MATÉRIA DE FACTO
DEFICIÊNCIAS
CONTRADIÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
CUSTAS
Sumário

Sumário (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC):
I – A deficiente ponderação dos meios de prova que, na perspetiva da recorrente, está na origem do não apuramento do quantum dos danos, não constitui fundamento de nulidade da sentença por falta de pronúncia sobre questões de conhecimento obrigatório, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), CPC, reconduzindo-se, ao invés, a questão a apreciar em sede de impugnação da matéria de facto.
II – Sendo o pedido reconvencional composto por diversas parcelas, o limite que restringe a condenação, nos termos do disposto no artigo 609º, nº 1, alínea a), CPC, é o limite total (a soma de todas as parcelas), e não cada parcela de per si.
III – Discutindo-se nos autos o (in)cumprimento de determinado contrato de prestação de serviços de manutenção e reabilitação de espaços verdes, impõe-se a definição factual do conteúdo da obrigação assumida tendo por base as alegações contidas nos articulados, sob pena de obscuridade da decisão de facto, em termos subsumíveis ao disposto no artigo 662º, nº 2, alínea c), CPC.
IV – Resultando dos factos provados que a autora/reconvinda executou integralmente a sua prestação contratual e, simultaneamente, que a ré/reconvinte, perante a sua inércia, se viu forçada a intervir na execução dos mesmos trabalhos, deverá concluir-se pela afirmação de duas realidades incompatíveis entre si, impondo-se a alteração da matéria de facto de molde a suprimir tal contradição e a viabilizar o enquadramento jurídico da ação e da reconvenção.
V – A enunciação dos factos provados apenas com referência às páginas do seu suporte físico, como “teor dos documentos de fls (…)” apresenta deficiências por não permitir apreender quais os factos que o tribunal recorrido dos mesmos extraiu, além de que a atual natureza eletrónica dos processos (cfr. artigo 132º, nº 1, CPC) dificulta a compreensão e o controlo da decisão pelas partes e pelo Tribunal da Relação.
VI – Debatendo-se nos autos duas versões contraditórias quanto ao teor das obrigações assumidas pelas partes em determinado contrato, a falta de fundamentação crítica dos meios de prova ponderados quanto ao conteúdo de tais prestações implica a remessa dos autos ao tribunal recorrido para que seja suprido tal vício, nos termos do disposto no artigo 662º, nº 2, alínea d), CPC.

Texto Integral

Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:

I - RELATÓRIO
A autora, “Lusifor-Serviços Técnicos e Especializados, Ldª”, identificada nos autos, instaurou em 15-02-2021, no Juízo Central Cível de Lisboa, a presente ação declarativa comum contra a ré “Perene, SA”, igualmente identificada nos autos, solicitando a sua condenação no pagamento da quantia de € 71.691,91, acrescida de juros vencidos e vincendos sobre o capital de € 62.877,06, até efetivo e integral pagamento.
Fundamentando tal pedido, alegou a autora que entre a ré e a Câmara Municipal de Lisboa foi celebrado um contrato de prestação de serviços de manutenção e reabilitação de espaços verdes, que teve por objeto uma área do Parque Florestal de Monsanto, com o valor total de € 164.738,50, e uma duração de 10 meses, com início em setembro de 2018. Logo no início da execução do contrato, autora e ré acordaram na cessão da posição contratual desta, mediante o pagamento pela primeira de uma contrapartida de € 16.473,85, acrescida de IVA.
Assim, em setembro de 2018, a autora iniciou a execução integral do contrato, prestando a totalidade dos serviços previstos. Sucede que o acordo de cessão da posição contratual só foi formalizado em 12-12-2018, pelo que entre setembro de 2018 e janeiro de 2019, todos os serviços prestados no âmbito do referido contrato, no valor de € 95.724,85, embora faturados pela ré, foram prestados pela autora, limitando-se a ré a fazer a gestão administrativa do contrato.
Dessa quantia que recebeu da Câmara Municipal de Lisboa, a ré apenas pagou à autora € 12.584,95, estando em dívida € 83.139,88, que esta entende ter direito a receber, deduzida a contraprestação prevista no acordo de cessão da posição contratual.
