IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Sumário

Sumário:
– Âmbito de cognição do recurso: delimita-se o conhecimento pelas conclusões (arts. 402.º-412.º CPP), centrando a apreciação em (i) suficiência descritiva dos pontos tidos por “genéricos” e (ii) subsunção dos factos ao art. 152.º CP, sem reponderação probatória autónoma quando não é deduzida impugnação ampla (art. 412.º, n.ºs 3-4).
– Concretização temporal/espacial e contraditório: afirma-se que, em contexto de violência doméstica, o tempo é prolixo; basta balizar os episódios por referência ao período de convivência e descrever actos, meios e efeitos com precisão bastante.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO
1.1. No processo n.º 163/23.7SXLSB, foi julgado em processo comum (Tribunal Singular), pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - JL Criminal - Juiz 3, o arguido AA, com os demais sinais dos autos, a quem o MP imputara a prática, como autor material, na forma consumada e em concurso efectivo, de:
- um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e c), n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pessoa de BB;
- um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas d) e e), n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pessoa de CC; e,
- um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas d) e e), n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pessoa de DD;
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1.2. Realizada a Audiência de discussão e julgamento foi proferido o seguinte segmento decisório: (transcrição)
(…)
a) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
b) Suspender a execução da pena de prisão referida em a) pelo período de 3 (três) anos, subordinada a regime de prova assente em plano individual de readaptação social a delinear pela DGRSP, e do qual conste os seguintes deveres e regras de conduta (artigos 152.º, n.º 4, 50.º e 52.º, ambos do Código Penal e artigos 34.º-B e 35.º, ambos da Lei n.º 112/2009 de 16 de Setembro):
- Proibição de contactos por qualquer meio com a assistente BB, sem prejuízo dos únicos contactos a efectuar, através de SMS, para garantir o cumprimento das responsabilidades parentais;
- Afastamento por 500 metros da residência e do local de trabalho da assistente BB.
c) Condenar o arguido AA nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) U. C., e nos demais encargos com o processo, nos termos do disposto nos artigos 513.º e 514.º todos do Código de Processo Penal e artigos 8.º e 16.º do Regulamento das Custas Processuais.
d) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante BB, por si e em representação dos filhos menores CC e DD, e em consequência condenar o demandado AA no pagamento da quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros).
e) Custas cíveis a cargo do arguido/demandado AA nas proporção do seu decaimento (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, artigo 523.º, do Código de Processo Penal).
f) Custas cíveis a cargo da assistente/demandante BB, por si e em representação dos filhos menores CC e DD, na proporção do seu decaimento (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, artigo 523.º, do Código de Processo Penal).
(…)
*
1.3. Inconformado, recorreu o arguido AA, que formulou as seguintes conclusões: (transcrição)
(…)
a) O arguido foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito meses de prisão), pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152 nº 1 alínea b) e nº 2 do C.P., suspensa na sua execução por três anos, com regime de prova.
b) O presente recurso tem por objeto:
· Dos factos genéricos e não circunstanciados no tempo;
· Do tipo legal de violência doméstica, art.º 152 nº 1 alínea b) e nº 2 do C.P.
c) A condenação do arguido pelo crime de violência doméstica teve por base os factos provados pelo Tribunal recorridos, dos quais se incluem os pontos 6 a 9 e 23.
d) Sendo que, os factos vertidos nos pontos aludidos na alínea anterior são completamente genéricos e nem vêm circunstanciados no tempo, o que não permite ao arguido o exercício do contraditório, como expressamente determina a CRP, no seu art.º 32 nº 5.
e) Tais factos não podiam gerar qualquer juízo de condenação, por preterição do princípio do contraditório.
f) Ora a relação mantida entre o arguido e a assistente teve a duração de seis anos, pelo que se impunha que esses factos que conduziram à condenação do arguido estivessem minimamente circunstanciados no tempo, o que não sucedeu.
g) Na verdade, o arguido não pôde exercer com imputações genéricas, o seu pleno direito de defesa.
h) É hoje claro, na Jurisprudência dos Tribunais Superiores a necessidade de concretização temporal e espacial dos factos, sob pena de violação das garantias de defesa do arguido, incluindo o princípio do contraditório.
i) Não podendo tais imputações genéricas servir de suporte à qualificação da conduta do arguido e como tal à sua condenação.
j) Por razões de síntese, não voltará o recorrente a citar em sede de conclusões a diversa jurisprudência dos nossos Tribunais Portugueses, citada na motivação, sobre esta questão.
k) A conclusão deve ser a de passar os factos 6 a 9 e 23 para não escritos, por serem genéricos ou caso se mantenham como provados, não serem os mesmos considerados para efeitos de condenação do arguido.
l) Caso se acolha a pretensão do recorrente torna-se necessário avaliar a conduta do arguido no sentido de saber se deve a mesma ser enquadrada no crime de violência doméstica porque foi condenado.
m) E isto porque este tipo legal pressupõe uma frontal agressão à esfera da autonomia da vítima e uma situação de submissão desta à vontade do agressor, que não ocorre no caso dos autos, senão vejamos.
n) Ora analisando os factos provados de 11 a 22, verifica-se que a conduta do arguido se circunscreve a um único episódio, respeitante ao dia ... de ... de 2023 e que só ocorreram depois da assistente ter equacionado a hipótese de o arguido ter agredido o filho de ambos, o DD.
o) O que obviamente revoltou o arguido, pois jamais o mesmo molestou os seus filhos, tratando-os sempre com muito amor.
p) Por outro lado, a agressão física perpetrada pelo arguido não foi grave, nem revela grande intensidade de dolo.
q) Com efeito, e como sequela deixou apenas um eritema à direita da incisura jugular, com lesão vestigial, oblíqua, com 1 cm de comprimento, e duas lesões grosseiramente circulares cada uma com cerca de 0,3 cm de diâmetro.
r) O que se traduziu numa ligeira vermelhidão na pele.
s) Caso o arguido tivesse intenção de apertar o pescoço da assistente, para a asfixiar ou de a molestar severamente, decerto as lesões provocadas não seriam tão insignificantes.
t) Quanto à motivação, o arguido apenas atuou da forma descrita, porquanto a ofendida lhe referiu que o mesmo tinha agredido o seu filho o que obviamente o transtornou e muito.
u) As injúrias proferidas são as normais e comuns neste tipo de situações, não se traduzindo assim em especiais investidas contra a honra e dignidade da assistente.
v) Tratou-se de factos isolados e com uma motivação única decorrente do amor que o arguido nutre pelos seus filhos.
w) Assim não está em causa qualquer ato de subordinação da vítima ou que ponha em causa a sua dignidade, mas apenas os ilícitos referidos, pela sua intensidade não podem ser considerados maus-tratos físicos ou psicológicos à vítima.
x) Não pode, pois, o arguido ser condenado pelo crime de violência doméstica de que vem acusado.
(…)
*
1.3. - Notificado para o efeito, o MP junto do tribunal a quo apresentou a sua resposta ao recurso, expendendo as seguintes conclusões: (transcrição)
(…)
1- Vem o recurso em causa interposto da sentença proferida nos autos que condenou o arguido AA, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, subordinada a regime de prova assente em plano individual de readaptação social a delinear pela DGRSP, e do qual conste os seguintes deveres e regras de conduta (artigos 152.º, n.º 4, 50.º e 52.º, ambos do Código Penal e artigos 34.º-B e 35.º, ambos da Lei n.º 112/2009 de 16 de Setembro):
- Proibição de contactos por qualquer meio com a assistente BB, sem prejuízo dos únicos contactos a efectuar, através de SMS, para garantir o cumprimento das responsabilidades parentais;
- Afastamento por 500 metros da residência e do local de trabalho da assistente BB.
2- O Recorrente começa por referir nas suas conclusões do recurso interposto que a matéria dada como provada sob os nºs 6, 7, 8, 9 e 23 não estão delimitados no tempo e no espaço, pelo que impossibilitam o exercício do direito de defesa, violando o disposto no artigo 32º, nº1 da Constituição da República Portuguesa.
3- Sem dúvida que as imputações genéricas não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e impedirem o exercício do direito de defesa, constitucionalmente consagrado.
4- In casu, vinha o arguido acusado da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. nos termos do artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do Código Penal.
5- Esta incriminação visa proteger qualquer pessoa e a sua dignidade humana no seio da vida em casal ou em economia comum, visando, assim, a proteção da saúde física, psíquica e mental e a liberdade pessoal das vítimas.
6- Pretende-se, com este tipo de ilícito, intervir em determinadas situações que, frequentemente, ocorrem no seio das relações humanas e sociais mais próximas.
7- O tipo objetivo do presente tipo de ilícito compreende quer os maus tratos físicos (ofensas à integridade física), quer os maus tratos psíquicos (ameaças, injúrias, humilhações, entre outros).
8- A especialidade deste tipo de crime reside no facto de não se ter em conta, de forma atomística, todos os factos que, por si só, constituiriam crime (por exemplo as ofensas à integridade física), devendo a valoração da conduta ser global, tendo em consideração todos o comportamento que corresponda aos maus tratos físicos e psíquicos.
9- Com efeito, não é de ter em conta os atos isolados que vão sendo repetidos no tempo, mas sim a globalidade da conduta, que é levada a cabo no âmbito da vida familiar e que põe em causa a vida do casal.
10- Especificamente, em relação ao crime de violência doméstica, quando estão em causa condutas reiteradas, que se prolongaram no tempo, conforme se decidiu no Ac. da RP, de 20/04/2016 é decisiva «a conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente», não podendo haver unificação da atuação desenvolvida pelo arguido, se existirem hiatos temporais significativos entre as condutas pelo mesmo perpetradas”.
11- Não podemos, contudo, olvidar que existem muitas situações em que a reiteração das condutas criminosas ao longo de anos é de tal forma persistente que se revelará quase como uma prática habitual, não permitindo concretizar, com precisão, a localização temporal dessas condutas.
12- Contudo, sendo essa a situação, tem de haver a especificação dos concretos atos praticados pelo arguido e a contextualização de alguns deles, para que seja possível ao arguido, o pleno exercício do contraditório.
13- O que está em causa nesta exigência de definição concreta da matéria que é imputada ao arguido relaciona-se, precisamente, com o direito ao exercício do contraditório, o qual só pode ser plenamente assegurado se o arguido souber quais os factos concretos de que é acusado para que deles se possa defender.
14- A vítima tem direito à tutela penal e o arguido, por outro lado, tem direito a conhecer os factos imputados, os concretos factos que fundamentam a condenação.
15- Há, pois, que tentar alcançar o equilíbrio entre estes direitos.
