-K.E1, cujo acórdão se junta em anexo.
39. Pelo que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que desencadeie os respetivos procedimentos com vista à reapreciaçãodaliberdade condicional dorecorrente porreferência aos 2/3 da pena de prisão cumprida, isto é, à data de 06.08.2025».

Da admissão do recurso

III. Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, em separado, e com efeito devolutivo.

Da resposta

IV. Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
«Não se ignorando o parecer unânime favorável que foi emitido pelo Conselho Técnico, entende o Ministério Público que a falta de assunção da prática do crime e de consciência crítica face ao mesmo inviabilizam a formulação de um juízo de prognose favorável, sendo que também as fortes exigências de prevenção geral que no presente caso se fazem sentir impedem a concessão da liberdade condicional nesta fase de execução da pena de prisão.
Acresce que, ainda que assim não fosse, o que apenas por cautela se adianta, conforme assinala Joaquim Boavida, citado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 08/11/2023, disponível em www.dgsi.pt:
“Na dúvida, a liberdade condicional não será concedida. É sabido que na fase de julgamento, a dúvida sobre a realidade de um facto é resolvida a favor do arguido, em decorrência do princípio in dubio pro reo. Na fase de execução da pena de prisão e da consequente apreciação da liberdade condicional esse princípio não tem aplicação. A lei exige, na alínea a) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal, para que o condenado seja colocado em liberdade, que seja possível concluir por um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro sem reincidência, ou seja, exige um juízo positivo e só nesse caso a medida será aplicada. Portanto, em caso de dúvida séria, que não possa ser ultrapassada, sobre o caráter favorável da prognose, o juízo deve ser desfavorável e a liberdade condicional negada.”
Conforme referido, a concessão da liberdade condicional ao abrigo do disposto no artigo 61º nº 2 do Código Penal, isto é, com referência ao meio da pena, tem carácter excepcional e não automático, estando condicionada pela evolução do condenado e fortemente limitada pelas finalidades de execução das penas.
Atingido que se encontra o cumprimento de metade das penas, a liberdade condicional facultativa apenas pode ter lugar se for adequada às necessidades de prevenção especial e geral, o que não sucede in casu.
Assim, deverá ser julgado improcedente o recurso mantido o sentido da decisão de não concessão da liberdade condicional nesta fase de execução da pena, por a tanto obstarem razões de prevenção especial e geral.
A decisão de diferir a apreciação da liberdade condicional por três meses (porquanto se trata de três meses, atendendo aos concretos marcos da pena) mostra-se fundamentada, é adequada às circunstâncias do caso e atendendo a estas não prejudica o recluso, pelo que deverá ser mantida nos seus precisos termos»

Do parecer nesta Relação

V. Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Públio que, aderindo à fundamentação do Ministério Público junto da primeira instância, emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso.

Da resposta ao parecer

VI. Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, o recorrente manteve a sua argumentação recursiva.

VII. Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.


OBJETO DO RECURSO
O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar. Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir:
1. Da adequação da não concessão de liberdade condicional ao recluso, com referência ao meio da pena que se encontra a cumprir.
2. Da admissibilidade de deferir a apreciação da liberdade condicional, com referência ao cumprimento de 2/3 da pena em 06.08.2025, para 16.11.2025.


DA DECISÃO RECORRIDA
Da decisão recorrida consta o seguinte (transcrição):
«I Relatório:
Identificação do recluso:
AA, nascido em 04-12-1968, filho de BB e de CC.

Objecto do processo: apreciação da liberdade condicional (arts. 155.º n.º 1 e 173.º e segs., todos do C.E.P.M.P.L.) em renovação da instância (após o 1/2 e antes de serem atingidos os 2/3 da pena).

Foram elaborados e juntos aos autos os relatórios previstos no art. 173.º n.º 1 als. a) e b) do CEPMPL.

O Conselho Técnico emitiu, por unanimidade, parecer favorável à concessão da liberdade condicional (art. 175.º do CEPMPL).
Ouvido o recluso este, entre outros esclarecimentos, deu o seu consentimento à concessão da liberdade condicional (art. 176.º do CEPMPL).

O M.P. emitiu parecer desfavorável (art. 177.º n.º 1 do CEPMPL).

II. Fundamentação

1) De facto:
1.1. Factos mais relevantes:

Circunstâncias do caso:
AA encontra-se em cumprimento da pena de 8 anos de prisão à ordem do Processo nº 128/20.0JELSB pela prática do crime de tráfico de estupefacientes.

