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COMPRA E VENDA DE BENS DE CONSUMO
FRACÇÃO AUTÓNOMA
CADUCIDADE DO DIREITO
Sumário
Sumário I. Aos contratos de compra e venda de fração autónoma em que o vendedor é um profissional (pessoa que exerce com carácter profissional uma atividade económica que visa a obtenção de benefícios) e o comprador um consumidor (pessoa que adquire para uso não profissional) aplica-se o regime da compra e venda de bens de consumo instituído pelo DL 67/2003 (alterado pelos DL 84/2008 e DL 9/2021), se o contrato foi celebrados antes de 1 de janeiro de 2022, ou o regime constante do DL 84/2021 (que revogou o DL 67/2003), se o contrato foi celebrado após aquela data. II. Ambos os regimes – o revogado, mas ainda aplicável ao caso sub judice, e o vigente – preveem um prazo de caducidade de três anos para a propositura da ação, após denúncia de defeitos de imóvel. III. Ambos os regimes preveem também a suspensão do prazo de caducidade do direito de ação, com textos que, sendo diferentes, são de interpretar no sentido de a suspensão se iniciar com a comunicação da falta de conformidade ao profissional e se manter até à conclusão das operações de reparação (ou outro remédio aplicável), ou até que o profissional comunique claramente não reconhecer o defeito ou a sua responsabilidade pelo mesmo.
Texto Integral
Acordam os abaixo identificados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
Condomínio do prédio sito na Rua …, nº 18, em Lisboa, autor na ação que move a … Imobiliária, S.A., notificado da sentença proferida em 28 de fevereiro de 2025, que julgou a ação totalmente improcedente, por caducidade do direito invocado, e com essa sentença não se conformando, interpôs o presente recurso.
O autor pediu a condenação da ré: «1. No suprimento dos defeitos de construção de acordo com o parecer/relatório do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, executando, com o rigor que se exige, as obras de acordo com as soluções técnicas ai apresentadas e sempre em sintonia com a opção que o Autor vier a protagonizar, considerando haver uma condómina, proprietária de uma fração autónoma, com a formação em Engenharia Civil que deverá pronunciar-se, de entre as opções apresentadas no relatório, aquela que considera ser a melhor solução para ser implementada; 2. Definir um prazo, dentro dos limites da razoabilidade, para as obras serem iniciadas / realizadas; 3. À cautela, na eventualidade de a Ré incumprir com o sentenciado nos presentes Autos, ser a mesma desde já condenada a pagar ao Autor (em sede de Autos Execução de sentença), os valores correspondentes ao que o mesmo vier a ter de suportar com as obras que forem obrigados a realizar, em consequência da inércia da Ré; 4. Seja a Ré condenada nas custas do presente processo, nomeadamente em procuradoria condigna aos seus mandatários.»
Para tanto e em síntese, alegou que:
- A ré era a proprietária do prédio, que reabilitou e constituiu em propriedade horizontal, em 15/03/2018, dando origem ao condomínio autor;
- Conforme consta da ata n.º 6 da Assembleia Geral Ordinária de Condóminos realizada em 20/01/2020, durante o ano de 2019, foi comunicado por diversas vezes, tanto pelo proprietário do rés-do-chão B, como pela Administração, a necessidade urgente de intervenção por parte da construtora … Imobiliária, SA., uma vez que sempre que chovia entrava água na arrecadação do R/C B;
- A ré, após muitas insistências, enviou um canalizador que deixo o defeito na mesma e ainda acrescentou outro, pois abriu um buraco no teto da arrecadação que ainda continua aberto;
- O proprietário do r/c B e a Administração insistiram com a ré para que verificasse e reparasse a situação, sem sucesso e sem resposta;
- Conforme ata n.º 8 da Assembleia Geral Ordinária de Condóminos realizada 05/02/2021, nessa data a situação da arrecadação ainda não estava resolvida, as paredes tinham salitre e humidade e havia escorrências de água em vários pontos da garagem; também na arrecadação do 2.º C havia bolhas e danos no pladur;
- Conforme ata n.º 9 da Assembleia Geral Ordinária de Condóminos realizada em 19/01/2022, a Administração tinha efetuado diligências junto da ré para que a mesma reparasse a parede de contenção estrutural dos pisos de garagem, sem qualquer sucesso;
- A ré, apesar de ter comunicado por email que tinha efetuado e concluído as reparações no mês de setembro, não o fez;
- A Administração procedeu à notificação judicial avulsa, em 2020, relativa a esta situação;
- Conforme ata n.º 10 da Assembleia Extraordinária de Condóminos, realizada em 20/04/2022, apesar da intervenção realizada pela ré nas paredes dos dois pisos de garagem, verificou-se que logo ao cair das primeiras chuvas, mais concretamente, dia 23 de março de 2022, caiu água do teto e na parede das garagens;
- O estudo das patologias que afetam os pisos inferiores do edifício, com apresentação de soluções para o suprimento dessas anomalias, foi adjudicado pelo condomínio autor ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil, tendo os técnicos deste instituto efetuado as necessárias inspeções, com início em 22/02/2022, tendo nessa altura observado que a construtora havia executado, em data anterior àquela visita, alguns drenos para conduzir as infiltrações para o sistema de drenagem do pavimento do piso -1, e reparado algumas fissuras no piso 0;
- Os técnicos do LNEC realizaram uma segunda visita de inspeção ao edifício em 31/01/2023, que incluiu, para além das caves de estacionamento, a zona do poço de drenagem e do logradouro no tardoz do edifício;
- No seguimento dessa visita, solicitaram a realização de dois furos à rotação com recolha de amostra integral (carotagens), na zona das infiltrações observadas nas paredes da cave inferior: um na parede confinante com o logradouro e outro na parede confinante com a Rua …; esses furos foram executados a 28/06/2023, tendo as amostras respetivas sido posteriormente enviadas para o LNEC, e realizou-se, ainda, uma visita adicional, a 29/02/2024, para observação do interior dos furos, previamente ao seu preenchimento integral com calda de cimento.
- Após análise de toda a informação relevante, inspeções, análise das amostras colhidas, o LNEC concluiu e recomendou:
. não há evidência de ter sido executado o sistema de impermeabilização das paredes das caves do edifício, sendo essa a causa mais provável das infiltrações generalizadas observadas em todas as paredes da cave inferior do edifício, provavelmente provindas de águas das chuvas;
. elenca diversas soluções possíveis para mitigar os efeitos destas infiltrações, incluindo, a impermeabilização das paredes, a impermeabilização do terreno, injeções de resina, execução de drenos, todas com benefícios e inconvenientes.