16- In casu, Vítima e Arguido contraíram casamento em .../.../2017, sendo a coabitação de alguma forma mitigada no tempo por o arguido se encontrar a trabalhar fora de Portugal.
17- Como marcos temporais importantes na dinâmica familiar temos também o nascimento dos dois filhos menores – .../.../2018 e .../.../2019.
18- Relativamente à matéria dada como provada nos pontos 6, 7, 8 e 9, colocada em causa pelo Recorrente, diz respeito a diversas situações distintas, as quais têm a possível indicação de tempo e lugar. As mesmas ocorreram quando o arguido vinha a Portugal para ver a vítima e os dois filhos pequenos, portanto, entre ... e...de 2023 (marco temporal passível de constituir baliza temporal por ter sido na data em que a vítima apresentou queixa/denúncia na PSP).
19- Com efeito, num contexto de violência conjugal como o vivido pela vítima e perpetrado pelo Recorrente, que durou vários anos e que se subdividiu em diferentes actos de agressão física e verbal; nos mencionados factos dados como provados (6 a 9) faz-se a possível concretização do contexto e das circunstâncias em que os mesmos ocorreram, permitindo ao arguido o exercício do contraditório e o direito de defesa, não existindo violação do artigo 32º, n.º 1, da CRP, conforme vem invocado pelo Recorrente.
20- O mesmo se refere quanto ao facto dado como provado sob o nº23 que, precisamente por ter ocorrido em diversas ocasiões e num contexto de agressão (aqui de natureza sexual) perpetrado pelo arguido em diferentes momentos, não foi possível à vítima, e subsequentemente ao Ministério Público em sede de libelo acusatório e à Mma. Juiz na sentença recorrida, datar com mais precisão tais acontecimentos.
21- No entanto, urge salientar que, mercê do “esforço” pedido à vítima para que concretizasse tais agressões sexuais, foi possível efetuar a possível descrição do acto criminoso e “contabilizá-lo” em número não superior a cinco vezes.
22- Perante o quadro legal e contexto factual apurado (de múltiplas situações criminosas, de reiteração das condutas), não se exija à vítima que tenha presente o dia e hora em que tais agressões sexuais ocorreram, que anote por escrito tais situações.
23- O tempo é difuso e, no contexto da violência doméstica é muito difícil ter presentes as datas exatas dos ilícitos sofridos, que geralmente se vêm repetindo, como é típico neste tipo de crime.
24- Assim, pelas razões expostas, consideramos que os factos descritos nos pontos 6, 7, 8, 9 e 23 da acusação pública deduzida nos autos contra o arguido, estão suficientemente balizados no tempo e no espaço e suficientemente concretizados quanto às ações imputadas ao arguido, para constituírem factos relevantes para a configuração do crime de que é acusado e permitem ao mesmo exercer o seu direito de defesa.
25- Como tal, bem andou a Mma. Juiz a quo ao levá-los ao acervo fáctico relevante, ao pronunciar-se sobre os mesmos no sentido de os considerar provados e fundamentar a razão dessa sua decisão, como bem fez.
26- Para nós, correta foi a apreciação de toda a prova produzida em audiência e que redundou na decisão da matéria de facto constante da sentença proferida.
27- Assim como correta foi a sua subsunção no crime previsto e punido pelo artigo 152º do Código Penal.
28- Os factos praticados pelo arguido integram, no presente caso, diversas situações que, não fora a existente e especial ofensa da dignidade humana da vítima, seriam tratadas atomisticamente e preencheriam uma multiplicidade de tipos legais, como os de ofensa à integridade física, ameaça, injúria, etc.
29- Num quadro global de degradação da dignidade da vítima, tais ações suscetíveis de integrar estes crimes passam, pela via legal, a ser tratadas como uma unidade;
isto é, as ações ilícitas mantêm-se, mas perdem autonomia, ocorrendo uma situação de concurso aparente entre estes vários crimes e o crime de violência doméstica.
30- In casu, em face da prova produzida e da matéria de facto dada como provada, dúvidas não temos em concluir, como o fez a Mma. Juiz a quo, que as diversas ações criminosas do arguido, por si e também na sua globalidade, revelam uma especial ofensa à dignidade humana da vítima, assente numa posição de domínio, desrespeito e controlo.
31- Não há, por isso, quanto a nós qualquer dúvida que toda a conduta do arguido integra os pressupostos objetivos e subjetivos do crime pelo qual foi condenado, devendo improceder in totum o recurso interposto pelo Recorrente.
(…)
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1.4. Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto apresentou o seu parecer pugnando pela improcedência do recurso e aderindo aos fundamentos invocados pelo MP da 1ª Instância.
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1.5. No âmbito do disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não respondeu ao parecer.
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1.6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do citado código.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. O objecto dos recursos definem-se pelas conclusões que os recorrentes extraíram da motivação, de harmonia com o art.º 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as cominadas com nulidade do acórdão (art.º 379.º, n.º 1, do CPP) e os vícios da decisão e as nulidades que não se considerem sanadas (art.º 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).
In casu, seguindo as questões elencadas pelo próprio recorrente, as questões que importa decidir, são as seguintes:
1. Se os pontos 6–9 e 23 dos factos provados são “genéricos” a ponto de imporem a sua expurgação;
2. Se a matéria de facto provada preenche o crime de violência doméstica.
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2.2. DA DECISÃO RECORRIDA
Para bem decidir importa atentar na factualidade, no segmento que ora nos importa, em que assentou a condenação proferida, expendendo os factos que o tribunal deu por assentes e não assentes e respectiva motivação da decisão de facto: (transcrição)
(…)
A) Factos provados
Discutida a causa, e com relevância para a mesma, resultaram provados os seguintes factos:
- Da acusação
1. O arguido AA, doravante arguido, casou com a vítima BB, doravante vítima BB, em ........2017.
2. Ambos tiveram dois filhos, a vítima CC, doravante vítima CC, nascido em ........2018, e a vítima DD, doravante vítima DD, nascido em ........2019.
3. A vítima BB tem uma filha de um anterior relacionamento, EE, nascida em ........2012, cuja guarda é partilhada por ambos os progenitores.
4. O arguido residia a maior parte do ano na ..., país de onde é natural e no qual trabalhava.
5. Em ... o arguido viveu um ano em Portugal com a vítima BB e, nos anos seguintes, vinha a Portugal de mês a mês ou de dois em dois meses e ficava entre uma a duas semanas em Portugal.
6. Quando estava com a vítima o arguido bebia bebidas alcoólicas e chamava à vítima BB: “Puta, cobra, cão” e dizia que ela não valia nada.
7. O arguido agredia a vítima BB, na presença dos filhos menores, com bofetadas, puxando a vítima BB pela perna, arrastando-a pelo chão.
8. Uma das agressões ocorreu, em data não concretamente apurada, quando os menores eram pequenos, em que o arguido deu bofetadas, pontapés, empurrões e puxões de cabelo na vítima BB.
9. Noutra ocasião em data não apurada, o arguido atirou o telemóvel da vítima BB contra a cara desta.
10. O arguido, quando alcoolizado, gritava para como os filhos menores, as vítimas CC e DD.
11. No dia ........2023, pelas 20h30, quando a vítima BB se encontrava no quarto, ouviu a vítima DD a chorar, tendo-se deslocado à sala onde esta se encontrava, questionando a criança sobre o que havia acontecido, ao que a vítima DD respondeu "o papai fez dói dói na cabeça", enquanto apontava para o sofá da sala.
12. DD sofreu lesão na cabeça: escoriação linear com crosta hemática, na região parieto-occipital esquerda, com cerca de 1cm de comprimento, com equimose amarela ténue subjacente, que lhe determinaram oito dias para a cura sem afetação da capacidade de trabalho geral ou escolar.
13. A vítima BB colocou um saco de gelo na cabeça da vítima DD e poucos momentos depois deslocou-se à cozinha para ir buscar um pano seco, tendo sido seguida pelo arguido até àquela divisão, que lhe disse: "sua puta, sabes que eu não fiz nada disso, não fiz nada com DD, puta, vadia, cão”, ao mesmo tempo que avançou para a vítima agarrando-lhe o pescoço com as mãos e apertando-o, tendo a vítima BB ido contra um móvel, caindo no chão e o arguido continuou sempre a apertar o pescoço da vítima, com esta já no chão, ao mesmo tempo que dizia: “agora é que tu vais ver sua puta”.
14. Em consequência da conduta do arguido a vítima BB sofreu lesão no pescoço: área de eritema à direita da incisura jugular, com lesão linear vestigial, oblíqua, com 1cm de comprimento, e duas lesões grosseiramente circulares cada uma com cerca de 0,3cm de diâmetro, que lhe determinaram três dias para a cura sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.
15. Ao ouvir os gritos da vítima BB a pedir socorro, os filhos menores do casal foram até à cozinha e, ao presenciarem a agressão, foram para cima do arguido tendo a vítima BB conseguido fugir. O arguido fechou-se na sala com os filhos, dizendo à vítima que a matava se ela tentasse entrar, impedindo-a de ir buscar os filhos.
16. A vítima BB dirigiu-se até ao Posto da PSP do ..., pois o arguido tinha-lhe retirado o telemóvel, que nunca mais devolveu, só conseguindo a vítima BB recuperar o cartão do telemóvel dias mais tarde.
17. Após sair da PSP a vítima BB retornou a casa, cerca das 5 horas do dia ........2023, e, já no domicílio comum, o arguido disse à vítima: “foste queixar-te à polícia? eu agora não tenho nada a perder. é uma guerra que tu não vais ganhar. eu mato-te e depois voume matar, não descanso enquanto não te matar”, atirando com o computador de trabalho da vítima contra a cabeça desta, que se desviou, tendo o computador ficado partido.
18. A vítima BB foi para a cozinha preparar a comida dos filhos e o arguido foi atrás ela dizendo-lhe: “tu vais ver, vou acabar com a tua vida” frases que repetiu e, quando foi na direção da vítima para a agredir novamente, a vítima fugiu.
19. Cerca das 21h13, do mesmo dia ........2023, o arguido compareceu na residência e, por exalar forte cheiro a álcool e com uma postura pouco colaborante, foi aconselhado pela PSP, que aí se encontrava, a pernoitar fora da residência, para segurança das vítimas.
20. Pelas 23 horas, o arguido voltou à residência e tentou forçar a entrada na habitação, desferindo socos e pontapés na porta, ao mesmo tempo que afirmava: “eu não vou descansar enquanto não te apanhar, eu vou acabar com a tua vida”, afirmando também que não ia parar e que não tinha medo da polícia, o que deixou a vítima BB assustada e com receio do que o arguido lhe pudesse fazer a si e aos filhos, as vítimas CC e DD.