Encontra-se ininterruptamente preso para efeitos de cumprimento desta pena, desde o dia 6 de Abril de 2020.

Cumprimento da pena: Marcos relevantes:
Atingiu metade do cumprimento dessa pena em 06-04-2024, os dois terços serão atingidos em 06-08-2025, os cinco sextos serão atingidos em 06-12-2026 e o termo da pena em 06-04-2028.

Antecedentes criminais:
Para além dos processos à ordem dos quais cumpre penas em execução sucessiva, do seu certificado do registo criminal não constam outras condenações.

Vida anterior do recluso: Recluso originário do Brasil.
Refere habilitações literárias ao nível do ensino secundário, tendo posteriormente frequentado estudos profissionais na área da importação e exportação de bens. Faz referência a um percurso laboral contínuo, inicialmente na construção civil como carpinteiro de cofragens e nos últimos 15 anos como comerciante por conta própria na área da exportação de produtos para os mercados, asiático e europeu.
A presença de AA em Portugal, à data dos factos pelos quais se encontra condenado, de acordo com o próprio era circunstancial à sua actividade profissional.

Personalidade do recluso e evolução durante o cumprimento da pena:

Atitude face ao crime:
Face ao crime verbaliza uma postura de impossibilidade de recusa no envolvimento, decorrendo a mesma de decisão a que foi alheio.

Saúde:
Ao condenado não são conhecidos problemas de saúde ou hábitos aditivos condicionadores do seu processo de reinserção social.

Comportamento:
Da sua ficha biográfica constam 4 sanções disciplinares sendo a última relativa a factos praticados em 07-09-2023, sido sancionada com 7 dias de permanência obrigatória no alojamento.

Actividade ocupacional/ensino/formação profissional :
Em meio prisional revelou alguma disponibilidade para rentabilizar construtivamente o período de reclusão, essencialmente pela via do desempenho laboral, embora de forma interpolada.
Encontra-se inactivo há cerca de 7 meses, situação que desvaloriza, referindo a opção de facilitar a integração de companheiros sem suporte familiar e, por outro lado, privilegiar a ocupação do tempo em actividades individuais, algumas das quais organizadas institucionalmente, tais como a leitura, o desporto e a prática religiosa.

Programas específicos e/ou outras actividades socioculturais –
Ainda não foi seleccionado para a frequência de programas, embora demonstre motivação para tal.

Medidas de flexibilização da pena –
Não beneficiou de licenças de saída jurisdicional e cumpre a pena em regime comum desde o seu início.

Rede exterior: enquadramento/apoio familiar/projectos futuros –
À data do envolvimento nos factos subjacentes à reclusão, AA encontrava-se circunstancialmente em Portugal, pelo que perspectiva a sua reinserção em função do regresso ao seu país de origem, por forma a reintegrar o seu agregado familiar, que menciona ser constituído pela sua mulher e os dois filhos do casal. Refere ainda a suporte emocional de outros elementos da família alargada, nomeadamente mãe e irmãos.
No decurso da reclusão, os contactos com os familiares têm vindo a proporcionar-se apenas por métodos não presenciais, atenta a distância, embora os dados aferidos apontem para a existência de suporte e consistência relacional.
O enquadramento habitacional, de acodo com o próprio, corresponderá a um apartamento T3, próprio, proveniente de herança, com boas condições de habitabilidade.
Faz alusão a uma situação pessoal e familiar favorável, em termos económicos. Para além de referir a existência de pecúlio acumulado anteriormente no exercício da atividade comercial, que reputa de rentável, argumenta que a mulher mantém actividade laboral por conta de uma empresa de navegação marítima, auferindo um salário elevado.
Os dados materialmente aferíveis apontam para a corroboração de tal avaliação, tendo em consideração que em meio prisional tem sido apoiado economicamente com quantias significativas.
Regista no fundo de apoio à reinserção social €132,25 e no fundo de uso pessoal, €3.396,68.
Refere como projecto profissional actividades no sector da restauração e outras áreas de negócio que os familiares estabeleceram em alternativa ao que detinha na importação e exportação.