Contestando, a ré excecionou: i. a ineptidão da p.i., nomeadamente por ininteligibilidade do pedido; ii. a caducidade do direito, pois «apesar de ter denunciado o que no seu entender eram defeitos em pelo menos em 5 de fevereiro de 2021, não intentou a ação no ano seguinte, tendo apenas intentado a mesma em 22 de maio de 2024»; e, iii. a prescrição do direito à reparação dos alegados defeitos. Além de se defender por exceção, a ré impugnou os factos nos quais a autora sustenta o pedido, e terminou pedindo a sua absolvição do pedido ou, pelo menos, da instância.
O autor respondeu às exceções, pugnando pela sua improcedência.
Findos os articulados, o tribunal entendeu que estavam reunidos os elementos para a boa decisão da causa, sem necessidade de realização de audiência de julgamento, e concedeu às partes o prazo de 10 dias para, querendo, alegarem por escrito, o que ambas as partes fizeram.
Seguidamente, foi proferido saneador-sentença que julgou improcedente a exceção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, mas julgou verificada a exceção perentória de caducidade e, consequentemente, julgou a ação totalmente improcedente, com a consequente absolvição da ré dos pedidos. O autor não se conformou e recorreu, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«I. Em face da factualidade aqui apurada, verifica-se que o tribunal a quo ao decidir pela procedência da exceção de caducidade, em sede de Despacho Saneador, não toma em consideração todos os factos que, dizendo respeito ao litígio, à relação jurídica substancial, podiam direta ou indiretamente, influir na pronúncia da exceção perentória da caducidade, tendo sido feita uma apreciação restritiva e omissiva das Atas, juntas aos autos, e da factualidade, conforme o foi aqui analisada, a realçar:
- Pela leitura das atas e das transcrições enunciadas nas presentes alegações de recurso, constata-se que a Ré/Recorrida, na qualidade de condómina proprietária de duas frações autónomas, correspondentes ao R/C A e 3ºA, foi sempre Convocada para as Assembleias de Condóminos, tendo estado presente e votado nas deliberações havidas (com exceção da Assembleia a que respeita a Ata nº 6), para além de ter, como qualquer condómino, recebido as Atas e, tudo indica, não tendo impugnado qualquer deliberação tomada ou se manifestado discordante do seu conteúdo.
- Pela leitura das atas e das transcrições acima enunciadas consta-se que a Ré/Recorrida reconheceu a existência das infiltrações de água nos pisos de garagem, interveio de alguma forma, e em alturas diferentes, na sua resolução, e, inclusivamente, aceitou o recurso ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil, tendo aprovado o orçamento proposto por esta entidade e a cobrança de uma quota extra para fazer face a esta despesa (a ser pedida aos condóminos no mês de maio de 2022).
- De notar que é a própria representante da Ré/Recorrida na Assembleia de Condóminos que informou os demais presentes que, a empresa (… Imobiliária, S.A.), solicitou um parecer externo para a resolução da situação, pois a obra realizada foi somente uma experiência.
- Da mesma forma que, pela leitura das atas se verifica ter sido consentâneo, o recurso às vias judiciais para a resolução do litígio, sustentado no parecer do Laboratório de Engenharia Civil, deliberação esta subscrita pela própria Ré, que esteve presente (representada pela Sr.ª D.ª “B”).
- Pelo que não assiste razão ao tribunal a quo quando refere que “de facto, em lado nenhum, o Autor alega ter efetuado a denúncia desses mesmos defeitos à Ré (ónus que lhe cabia), apenas invocando que adjudicou o suprimento dessas anomalias ao LNEC, que elaborou um relatório propondo 4 soluções, sem desse agravamento dar conhecimento ao empreiteiro.”
II. O reconhecimento do direito do Autor pela Ré é causa impeditiva da caducidade (artigo 331.º, n.º 2 do CC), pois admitida a existência da anomalia, há uma aceitação que o cumprimento (construção da edificação), se apresenta como defeituoso.
III. Estando em causa um direito disponível, o reconhecimento do direito antes do decurso do prazo de caducidade tem eficácia impeditiva da sua verificação (art. 331.º, n.º 2, do CC); a circunstância jurídico-factual de tal prerrogativa ter sido reconhecida pelo beneficiário da caducidade (Ré, ora Recorrida), faz com que se apague, de modo definitivo, todo o tempo que a caducidade integra, produzindo o renascimento e a efetivação do direito como se nunca se tivesse verificado tal exceção perentória.
IV. Estando em causa direitos disponíveis e estando fixado, por disposição legal, um prazo de caducidade, o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido é impeditivo da caducidade. A partir desse reconhecimento dos defeitos não corre um novo prazo de caducidade, antes o prazo ordinário de prescrição de 20 anos.
V. A Ré/Recorrida atua de má-fé ao invocar e tentar aproveitar-se do prazo de caducidade, pois, pela leitura das Atas, as mesmas evidenciam estar-se, de certa forma, perante uma ação continuada de entendimento, evidenciada na Ata nº 10, quando a Ré diz “ter solicitado um parecer externo para a resolução da situação, pois a obra realizada foi somente uma experiência”, e o facto de, conforme já referido, ter aderido ao recurso ao LNEC, para a realização de um estudo e elaboração de um parecer sobre as anomalias de construção que afetam a garagem do prédio.
VI. Sem desconsiderar o Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro, que regula os direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdos e serviços digitais, transpondo as Diretivas (UE) 2019/771 e (UE) 2019/770, com entrada em vigor a 01 de janeiro de 2022, que vem alargar o prazo de garantia dos bens imóveis, reforçando a responsabilização do “profissional”, na construção (compra e venda) de imóveis, em prol da defesa do consumidor, estabelecendo o prazo de 10 anos no decurso do qual o construtor é responsabilizado pelas faltas de conformidade relativas a elementos construtivos estruturais.
VII. O conhecimento da exceção perentória da caducidade deve / devia, ter sido relegada para final, por forma a melhor sedimentar a matéria da prova no caso sub judice, e não ser prematuramente decidida em sede de Despacho Saneador.
VIII. Os Autos devem descer à primeira instância para que aí se proceda à apreciação das questões suscitadas no presente recurso e cujo conhecimento ficou prejudicado pela decisão que foi tomada sobre o reconhecimento da exceção perentória de caducidade, que deverá ser revogada.