21. Na mesma noite o arguido, por quatro vezes, forçou a entrada na casa e, quando a polícia acorria ao local não o encontrava, sendo que na última vez, pelas 23 horas e 20 minutos, a PSP compareceu no local e encontrou o arguido escondido na escada do prédio, dentro das portas onde se encontram os contadores do lixo. O arguido tentou impedir a PSP de abrir a porta, forçando a porta por dentro para a fechar e recusando-se a sair daquele local.
22. Ao ser algemado e efetuada revista ao arguido o mesmo dizia que ia continuar a forçar a entrada naquela habitação, e que não tinha medo da polícia, que ia matar a vítima BB quando a polícia abandonasse aquele local, apresentando um forte odor a álcool, aparentando estar embriagado, tendo sido detido naquele local pela PSP.
23. O arguido também forçou a vítima BB a manter relações sexuais contra a sua vontade, em número não concretamente apurado, mas inferior a cinco vezes, manietando-a, usando a sua superioridade física, e penetrando-a na vagina até atingir o orgasmo, contra a vontade da vítima BB.
24. A vítima BB pensou várias vezes divorciar-se, mas nunca chegou a fazê-lo, pelos seus filhos, uma vez que depende financeiramente do arguido.
25. Ao atuar conforme o descrito, no domicílio comum, e na presença dos filhos menores, o arguido pretendeu e logrou, ofender a integridade física da vítima BB e ofendê-la na sua honra e consideração e, ainda, proferiu as referidas afirmações, de forma séria, bem sabendo que as mesmas constituíam meio idóneo para provocar medo e inquietação na vítima BB, e que esta acreditou na seriedade daquelas, receando a partir de então pela sua integridade física e pela própria vida, afetando deste modo o bem-estar físico e psíquico da vítima BB e a sua liberdade de movimentos, bem sabendo que a vítima BB era sua mulher, mãe dos seus filhos e que a devia respeitar e de quem devia cuidar.
26. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que os seus comportamentos são proibidos e punidos pela lei penal.
Resultou provado em sede de audiência
27. O arguido trabalha numa empresa de criação de salmão.
28. O arguido foi trabalhar para a fábrica de salmão por sua opção.
29. A assistente trabalhava quando conheceu o arguido.
30. A assistente depois da 1.ª gravidez deixou de trabalhar.
Do Enquadramento socioeconómico do arguido
31. O arguido que vive sozinho.
32. O arguido suporta prestações bancárias mensais relativas à Habitação no montante mensal de € 2.200,00 (dois mil e duzentos euros).
33. O arguido trabalha auferindo vencimento mensal no montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
34. O arguido suporta mensalmente a quantia de € 300,00 (trezentos euros) e também 50% das despesas de saúde e escolares devidas a título de pensão de alimentos devida aos filhos menores.
35. O arguido disse ter como habilitações literárias o equivalente ao 9.º ano de escolaridade, tendo frequentado e concluído diversos cursos técnicos.
Dos antecedentes criminais
36. O arguido não possui antecedentes criminais registados.
- Do Pedido de Indemnização Cível
37. A assistente, com as condutas tidas pelo arguido, sentiu-se vexada e humilhada, bem como sentiu medo.
38. A assistente sentia receio que as condutas tidas pelo arguido se repetissem.
39. A assistente é uma pessoa pacífica, calma e educada, pelo que as agressões que sofreu e as palavras que ouviu do arguido a fizeram ficar triste, ansiosa, com medo e desconfiada.
40. A assistente não tem família em Portugal, contando com o apoio de um grupo pequeno de amigos.
41. A assistente face às condutas praticadas pelo arguido, necessitou de ter acompanhamento psicológico.
- Da Contestação
42. O arguido era a única fonte de rendimento do casal.
43. Era o arguido quem pagava todas as despesas.
44. O arguido em ... de ... de 2023 despediu-se do trabalho de ...e passou a trabalhar na ....
45. O arguido praticou desporto tendo sofrido lesões no joelho e pescoço.
46. O arguido nunca teve qualquer problema relacionado com o álcool.
47. O arguido nunca maltratou fisicamente os seus filhos.
48. O arguido sempre teve e tem carinho e forte afectividade para com os menores, seus filhos.
49. A assistente pediu ao arguido que lhe emprestasse dinheiro para abrir um negócio.
50. O arguido emprestou dinheiro à assistente para que esta abrisse o negócio de ....
51. A relação do casal desgastou-se após o nascimento do 1.º filho.
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B) Factos não provados
Da prova produzida e com interesse para a decisão da causa resultaram não provados os seguintes factos.
Que:
- Da acusação
a) O circunstancialismo referido 4. ocorreu até ter deixado o trabalho há cerca de um ano.
b) O circunstancialismo referido em 5., ocorreu até o arguido deixar de trabalhar.
c) O circunstancialismo mencionado em 6., ocorreu porque o arguido bebia em excesso, praticamente todos os dias, na presença dos filhos menores.
d) No circunstancialismo referido em 8., ocorreu a primeira agressão há cerca de três anos.
e) O arguido estrangulava a vítima BB, o que ocorreu mais de dez vezes, no decorrer de algumas discussões.
f) Após deixar de trabalhar o arguido foi medicado com antidepressivos que misturava com o álcool, o que o deixava ainda mais agressivo, embora o mesmo também fosse agressivo mesmo não alcoolizado.
g) No circunstancialismo referido em 10., o arguido pegava nos filhos usando excesso de força, atirava-as para o sofá e, quando estas se portavam mal, gritava com as mesmas e empurrava-as.
h) O arguido encontrava-se frequentemente alcoolizado, face à sua dependência do consumo de bebidas alcoólicas. A dependência do arguido do consumo excessivo de bebidas alcoólicas já colocou os filhos de ambos em situações de perigo por negligência do arguido quando estas se encontram à sua guarda, pegando nos filhos mesmo a cambalear, dando-lhes encontrões por não se conseguir equilibrar, não lhes prestando os necessários cuidados.
i) As lesões referidas em 12. foram em consequência da conduta do arguido.
j) O arguido não cuida dos filhos e os mesmos, nesse dia, não jantaram e estavam deitados na cama onde tinham urinado.
k) O circunstancialismo referido em 23. ocorreu a primeira vez ocorreu no ...de 2018, em data não concretamente apurada, no domicílio comum, à data, sito na ..., quando ambos estavam na cama. O arguido manifestou intenção de iniciar relações sexuais, ao que a vítima BB negou, nesse momento o arguido levantou a camisa de dormir da vítima BB.
l) Passados dois meses a mesma situação voltou a repetir-se, do mesmo modo, acima descrito.
m) Entre ... de 2019 e ... de 2020, quando a família já residia na..., o arguido voltou a forçar sexualmente a vítima BB em três situações, sempre no quarto do casal e atuando nos moldes anteriormente descritos.
n) Estas situações não se voltaram a repetir, em virtude de arguido ter iniciado um tratamento para o alcoolismo, tendo sido também medicado com antidepressivos que lhe diminuíram a capacidade sexual.
o) Ao agir da forma descrita, teve o arguido o propósito conseguido e reiterado de maltratar fisicamente as vítimas CC e DD, seus filhos, com quem coabitava, bem sabendo que, por força da tenra idade das vítimas e da desproporção etária entre eles, as vítimas não tinham qualquer capacidade séria de oferecer oposição à atuação do arguido, circunstância de que se prevaleceu para prosseguir a sua ação criminosa.
- Do pedido de indemnização cível
p) As condutas praticadas pelo arguido, foram-no na presença dos seus filhos.
q) O arguido sabe qual é a escola dos seus filhos.
- Da Contestação
r) A assistente após o nascimento do filho CC passou a ser ciumenta, com crises de ciúme, controlando diariamente o telemóvel do arguido.
s) Em algumas ocasiões, o arguido apanhou a assistente a controlar o seu telemóvel.
t) Quando se encontrava em Portugal, a assistente queria sempre saber para onde ia o arguido, com quem e a que horas voltaria.
u) A assistente chamava mentiroso ao arguido, arremessava objectos contra a parede e não reagia bem quando o arguido não lhe dava dinheiro.
v) A assistente sempre exigiu que o arguido lhe proporcionasse uma vida faustosa, exigindo que a levasse a bons restaurantes e a bons hotéis e se não o fizesse ficava agressiva.
w) Nas circunstâncias referidas em w. a assistente arremessava objectos contra a parede e chamava mentiroso ao arguido.
x) A assistente subtraiu sem consentimento do arguido o cartão de crédito deste, gastando o dinheiro em coisas exclusivamente para si.
y) O arguido efectuava vários pedidos de empréstimos sucessivos para satisfazer a assistente, exigindo esta sempre mais.
z) No dia ... de ... de 2023, a assistente reagiu mal ao facto de o arguido pretender assistir a um jogo de futebol no estádio do ....
aa) O arguido aguardou na escada à espera que a assistente abrisse a porta.
bb) O arguido foi surpreendido pela presença da polícia.
*
C) Motivação da Decisão de Facto
O Tribunal fundou a sua convicção, concreta e globalmente, a partir da prova produzida em audiência de julgamento, depois de criticamente analisada, à luz das regras de experiência comum e da verosimilhança, incluindo-se as declarações de arguido e assistente, os depoimentos das testemunhas inquiridas e os documentos juntos aos autos, designadamente, o certificado de registo criminal.
Assim vejamos.
O arguido prestou declarações nas quais negou a prática dos factos, mencionando que vinha a Portugal regularmente, uma vez que trabalhava na ..., fazendo-o como forma de garantir que os filhos eram cuidados e devidamente alimentados.
Referiu que quando conheceu a assistente esta trabalhava, tendo deixado de o fazer após o casamento, passando a ser o declarante o único suporte financeiro da casa. Relativamente a di8scussões, negou que estas existissem, e que as poucos que aconteceram de deviam ao facto de a assistente querer mais dinheiro e o arguido o negar, mencionando que quando o dinheiro lhe era negado, esta se transformava, ficando zangada, histérica.
Disse o arguido que previamente ao nascimento dos filhos a relação do casal não tinha problemas, os quais surgiram após o nascimento dos filhos, pois a assistente pedia-lhe mais dinheiro, afirmando o arguido que esta pretendia ter uma vida luxuosa, sendo o declarante quem trabalhava.
Mais referiu que não foi despedido, foi uma opção sua mudar de emprego, por questões de saúde, dado que trabalhou 5 anos no serviço militar da ..., mas fora do país, considerando que tinha certificado de segurança da ..., estando actualmente a trabalhar numa estância de criação de salmões. Mencionou ainda que há data do casamento, trabalhava por conta própria, alugando apartamentos, assim como fazia trabalhos de ...