Concluiu que para o caso de se entender que a ré não está contratualmente obrigada a entregar tal quantia à autora por decorrência do acordo de cessão da posição contratual, sempre a mesma seria devida com fundamento em enriquecimento sem causa ou no regime da subcontratação de serviços.
A ré contestou a ação, alegando que até à formalização da cessão da posição contratual acordou com a autora a prestação dos serviços em causa em regime de subempreitada, o que sucedeu no período de 10-09-2018 e 10-02-2019, data em que o contrato por si celebrado com a Câmara Municipal de Lisboa foi formalmente transferido para a esfera jurídica da autora. Sucede que a autora incumpriu o contrato, não realizando os trabalhos como estava previsto no caderno de encargos, acabando a ré por ser penalizada por este incumprimento pela Câmara Municipal de Lisboa, além de que se viu forçada a colocar trabalhadores e equipamentos seus para execução dos trabalhos que a autora não executou.
Concluiu, assim, não dever qualquer quantia à autora, deduzindo reconvenção, solicitando a condenação da autora/reconvinda no valor global de € 122.440,26, correspondente aos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe foram causados pelo seu incumprimento contratual.
Replicou a autora, alegando que cumpriu as suas obrigações contratuais e que foi a gestão desastrosa da ré, que aceitou executar trabalhos não incluídos no contrato, impondo-lhe a sua execução, que deu causa aos prejuízos alegados.
Pugnou pela improcedência do pedido reconvencional.
Foi realizada audiência prévia, no decurso da qual foi admitida a reconvenção e proferido despacho saneador, que afirmou a regularidade da instância, tendo ainda sido enunciado o objeto do litígio e os temas de prova, sem qualquer reclamação.
Finda a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação procedente, condenando a ré a pagar à autora a quantia global de € 71.691,91, e a reconvenção parcialmente procedente, condenando a autora a pagar à ré a quantia ilíquida, a apurar em liquidação, relativa aos custos suportados pela reconvinte com a execução dos trabalhos considerados prioritários pela Câmara Municipal de Lisboa.
Não se conformando com tal decisão, ambas as partes da mesma interpuseram recurso, transcrevendo-se as respetivas conclusões, suprimindo parte das repetições:
A – Recurso da ré
“i. O presente recurso versa sobre matéria de facto e de Direito.
ii. No que concerne à matéria de facto, o Tribunal a quo deveria ter dado como provados os factos referentes ao pedido reconvencional formulado pela Recorrente.
iii. Relativamente à matéria de Direito, a decisão recorrida está ferida de nulidade, por omissão de pronúncia, sobre questão que deveria ter apreciado e, ainda, por se considerar que a fundamentação de direito da decisão recorrida não está em consonância com a matéria de facto dada como provada. Neste sentido, a decisão ora em crise padece de um erro na aplicação do direito ao caso concreto.
iv. Pugna a recorrente a sentença recorrida está ferida de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos ínsitos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte do CPC, porquanto o juiz deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, isto é, do pedido reconvencional deduzido pela Recorrente contra a Autora.
v. A ré/ Recorrente deduziu reconvenção, nos termos da qual apresentou um pedido e correspondente causa de pedir, a saber, o pagamento pela A. à R. dos montantes de €22.440,26 e de €100.000,00, respeitantes, respetivamente, aos custos e prejuízos suportados pela recorrente na obra em apreço por conta do trabalho deficiente executado pela Autora, e aos danos não patrimoniais causados por conta da conduta da Autora na execução dos trabalhos subcontratados.
(…) vii. O Tribunal a quo deveria ter apreciado e julgado a ação autónoma apresentada em juízo pela Recorrente contra a Autora. No entanto, absteve-se de apreciar tal pedido reconvencional, relegando o seu conhecimento para ação de liquidação subsequente.
viii. Recorrente apresentou prova, mormente documental, com vista à procedência do pedido.
ix. A decisão em crise limita-se a dar como assente que a recorrente incorreu em custos e prejuízos por consequência da má execução dos trabalhos realizados pela Autora, no entanto, absteve-se de apurar os mesmos apesar de toda a prova carreada para os autos pela Recorrente.