1.2. Motivação da matéria de facto:
A convicção do Tribunal no que respeita a matéria de facto resultou da decisão condenatória junta aos autos, da ficha biográfica e certificado de registo criminal do recluso, dos relatórios juntos aos autos, elaborados pelos serviços prisionais e pela reinserção social, dos esclarecimentos prestados em conselho técnico, das declarações do recluso e documento junto aos autos.
*

2) De Direito:
A liberdade condicional tem como escopo “o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recuperar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. Com tal medida […] espera o Código fortalecer as esperanças de uma adequada reintegração social do interessado, sobretudo daquele que sofreu um afastamento mais prolongado da coletividade” (Leal-Henriques e Simas Santos, in “Código Penal”, Rei dos Livros, 1.º vol., 2.ª ed., pág. 504).
Assim, a finalidade primária da liberdade condicional “é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade” (Anabela Rodrigues, in “A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português”, BMJ, 380, pág. 26).
Efectivamente, verificados que estejam, como estão no presente caso, os requisitos de ordem formal – quais sejam o cumprimento de metade da pena com um mínimo absoluto de seis meses (período de tempo a partir do qual, na perspectiva do legislador, a pena tem potencialidade de já ter cumprido as suas finalidades) e o consentimento do recluso (art. 61.º do Código Penal, de ora em diante designado CP) -, o legislador exige, ainda, que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem e paz social (art. 61.º n.º 2 al. b) do CP).
Pretende-se, pois, dar ênfase à prevenção geral, traduzida na proteção dos bens jurídicos e na expectativa que a comunidade deposita no funcionamento do sistema penal.
Não estando assegurado este requisito, não poderá ser concedida a liberdade condicional, ainda que o condenado revele bom prognóstico de recuperação.
Este prognóstico de recuperação consubstancia o último dos pressupostos materiais: o legislador apenas permite a libertação condicional caso haja fundada expectativa de que, em liberdade, o condenado conduzirá a sua vida responsavelmente, sem cometer crimes (art. 61.º n.º 2 al. a) do CP).
Apela-se, em suma, à prevenção especial, na perspectiva de ressocialização e prevenção da reincidência.
Na avaliação da prevenção especial terá o julgador de elaborar um juízo de prognose sobre a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e o seu bom comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.
No que ao presente caso diz respeito, importa frisar, desde logo, as muito elevadas necessidades de prevenção geral, considerando, por um lado, as proporções epidemiológicas que o consumo de estupefacientes assume na nossa sociedade e com tão gravosos efeitos no tecido social quer pela degradação da juventude, bem como da própria célula familiar, envolvendo ainda risco grave para a saúde pública e para a sociedade, severamente afectadas por esse consumo e, consequentemente, pelo tráfico que o gera, determina e amplia; por outro, a frequência da prática destes crimes o que urge modificar; e, por fim, os efeitos perversos das drogas tendo-se presente neste campo as numerosas mortes que provoca e o lançamento de muitos jovens no mundo da marginalidade, roubo, violência e prostituição.
Como tal, não seria compreendida pela comunidade (i.e., o cidadão comum) a libertação, por referência a pouco mais do meio de pena e quando ainda faltam cerca de 3 anos para o seu termo, do perpetrador de crimes desta natureza.
Assim, a libertação do recluso nesta altura não salvaguardaria o sentimento geral de vigência das normas penais violadas com a prática dos crimes, banalizaria tal prática, atacaria a paz jurídica entre o cidadão e o seu sentimento de que as normas em questão foram suficientemente defendidas através da pena já cumprida, transmitiria um enfraquecimento da ordem jurídica potenciador de delitos desta natureza, defraudaria, em suma, a confiança da comunidade no funcionamento do sistema penal e a protecção, além do mais, de bem jurídico relevante no nosso sistema penal.
Acresce que subsistem in casu exigências não desconsideráveis de prevenção especial.
De facto, a posição do recluso quanto aos factos pelos quais se encontra a cumprir pena de prisão, em sede de audição, foi no sentido de assumpção parcial, uma vez que referiu ter aceite a actuação em causa por ter sido abordado por uma organização criminosa no Brasil e com receio das consequências não ter podido actuar de outra forma. Mais referiu que, em julgamento, se remeteu ao silêncio “porque não sabia a interferência deles em todo o processo e tinha medo de represálias” (sic).
Ora, ainda que se pudesse considerar como possível esta versão dos factos, não se compreende, nas referidas circunstâncias, a razão pela qual a referida organização lhe teria oferecido a quantia de €100 mil euros (que de acordo com as suas declarações não lhe foi entregue). De facto, se estivéssemos perante uma situação em que o ora recluso, por medo, não pudesse ter actuado de outra forma, de acordo com as regras da experiência comum, não haveria razão para a referida organização lhe ter oferecido dinheiro para a actuação do arguido. Seria suficiente a existência do referido “receio das consequências” em caso de não aceitação da actuação que lhe era exigida.
Acresce que, a versão dos factos do ora recluso em sede de audição, não coincide com a que resulta da decisão condenatória em que lhe é atribuído um “papel de relevo” em toda a actuação.
Todos estes elementos, evidenciam que não interiorizou ainda em plenitude a dimensão da gravidade dos seus actos e das suas consequências para o próximo.
Ora, a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências é indispensável para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno.
Quem não logrou ainda percecionar em plenitude o mal cometido, dificilmente possui mecanismos passíveis de evitar a repetição da sua conduta.
Como explicitam João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino (in “Reclusão e Mudança” - “Entre a Reclusão e a Liberdade”, Vol. II, Pensar a Reclusão, Almedina, pág. 171), “sem interiorização da responsabilidade dificilmente será possível alterar comportamentos”.
Assim, pese embora se julgue positivo que não possua antecedentes criminais registados, para além daqueles pelos quais cumpre pena, impõe-se concluir que razões de prevenção geral e especial impõem que, não obstante o parecer favorável, por unanimidade do Conselho técnico, se acompanhe o parecer do Ministério Público, no sentido de que não estão reunidas condições para que seja concedida ao recluso, neste momento, a liberdade condicional.