Questionado disse não ter hábitos de bebida em excesso, pois praticou desporto, mais concretamente, luta greco romana, bebendo apenas socialmente, assim como negou tomar quaisquer antidepressivos, tomando apenas medicação para a dor do ombro e pescoço, mas há cerca de 8 a 10 anos, tendo-o feito apenas por indicação médica.
No que concerne aos demais factos constantes da acusação, negou-os referindo que era incapaz de bater nos filhos, assim como na assistente, negando que lhe tenha apertado o pescoço, ou forçado a ter relações sexuais.
Relativamente aos factos ocorridos a ... de Março, disse previamente que quando saía de casa, tinha dificuldade em entrar, porque a assistente colocava coisas contra a porta, para o impedir de a abrir, sendo que quando não conseguia entrar, sentava-se junto da zona dos contentores, negando ter sido agressivo, quer para com a assistente, quer para com os filhos.
Mencionou que naquele dia tinha ido assistir fora a um jogo de futebol, o que a assistente não queria, e ao regressar bateu à porta, tendo a assistente se negado a abri-la, negando, contudo, se encontrar embriagado, assumindo ter bebido uma ou duas cervejas, e que naquela ocasião permaneceu na escada do prédio, junto aos contentores, local onde foi abordado pela PSP, mas salientando que, em situações similares chegou a ir passar a noite para um hotel.
Questionado disse que nas discussões que mantinham apenas lhe chamava “má”, e nada mais, esclarecendo que comunicavam em inglês e português, este último mais rudimentarmente.
Ainda no que respeita ao dinheiro e à vida que diz a assistente pretender ter, disse que lhe comprou o espaço onde veio a montar o ... e onde despendeu € 50.000,00, bem como lhe comprou um carro, salientando que, quando tiveram uma discussão a mesma ocorreu por causa de dinheiro, mais concretamente € 13.600,00 que tinham sido entregues pelo declarante a título de depósito por um apartamento, e que por não ter sido concretizado o negócio o valor foi devolvido, tendo ficado para a assistente.
Foi igualmente o arguido questionado acerca da situação com os filhos após a separação, mencionando que a esta data (início do julgamento) não os vê desde ...de 2023, situação que se alterou (no final do julgamento), mencionando que já consegue falar com os filhos através de videoconferência, referindo que estes o questionam quando vão estar juntos. A este respeito, foi igualmente questionado acerca da regulação das responsabilidades parentais, mencionando que a possibilidade de ver os menores, o foi na sequência da conferência de pais.
Disse ainda que enviava para a assistente € 300,00 por mês, correspondente ao subsídio suportado pelo ....
A assistente BB, prestou declarações para memória futura, tendo nas mesmas sido advertida nos termos do artigo 134.º, do Código de Processo Penal, tendo optado por prestar declarações, referindo que conheceu o arguido há 7 anos, tendo casado em ..., e desde essa data o arguido não vivia permanentemente com a declarante, tendo, contudo, estado cerca de um ano quando do nascimento do filho mais velho CC em ..., uma vez que o arguido trabalhava na ..., vindo usualmente uma vez por mês ou de dois em dois meses, permanecendo entre uma semana e duas semanas.
Disse a declarante que as coisas não corriam bem, porque o arguido bebia demasiado, fazendo-o diariamente, nomeadamente cerveja e vinho, permanecendo todo o dia em casa.
Referiu que com a bebida o arguido ficava agressivo, dizendo que “eu era um cão”, “que não prestava para nada”, fazendo-o em inglês. No que respeita a agressões físicas, disse que lhe dava chapadas, mandava-a para o chão e arrastava-a, salientou que pedia ao arguido para não beber e este nunca o fez, mencionando que o fazia por ter uma filha de 10 anos que assistia ao que se passava. Mencionou também que pensaram ir todos para a ..., mas o Tribunal não permitiu a deslocação da sua filha, o que levou a que não fossem, situação que a alegrou, por ter receio do que pudesse acontecer num país diferente, sendo que a decisão de irem todos para a ... foi tomada no início do relacionamento.
Disse a assistente que existiam alturas em que o arguido já chegava alcoolizado do aeroporto, situação que piorou quando deram ao arguido a opção de se despedir ou ser despedido, por causa do álcool, e o arguido optou por se despedir, e, nessa ocasião, por prescrição médica começou a tomar antidepressivos, os quais tomava ao mesmo tempo que consumia álcool. Questionada disse que tal situação ocorreu com o patrão, que vivia próximo do arguido, mas não quis referir quem era a pessoa, salientando apenas que eram amigos no Facebook.
Relativamente à agressividade, disse que sempre o foi, mas que piorava quando bebia, sendo-o não só para a assistente, mas também para com as crianças. Esclareceu que a agressividade para com os menores se traduzia em gritos e empurrões, tendo-os deixado cair os menores, mesmo na rua, por estar alcoolizado.
Disse que quanto ao DD, este dizia que “papai fez dói-dói no DD” estando a chorar, com nódoa negra e a deitar sangue da cabeça, mas que a declarante nada viu, porque se encontrava no quarto e o menor estava na sala, onde também estava o arguido que negou qualquer acto para com o DD dizendo “sua puta, não fiz nada disso”, e nessa ocaisão aproximou-se da declarante e agarra-a pelo pescoço dobrando-a até ao chão dizendo “agora é que vais ver”, tendo conseguido sair, ainda que sem o telemóvel que havia sido retirado pelo arguido da bancada da cozinha, apenas porque a porta da rua não estava fechada à chave e porque os menores se aproximaram do arguido.
Relatou ainda que se fechou com os menores na sala e gritou que não a deixava entrar em casa. Mencionou que se dirigiu à esquadra do ... e que nessa altura tinha o pescoço vermelho e dorida, sendo os polícias da esquadra que a conduziram ao Campus da Justiça.
Posteriormente, conduziram-na até à porta de casa, mas ao chegar, constatando que a assistente tinha ido à policia, arremessou o computador contra a cara ao mesmo tempo que disse “agora é que não tenho nada a perder”, referindo que os menores estavam a dormir.
Mais disse que quanto às fotografias às lesões, mencionou que na polícia lhe disseram que o tinha de fazer com o próprio telemóvel, mas como não o tinha não pode fazer, salientando que lhe foi comunicado dia para ir ao INML, todavia, não o fez, na medida em que as crianças não estavam na escola, porque o arguido as tinha levado para passear, mas que ficou muito aflita e foi para casa, onde estava o arguido que lhe disse que os menores estavam de novo na escola. Mais disse que achou estranho não lhe tirarem fotografias na esquadra.
No que respeita ao telemóvel disse que não o conseguiu recuperar, mas tão só o cartão SIM, tendo constatado as chamadas que foram efectuadas.
Ainda no que respeita ao dia ... de Março, disse que o arguido não ficou em casa, porque os agentes que foram ao local não o deixaram ali pernoitar, dizendo que caso o arguido voltasse que a declarante ligasse a avisar, e que se tal situação aconteceu por 4 vezes, nesse dia, escondendo-se na zona dos caixotes do lixo.
Após este dia não houve qualquer outro contacto com o arguido.
Questionada quanto ao dinheiro, disse que o facto de não lhe ser entregue qualquer quantia não teve influência na queixa que apresentou, mencionando que o fazia “nem que o arguido lhe desse um milhão de euros”.
Agressões de natureza sexual, disse que ocorreram no último ano cerca de 4 a 5 vezes, em que a obrigava a ter relações mesmo contra a sua vontade, concretizando que a forçava, por ter conhecimento de desporto – luta – e que a conseguia dominar através da força.
A assistente disse que trabalha como manicure num espaço, pelo qual paga a renda há cerca de 11 meses, tendo o espaço sido arranjado pelo arguido, referindo que também é o arguido quem paga a renda de casa onde residem.
As declarações da assistente foram prestadas de forma clara e esclarecedora, denotando-se ao longo das mesmas, tristeza face ao fim do casamento e aquilo que levou a que o mesmo terminasse, pelo que foram as mesmas merecedoras de credibilidade, permitindo a resposta aos pontos 4. a 24., 29. a 30. e 37. a 41. dos factos provados.
A testemunha FF, disse conhecer o arguido através da assistente de quem é amiga, tendo-a conhecido em Portugal, referindo quanto aos factos que nada presenciou, aludindo que muito embora o arguido não residisse em Portugal, passavam os Natais juntos, assim como se encontravam no Verão, nunca tendo constatado qualquer agressão física ou verbal entre os dois, salientando que falava todas as semanas com a assistente.
Disse a testemunha que mais para o final, é que a assistente lhe transmitiu que estava com problemas por causa da gravidez do segundo filho.
Referiu a depoente que contactou telefonicamente a assistente, mas que o telemóvel estava desligado, situação que se verificou novamente no dia a seguir, pelo que acabou por a contactar para o trabalho, tendo a assistente lhe relatado que o arguido havia arremessado o telemóvel do 3.º andar e que por isso não o tinha, mas que ia tentar recuperar o cartão, assim como o arguido havia tentado enforcar. Disse ainda que a assistente lhe disse estar bem, não se encontrando a chorar, mas que aparentava estar ansiosa.
Disse ainda a depoente que ficou atenta, mas não preocupada em demasia, porque considerou não estar perante um caso “de vida ou de morte”, desconhecendo se a assistente se deslocou à polícia.
Relatou ainda a testemunha que numa outra ocasião, recebeu uma chamada de um número desconhecido a solicitar ajuda para ligar à polícia, tendo ouvido durante a chamada som de bater na porta e ainda lhe tendo sido dito que estava a fazer força para que o arguido não entrasse, sendo que se apercebeu que era o arguido, porque o ouvia falar alto, e nessas circunstâncias ligou para a PSP, referindo que apenas desligou a chamada quando se apercebeu da chegada dos polícias.
Questionada quanto ao consumo de álcool por parte do arguido, disse que o mesmo bebia, mas que nunca o viu “a cair de bêbedo”, referindo que quando bebia ficava sonolento, mencionando também que num jantar duas garrafas de vinho chegavam para a depoente o seu marido e para o arguido.
Disse a testemunha que na sua opinião as crianças eram mimadas pelos dois, sendo a assistente quem cuidava dos menores, vendo-os sempre bem cuidados e limpos. Mais referiu que nunca sentiu qualquer diferença entre os dois filhos, mas que o arguido saia com o mais velho deixando o bebé com a assistente.