(…) xii. No que concerne à matéria de facto, a ora Recorrente demonstrou e determinou os custos que suportou pela contratação de meios técnicos e humanos com vista a honrar o contrato celebrado com a Câmara Municipal de Lisboa.
xiii. Resultou tanto da prova documental como da testemunhal que a Recorrente viu-se obrigada a intervir nas obras mal executadas pela Autora, tendo, para o efeito, contratado meios técnicos e humanos por forma a suprir a má execução dos trabalhos realizados pela Autora. Facto este dado como provado na sentença recorrida.
xiv. Por conta dessa intervenção da Recorrente, ocasionada pela A., a primeira suportou custos no montante de €42.906,77, acrescido de IVA, a título de subcontratação de outras empresas para prestarem bens e serviços nas obras da CML, as quais eram da incumbência da Autora. A acrescer, teve a Recorrente de suportar custos internos por ter alocado trabalhadores seus e maquinaria nas obras subcontratadas à A., tendo despendido a quantia de €28.030,18, acrescido de IVA.
xv. Com efeito, deduzidos todos custos suportados pela Recorrente e ainda o montante de €16.471,85 pela cessão da posição contratual que não foi pago à Recorrente, à quantia paga pela CML à Recorrente (€82.940,91 acrescido de IVA), a A. é devedora do montante de €18.244,11, acrescido de IVA, o que perfaz a quantia global de €22.440,26, o qual deveria ter sido reconhecido pelo Tribunal a quo.
xvi. Assim, perante a prova carreada para os autos pela Recorrente, o Tribunal a quo deveria ter considerados como provados os seguintes factos: a ré suportou custos no montante de €42.906,77, acrescido de IVA, a título de subcontratação de outra empresas para prestarem bens e serviços nas obras da CML; a ré suportou ainda custos internos por ter alocado trabalhadores seus e maquinaria nas obras subcontratadas à A., tendo despendido a quantia de €28.030,18, acrescido de IVA; deduzidos os montantes antecedentes à quantia paga pela CML diretamente à ré, a saber 82.940,91, acrescido de IVA, e ainda a quantia de €16.471,85 devida à ré pelo pagamento da cessão de posição contratual que não foi pago, é ainda a autora devedora da ré no montante de €18.244,11, acrescido de IVA, isto é de €22.440,26. Concluindo-se, assim, pela procedência do pedido reconvencional a título de danos patrimoniais no montante de €22.440,26.
xvii. Ainda, tendo o Tribunal a quo concluído que pela existência de créditos recíprocos entre as partes, deveria ter feito operar uma compensação de créditos nos termos do artigo 847.º do Código Civil, dada a verificação dos pressupostos de tal causa de extinção das obrigações.
xviii. Prescreve ainda o n.º 3 do mencionado artigo que a iliquidez da dívida não impede a compensação (…).
xx. Não colhe o mínimo sentido que a Recorrente tenha de entregar à Autora a quantia de 71.691,91 euros para, de seguida, esta a reembolse pelas despesas que a Recorrente suportou com a realização de trabalhos que eram incumbência daquela.
xxi. Com efeito, a fundamentação de direito da decisão recorrida não está em concordância com a matéria de facto dada como provada, pelo que a decisão padece de um erro na aplicação do direito ao caso concreto.
xxii. Regressando ao pedido reconvencional, a Recorrente peticionou o pagamento pela Autora da quantia de €100.000,00 a título de danos não patrimoniais assentes na ofensa ao seu bom nome e reputação, o qual foi julgado improcedente pelo Tribunal a quo.
xxiii. Vislumbrou-se provado na decisão recorrida que, por conta da conduta da Autora, nomeadamente a má execução dos trabalhos subcontratados, a Câmara Municipal de Lisboa aplicou à Recorrente a penalização máxima prevista, que de acordo com o caderno de encargos poderia cumulativamente ter a consequência grave de exclusão do Acordo Quadro.