III. Decisão:
Em face de todo o exposto, decido:
Não conceder a liberdade condicional a AA.
*
Os 2/3 da soma das penas ocorrerão em 06-08-2025.
A apreciação da liberdade condicional daqui a menos de três meses, não permitiria ao recluso o tempo necessário para que pudesse ter alguma evolução no seu comportamento susceptível de avaliação diferente da que ora se faz.
Assim, a fim de assegurar um período de tempo mínimo de reclusão entre apreciações que permita ao recluso alguma evolução no seu comportamento susceptível de avaliação diferente da que ora se faz e que se considera razoável fixar em 6 meses, conforme parece decorrer do disposto no art.61º nºs 2 e 3 do Código Penal, determino que a instância se renove por referência a 16-11-2025.
Para o efeito e por referência a essa data (16-11-2025), deverá a secção solicitar, com 90 (noventa) dias de antecedência, o envio, no prazo de 30 (trinta) dias, dos relatórios previstos no art. 173.º do CEPMPL, bem como a ficha biográfica e o certificado de registo criminal do recluso.
Registe, notifique e comunique de acordo com o disposto no art. 177.º n.º 3 do CEPMPL».


FUNDAMENTAÇÃO
1. Da concessão de liberdade condicional ao recluso, com referência ao meio da pena que se encontra a cumprir.
A liberdade condicional constitui uma forma (a par da suspensão da execução ou do regime de prova) de execução da pena de prisão.
O instituto da liberdade condicional surgiu historicamente como uma providência que, procurando responder ao aumento significativo da reincidência observado no segundo quartel do século XIX, visava essencialmente promover a ressocialização de delinquentes condenados a penas de prisão de média ou de longa duração, através da sua libertação antecipada – uma vez cumprida, naturalmente, uma parte substancial daquelas – e deste modo, de uma sua gradual preparação para o reingresso na vida livre, assumindo a sua libertação condicional e antecipada, um caráter de última fase de execução da pena.
A decisão sobre a liberdade condicional deve ser encontrada sob pontos de vista exclusivamente preventivos, não comportando a possibilidade de atribuição de qualquer relevo ao grau de culpa do agente, afirmado anteriormente na determinação da medida concreta da pena.
Saliente-se, previamente, que, se a propósito da aplicação das penas, o artigo 40.º, nº 1, do CP, dispõe que estas visam a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, a propósito da execução das penas de prisão, preceitua o artigo 42.º, nº 1, do CP, que a execução da pena de prisão, servindo de defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, se deve orientar no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
No caso em apreço, estamos perante a indagação sobre a verificação dos pressupostos previstos no artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal, para a concessão de liberdade condicional ao meio da pena.
A liberdade condicional é um incidente da execução da pena de prisão, com acolhimento legal nos artigos 61.º a 64.º do Código Penal e 173.º a 188.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
Lê-se no ponto 9 do preâmbulo do Código Penal que “definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do Código, um objetivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.”
Diz-nos o artigo 61º do Código Penal, sobre pressupostos e duração da liberdade condicional, que:
1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.
6 - (Revogado.)»
Ou seja, a concessão de liberdade condicional, ao meio da pena, está dependente da verificação dos seguintes pressupostos:
- Que o recluso aceite ser libertado condicionalmente (n.º 1);
- Que o recluso tenha cumprido metade da pena e, no mínimo, 6 meses (n.º 2);
- Que exista a formulação de um juízo de prognose favorável, no sentido de que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, bem como que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (n.º 2, als. a e b).
No caso em apreço, mostram-se verificados os dois primeiros pressupostos, de índole formal, e que se têm que ver com o consentimento do condenado e com o período de prisão já cumprido.
Contudo, não é isso que sucede no que concerne ao terceiro pressuposto, que é substancial ou material, e que assegura finalidades de prevenção especial e geral, a que acrescem as finalidades de execução das penas que, de acordo com o artigo 42º n.º 1 do Código Penal, consistem na proteção dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade.