Relativamente à deterioração da relação, disse que tal se terá devido aos problemas relacionadas com a deslocação da filha da assistente para a ..., uma vez que tal gerava discussões.
Questionada disse que a assistente nunca lhe relatou qualquer situação de violação ou agressão física, mas que lhe relatou que o arguido muitas vezes dizia “vou acabar com a tua vida”, situação que a depoente entendia como sendo retirar os filhos.
No que respeita à forma como o arguido contactava com a depoente, disse esta que aquele se esforçava por falar em português, já que a depoente não fala inglês, mencionando que quando se apercebeu que era o arguido a bater na porta, muito embora este falasse em inglês, entendeu que seria para abrir a porta pelo facto de se encontrar a bater nesta, desconhecendo a razão pela qual a assistente não abria a porta, não o atribuindo a característica de ciumenta.
As declarações da testemunha foram prestadas de forma clara, esclarecedora e isenta, permitindo ao Tribunal perceber quais os factos de que teve conhecimento e da forma como obteve esse mesmo conhecimento, sendo por isso merecedoras de credibilidade, permitindo a resposta aos pontos 4., 5. e 20. (apenas quanto ao ter batido na porta) dos factos provados e às alíneas c) e g) dos factos não provados.
A testemunha GG, disse ser mãe da assistente e sogra do arguido, razão pela qual foi advertida nos termos do artigo 134.º, do Código de Processo Penal, optando por prestar declarações, referindo que residiu com a filha entre ... de 2019 e ... de 2021, altura em que o arguido se encontrou também em Portugal a gozar a licença, esclarecendo que a razão da sua vinda foi para auxiliar a cuidar dos netos, e porque a filha não podia trabalhar por causa de uma hérnia que necessitava de cirurgia, a qual teve lugar ... ou ... de 2020.
Mais referiu a testemunha que quando o arguido começou a retornar à ..., os problemas começaram, pois este quando vinha, consumia álcool e ficava abusivo, quer quanto à testemunha, quer quanto à filha, chamando nomes e agredindo fisicamente a assistente, agarrando-a pelos braços, tentava sufocá-la. assim como dizia que era “ele quem sustentava a casa e por isso a assistente tinha de fazer o que ele queria”, falando em inglês, mas também em português, esclarecendo que também dizia “puta, vagabunda, és igual à tua mãe”.
No que à situação financeira respeita, disse a testemunha que era o arguido quem pagava as despesas, mas que o fazia porque a assistente não trabalhava, sendo que esta deixou tudo para irem para a ..., referindo que enviava mensalmente € 1.500,00, após o que passou a enviar € 1.000,00, valores que eram para pagamento da renda de casa e despesas, mas que a diminuição da verba enviada se deveu ao facto de não querer sustentar a ora depoente, dizendo esta que o arguido é materialista, só pensando em dinheiro.
Relativamente à bebida, disse que o arguido escondia as garrafas no guarda-fatos, debaixo da cama e ainda na entrada do prédio.
Questionada a testemunha quanto à forma como reagia com os filhos, disse que era carinhoso com estes, mas que numa ocasião, porque se encontrava a discutir com a assistente e o filho lhe tocou nas costas, este agarra-o e atira-o para o chão. No entanto informou ainda que o arguido chegou a passar férias num resort com o CC e com os pais, sem que tivesse dito à assistente.
Disse a depoente que em 2023 não esteve em Portugal, mas que em ... de 2024, esteve cerca de 3 meses, estando a filha já a trabalhar. Mais disse que desconhece quem intentou a acção de divórcio, e que o arguido inicialmente via e falava com os filhos por videochamada, mas que actualmente não o faz, desconhecendo o porquê, mas salientando que o arguido não paga qualquer pensão.
Relativamente à situação laboral da assistente, disse que esta trabalhava antes de casar e que ainda teve o estabelecimento algum tempo, o qual apenas fechou na pandemia, tendo tentado novamente, mas que não resultou.
As declarações da testemunha, apesar de se notar algum ressentimento para com o arguido apontando-o como único responsável pelo fim da relação, foram prestadas de forma esclarecedora, quer quanto aos factos de que teve conhecimento, quer quanto à forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 4., 5. e 24. dos factos provados.
A testemunha HH, disse ser agente da PSP e conhecer arguido e assistente do exercício de funções, referindo quanto aos factos que receberam uma chamada para a residência de um casal acompanhado os colegas da 36.ª esquadra por causa de uma situação que envolveria a CPCJ.
Mencionou a testemunha que receberam igualmente uma chamada via 112, de acordo com a qual o arguido queria entrar em casa. Disse o depoente que no local contactaram com a assistente e que esta não apresentava quaisquer marcas, mas que estava bastante exaltada, após o que saíram do local.
Referiu ainda que posteriormente, cerca das 23.30 horas, receberam nova chamada, pelo que voltaram ao prédio, mas que optaram por subir pelas escadas, tendo constatado a presença do arguido no 14.º andar, na zona das caixas de água, tendo-lhe dito para sair do local, mas sem sucesso pelo que a porta foi aberta à força.
Disse que quando acederam ao local onde o arguido se encontrava, este estava embriagado, envergando um cachecol do ..., sendo que naquela data tinha havido um jogo de futebol entre o ... e o ..., mencionando que inicialmente o arguido se encontrava agressivo, tendo tentado resistir à algemagem, dizendo que “eu mato-a, filha da puta, não tenho medo da polícia”, fazendo-o em português.
Relatou a testemunha que o arguido depois de ter sido conduzido à esquadra disse que “ia para casa e que a matava e aos filhos”, no entanto, mencionou igualmente que daquilo que lhe foi dado a ver, quanto aos filhos nada o arguido ia fazer, sendo que o mesmo estava alcoolizado, tendo chegado a adormecer.
Questionado disse o depoente que quando chegaram ao prédio os menores encontravam-se a dormir.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora, quer quanto aos factos de que teve conhecimento, quer quanto à forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 19. a 21. dos factos provados e alíneas aa) e bb) dos factos não provados.
A testemunha II, disse ser agente da PSP e conhecer arguido e assistente do exercício de funções, referindo quanto aos factos que acompanharam os agentes da esquadra da zona de residência para cumprimento de algo relacionado com a CPCJ, após o que voltaram à esquadra.
Mais referiu que cerca das 21.30 horas, receberam uma chamada na qual se dava conta de o arguido se encontrar a forçar a porta da habitação, razão pela qual se dirigiram ao prédio, todavia, não encontraram o arguido, mas falaram com ofendida que estava assustada, tendo referido que já anteriormente este havia deitado abaixo uma porta do quarto, assim como alguns dias antes a havia tentado estrangular, no entanto, por não terem encontrado o arguido, abandonaram o local.
Mencionou que mais tarde, receberam chamada idêntica, pelo que se deslocaram novamente ao prédio, e aí optaram por efectuar a descida das escadas, tendo por esse motivo detectado a presença do arguido num compartimento da água, num piso que não o da residência, tendo o depoente e os agentes que o acompanhavam forçado a abertura da porta, onde o arguido se encontrava, e que o fizeram por resistência deste, havendo por isso necessidade de procederem às algemagem, durante a qual o arguido dizia que ia matar a assistente, acabando depois por acalmar.
Questionado disse o depoente que o arguido apresentava odor a álcool e envergava um cachecol do ..., considerando que tinha sido dia de jogo para a ....
Mais referiu quando questionado que do que se recorda a assistente afirmou que o arguido já ali não residia, assim como do que se recorda a assistente não tinha qualquer marca visível.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora, quer quanto aos factos de que teve conhecimento, quer quanto à forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta ao ponto 19. a 21. dos factos provados e alíneas aa) e bb) dos factos não provados.
A testemunha JJ, disse ser agente da PSP e conhecer arguido e assistente do exercício de funções, referindo quanto aos factos que receberam uma chamada para verificarem se os menores se encontravam bem, a solicitação da CPCJ.
Mais disse que na residência avisaram a assistente de que estava um aviso da CPCJ na caixa do correio, tendo esta permitido que vissem os menores, os quais se encontravam a dormir, sendo que, quando se encontravam a sair, o arguido surge e bate à porta, apresentando-se embriagado, a falar alto, mas nunca a “chegar à agressão”. Relatou a testemunha que nessas circunstâncias explicaram ao arguido que este não devia ficar em casa, ao que este respondeu que ia dormir para um hotel.
Questionado disse que a assistente não reagiu mal ao facto pelo qual se tinham dirigido à residência, salientando que enquanto se encontraram no local, inexistiu qualquer atrito entre o casal, tendo o arguido saído antes do depoente.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora, quer quanto aos factos de que teve conhecimento, quer quanto à forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta ao ponto 18. dos factos provados.
A testemunha KK, disse ser agente da PSP e conhecer arguido e assistente do exercício de funções, referindo quanto aos factos que quando se encontrava de patrulha, quando receberam chamada para se deslocarem ao local de uma ocorrência, onde um indivíduo se encontrava a tentar entrar numa residência.
Referiu a testemunha que ao chegarem ao local, ninguém ali se encontrava, não conseguindo precisar se existiam marcas na porta, referindo que a assistente estava assustada e que os menores estavam a dormir, tendo por isso receio que o arguido entrasse e lhe fizesse mal.
Disse o depoente que se deslocaram ao prédio numa primeira ocaisão acompanhando os agentes da 36.º Esquadra e posteriormente receberam uma nova chamada, via 112, pelo que, retornaram ao local, não tendo sido constatada novamente a presença do arguido. Salientou a testemunha que permaneceu na porta do prédio, tendo os outros dois agentes procurado piso a piso, sendo estes agentes quem posteriormente surgiram com o arguido, já algemado e embriagado, salientando que o mesmo não estava colaborante, afirmando que não tinha medo da polícia e que queria entrar em casa.
Questionado, disse que o arguido falava em inglês, assim como o depoente disse não ter falado com a ofendida/assistente.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora, quer quanto aos factos de que teve conhecimento, quer quanto à forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 19. a 21. dos factos provados e alíneas aa) e bb) dos factos não provados.
A testemunha LL, disse ser agente da PSP e conhecer arguido e assistente do exercício de funções, referindo quanto aos factos que receberam uma informação da CPCJ para se deslocarem à residência da assistente, para ver em que condições se encontravam os filhos, tendo constatado os menores a dormirem, estando a assistente calma, a qual foi avisada de que tinha notificação para se dirigir no dia seguinte às instalações da CPCJ, e, caso necessitasse de um carro patrulha para transporte, que comunicasse à esquadra.