IX. A ação deverá prosseguir os seus ulteriores termos, até final, em busca da verdade material e efetivação da justiça que se almeja alcançar.» A ré respondeu com as seguintes conclusões:
«I. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo o douto tribunal de Recurso conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).
II. Servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso e balizar o âmbito do conhecimento do Tribunal - e não apenas para sintetizar os fundamentos aduzidos antes para a procedência da impugnação feita - , terão que ser identificados nas mesmas os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende (arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1 e nº 2, e 640º, nº 1, al. a), todos do C.P.C.).
III. A falta de indicação, nas conclusões de recurso, dos concretos pontos de facto que se considera incorretamente julgados, implica a rejeição imediata do recurso na parte afetada, uma vez que a lei não prevê a prolação de qualquer despacho de aperfeiçoamento dirigido à parte incumpridora do ónus de impugnação (arts. 639º, nº 3, a contrario, e 640º, ambos do C.P.C.).
IV. Em sede de conclusões, o Apelante não indica quais os concretos pontos da matéria de facto da douta sentença recorrida que deveriam ter obtido julgamento diferente - isto é - não identifica quais os concretos pontos da matéria de facto dada como provada que não deveriam ter sido considerados como provados, ou quais os que deveriam ter sido dados como provados.
V. Estando legalmente consentida a possibilidade ao juiz de proferir despacho a dispensar a produção de prova testemunhal, a sua prolação não configura a prática de nenhuma nulidade processual atípica nos termos do artigo 195.º do CPC, por tal despacho não assumir a veste de ato que consubstancie um desvio ao formalismo processual previsto na lei adjetiva.
VI. Por todo o exposto, bem andou a Merit.ª Juiz do Tribunal a quo ao decidir como decidiu, fazendo uma correta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 342.º do C. Civil e 195.º, 547.º e 591.º do CPC.
VII. A apreciação do recurso pertinente à interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto, do prévio sucesso do simultâneo recurso interposto sobre a matéria de facto fixada, sendo este rejeitado, fica necessariamente prejudicado o conhecimento daquele primeiro (art. 608.º, n.º 2, I parte, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, ambos do C.P.C.).
VIII. A Apelada em momento algum reconheceu a existência de defeitos de construção - até porque os mesmos não existem.
IX. Por seu turno o Apelante alega que a entrega do condomínio operou a 1 de abril de 2018 e que, no seu entender, pelo menos desde 5 de fevereiro de 2021 - cf. Artigo 9.º da douta petição inicial - se verificam os alegados defeitos, cuja reparação reclama.
X. Pelo que, à data que exerceu o seu alegado direito, o mesmo havia já caducado.
XI. E ainda que assim não se entendesse, sempre se teria de seguir o entendimento perfilhado pela Merit.ª Juiz do Tribunal a quo, contando tal prazo desde a data da notificação judicial avulsa.
XII. Ao decidir como decidiu, a Merit.ª Juiz do Tribunal a quo efetuou uma correta interpretação e aplicação do disposto no artigo 1225.º, n.º1 e 3 do Código Civil.»
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito. Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, coloca-se a questão de saber se estão neste momento provados nos autos factos que permitem julgar que caducou o direito de interpor a presente ação. II. Fundamentação de facto
A 1.ª instância considerou na sua decisão os seguintes factos:
1. O condomínio do prédio urbano localiza-se em Lisboa, na Rua …, n.º 2 e 2.ºA, tornejando para a Rua …, n.º 18 (com entrada pelo número 18), descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o número …, da freguesia de Nossa senhora de Fátima e do concelho de Lisboa.
2. O prédio foi construído de raiz pela Ré, que o constituiu em propriedade horizontal por escritura notarial datada de quinze de março de dois mil e dezoito, para a comercialização de frações destinadas a habitação.
3. A Ré tem no seu objeto comercial o exercício da atividade de compra, venda e gestão de propriedades, construção de edifícios (residenciais e não residenciais) e arrendamento de bens imobiliários.
4. A entrega do Condomínio operou-se a um de abril de 2018, tendo a Ré optado pela firma de gestão de Condomínios designada por Local Condomínio, para fazer a Administração das partes comuns do prédio.
5. Em data posterior foram prescindidos os serviços desta empresa, tendo a mesma sido destituída/exonerada das suas funções, por deliberação havida na Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos realizada a trinta de julho desse mesmo ano de 2018, sendo que a Ré ainda era a detentora da totalidade do capital investido no prédio.
6. Na sequência desta destituição, a empresa “C” Unipessoal, Lda., assumiu a Administração do Condomínio, por deliberação tomada na Assembleia Geral Ordinária de Condóminos, realizada ao décimo quinto dia do mês de outubro do ano de dois mil e dezoito, permanecendo, até à presente data, no exercício dessas funções.
7. Na Ata Nº 6 da Assembleia Geral Ordinária de Condóminos realizada ao vigésimo dia do mês de janeiro do ano de dois mil e vinte, a fls. 5, consta o que aqui se transcreve:
“Quanto ao quinto ponto da Ordem de Trabalhos, Outros assuntos de interesse comum e relevantes para o Condomínio, a representante do Condomínio, “C” Unipessoal, Lda. passou a palavra aos presentes que referiram:
Durante o ano de 2019 foi comunicado por diversas vezes, tanto pelo proprietário do R/C B, assim como pela Administração, a necessidade urgente de intervenção por parte da construtora … Imobiliária, SA., uma vez que sempre que chove entrar água na arrecadação do R/C B.
Em determinada altura a … Imobiliária, SA. após muita insistência, enviou um canalizador ao prédio a fim de aferir o que efetivamente se passava.
O canalizador, em questão, supostamente, responsável pela instalação da canalização do prédio, foi efetivamente à arrecadação, mas nada resolveu, e ainda deixou mais estragos, sendo que abriu um buraco no teto da arrecadação que ainda continua aberto na presente data.
Após essa visita, o proprietário e a Administração insistiram com a … Imobiliária, SA. , na pessoa do Sr. Eng° “E”, para que verificassem e reparassem a situação, sem sucesso e sem resposta.
Na presente assembleia todos os condóminos dirigiram-se à arrecadação em causa por forma a perceber-se a gravidade da situação e verificaram que existia um “rego” no chão da arrecadação, que se subentende ser de direcionamento da água da referida infiltração, para um furo existente no chão.