Ora, a concessão da liberdade condicional mostra-se dependente da verificação cumulativa deste último pressuposto, que, no caso em apreço, o tribunal recorrido entendeu não estar verificado, com a seguinte fundamentação:
«No que ao presente caso diz respeito, importa frisar, desde logo, as muito elevadas necessidades de prevenção geral, considerando, por um lado, as proporções epidemiológicas que o consumo de estupefacientes assume na nossa sociedade e com tão gravosos efeitos no tecido social quer pela degradação da juventude, bem como da própria célula familiar, envolvendo ainda risco grave para a saúde pública e para a sociedade, severamente afectadas por esse consumo e, consequentemente, pelo tráfico que o gera, determina e amplia; por outro, a frequência da prática destes crimes o que urge modificar; e, por fim, os efeitos perversos das drogas tendo-se presente neste campo as numerosas mortes que provoca e o lançamento de muitos jovens no mundo da marginalidade, roubo, violência e prostituição.
Como tal, não seria compreendida pela comunidade (i.e., o cidadão comum) a libertação, por referência a pouco mais do meio de pena e quando ainda faltam cerca de 3 anos para o seu termo, do perpetrador de crimes desta natureza.
Assim, a libertação do recluso nesta altura não salvaguardaria o sentimento geral de vigência das normas penais violadas com a prática dos crimes, banalizaria tal prática, atacaria a paz jurídica entre o cidadão e o seu sentimento de que as normas em questão foram suficientemente defendidas através da pena já cumprida, transmitiria um enfraquecimento da ordem jurídica potenciador de delitos desta natureza, defraudaria, em suma, a confiança da comunidade no funcionamento do sistema penal e a protecção, além do mais, de bem jurídico relevante no nosso sistema penal.
Acresce que subsistem in casu exigências não desconsideráveis de prevenção especial.
De facto, a posição do recluso quanto aos factos pelos quais se encontra a cumprir pena de prisão, em sede de audição, foi no sentido de assumpção parcial, uma vez que referiu ter aceite a actuação em causa por ter sido abordado por uma organização criminosa no Brasil e com receio das consequências não ter podido actuar de outra forma. Mais referiu que, em julgamento, se remeteu ao silêncio “porque não sabia a interferência deles em todo o processo e tinha medo de represálias” (sic).
Ora, ainda que se pudesse considerar como possível esta versão dos factos, não se compreende, nas referidas circunstâncias, a razão pela qual a referida organização lhe teria oferecido a quantia de €100 mil euros (que de acordo com as suas declarações não lhe foi entregue). De facto, se estivéssemos perante uma situação em que o ora recluso, por medo, não pudesse ter actuado de outra forma, de acordo com as regras da experiência comum, não haveria razão para a referida organização lhe ter oferecido dinheiro para a actuação do arguido. Seria suficiente a existência do referido “receio das consequências” em caso de não aceitação da actuação que lhe era exigida.
Acresce que, a versão dos factos do ora recluso em sede de audição, não coincide com a que resulta da decisão condenatória em que lhe é atribuído um “papel de relevo” em toda a actuação.
Todos estes elementos, evidenciam que não interiorizou ainda em plenitude a dimensão da gravidade dos seus actos e das suas consequências para o próximo.
Ora, a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências é indispensável para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno.
Quem não logrou ainda percecionar em plenitude o mal cometido, dificilmente possui mecanismos passíveis de evitar a repetição da sua conduta.
(…)
Assim, pese embora se julgue positivo que não possua antecedentes criminais registados, para além daqueles pelos quais cumpre pena, impõe-se concluir que razões de prevenção geral e especial impõem que, não obstante o parecer favorável, por unanimidade do Conselho técnico, se acompanhe o parecer do Ministério Público, no sentido de que não estão reunidas condições para que seja concedida ao recluso, neste momento, a liberdade condicional».