Mais referiu que o arguido chegou, tendo batido à porta, sendo o depoente quem procede à abertura da porta, constatando que o arguido se encontrava alcoolizado, tendo referido que vinha de um jogo de futebol do ..., envergando o cachecol, pese emboras as circunstâncias em que se encontrava, o arguido não foi mal-educado com o depoente ou com outros agentes que ali se encontravam, no entanto, garantiu ao depoente que iria passar a noite num hotel, situação que descansou a testemunha.
Disse ainda que sugeriu à assistente que fechasse a porta de casa e que não a abrisse a ninguém.
Questionado disse que falou com o arguido em inglês.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora, quer quanto aos factos de que teve conhecimento, quer quanto à forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta ao ponto 18. dos factos provados.
A testemunha MM, disse conhecer o arguido sendo seu amigo há mais de 20 anos, tendo quanto aos factos referido que daquilo que via a relação entre o ex-casal era boa, tendo piorado com o casamento e após o nascimento do primeiro filho, bem como pelo facto de a assistente pedir dinheiro ao arguido.
Disse a testemunha que quanto ao dinheiro, via as transferências bancárias feitas pelo arguido, uma vez que este lhas mostrou, nomeadamente quando esteve em Portugal em ....
Questionado disse nunca ter estado com os filhos do ex-casal, nem tão pouco com o excasal, tendo falado com a assistente apenas e durante pouco tempo, no entanto disse que quando o arguido se encontrava em Portugal via as crianças através de Skype por assim contactava com o arguido.
Relativamente à situação laboral do arguido, disse o depoente que este mudou de trabalho em 2023 por opção do próprio.
Mais referiu ter conhecimento de o arguido ter sofrido uma lesão no joelho e ombro por causa da luta livre, no entanto disse desconhecer se este toma medicação por causa dessa mesma lesão, mencionando que o arguido nunca teve qualquer depressão e, quanto ao consumo de bebidas alcoólicas, que o faz, mas que não conhece que tenha problemas com o consumo de álcool.
Questionado o depoente quanto à personalidade do arguido disse que o conhece desde as Forças Armadas e que é uma pessoa com bom feitio, não sendo agressivo, muito menos com os filhos, de quem diz ter saudades, porque não os vê, não conseguindo considerar que o arguido tenha batido na assistente ou nos filhos.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora, quer quanto aos factos de que teve conhecimento, quer quanto à forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 28., 44. e 45. dos factos provados.
A testemunha NN, disse ser mãe do arguido e por essa razão conhece a arguida que com o mesmo foi casada, tendo sido advertida nos termos do disposto no artigo 134.º do Código de Processo Penal, optando por prestar declarações, referiu que o arguido nunca viveu em Portugal, mas que o ex-casal esteve junto na ....
Referiu que em 2019 a depoente e o marido vieram a Portugal, entre Março e Junho, para ajudar a assistente, uma vez que o arguido, seu filho, se encontrava na ..., vindo nesse período por duas vezes, e que o fez para auxiliar por causa das crianças, mencionando que a assistente passava o tempo deitada, sendo a depoente e o seu marido quem tudo faziam.
Relativamente à mãe da arguida, disse que este também esteve na casa do ex-casal, mas noutro período de tempo, tendo conhecimento da sua estadia, porque viam quando falavam pela internet. Disse ainda que a postura e conduta da assistente mudou radicalmente após o nascimento do CC.
Mencionou que em 2021 regressou a Portugal, tendo constatado que a relação do ex-casal havia piorado, atribuindo tal situação à exigência de dinheiro por parte da assistente, pois esta usava as crianças.
Questionada disse que nunca viu o arguido ser agressivo para com a assistente ou para com os filhos, sendo ao invés a assistente a pessoa agressiva, controlando a forma como o arguido se dava com as outras pessoas, sendo igualmente agressiva para com o arguido e para com os filhos.
Disse ainda que o arguido era quem suportava todas as despesas em Portugal, sendo a assistente quem exigia tudo, acabando por o arguido gastar todas as poupanças para manter e assegurar todas as condições aos filhos menores.
No que respeita à situação laboral do arguido, disse que este trabalhou em aeronáutica e que abandonou o mesmo por ter começado a trabalhar como encarregado na empresa de peixe – salmão.
Aludiu a testemunha ao facto de o filho estar triste por não saber o que se passava com os filhos, esclarecendo que este há 2 anos que não envia qualquer dinheiro para a assistente, desconhecendo quem sustenta as crianças, assim como há 2 anos que não vêem os menores.
Questionada disse desconhecer ter o arguido qualquer lesão, assim como nunca sofreu qualquer depressão, nem tomou medicação para tal.
As declarações da testemunha foram prestadas de forma parcial e interessada, sendo reveladores de animosidade em relação à assistente, responsabilizando esta por todo e qualquer problema, e enaltecendo todo o comportamento do arguido, pelo que, não se revelou merecedor de credibilidade.
A testemunha OO, disse conhecer o arguido há 22 anos e não conhecer a assistente, tendo quanto aos factos referido que nada presenciou, sabendo dos mesmos através do arguido que lhe serem os problemas no casamento causados pelo facto de a assistente ser muito exigente, nada a satisfazia, pretendendo sempre frequentar bons hotéis e restaurantes, o que levava a que ficasse zangada, quando tal não era concedido.
Mais disse que a assistente estava sempre a pedir mais dinheiro para manter um determinado estilo de vida, o qual não era possível ao arguido assegurar, bem como estava permanentemente zangada.
Foi a testemunha questionada se o arguido padecia de problemas relacionados com o consumo de álcool, ao que respondeu negativamente, afirmando que efectuava um consumo normal, como qualquer um.
No que respeita a ter tido uma depressão, nega, mencionando que chegou a questionar o arguido, em virtude do presente processo, tendo este lhe respondido estar tudo bem. Igualmente no que à existência de uma lesão desportiva, disse saber que o arguido foi atleta e que tem problemas no ombro, desconhecendo se efectua alguma medicação.
Questionado disse o depoente não conseguir ser possível o arguido bater na mulher e nos filhos, mencionando que este verbaliza a sua preocupação com os filhos, quando falam cerca de 2 a 3 dias por semana, bem como que as pretende levar para a .... Aludiu ainda a testemunha ao relato que o arguido lhe fazia do receio que a assistente usasse as crianças para obter o que queria.
Mencionou ainda a testemunha que em ... de 2024 esteve em Portugal a acompanhar o arguido e que este enviou uma mensagem à assistente para poder estar com os filhos, mas que esta não lhe respondeu, afirmando ainda que não foram à escola dos menores por desconhecimento da mesma.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora, quer quanto aos factos de que teve conhecimento, quer quanto à forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta ao ponto 45. dos factos provados e à alínea q) dos factos não provados.
O Tribunal teve ainda em atenção os documentos juntos aos autos, nomeadamente, o Auto de denúncia de fls. 2 a 7; o Auto de inquirição de fls. 8; Fichas RVD, de fls. 10, 107 a 109, 142 a 144, 146 a 150 e 172 a 174; Assentos de nascimento e casamento de fls. 36 e 38 a 41 (que permitiram a reposta aos pontos 2. e 1., respectivamente dos factos provado); Aditamento de fls. 45, 61 a 62 e 138; o Auto de Notícia por Detenção de fls. 52 a 54; a Participação da CPCJ a fls. 114; e o exame pericial de dano corporal em processo penal de fls. 121 a 122 e 124 a 125 (para prova dos factos constantes dos pontos 12. e 14. dos factos provados, respectivamente).
Do cotejo da prova produzida em audiência, concatenada com os demais elementos constantes dos autos, resulta à saciedade que a relação entre arguido e assistente foi pautada por discussões, após o nascimento do filho CC e que se agudizaram com a gravidez do filho DD.
Mais resultou provado que a assistente trabalhava quando conheceu o arguido, todavia, face às gravidezes, bem como à proximidade entre as mesmas, aliado aos problemas físicos – hérnia – que surgiram, a mesma deixou de trabalhar, sendo o arguido quem sustentava a vida familiar, enviando dinheiro da ... onde se encontrava a trabalhar.
Para além destes pontos de convergência, as versões de arguido e assistente são manifestamente antagónicas, considerando que o arguido negou a prática dos factos e a assistente lhe imputa a prática dos mesmos. Nestas circunstâncias, têm o Tribunal de se socorrer dos demais meios de prova existentes nos autos, salientando-se desde já que, quanto aos factos imputados ao arguido, apenas parte dos ocorridos no dia ... de ... de 2023, foram verificados por terceiros, in casu, os agentes da PSP que se deslocaram ao local.
Com efeito, para além do ex-casal, apenas existiram duas testemunhas que residiram, ainda que pontualmente, com estes, foram estas as testemunhas PP e NN, respectivamente, mãe da assistente e mãe do arguido, no entanto, quanto a estes depoimentos, importa desde já referir que os mesmos foram maioritariamente opiniões acerca de cada um dos elementos do ex-casal, denotando-se de forma manifesta, a animosidade de NN para com a assistente, sendo que, não podemos deixar de salientar, os períodos em que estas acompanharam a vivência do ex-casal em Portugal foi diminuto, considerando que o arguido trabalhava na ... e não tinha residência permanente em Portugal, bem como, estas apenas permaneceram na residência do ex-casal apenas por ocasião do nascimento dos filhos do casal, sendo que, NN, acabou por referir no final do seu depoimento, não ter a certeza de ter estado em Portugal, quando do nascimento do DD.
Vejamos então.
O arguido em todos os seus depoimentos renovou a afirmação de que nunca agrediu a assistente e muito menos os filhos do casal, afirmando que era a assistente quem criava os problemas, exigindo sempre dinheiro, e tanto assim é que esteve durante 2 anos sem ver os filhos, apenas porque, na sua óptica, a assistente não o permitia, e que só o autorizaria, caso o arguido lhe desse mais dinheiro. Mais disse que após 2 anos de casamento pretendeu a separação, porque a assistente se havia modificado, mas também tinha medo daquilo que podia acontecer com os filhos, afirmando que foi sempre demasiado condescendente para com a assistente.
Afirmou ainda o arguido que “deu” à assistente € 50.000,00 para que esta montasse um ..., assim como lhe deu um carro.
Ora, na vertente oposta da versão do arguido, temos a versão da ofendida/assistente que acusa este de beber, sabendo que tomava medicação antidepressiva, e por essa razão ficava agressivo, reagindo contra si e contra os menores, esclarecendo que em algumas ocasiões quando vinha do avião, já se encontrava alcoolizado, e que quando assim se acontecia chamava “cão” à assistente, assim como lhe dizia “não prestas”.