Acompanhando a direção desse furo dirigimo-nos ao piso -2, onde, constatámos que o referido furo tinha ligação a um tubo de escoamento de água para o chão do piso - 2, concluindo-se, portanto, que a … Imobiliária, SA., supostamente já tinha conhecimento desta infiltração.
Face ao exposto e considerando a difícil comunicação que todos os condóminos têm sentido cada vez que se dirigem à … Imobiliária, SA., foi aprovado por unanimidade dos presentes, que a Administração do Condomínio deverá reunir as queixas relativas a anomalias/defeitos de construção existentes nas frações autónomas, de todos os condóminos, e contratar um Advogado, com vista a comunicar à … Imobiliária, SA. as deficiências apontadas com um pedido de resolução, urgente, das mesmas. Igual procedimento deverá ter, a Administração do Condomínio, quanto a eventuais anomalias que detete existirem nas partes comuns do edifício, as quais deverão ser apresentadas em conjunto com as reclamações dos condóminos, quanto às frações autónomas.
Desde já fica registado em ata que, na eventualidade de o Advogado, a contratar pela Administração do Condomínio, considerar que deverá intervir, não apenas através do envio de uma carta registada com AR, ao construtor, mas através de uma Notificação Judicial Avulsa, sendo que, para tal, necessitará de uma Procuração Forense (subscrita por cada condómino que queira fazer a reclamação dos defeitos de construção), será apresentada a cada um desses condóminos uma minuta da procuração que, depois de assinada, deverá ser devolvida à Administração do Condomínio. A Procuração Forense será única e exclusivamente destinada a este fim e nada mais.”
8. Na Ata nº 8 da Assembleia Geral Ordinária de Condóminos realizada ao quinto dia do mês de fevereiro do ano de dois mil e vinte e um, a fls. 5, consta o seguinte:
“Quanto ao quarto ponto da Ordem de Trabalhos, “Outros assuntos de interesse comum e relevantes para o Condomínio”, a representante de “D” – “C” Unipessoal, Lda. Passou a palavra aos presentes que referiram:
[…]
De seguida foi levantada a questão das infiltrações e quedas de água que estão a ocorrer na zona das garagens. O Condómino da fração correspondente ao R/C B, tomou a palavra informando que a situação de entrada de água na sua arrecadação, ainda não foi resolvida pela … Imobiliária, S.A..
Salientou ainda, que as paredes da garagem estão a ganhar salitre e que encontram húmidas o que evidencia a presença/passagem de água naquelas zonas. Reforçou que escorre água das paredes em diversos pontos da garagem.
No seguimento deste tema passou a palavra para a condómina “F” da fração correspondente ao 2ºC, que relatou a situação preocupante em que se encontra a sua arrecadação, pois de há uns meses a esta parte, surgiram bolhas e danos no pladur que reveste uma das paredes do referido espaço. A condómina partilhou, com todos os presentes, fotografias que atestam os factos.
A representante da empresa gestora do condomínio sugeriu que seja agendada uma reunião no local com a … Imobiliária, S.A..
A representante da … Imobiliária SA, acedeu, comprometendo-se a agendar para breve uma visita técnica ao prédio, com o Sr. Eng. “E””
9. Na Ata nº 9 da Assembleia Geral Ordinária de Condóminos realizada ao décimo nono dia do mês de janeiro do ano de dois mil e vinte e dois, a fls. 4, consta o que aqui se transcreve:
[…]
“Quanto ao terceiro ponto da Ordem de Trabalhos: “Discussão e aprovação da interposição de processo judicial contra o construtor relativamente a defeitos de construção, e eventual cobrança de quotas extras para fazer face às despesas judiciais”
A Administração informou de todas as diligencias tomadas junto da … Imobiliária, S.A., para que os mesmo reparassem a parede de contenção/estrutural dos pisos de garagem, sem qualquer sucesso.
Existe inclusive uma comunicação via email da … Imobiliária, S.A. onde refere que as obras/reparações tinham sido concluídas no mês de setembro, o que não sucedeu, obviamente;
Neste sentido a Administração informou que em comunicação com a Sra. Dra. “I”, advogada, que procedeu à notificação judicial avulsa, em 2020, relativa a esta situação, que não resta outra solução ao Condomínio senão avançar com processo judicial com vista à correção de defeitos de construção.”
10. Na Ata nº 10 da Assembleia Extraordinária de Condóminos, realizada ao vigésimo dia do mês de abril do ano de dois mil e vinte e dois, a fls. 1 e 2, consta o que aqui se transcreve:
“Quanto ao primeiro ponto da Ordem de Trabalhos, “Discussão e aprovação da interposição de processo judicial contra o construtor relativamente a defeitos de construção, e eventual cobrança de quotas extras para fazer face às despesas judiciais”, a representante da “D” – “C” Unipessoal, Lda., explicou aos presentes que, apesar da intervenção realizada pela … Imobiliária, S.A., nas paredes dos dois pisos de garagem, conforme comunicado, previamente, a todos, verificou-se que logo ao cair das primeiras chuvas, mais concretamente, dia 23 de Março de 2022, comprovado através de filmagens, agora partilhadas por todos, caiu agua do teto e na parede das garagens, estando assim demonstrado e comprovado que as intervenções foram, manifestamente, insuficientes e ineficazes.
A proprietária da fração correspondente ao 2ºC, referiu a verificação do aumento de baratas, situação suspeita de estar, diretamente, relacionada com a humidade que as infiltrações geram e que aparenta estar a provocar, também, problemas maiores e mais graves do que inicialmente se identificou.
O proprietário da fração correspondente ao 1ºB, referiu que, à primeira vista, parece que a intervenção realizada pela … Imobiliária, S.A. foi, somente, uma picagem da zona infiltrada e reencaminhamento de águas para outros pontos da garagem, e não, como seria necessário, uma intervenção mais profunda.
Deve ainda perceber-se qual a próxima medida a tomar, até porque a intervenção da … Imobiliária, S.A., aparenta não estar concluída e, se for o caso, ser apurado em detalhe o que falta.
A proprietária da fração correspondente ao 1ºA, considera que a empresa … Imobiliária, S.A., devia fazer-se representar por um especialista a nível técnico, sem desprimor à presença da Sra. D. “B”, com o intuito de apresentar o seu plano de ação e respetiva intervenção técnica.