No caso em apreço, o recorrente carece ainda de evolução pessoal, mormente por não ter interiorizado a gravidade da conduta pela qual foi julgado e condenado.
Tal resulta com muita evidência da análise:
a) do relatório de liberdade condicional elaborado pela DGRSP: “Refere que não tem qualquer envolvimento com os factos que o trouxeram à reclusão, adotando um locus de controlo absolutamento externo, pelo que se afigura ausência de sentido crítico, e incapacidade para reconhecer o desvalor da sua conduta, o que poderá ser revelador de algumas características antissociais, tratando-se de um indivíduo muito bem adaptado ao ambiente prisional”.
b) do relatório social para concessão de liberdade condicional da autoria da Equipa de Reinserção Social: “Face ao crime verbaliza uma postura de impossibilidade de recusa no envolvimento, decorrente a mesma de decisão a que foi alheio”.
Justamente por isso, o Ministério Público não acompanhou o parecer favorável dado pelo Conselho Técnico.
Po isso, como refere, noutro lugar, a decisão recorrida, “Face ao crime verbaliza uma postura de impossibilidade de recusa no envolvimento, decorrendo a mesma de decisão a que foi alheio”.
Na verdade, o recorrente ainda não é capaz de assumir um juízo ético de censura pela prática do crime. Não se descortina como seja possível concluir que o condenado, uma vez posto em liberdade, a meio da pena, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem praticar crimes, nem que tal libertação seja compatível com a defesa da ordem e da paz social. Mantêm-se as exigências de prevenção especial e geral.
Nessa decorrência, e porque, no caso em análise, as exigências de prevenção geral são também elevadas, nos termos que constam da decisão recorrida, a concessão da medida, executada que se mostra apenas metade da pena, atingiria e beliscaria as finalidades que devem presidir à execução da pena de prisão, deixando sem tutela eficaz os bens jurídicos protegidos.
O Tribunal deve ser prudente na formulação de um juízo de prognose que, tendo inerente um certo risco, terá o mesmo que ser calculado e fundado, sendo que, havendo dúvidas sobre a capacidade do agente de não repetir crimes se for colocado em liberdade, o referido juízo de prognose deve ser desfavorável e não ser concedida a liberdade condicional.
Como se lê no acórdão da Relação de Coimbra de 11.12.2024 (relatora Alcina da Costa Ribeiro, processo nº 549/21.TXCBR-G.L1, publicado na dgsi), “a liberdade condicional só pode ser concedida quando o decisor conclua que o recluso reúne as condições que, razoavelmente, criam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, pautará a sua conduta conforme às normas sociais. Quando não seja possível expectar tal comportamento futuro, então a liberdade condicional deve ser negada”.
Aqui chegados, a libertação antecipada do recorrente, com referência ao meio da pena que vem cumprindo, não é ainda possível. O recorrente ainda tem um caminho a trilhar, mormente em sede do seu juízo crítico.
Em face do exposto, não estando verificados os pressupostos da concessão da liberdade condicional, desgnadamente os previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2, do artigo 61.º do Código Penal, há que manter a decisão de não concessão da liberdade condicional ao recorrente, a qual se estribou na observância dos legais pressupostos.
Improcede este segmento recursivo.