xxiv. Tal penalização máxima por si só denegriu gravemente o bom nome e reputação da Recorrente, marcando negativamente o percurso desta, designadamente no que respeita à sua candidatura a concursos públicos, pelo que o seu bom nome e reputação estão irremediavelmente afetados.
xxv. Assim, deveria o tribunal a quo ter considerado como provados os seguintes factos: A situação em que a reconvinda colocou a reconvinte pôs em causa o prestígio e a credibilidade da R. enquanto pessoa coletiva, a tal ponto que afetou durante algum tempo a sua prossecução neste ramo; Na verdade, sendo aplicada uma penalização máxima, a empresa fica automaticamente na mira e especial atenção da fiscalização e caso algo corra menos bem, facilmente pode ser excluída do contrato; Tal situação, ocasionada pela Autora, ofendeu o bom nome e reputação da ré.
xxvi. Por conseguinte, deveria ser julgado procedente o pedido reconvencional respeitante aos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente, por ofensa ao seu bom nome e reputação.”
B - Recurso da autora:
“A) O presente recurso tem por objeto a impugnação da matéria de facto dada como provada, designadamente, os Pontos Z), BB) e DD), bem como a matéria de facto dada como não provada correspondente aos arts. 16.º, 17.º, 26.º a 26.º, 30.º e 31.º da Réplica.
B) O presente recurso tem ainda por objeto a impugnação da decisão recorrida na parte em que julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional.
C) O Tribunal Ad Quo não apreciou devidamente a questão referente ao objeto do contrato celebrado entre a RÉ e a CML, omitindo factos essenciais para a correta decisão da causa.
D) Salvo o devido respeito, a sentença proferida pelo douto tribunal ad quo, na parte em que julgou a reconvenção parcialmente procedente, padece de vícios de violação de lei e de erro notório de julgamento, dando como provados factos que deveria ter dado como não provados e vice-versa.
E) Com efeito, salvo melhor entendimento, o tribunal ad quo apreciou incorretamente um aspeto essencial do objeto do litígio - “o objeto do contrato celebrado entre a RÉ e a CML” -, dando como provados factos, nomeadamente, os que constam nas alíneas Z), BB) e DD), que não deviam ter sido dados como provados, ou deveriam ser reformulados, valorando o depoimento de uma testemunha – AA – que se revelou contrário à prova documental apresentada nos autos, apresentando várias contradições, contrariando o depoimento de outras testemunhas – nomeadamente BB, CC – cujos depoimentos foram credíveis e corroboraram a prova documental produzida nos autos.
F) Por outro lado, o tribunal considerou como não provados os factos constantes dos arts. 16.º, 17.º, 26.º a 26.º, 30.º e 31.º da Réplica, que em face da prova documental, corroborada pela prova testemunhal, deveriam ter sido dados como provados.
(…) H) Consequentemente, a decisão da matéria de facto deverá ser revista, dando-se desde logo como provados os factos a seguir indicados, relativos aos arts. 16.º, 17.º, 26.º a 26.º, 30.º e 31.º da Réplica, que o tribunal ad quo considerou não provados, e que devem, assim, ser aditados à matéria de facto dada como provada:
- Estando já em vigor o contrato entre a CML e a Apelada, e depois de acordada sub contratação entre esta e a Apelante, a SCML, solicitou à CML o abate e limpeza de árvores, numa extensão de grande dimensão;
- Os trabalhos de abate considerados prioritários pela CML não eram trabalhos de manutenção, mas antes de reabilitação que só podiam ser realizados mediante a correspondente remuneração de acordo com o estipulado no caderno de encargos, a qual acrescia ao valor mensal contratado dos serviços de manutenção.
- No momento em que as partes acordaram iniciar a prestação de serviços em regime de sub-contratação, os trabalhos de abate considerados prioritários não faziam parte do contrato.
- Após o início da subcontratação entre a Apelante e a Apelada, esta aceitou incluir nos trabalhos normais de manutenção, os abates prioritários solicitados pela CML, sem o conhecimento ou consentimento da Apelante, que nunca se vinculou à realização dos mesmos.