Dá ainda a sua opinião, no que concerne ao tipo de construção destas paredes de contenção, que serviriam para a retenção de terras e não de águas. Era de especial relevância, consultar o estudo geotécnico feito, assim como o livro de obra e perceber, desta forma, o que correu menos bem, aquando da construção da parede, pois somente assim será possível avaliar e propor uma intervenção mais cuidada e especifica.
A referida Condómina foi ainda questionada se poderia avaliar a situação, e prestar algum apoio ao condomínio, assim que obtiverem os projetos/ estudos e livro de obra. Referiu que sim, mas que esta área especifica, não é a sua especialidade e que efetivamente não existe nenhuma entidade que possa apresentar um estudo melhor e mais eficaz que o LNEC - Laboratório Nacional de Engenharia Civil.
Reforçou ainda que a responsabilidade técnica será sempre da … Imobiliária, S.A. e não da Câmara Municipal de Lisboa, sendo que, em primeira análise o condomínio tem de responsabilizar o empreiteiro – … Imobiliária, S.A., no caso.”
11. O edifício número 18 da Rua … localiza-se no bairro do …, no gaveto da Rua … com a Rua … (Figura 2.1). É um edifício com estrutura em betão armado, constituído por 2 caves (pisos 0 e -1) e por 3 pisos acima da cota de soleira (pisos 1 a 3). A sua área de implantação é de cerca de 390 m2, tendo a sua construção sido iniciada em 2016.
12. Na sequência da solicitação feita ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) pela Administração do Condomínio do edifício n.º 18 da Rua …, em Lisboa, por correio eletrónico do dia 26 de janeiro de 2022, foi elaborada uma proposta para o diagnóstico das infiltrações nas paredes dos pisos enterrados do edifício daquele condomínio e para a indicação de soluções adequadas para a resolução do problema.
13. A 22 de fevereiro de 2022, técnicos do LNEC deslocaram-se ao edifício referido, para uma primeira visita de inspeção às patologias identificadas e para recolha de informação.
14. O Empreiteiro havia executado, em data anterior a esta visita, alguns drenos para conduzir as infiltrações para o sistema de drenagem do pavimento do piso -1, e reparado algumas fissuras no piso 0.
15. Após a análise destes documentos, foi decidido realizar uma segunda visita de inspeção ao edifício no dia 31 de janeiro de 2023, que incluiu, para além das caves de estacionamento, a zona do poço de drenagem e do logradouro no tardoz do edifício.
16. No seguimento desta visita, solicitou-se a realização de dois furos à rotação com recolha de amostra integral (carotagens), na zona das infiltrações observadas nas paredes da cave inferior: um na parede confinante com o logradouro e outro na parede confinante com a Rua …. Estes furos foram executados a 28 de junho de 2023, tendo as amostras respetivas sido posteriormente enviadas para o LNEC. Realizou-se, ainda, uma visita adicional, a 29 de fevereiro de 2024, para observação do interior dos furos, previamente ao seu preenchimento integral com calda de cimento.
17. Em 23.10.2020, em sede de Notificação Judicial Avulsa, o autor notificou pessoalmente a ré para que esta, num prazo nunca inferior a 10 dias, atender às situações expostas na notificação judicial avulsa.
18. No texto dessa notificação, o autor pedia que sejam feitas novas diligências por parte desta entidade construtora no sentido de, efetivamente, detetar e suprimir a origem das infiltrações de água que, provindo da arrecadação do R/C B, afetam as partes comuns do prédio, retificando a obra realizada que se apresenta manifestamente insuficiente e defeituosa; a intervenção da entidade construtora do edifício na eliminação das entradas de água pela Claraboia do edifício; o reembolso da despesa de substituição da porta de entrada; a eliminação das deficiências / anomalias de construção na fração autónoma correspondente ao R/C D, que são da responsabilidade da entidade construtora e nesse sentido devem ser suprimidas eliminadas e/ou retificadas (avarias nos estores, avaria na pia da cozinha e Rodapé do poliban).
19. Mais fez o autor constar da notificação judicial avulsa que “estipula o prazo de quinze dias, sob pena de, não o fazendo, poder vir em ação própria, ser demandada para o efeito”. III. Apreciação do mérito do recurso
O tribunal a quo julgou verificada a exceção perentória de caducidade com o seguinte argumentário:
«No domínio do contrato de empreitada, há que distinguir, assim, 3 prazos de caducidade: 1) para a denúncia dos defeitos (de 30 dias cf. art. 1120.º, n.º 1; ou 1 ano art. 1225.º, n.º 2 1ª parte, todos CC); 2) para a propositura da ação judicial de responsabilidade do empreiteiro (1 ano: arts. 1224.º, n.º 1 e 1225.º, n.º 2 2ª parte, todos CC e 3); 3) e garantia (2 anos: cf. art. 1224.º, n.º 2 e 5 anos: cf. art. 1225.º, n.º 1, todos CC).
(…)
Ora, a Ré vem invocar que o Autor denunciou os defeitos ao empreiteiro em 05/02/2021 e que recairia sobre aquele a obrigação de intentar a ação no ano seguinte, pelo que em 22/05/2024 já há muito havia passado esse prazo.
Compulsados os autos, constata-se que o Autor, pelo menos desde 2019 vem denunciando vários defeitos relacionados com infiltrações ao nível das garagens, afetando sobretudo 2 frações (R/C b e 2.º andar C).
Desde logo, o Autor denunciou a queda de água na arrecadação do R/C B à Ré, pelo menos antes de 20/01/2020 (data da realização da Assembleia Geral Ordinária de Condóminos), tendo inclusive a Ré enviado um canalizador para aferir do que se tratava nessas frações. Por outro lado, constata-se também que o Autor denunciou a queda de água na zona das garagens, desde logo, na fração correspondente ao R/C B, e o surgimento de bolhas e danos no pladur da fração 2.ºC, pelo menos, no dia 05/02/2021, porquanto da reunião de Assembleia de condóminos ocorrida nessa data resultou que a representante da Ré iria realizar uma visita técnica ao prédio. Por fim, na reunião de Assembleia que teve lugar no dia 19/01/2022, foi discutida a interposição de ação judicial, ficando a constar que a Ré teve conhecimento de todos estes defeitos via e-mail.
Por último, e se dúvidas não houvesse, o Autor requereu a notificação judicial avulsa da Ré, a qual se realizou em 23.10.2020, na qual novamente dá nota dos defeitos e concede prazo para a Ré atender às situações expostas.