2. Da admissibilidade de deferir a apreciação da liberdade condicional, com referência ao cumprimento de 2/3 da pena em 06.08.2025, para 16.11.2025.
O recorrente discorda ainda do seguinte segmento da decisão recorrida, proferida, como se referiu anteriormente, em 16.05.2025:
«Os 2/3 da soma das penas ocorrerão em 06-08-2025.
A apreciação da liberdade condicional daqui a menos de três meses, não permitiria ao recluso o tempo necessário para que pudesse ter alguma evolução no seu comportamento susceptível de avaliação diferente da que ora se faz.
Assim, a fim de assegurar um período de tempo mínimo de reclusão entre apreciações que permita ao recluso alguma evolução no seu comportamento susceptível de avaliação diferente da que ora se faz e que se considera razoável fixar em 6 meses, conforme parece decorrer do disposto no art.61º nºs 2 e 3 do Código Penal, determino que a instância se renove por referência a 16-11-2025.
Para o efeito e por referência a essa data (16-11-2025), deverá a secção solicitar, com 90 (noventa) dias de antecedência, o envio, no prazo de 30 (trinta) dias, dos relatórios previstos no art. 173.º do CEPMPL, bem como a ficha biográfica e o certificado de registo criminal do recluso».
Liminarmente se dirá que a decisão recorrida faz uma interpretação do artigo 61º, nsº 2 e 3, que não é correta, já que o prazo de 6 meses aí mencionado é o prazo mínimo de cumprimento da pena, claramente decorrido há muito.
A situação dos autos consiste em saber se, atenta a proximidade das datas da decisão proferida sobre a concessão da liberdade condicional cumprida que seja metade da pena (16.05.2025) e da decisão a proferir após o cumprimento de dois terços da pena (cujo marco ocorre em 06.08.2025), se justifica deferir esta segunda decisão, designadamente, como fez a decisão recorrida, para 16.11.2025.
Desde já se salienta que, atenta a data em que este acórdão é proferido, já passou o marco dos dois terços. Ainda assim, a questão mantém utilidade, já que, a conceder-se provimento ao recurso, se determinará a prolação de decisão sobre a concessão da liberdade condicional logo que o processo principal contenha os elementos necessários, cuja junção se determinará que seja diligenciada.
E, neste particular, assiste razão ao recorrente.
Não há que cumprir qualquer período mínimo de seis meses entre cada apreciação da liberdade condicional.
Como acertadamente refere o recorrente, assim decidiu a Relação de Coimbra no acórdão de 04.06.2008, proferido no processo 630/07.0TXCBR-A.C1, Relator Orlando Gonçalves, publicado na dgsi.
Muito em síntese, estava em causa uma decisão datada de 03.02.2008 que, não concedendo a liberdade condicional e tendo presente que o cumprimento dos dois terços da pena ocorreria em 09.04.2008, considerou que deveria haver um período mínimo de seis meses entre cada revisão, socorrendo-se do artigo 61º, nº 2, do Código Penal.
O mencionado aresto revogou essa decisão. Fê-lo com a seguinte argumentação:
«De acordo com o n.º 2 do art.61.º do Código Penal , é pressuposto da liberdade condicional o cumprimento pelo condenado de metade da pena de prisão e no mínimo 6 meses de prisão efectiva, e ainda a verificação dos dois requisitos substanciais a que aludem as duas alíneas do preceito.
No âmbito ainda da chamada liberdade condicional facultativa e de acordo como o n.º 3 do art.61.º, do C.P., o arguido poderá ser colocado em liberdade condicional logo que se cumprirem 2/3 da pena e no mínimo seis meses, bastando agora a verificação do requisito substancial a que alude a al. a), n.º 2 , do mesmo preceito.
Sobre os mencionados períodos previsto no art.61.º do Código Penal , diz o Conselheiro Maia Gonçalves que « Trata-se aqui de afloramento da ideia de que as penas de prisão de muita curta duração não podem realizar os fins das penas , nem permitem prognose favorável sobre o comportamento futuro do delinquente.» Código Penal anotado, Almedina 8ª edição, pág. 337..
Nem da letra , nem do espírito do preceito , resulta que o legislador quis estabelecer no art.61.º do Código Penal um período mínimo para a reapreciação da liberdade condicional.
Se o quisesse fazer não deixaria de o referir expressamente, como o fazia o art.97.º do DL n.º 763/76, de 29 de Outubro, que estabelecia que «Quando a liberdade condicional não seja concedida, o caso do recluso deve ser reexaminado de doze em doze meses, contados desde o meio da pena.» - e que temos como revogado com a entrada em vigor do Código Penal de 1982 , que alterou significativamente o regime da liberdade condicional previsto no Código Penal de 1886.
Do exposto resulta que o TEP deverá reapreciar a liberdade condicional aquando do cumprimento da metade da pena de prisão e dos dois terços da mesma pena e se tiver como verificados todos os pressupostos, formais e substanciais, de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional facultativa, seja ao meio da pena, seja aos 2/3 do seu cumprimento, tem o mesmo o poder-dever de a conceder.