- A Apelante não estava contratualmente obrigada a executar todos os trabalhos de abate incluídos no Planeamento de Outubro de 2018 da CML;
I) Deve também ser alterada a decisão da matéria de facto dada como provada:
- Dando como não provada a matéria constante do Ponto Z) da sentença recorrida;
- Reformulando-se a matéria de facto constante do Ponto BB) da sentença recorrida, que deverá passar a ter a seguinte redação: “Por se ter vinculado aos mesmos, a R. interveio na execução desses trabalhos, referidos nos emails do Eng AA como prioritários, como resulta dos documentos juntos a fls. 204 e 205 dos autos, disponibilizando meios seus que estavam noutras obras, contratando recursos humanos a outras empresas, e alugando equipamentos para uma boa execução dos trabalhos, o que fez por sua conta e risco”;
- Reformulando-se a matéria de facto constante do Ponto DD) da sentença recorrida, que deverá passar a ter a seguinte redação: “Para realização dos trabalhos em causa no mês de outubro de 2018 a ré despendeu quantia não concretamente apurada, mas não superior a € 22,440,26 em meios humanos e técnicos”
J) Com efeito, analisando a decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente os pontos e artigos referidos na alínea anterior, constata-se que o tribunal ad quo considerou que os trabalhos de abate de árvores que a CML incluiu no Planeamento de Outubro de 2018 consistiam em trabalhos de manutenção, e que a sua não execução integral pela Apelante configurou incumprimento contratual, que gerou custos para Apelada referentes aos meios que terá empregado para executar os trabalhos não realizados pela Apelante.
K) Porém, resulta da prova documental e testemunhal que os trabalhos de abate solicitados pela CML não eram trabalhos de Manutenção, mas antes trabalhos de reabilitação, que estavam excluídos dos trabalhos “normais” previstos no contrato.
L) O tribunal ad quo desconsiderou o texto do contrato, que indica de forma inequívoca o enquadramento dos trabalhos de abate enquanto trabalhos de manutenção, bem como o depoimento das testemunhas, na parte em que corroboraram o teor dos documentos.
M) Como se procurará demonstrar, os trabalhos de abate integrados no planeamento de outubro de 2018, não se fundaram nos motivos indicados no art.º 72.º do Caderno de Encargos, que determinava que poderiam “...ser eliminadas total ou parcialmente árvores doentes, secas ou que se encontrem em risco de queda”, mas antes numa necessidade de proceder à desmatação e limpeza de uma área que estava a ser objeto de uma operação urbanística a cargo da SCML.
N) O tribunal ad quo ignorou o teor das comunicações juntas aos autos pela própria Apelada, que não foram impugnados pela Apelante que, sem margem para dúvidas, permitem concluir que os trabalhos de abate na zona em causa foram ordenados pela CML por causa da obra da SCML.
O) Na fundamentação da decisão da matéria de facto, pode ler-se na parte em que valorou o depoimento da testemunha A: “Os trabalhos cuja execução exigiu constavam do contrato celebrado pela ré com a CML, sem margem para dúvidas e como prioritários tinham mesmo que ser realizados juntamente com os restante....”
P) Esta convicção do tribunal ad quo assenta no entendimento que a referida testemunha, de que qualquer tipo de abate estava incluído no contrato e que portanto, a CML poderia ordenar – como ordenou – o abate massificado de árvores, mesmo que não se tratassem de árvores doentes, secas ou (...) em risco de queda”
Q) Tal entendimento não poderia ter sido valorado por se tratar de uma interpretação contrária ao texto do contrato.
R) A mesma testemunha, baseando-se na sua experiência de supervisão deste tipo de contratos, explicou ao tribunal ad quo que a normal execução do contrato sub judice, excluindo o abate de árvores, implicava a afetação de cerca de 6 (seis) trabalhadores e a utilização de outros meios, cujo custo corresponderia a cerca de 80% do valor do contrato, ou seja, que permitiria, em princípio, gerar um lucro de 20% para o cocontratante.