Ora, pelo exposto, se se atentar em todas estas datas, já iniciadas em 2019, resulta à evidência que a comunicação dos defeitos (como já se concluiu, não exige a lei forma especial) foi, realmente, efetuada, pelo menos, em 23/10/2020, pelo que tudo quanto se passou após resultou apenas num agravar de danos.
Outra conclusão não há a tirar que não esta: entre a data da denúncia dos defeitos (pelo menos, em 23/10/2020 ou, mais recentemente, em 19/01/2022) e a propositura da ação (em 22/05/2024) ocorreu mais do que 1 ano, pelo que, quanto a estes defeitos, o direito se encontra caduco.
Sobre a notificação judicial avulsa requerida pelo Autor contra a Ré, do teor da mesma resulta que a mesma teve como finalidade dar conhecimento à Ré dos defeitos encontrados e conceder-lhe um prazo para a sua eliminação e não interromper um qualquer prazo em curso. De todo o modo, diga-se que, por força do artigo 328º do CC, o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine. E no caso da empreitada, a lei não prevê qualquer suspensão ou interrupção.
Diga-se, ainda, que o prazo a que nos referimos é, sem dúvida, um prazo de caducidade (como aliás vem expressamente designado na epígrafe do artigo 1224.º do CC) e não de prescrição.
(…)
Assim, também, a intervenção que a Ré terá realizado em 2019 por meio de um canalizador não possui a virtualidade de interromper ou suspender o prazo de caducidade em curso após a denúncia.
Por outro lado, da Assembleia Extraordinária de condóminos, realizada no dia 20/04/2022 resultou que no dia 23/03/2022, apesar das intervenções realizadas pela Ré, ocorreu um agravamento dos danos, porquanto caiu água do teto e na parede das garagens e a proprietária da fração correspondente ao 2.º C referiu aumento do número de baratas em consequência da humidade gerada pelas infiltrações.
De facto, em lado nenhum, o Autor alega ter efetuado a denúncia desses mesmos defeitos à Ré (ónus que lhe cabia), apenas invocando que adjudicou o suprimento dessas anomalias ao LNEC, que elaborou um relatório propondo 4 soluções, sem desse agravamento dar conhecimento ao empreiteiro.
Por certo, a possibilidade de ser exigida ao empreiteiro a eliminação dos defeitos satisfaz não só o interesse do dono da obra em ver a prestação a que tem direito fielmente cumprida, mas também o interesse do empreiteiro em ser ele a efetuar essa obra de reparação, permitindo-lhe o controlo dos seus custos e evitar o agravamento dos prejuízos causados pelo defeito.
Ora, nos termos do art. 1225.º, n.º 2 CC, a denúncia destes defeitos ao empreiteiro deveria ter sido feita um ano após o seu conhecimento (23/03/2022), pelo que não o tendo sido, o direito de ação quanto a estes também caducou.»
Na sentença objeto de recurso, foram aplicadas as regras do CC, nomeadamente o art. 1225.º, que determina que, se no decurso de cinco anos a contar da entrega, o imóvel apresentar defeitos, o vendedor que o tenha construído é responsável por eles (n.ºs 1 e 4 do citado artigo); para tanto, porém, o adquirente deve denunciar os defeitos no prazo de um ano após o seu conhecimento, e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia (n.º 2 do art. 1225.º do CC). Entendendo que este último ano (prazo para interpor ação indemnizatória) estava ultrapassado, o tribunal a quo julgou a ação improcedente por caducidade do direito de a interpor.
O tribunal a quo não teve em consideração o regime da venda de bens de consumo, constante do DL 67/2003, de 8 de abril (alterado pelo DL 84/2008, de 21 de maio, e pelo DL 9/2021, de 29 de janeiro), e que é aplicável ao conflito dos autos, como passamos a justificar.
O DL 67/2003, de 8 de abril, transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio, sobre certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, e alterou a Lei 24/96, de 31 de julho (Lei da Defesa do Consumidor). Conforme afirmado no preâmbulo, preocupação central que se procurou ter sempre em vista foi a de evitar que a transposição da diretiva pudesse ter como consequência a diminuição do nível de proteção já então reconhecido na Lei 24/96. Manteve-se o conjunto de direitos reconhecidos ao comprador em caso de existência de defeitos na coisa. No que diz respeito aos prazos, previu-se um prazo de garantia, que é o lapso de tempo durante o qual, manifestando-se alguma falta de conformidade, poderá o consumidor exercer os direitos que lhe são reconhecidos. Tal prazo foi fixado em dois e cinco anos a contar da receção da coisa pelo consumidor, consoante a coisa vendida seja móvel ou imóvel. Manteve-se a obrigação do consumidor de denunciar o defeito ao vendedor. O regime de proteção do consumidor manteve-se imperativo.
O regime da compra e venda de bens de consumo instituído pelo DL 67/2003 aplica-se aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores, sendo estes pessoas a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios (arts. 1.º-A, n.º 1, e 1.º-B, al. a), do DL 67/2003, aditados pelo DL 84/2008). O regime aplica-se, ainda, com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo (arts. 1.º-A, n.º 2, do DL 67/2003).
Verificando-se uma relação de compra e venda de consumo (venda de bem por profissional a consumidor), as normas do regime da compra e venda de bens de consumo prevalecem sobre as normas gerais do CC, designadamente sobre as do art. 1225.º, às quais, na falta de norma especial, a relação dos autos também se subsumiria (considerando o disposto no n.º 4 do mesmo artigo que torna extensível a sua disciplina ao vendedor de imóvel que o tenha construído).
O autor – condomínio do prédio sito na Rua …, n.º 18, em Lisboa – corresponde ao conjunto dos condóminos desse prédio em propriedade horizontal. O autor condomínio não é uma pessoa coletiva, não tem personalidade jurídica nem, consequentemente, capacidade jurídica (sobre a dependência da capacidade jurídica da personalidade jurídica, v. arts. 157.º, 158.º e 160.º do CC, quanto às pessoas coletivas, e 66.º e 67.º do mesmo Código, quanto às singulares). Não obstante, a lei atribui-lhe personalidade judiciária, ou seja, a suscetibilidade de ser parte, de estar em juízo em substituição dos condóminos (arts. 11.º, n.º 1, e 12.º, al. e), do CPC). O condomínio, pessoa judiciária, mas não pessoa jurídica, é parte em juízo em substituição dos condóminos. Nas palavras de Rui Pinto, «apesar de ser uma parte meramente judiciária ou formal, o condomínio não dispõe de personalidade jurídica material. O condomínio não é uma pessoa coletiva. Por isso, “uma sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos, podendo ser executada contra estes” (RC 15-10-2013/Proc. 379/03.2TBOFR.C1, JOSÉ AVELINO GONÇALVES) “ou seja, a parte vinculada aos efeitos da decisão não é a parte processual – condomínio – pessoa meramente judiciária, mas a pessoa jurídica que não é parte processual – condóminos”» («A execução de dívidas do condomínio», in Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, 2017, p. 183).