O art. 484.º do Código de Processo Penal ao estabelecer que os serviços prisionais, até 2 meses antes da data admissível para a liberdade condicional do condenado, deve remeter ao TEP os relatórios nele previstos e que até 4 meses antes da data admissível para a liberdade condicional do condenado o TEP deve solicitar os relatórios ali previstos aos serviços de reinserção social , apenas permite concluir que os serviços supra referidos devem fornecer atempadamente os elementos necessários à apreciação e reapreciação da liberdade condicional.
Pode acontecer que, por razões diversas, não tenha sido possível ao TEP realizar a apreciação da liberdade condicional ao meio do cumprimento da pena de prisão e o tempo para a reapreciação dos 2/3 de cumprimento da pena seja relativamente próximo.
Uma vez que os requisitos da liberdade condicional aos 2/3 da pena são diferentes dos necessários para a metade da pena e não há um período legal mínimo para a sua reapreciação entendemos que ainda assim deve reiniciar-se o processo da liberdade condicional , sendo que se não houver novos elementos poderão os serviços prisionais e os de reinserção social limitar-se a renovar a posição anteriormente tomada nos relatórios.
Só assim ficam seguramente acautelados os direitos que aos reclusos são concedidos no art.61.º do Código Penal.
No presente caso, a Ex.ma Juíza do TEP de Coimbra, defende no despacho recorrido e no despacho de sustentação que , nos termos do art.61.º, n.º 2 do C.P. , entre cada apreciação da liberdade condicional deve haver um período mínimo de 6 meses para possibilitar que o arguido se reoriente pelo que, tendo a apreciação da liberdade condicional a que se deve proceder ao abrigo do art.61.º, n.º 2 do C.P., tido lugar apenas a cerca de dois meses da reapreciação dos 2/3 a que alude o n.º 3 do mesmo preceito , esta não deverá ser efectuada nessa data , mas quando se perfizer o tal período mínimo de 6 meses.
Tendo o Tribunal da Relação já decidido que a interpretação do art.61.º, n.º2 do Código Penal não permite considerar ali estabelecido um período mínimo entre cada apreciação da liberdade condicional , designadamente um período de 6 meses, não pode subsistir o despacho recorrido de 3 de Fevereiro de 2008 que determinou a renovação da instância para Julho de 2008 – em Agosto de 2008 fariam os 6 meses da anterior apreciação.
Tendo ocorrido em 9/4/2008 os 2/3 da pena de prisão cumprida pelo arguido , importa que o TEP, com a brevidade possível, reaprecie a liberdade condicional facultativa relativa àqueles 2/3, desencadeando para o efeito e desde já os respectivos procedimentos».
A mesma solução foi acolhida no acórdão da Relação de Coimbra de 11.06.2008, proferida noprocesso 1211/06.0TXCBR-A.C1, Relator Belmiro Andrade, também disponível no site da dgsi: «O novo Código Penal fixou nos n.ºs 2 e 3 do artigo 61.º um período mínimo de seis meses para o desencadeamento do processo de concessão da liberdade condicional e não um prazo dilatório que define um intervalo entre actos de apreciação sucessiva dos pressupostos da liberdade condicional. Se por efeito de aplicação de tais imposições, puder haver lugar a duas apreciações com intervalo inferior a 6 meses – seguramente raras e residuais – o intérprete não pode eximir-se ao cumprimento dos referidos limites. Se tal se verificar não pode deixar de acolher, por impositivo material, a verificação dos pressupostos, quer atingido o meio quer após o cumprimento de 2/3 da pena».
Concorda-se com esta fundamentação, que se acolhe.
Os prazos de apreciação da concessão da liberdade condicional devem ser observados, não podendo ser adiada a apreciação aquando do cumprimento de dois terços da pena em função da proximidade temporal de anterior verificação dos pressupostos referentes ao cumprimento de metade da pena.
A interpretação oposta contende com o direito de o arguido obter uma decisão no momento que a lei expressamente determina e viola o artigo 61º, nº 3, do Código Penal.
Nesta parte, procede o recurso, ainda que, por razões que nos são alheias, a sua utilidade possa estar prejudicada, atento o tempo decorrido.

DECISÃO
Nestes termos, e face ao exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente provido o recurso interposto pelo condenado AA, revogando em parte a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que determine os legais procedimentos para que ocorra a imediata reapreciação da liberdade condicional do arguido relativamente aos 2/3 da pena de prisão cumprida.
No mais, confirma-se a decisão recorrida.
Sem custas, atendendo a que o recorrente obteve vencimento parcial (cfr. artº 513º, nº 1, do Código de Processo Penal).
Comunique de imediato à primeira instância.
Notifique.

O presente acórdão foi integralmente processado a computador e revisto pela signatária relatora, seguindo-se a nova ortografia excetuando na parte em que se transcreveu texto que não a acolheu, estando as assinaturas de todos os Juízes apostas eletronicamente – art. 94º, nº 2, do CPP.

Lisboa, 9 de setembro de 2025
Ana Cristina Cardoso
Pedro José Esteves de Brito
Rui Coelho