Para além da situação relacionada com o consumo de álcool, uma vez que quando se encontrava em Portugal o arguido não estava a trabalhar, porque o fazia apenas na ..., e por isso passava quase todo o período de deslocação a Portugal em casa, tendo referido a assistente que também existiram problemas pela dificuldade em conseguir que a sua filha, os acompanhasse para a ..., como era pretensão do arguido, situação que face a uma decisão do Tribunal de Família não foi possível concretizar, o que desagradou ao arguido.
Aqui chegados, no que ao consumo de álcool respeita, muito embora a assistente tenha feito referência a um consumo em excesso, certo é que resultou da prova produzida em audiência, e em concreto, do depoimento da testemunha QQ, a qual acompanhou o ex-casal em jantares, e que afirmou que o arguido ingeria bebidas alcoólicas, mas de forma moderada, tal como a testemunha e o seu marido, nunca o tendo visto embriagado.
Ora a este propósito, não podemos desvalorizar o depoimento desta testemunha, na medida em que esteve presente em situações em que se encontravam presentes arguido e assistente, não podendo igualmente escamotear-se que a mencionada testemunha é apenas amiga da assistente, ao contrário do que sucede com as testemunhas indicadas pelo arguido, as quais apenas privaram com este e nunca estiveram em Portugal com arguido e assistente juntos.
Pelo que, atentas as regras da lógica e da experiência comum, necessariamente se conclui que o arguido ingeria bebidas alcoólicas, no entanto, se o mesmo consumia bebidas em excesso de forma diária, tal não nos é possível afirmar e dar como provado, todavia, tal não afasta a possibilidade de em determinadas ocasiões, tal como sucedeu no dia ... de ... de 2023, pudesse ingerir bebidas acima do que é considerado normal, e que tal consumo pudesse de alguma forma contribuir para uma conduta mais agressiva, nomeadamente, na forma como se fala e nas palavras que se profere, sem que o mencionando consumo possa ser considerado como desculpa para a atitude e conduta que se teve.
Mais resultou provado que, o arguido mantinha para com a assistente uma postura controladora, pese embora aquele o negue, no entanto, face às afirmações por este proferidas em sede de audiência, e a forma como as proferiu, podem ser consideradas como agressivas, face ao tom de voz empregue e à própria postura corporal que adopta. E tanto assim é, que no dia ... de ... de 2023, a testemunha QQ ouvia o arguido a bater numa porta e a falar alto, quando se encontrava a falar ao telemóvel com a assistente, tendo aquela sido peremptória em afirmar que se tratava do arguido.
Por outro lado, também os agentes da PSP que acorreram à residência do ex-casal, por duas vezes, foram peremptórios em afirmar que o arguido exalava odor a álcool, assim como falava alto para com os agentes da PSP, quando estes o tentaram retirar do interior do espaço em que se escondeu, no prédio de residência, e que dizia que matava a assistente e que era puta.
Com efeito, se o arguido reagiu à abordagem da PSP, conforme supra descrito, resultando claro que o fez e como fez, por não ter apreciado a forma como o abordaram, necessariamente que também não reagiria bem à situação que vivenciava em casa, e que não seria exactamente como pretendia, quando este se encontrava em Portugal, ao que acresce inda o facto de o próprio arguido assumir que chamava “má” à assistente.
Ora, verbalizar a palavra “má” como definidora da arguida, como o referiu, mencionando ainda que era a palavra que sempre dizia, necessariamente se conclui, atentas as regras da lógica e da experiência comum, que as expressões referidas em 6. e 13., mais não são do que acréscimos à expressão que disse empregar, o que, atento o contexto em que as mesmas eram proferidas, não pode o Tribunal concluir de outra forma, que não conforme os factos dados como provados.
Para afirmar o agora referido, não pode o Tribunal deixar de atender aos depoimentos dos agentes da PSP que se deslocaram ao local, e consequentemente às expressões que o arguido proferiu perante estes, dirigidas à assistente, o que necessariamente nos leva a concluir que tendo-o feito na presença da autoridade, nada o inibiria, muito pelo contrário de o fazer entre quatro paredes directamente à assistente, sendo que, face às expressões mencionadas em 6., 13., 17., 18. e 20., estas são ofensivas da honra e consideração da visada, in casu, da assistente, e ainda mais por esta ser sua mulher, como o seriam em relação a quem quer que fossem proferidas.
Por sua vez, não podemos deixar de referir a tentativa da parte do arguido e da sua mãe, que nos seus depoimentos, sem que tivesse qualquer relevância para os autos, fazerem afirmações relativas à situação daquela no ..., sendo manifesto que o efectuaram, apenas e tão só, para minimizar e denegrir a imagem, não apenas da mãe da assistente, mas também da própria assistente.
A este respeito não podemos olvidar igualmente as afirmações efectuadas de que a assistente não trabalhava, sendo certo que a mesma trabalhava quando arguido e assistente se conheceram, tendo unicamente deixado de o fazer, na altura da pandemia, e posteriormente face às duas gravidezes dos filhos, que foram muito próximas, para além da situação de doença que sofreu entre gravidezes.
No que respeita ao receio que o arguido veio manifestar sentir pelos filhos ficarem com a assistente, não se afigura verossímil tal situação, muito embora não se coloque em causa que o arguido gosta dos seus filhos, no entanto, tal não o inibiu de não ter qualquer contacto com os mesmos, escudando-se apenas na afirmação de que a assistente não o permitia, mas que se desse mais dinheiro tal já não se verificaria, sendo que, quando da primeira sessão de julgamento em Portugal, não se vislumbrou da parte do arguido qualquer diligência para ver os menores, mesmo quando se encontrava acompanhado da testemunha OO.
Destarte, se no que à assistente respeita se logrou apurar que o arguido a agredia com chapadas e apertões na zona do pescoço, bem como a insultava, chamando-lhe “puta”, “que não prestava”, “que acabava com a vida dela”, afirmações estas que não se coibiu, conforme acima referido, de proferir na presença da PSP. Para além do mais, relativamente à expressão “puta”, necessariamente se conclui que a mesma era proferida, na medida em que, se o arguido a proferiu na presença da PSP, necessariamente que nada o impedia de o fazer em privado, e nessas circunstâncias, temos apenas duas versões, sendo certo que, face ao supra exposto, necessariamente que se mostra inverosímil a afirmação do arguido.
Por outro lado, o depoimento efectuado pela assistente, quanto à forma como conseguiu sair de casa, e a razão pela qual o conseguiu, afigurou-se credível.
Acresce que, em todo o seu depoimento, o arguido, assim como as testemunhas de defesa, quiseram fazer crer que os problemas advinham todos da conduta da assistente, no entanto, não conseguiram negar a conduta verbal e agressiva do arguido, na medida em que nunca estiveram presentes em Portugal na companhia do ex-casal, pelo que, os relatos efectuados por parte da assistente das agressões que sofria, se mostram credíveis, apesar de os agentes da PSP não terem reparado na existência de marcas no pescoço desta, certo é que, quando do exame pericial a que foi sujeita e que se mostra juntos aos autos, tais lesões ficaram demonstradas, não podendo relevar o facto de inexistir deslocação ao hospital.
Ainda no tocante à agressão que causou as lesões documentadas no exame pericial, não colhe a versão da assistente na parte respeitante às fotografias, nomeadamente, que não quiseram fotografar e que lhe impuseram esse ónus sobre a própria, no entanto, tal não implica a sua inexistência, tanto mais que ainda nos encontrávamos no inverno - Março – altura em que a roupa que se veste, muitas vezes não permite ver a zona do pescoço em toda a sua extensão.
Por sua vez, no que às questões relacionadas com agressão sexual, também aqui estamos perante duas versões, o arguido que nega e a assistente que o afirma, no entanto, a forma como o relato foi efectuado pela assistente, ainda que sem concretizar datas, se mostra verossímil, permitindo ao Tribunal valorar o seu depoimento, isto porque, a assistente limitou-se a descrever condutas tidas pelo arguido, descrições estas que não se traduziram em exacerbações, mas antes relato singelo e pouco elaborado, que nos permite atribuir credibilidade às descrições que efectuou.
Já no que respeita aos filhos do casal, e reitera-se, não se coloca em crise que o arguido gosta dos filhos, mas não podemos olvidar que existem variadas formas de demonstrar esse amor, considerando que existem pessoas mais expansivas e outras menos expansivas, sem que tal signifique que gostem de maneira diferente.
Ora, muito embora as discussões, que eram mais fortes e agressivas, fossem praticadas no interior da casa de morada de família, e que os menores se encontravam com os progenitores em casa, não podemos deixar de referir que numa das visitas da PSP à residência do casal, os menores já se encontravam a dormir, sendo que à data dos factos estes tinham respectivamente, 5 e 3 anos de idade.
Aqui chegados importa, não podemos deixar de concluir que o menor DD, com 3 anos de idade, proferiu a expressão “o papai fez doi doi na cabeça”, aliás expressão essa que repetiu na CPCJ, por sua vez, nas mesmas circunstâncias, o CC, à data com 5 anos, mencionou que o arguido, seu pai, dava murros na cabeça do DD. Ora, ainda que não se possa negar a lesão do DD, a qual se mostra igualmente verificada no exame pericial a que foi sujeito, certo é que, os relatos apresentados pelos menores são diversos. Acresce que, estando na presença de duas crianças de pouca idade, necessariamente que as mesmas são traquinas e elas próprias causam lesões, umas mais graves que outras, no entanto, e retornando à lesão do DD, nada mais se apurou, considerando que a assistente não se encontrava presente na sala, tendo-se limitado a ouvir o relato que o DD lhe fez, sendo ainda manifesto que o arguido, logo ali negou ter agredido o filho.
Deste modo, não se logrando obter qualquer prova que nos permita concluir, nesta parte, pela responsabilidade do arguido, necessariamente que quanto aos ilícitos que lhe são imputados na pessoa dos filhos, o mesmo terá de ser absolvido.
Quanto aos demais factos imputados, da prova produzida ressalta à saciedade que o arguido actuou conforme os factos provados.
Tudo considerado, não podemos reconduzir a actuação do arguido a duas ou três situações, sendo que, atenta a gravidade das mesmas, revestiriam ainda assim o crime de violência doméstica que lhe é imputado.
E, a este propósito convém desde já salientar que, nos quadros de violência doméstica, importa valorar os factos, quer na prova, testemunhal e documental existente, quer ainda por recurso às regras da lógica e da experiência comum, sendo que, nos presentes autos, para além das declarações da assistente e dos depoimentos das testemunhas, não podemos olvidar os documentos juntos aos autos.