O mesmo se diga para a parte ativa condomínio: a sentença proferida a favor do condomínio reconhece ou gera direitos dos condóminos e a estes aproveita. Os direitos que o autor condomínio faz valer nesta ação são direitos dos condóminos ou de alguns deles.
Considerando o alegado na petição inicial e os factos considerados na sentença ora objeto de recurso, a maioria dos condóminos são pessoas singulares residentes nas frações, que adquiriram para sua habitação. Os defeitos afetam frações e também partes comuns. De acordo com a escritura de constituição de propriedade horizontal junta aos autos com a p.i., o imóvel é constituído por dezoito frações, “A” a “S”, todas para habitação e, apesar de não constar dos autos certidão predial das várias frações que ateste a identidade dos proprietários das mesmas, de acordo com o constante das atas juntas aos autos com os articulados, os proprietários são pessoas singulares (com exceção da ré … Imobiliária, S.A., que surge ainda como condómina, titular de duas frações, e das sociedades “G”, com três frações, e “H”, com uma – v. ata junta com a contestação). Devemos presumir que a maioria (2/3) dos condóminos são pessoas singulares que adquiriram para sua habitação, qualificando-se, portanto, como consumidores. O facto de haver entre os condóminos sociedades (1/3, contando com a ré) não pode prejudicar o conjunto dos condóminos consumidores.
O DL 67/2003 foi, entretanto, revogado pelo DL 84/2021, de 18 de outubro (cf. art. 54.º deste), mas continua a aplicar-se aos contratos celebrados até 1 de janeiro de 2022, como é o caso das aquisições das frações em causa nos autos. Com efeito, o DL 84/2021 entrou em vigor em 1 de janeiro de 2022 e, em matéria de contratos de compra e venda de bens móveis ou imóveis, aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor (arts. 53.º e 55.º do DL 84/2021).
Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato (art. 4.º, n.º 1, do DL 67/2003, norma que se mantém inalterada no art. 24.º, n.º 1, do DL 84/2021).
O regime de 2021, porém, veio melhorar a situação do consumidor, ocorrendo-nos, pela sua relação com o caso concreto, mencionar três diferenças.
À luz do regime de 2003, o consumidor pode exercer os direitos acabados de mencionar quando a falta de conformidade se manifestar dentro do prazo de cinco anos a contar da entrega do bem imóvel (art. 5.º, n.º 1, do DL 67/2003); prazo que se suspende a partir da data da denúncia, durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens (n.º 7 do art. 5.º). No regime de 2021, o profissional responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista quando o bem imóvel lhe é entregue e que se manifeste no prazo de: a) 10 anos, em relação a faltas de conformidade relativas a elementos construtivos estruturais; b) 5 anos, em relação às restantes faltas de conformidade (art. 23.º, n.º 1, do DL 84/2021). Os referidos prazos de garantia suspendem-se a partir da data da comunicação da falta de conformidade pelo consumidor ao profissional e durante o período em que o consumidor estiver privado do uso do bem (n.º 3 do mesmo artigo e diploma).
No regime de 2003, para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade de bem imóvel no prazo de um ano a contar da data em que a tenha detetado (art. 5.º-A, n.º 2, do DL 67/2003). O DL 84/2021, por seu turno, eliminou a obrigação que pendia sobre o consumidor de denunciar o defeito dentro de determinado prazo após o seu conhecimento, restabelecendo-se a inexistência de obstáculos ao exercício de direitos de que o consumidor dispõe durante o prazo de garantia dos bens (v. preâmbulo).
Em ambos os regimes, os direitos atribuídos ao consumidor caducam decorridos três anos a contar da data da comunicação da falta de conformidade (art. 5.º-A, n.º 3, do DL 67/2003, e art. 25.º, n.º 1, do DL 84/2021).
Porém, as normas que se reportam à suspensão deste prazo são diferentes, pelo menos na sua redação. Nos termos do n.º 4 do art. 5.º-A do DL 67/2003, o referido prazo suspende-se durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens com o objetivo de realização das operações de reparação ou substituição, bem como durante o período em que durar a tentativa de resolução extrajudicial do conflito de consumo que opõe o consumidor ao vendedor ou ao produtor, com exceção da arbitragem. Nos termos do n.º 2 do art. 25.º do DL 84/2021, o mesmo prazo suspende-se nas seguintes situações: a) desde a data de comunicação da falta de conformidade ao profissional até à conclusão das operações de reparação ou substituição; e, b) durante o período temporal em que durar a tentativa de resolução extrajudicial do conflito de consumo que opõe o consumidor ao profissional ou ao produtor.
A segunda parte do n.º 4 do art. 5.º-A do DL 67/2003 (com paralelo na al. b) do n.º 2 do art. 25.º do DL 84/2021) não releva para o caso, pois a tentativa de resolução extrajudicial do conflito de consumo a que essas normas aludem reporta-se apenas a meios alternativos de resolução de litígios, com intervenção de terceiros, e não também a meras conversações entre as partes.
Portanto, ambos os regimes – o revogado, mas ainda aplicável ao caso sub judice, e o vigente – preveem um prazo de caducidade de três anos para a propositura da ação, após denúncia de defeitos de imóvel. A norma paralela do Código Civil, que a sentença objeto deste recurso aplicou, prevê um ano (art. 1225.º, n.º 2, parte final, do CC).
No que respeita à suspensão do prazo de caducidade do direito de ação, as normas dos dois regimes de consumo são, como referido, diferentes no seu texto. O novo regime do DL 84/2021 tornou mais claro que o prazo de caducidade se suspende desde a data de comunicação da falta de conformidade ao profissional até à conclusão das operações de reparação ou substituição (art. 25.º, n.º 2, al. a) do DL 84/2001).
O regime pretérito, aplicável aos autos, exprime que o prazo de três anos para o exercício dos direitos, a contar da denúncia, se suspende enquanto o consumidor está privado do uso dos bens com o objetivo de realização das operações de reparação ou substituição (art. 5.º-A, n.º 4, 1.ª parte, do DL 67/2003, aditado pelo DL 84/2008). Esta norma pode permitir uma interpretação mais restritiva do que a do DL 84/2021. Segundo, entendemos, porém, o regime anterior devia ser interpretado no sentido de o prazo de caducidade se suspender desde a data de comunicação da falta de conformidade ao profissional até à conclusão das operações de reparação ou substituição (como claramente passou a ser afirmado no novo regime do DL 84/2021). Esse parece ser também o entendimento de Jorge Morais Carvalho, quando escreve em 2011 (sobre o DL 67/2003, com a redação conferida pelo DL 84/2008) que, «[t]al como o prazo da garantia de conformidade, também o de caducidade da ação se suspende enquanto o consumidor estiver à espera que o profissional resolva o problema, repondo a conformidade do bem» (Jorge Morais Carvalho, Os Contratos de Consumo, Reflexão sobre a Autonomia Privada no Direito do Consumo, Lisboa, 2011, TD, https://run.unl.pt/bitstream/10362/6196/1/Carvalho_2011.pdf, p. 550). Se o bem for reparado várias vezes, o prazo só se reinicia com a última reparação (acrescenta o mesmo autor, no Manual de Direito do Consumo, 6.ª ed., Almedina, 2019, p. 345). Em relação ao prazo da garantia, o DL 67/2003, na redação do DL 84/2008, determina que se suspende «a partir da data da denúncia, durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens» (n.º 7 do art. 5.º). O n.º 7 foi aditado pelo DL 84/2008, mas corresponde, em termos materiais, ao anterior n.º 5, revogado pelo mesmo diploma, que estabelecia que «o decurso dos prazos suspende-se durante o período de tempo em que o consumidor se achar privado do uso dos bens em virtude das operações de reparação da coisa». A redação do DL 84/2008 «é mais adequada, estatuindo no sentido de a suspensão do prazo estar diretamente relacionada com o período em que se verifique a desconformidade, independentemente da solução que o consumidor adote. Não fazia sentido que, durante o período de negociações quanto à decisão sobre o remédio a utilizar ou durante o período necessário para a substituição do bem, o prazo não se suspendesse. Esta era já, aliás, interpretação corrente face ao regime anterior» - Jorge Morais Carvalho, Os Contratos de Consumo…, cit., p. 541 e bibliografia citada na nota 1316.
A partir do momento em que o consumidor denuncia o defeito, o profissional sabe que deve remediá-lo ou, caso não concorde com a existência do defeito denunciado, deve afirmar claramente que não irá fazê-lo. Enquanto uma situação ou outra não sucede, não há motivo para proteger o profissional, nem para que continue a correr o prazo para propositura da ação. Entendemos, portanto, que, também à luz do regime aplicável ao caso sub judice (o do DL 67/2003), o prazo de caducidade do direito de ação se suspende desde a denúncia e enquanto o consumidor espera que o profissional resolva o problema, repondo a conformidade do bem ou lhe comunique claramente que não o fará.
Retornando ao caso concreto, houve denúncia de defeitos durante o ano 2019 (facto 7), portanto dentro do prazo de garantia (art. 5.º, n.º 1, do DL 67/2003), que, então, se suspendeu (n.º 7 do art. 5.º do mesmo diploma). Após a denúncia, a ré enviou um canalizador em 2019, que intervencionou o local, deixando-o com mais danos (facto 7).
Na assembleia de condóminos de 20/01/2020, foi debatido o facto de a intervenção feita pela … Imobiliária, S.A. nada ter solucionado e ainda ter causado novos danos (relembramos que a … Imobiliária, S.A. é condómina, pelo que teve necessariamente conhecimento da reunião e do teor da ata).
Até à assembleia de 05/02/2021, a … Imobiliária, S.A. nada mais fez, o assunto voltou a ser debatido na assembleia dessa data, tendo-se a ré comprometido, nessa assembleia, a agendar para breve uma visita técnica ao prédio (facto 8).
Na assembleia de 19/01/2022, o assunto voltou a ser debatido, por os condóminos entenderem que os defeitos se mantinham (facto 9). Na ata dessa assembleia alude-se a um «email da … Imobiliária, S.A. onde refere que as obras/reparações tinham sido concluídas no mês de setembro» (facto 9), ou seja, a ré informou finalmente os condóminos, de que dava as obras por concluídas em setembro de 2021. Entre 2019 e setembro de 2021 ainda havia, portanto, esperança de solução extrajudicial, à qual a ré apenas fechou as portas em setembro de 2021.
Discordando os demais condóminos de que os defeitos estivessem reparados, o prazo de propositura da ação conta-se a partir daquele email, pelo qual a ré deu por encerrados os trabalhos de reparação em setembro de 2021.
Entre a denúncia dos defeitos e a comunicação de que os trabalhos de reparação estavam concluídos ficou suspenso o prazo de propositura da ação (art. 5.º-A, n.º 4, do DL 67/2003, conforme acima interpretado).
Repare-se que consta da ata dessa assembleia de 19/01/2022 que, perante o referido email, o autor informou a sua advogada que apenas restaria avançar com processo judicial com vista à correção de defeitos de construção.
Em assembleia de 20/04/2022 (facto 10), os condóminos deliberaram pedir parecer ao LNEC, que efetuou vistoria e apresentou relatório (factos 13 a 16).
A presente ação foi intentada em 22/05/2024.
Aqui chegados, impõe-se concluir que, perante os factos considerados na sentença objeto de recurso, por email, a ré … Imobiliária, S.A. comunicou que «as obras/reparações tinham sido concluídas no mês de setembro», presume-se que de 2021, pois trata-se de situação descrita na ata de 19/01/2022. Apenas a partir dessa comunicação se reinicia o prazo de garantia e se inicia o prazo de três anos para propositura da ação, que se tinham suspendido com a denúncia dos defeitos (arts. 5.º, n.ºs 1 e 7, e 5.º-A, n.ºs 3 e 4, do DL 67/2003). IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e improcedente a exceção de caducidade do direito de ação, determinando o prosseguimento dos autos.
Custas pela apelada.
Lisboa, 11/09/2025
Higina Castelo
João Paulo Raposo
Ana Cristina Clemente