Tudo conjugado resulta claro que, face aos factos dados como provados, é manifesto que a ofendida se sentiu ofendida na sua honra, dignidade e consideração, enquanto ser humano e em especial, enquanto ex-companheira do arguido, face à conduta perpetrada pelo arguido, configurando maus-tratos físicos e psíquicos, pelo que se mostram abrangidos pelo ilícito criminal imputado ao arguido – violência doméstica.
No que concerne ao elemento volitivo do arguido, apoiou-se o Tribunal no conjunto da prova produzida, tomada à luz das regras de experiência comum, concluindo pela conduta intencional e esclarecida do mesmo, e ainda, por via das declarações das testemunhas inquiridas nos moldes supra mencionados.
No que concerne aos antecedentes criminais do arguido os mesmos resultaram do respectivo certificado de registo criminal junto aos autos sob a referência Citius n.º ....
Para prova das condições económicas e pessoais do arguido a convicção do Tribunal alicerçou-se nas declarações prestadas pelo arguido.
No que respeita à matéria de facto dada como não provada, a mesma resultou de a prova produzida ter imposto resposta negativa, ou não ter sido produzida qualquer prova. Com efeito, dos depoimentos prestados em audiência, nomeadamente, no que aos menores respeita, nenhuma prova foi efectuada, à excepção da afirmação tida pelo menor DD junto da CPCJ, depoimento este que não foi corroborado pelo seu irmão CC, não tendo igualmente a assistente presenciado qualquer conduta do arguido. No que concerne ao consumo de antidepressivos, apenas a assistente fez menção a tal situação, o que não foi igualmente corroborado por qualquer testemunha, ao invés, foi até negado, sendo que, encontrando-se o arguido a residir e a trabalhar na ..., necessariamente que nesta parte temos de atender às testemunhas arroladas pelo arguido, mais concretamente a sua mãe.
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Quanto ao demais, o Tribunal não se pronunciou por se tratar de matéria argumentativa, conclusiva ou de Direito.
(…)
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2.3. Nota prévia
Importa notar que o recorrente não deduz impugnação ampla da decisão de facto (nos termos do art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP), nem indica concretamente provas gravadas a reavaliar; limita-se a uma censura jurídico-formal de “genérica”. A sindicância do Tribunal ad quem incidirá, pois, primacialmente sobre o direito (suficiência descritiva) e, a nível fáctico, sobre a coerência lógico-crítica da motivação da sentença, sem reponderação probatória autónoma.
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2.3.1. “Factos genéricos e não circunstanciados no tempo” (pontos 6–9 e 23 da matéria de facto provada)
O recorrente sustenta que os pontos 6–9 e 23 são genéricos (sem data, modo, lugar circunstanciados ao pormenor), o que inviabilizaria o exercício do contraditório e a defesa, com violação do art. 32.º da CRP. Invoca, para o efeito, jurisprudência que repudia condenações fundadas exclusivamente em imputações vagas (v.g., STJ de ........2008, rel. RR) e acórdãos de Relação (v.g., RC, proc. 101/20.9..., rel. SS, ........2023), concluindo que tais factos devem ser “dados como não escritos”; subsidiariamente, que, a manter-se, não relevarão para a subsunção típica.
O MP distingue a jurisprudência citada: no paradigma de 2008 invocado pelo recorrente, todos os factos eram genéricos; aqui, existem múltiplos eventos concretos (em especial, os de ....2023), e outros adequadamente balizados por aproximação ao período de convivência conjugal em Portugal (... e deslocações subsequentes), conforme costuma suceder em contexto de violência doméstica, em que “o tempo é difuso” e a vítima dificilmente memoriza datas exactas de todas as agressões, tanto mais quando reiteradas. Sublinha que os pontos em causa descrevem acções determinadas (insultos graves repetidos, agressões físicas com modalidades típicas, arremesso de objecto à face, coacção sexual repetida (<5) por manietação), suficientemente concretizadas para permitir o exercício da defesa e a subsunção típica.
Vejamos:
A questão colocada é de suficiência descritiva (art. 283.º, n.º 3, al. b), e 374.º, n.º 2, CPP) e não de reavaliação probatória (como referido em sede de nota prévia, o recorrente não cumpre ónus do art. 412.º, n.ºs 3–4 CPP). O controlo ad quem incide sobre a compatibilidade entre a redacção dos factos provados e (i) as garantias de defesa/contraditório (art. 32.º CRP) e (ii) a tipicidade do art. 152.º CP.
A jurisprudência que rejeita condenações por “circunstâncias genéricas” dirige-se a situações em que a totalidade do acervo fáctico é vaga e inverificável, com fórmulas como “por vezes agredia” sem qualquer concretização do quê, como, onde, com que efeito. No caso presente, não é esse o cenário: a sentença descreve com elevada concretização uma sequência temporalmente determinada (....2023), locais precisos (cozinha/residência), mecanismos de execução (aperto do pescoço; arremesso de computador; tentativas de arrombamento) e efeitos lesivos quantificados (3 dias/lesões no pescoço; 8 dias/lesão no menor), bem como ameaças de morte altamente específicas, com intervenção policial e detenção (pontos 11–22 da matéria de facto provada).
Integração dos pontos 6–9 e 23 dos factos provados — Estes pontos, ainda que sem data exacta, não são fórmulas vazias: indicam condutas determinadas (insultos reiterados com vocábulos concretos; modalidades de agressão física identificadas; arremesso de telemóvel à face; coacção sexual por manietação <5 vezes), inseridas no marco temporal definido pela própria sentença (convivência em 2018 e estadias subsequentes até ... de 2023) e corroboradas pelo padrão culminante dos factos de ... de 2023. A resposta do MP explica adequadamente a razão da impossibilidade prática de datar todos os episódios num quadro relacional prolongado (“o tempo é difuso” na violência doméstica) sem que tal impeça o exercício da defesa, mormente quando a convicção assenta também em eventos concretos, documentação clínica e intervenção policial.
À luz deste quadro, não procede a pretensão de expurgo (“dados como não escritos”) dos pontos 6–9 e 23. Ao invés, estes densificam o padrão de maus-tratos que contextualiza e agrava os episódios datados de ... de 2023, sem violar as garantias de defesa. Bem andou, pois, a Srª Juiz ao tê-los por provados e relevantes para a qualificação jurídica do art. 152.º CP.
Termos em que esta questão é improcedente.
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2.3.2. Da tipicidade do art. 152.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, CP (“violência doméstica”)
Em tese subsidiária, o recorrente defende que, expurgados os pontos 6–9 e 23 (o que, como se viu, não procede), os remanescentes factos não revelariam submissão da vítima, domínio do agente ou a gravidade típica do crime de violência doméstica, citando arestos que, em casos de episódio único, afastaram a tipicidade por falta de “estado de aviltamento” (v.g., ..., proc. 71/16.8..., rel. TT, ........2020).
O MP sublinha o carácter global e unitário do ilícito de violência doméstica: condutas que, atomisticamente, preencheriam ofensa à integridade física, injúria, ameaça (até o crime de violação/coacção sexual, consoante o caso), no contexto relacional convergem para maus-tratos físicos e psíquicos susceptíveis de degradar de forma especial a dignidade pessoal da vítima, perdendo autonomia no concurso aparente com o art. 152.º CP. É precisamente o que se verifica: insultos graves reiterados, agressões físicas, apertos de pescoço (com lesões), ameaças de morte concretas e repetidas, perseguição à residência com quatro tentativas de forçar a entrada, apropriação de telemóvel, arremesso de computador visando a cabeça, forte alcoolização e, ainda, coacção sexual inferior a cinco vezes por manietação e superioridade física — um padrão expressivo de domínio, desrespeito e controlo, típico da tutela do art. 152.º CP.
Assim, neste quadro:
O tipo objectivo do art. 152.º, n.º 1, al. b), abrange maus-tratos físicos ou psíquicos sobre cônjuge ou pessoa em relação análoga. O tipo subjectivo é doloso, bastando a consciência/volição de tais condutas. O n.º 2, al. a) qualifica por prática perante menor, na residência, ou por outras circunstâncias agravantes (no caso, a factualidade provada integra várias hipóteses agravantes).
A factualidade não se reduz a um “episódio único”. Pelo contrário, compõe um quadro continuado (embora não constante ao pormenor de datas para todos os actos) com pontos de densidade excepcional nos dias ....2023: (i) Violência física grave (aperto de pescoço com lesões objectivas; agressões anteriores com arrasto, pontapés, bofetadas; arremesso de objectos); (ii) Ameaças de morte específicas, sérias e repetidas (“eu mato-te e depois vou-me matar… não descanso enquanto não te matar”); (iii) Perseguição e invasão do espaço de vida (regressos nocturnos, quatro tentativas de forçar entrada, ocultação nas portas dos contadores, detenção pela PSP); (iv) Coacção sexual reiterada (<5) por manietação e superioridade física.
Tudo isto, no domicílio comum e na presença (em parte) dos filhos, gerando na ofendida medo, tristeza, humilhação, estado ansioso e necessidade de apoio psicológico, com lesões documentadas (3 dias de cura no pescoço) e forte comoção familiar.
A jurisprudência que afasta a subsunção no art. 152.º em casos de episódio isolado sem “estado de aviltamento” não é transponível: aqui existe reiteração relevante e, mesmo em abstracto, a própria sentença recorrida assinala que, “atenta a gravidade, duas ou três situações ainda assim revestiriam o crime de violência doméstica” (a fortiori, face ao que ficou provado).
Os factos integram claramente o crime de violência doméstica (art. 152.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, al. a), CP), conforme explanado na sentença sob censura. A argumentação deduzida no sentido da absolvição é juridicamente improcedente.
*
Não sendo directamente impugnadas, sempre se dirá que a pena de 2 anos e 8 meses, suspensa por 3 anos com regime de prova e regras de conduta (proibição de contactos, 500 m de afastamento) se mostra criteriosa à luz dos arts. 71.º e 50.º/52.º do CP (a sentença reproduz os preceitos e criteriosamente aplica os vectores de prevenção geral e especial, e os limites da culpa) e do art. 152.º, n.º 4, CP e arts. 34.º-B, 35.º da Lei 112/2009. O quantum cível de €3.500,00, fixado por equidade em função de tristeza, medo, humilhação e dores físicas, também não é objecto de impugnação específica e mostra-se proporcional ao dano apurado.
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III. DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.
Custas a cargo do arguido, fixando a taxa de justiça em 4 UCS.
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Lisboa e Tribunal da Relação, 10.09.2025
Alfredo Costa
Carlos Alexandre
Ana Rita Loja
Processado e revisto pelo relator (artº 94º, nº 2 do CPP).
O relator escreve segundo a antiga ortografia