Referiu a mesma testemunha que o abate de árvores, por este solicitado, envolvia, pelo menos, a afetação de 5 (cinco) trabalhadores e meios mecânicos pesados, além da contratação dos serviços de transporte dos combustíveis, o que objetivamente se revelava impossível na economia do contrato.
S) E quando questionado sobre a evidência da impossibilidade de execução desses serviços em virtude do valor contratual se revelar insuficiente para suportar a afetação de meios necessários para o abate, a testemunha simplesmente referiu que não era problema seu: “Isso é um problema das empresas, não é meu.”
T) Ou seja, ficou patente que, no entendimento desta testemunha, a CML poderia ordenar indiscriminada e livremente o abate de árvores, e incluir todo o tipo de abates num contrato que apenas previa situações pontuais de abate de árvores, em situações de árvores doentes, secas ou (...) em risco de queda.
(…) V) O tribunal ad quo ignorou ainda um aspeto da maior importância, que resulta evidenciado pela prova documental, nomeadamente pelo contrato sub judice e pelo acordo de cessão de posição contratual, que consiste na incompatibilidade entre o alegado incumprimento do contrato pela Apelante e a cedência de posição contratual para esta ocorrida ao fim de cinco meses sobre o alegado incumprimento que, inclusivamente gerou aplicação de penalidades pela CML.
W) É simplesmente inverosímil que a CML, sabendo – como sabia – que a Apelante estava a prestar um tão mau serviço (e de tal forma deficiente que teria inclusivamente originado uma penalidade máxima à Apelada), aceitasse que a Apelante passasse a ser o seu cocontratante no lugar da Apelada.
X) Como é lógico e resulta do senso comum, ninguém aceita integrar como parte num contrato alguém que sabe que vai causar incumprimento do mesmo!!! Se a Apelante tivesse, de facto, incumprido o contrato, como consta da sentença proferida pelo tribunal ad quo, nunca a CML teria aceitado transferir o contrato da Apelada para a Apelante, posto que o normal teria sido a Apelada manter-se no contrato a si adjudicado e resolver o acordo de cedência estabelecido com a Apelante! Nada disto, porém, aconteceu, tendo a CML transmitido o contrato para a Apelante, o que, obviamente, só poderia ter ocorrido se não houvesse qualquer incumprimento contratual imputável a esta.
Y) Sem embargo do acima exposto, determinou ainda o douto tribunal ad quo que o montante a pagar pela Apelante à Apelada, no âmbito do pedido reconvencional será apurado em liquidação para apuramento dos custos suportados por esta última em razão dos trabalhos urgentes que alegadamente teve de realizar em substituição da primeira, o que, no entender da Apelante configura, a violação do disposto no n.º 2 do art.º 609.º do CPC, bem como a violação do princípio do dispositivo consagrado no n.º 1 do mesmo preceito, segundo o qual a sentença não pode condenar em quantidade superior ao pedido e bem assim, a violação do disposto na c) n.º 2 do art.º 266.º do CPC.
Z) Com efeito, na sua Reconvenção a Apelada apenas peticionou o pagamento da quantia de € 22.440,26, relativa a custos que terá suportado, acrescido do valor contratualmente devido, bem como o pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, este último julgado improcedente pelo tribunal ad quo.
AA) Como se constata na sentença recorrida, o tribunal ad quo julgou o pedido da Apelante totalmente procedente condenando a Apelada“...a pagar à autora a quantia global de 71.691,91 euros, determinada nos termos preditos supra, ou seja, deduzida já a quantia devida à ré nos termos do Acordo de Cessão”.
BB) Assim, a liquidação da sentença não pode abranger a parte do pedido reconvencional relativo ao “...o valor contratualmente devido...” (por já se encontrar contemplado na condenação do pedido da acção), nem a parte relativa à “....indemnização no valor de 100.000,00 €, correspondente ao valor dos danos não patrimoniais causados à Reconvinte;” (por ter sido julgada improcedente).
CC) Daqui se infere a decisão do tribunal ad quo quanto ao pedido reconvencional está limitada ao peticionado pela Apelada quanto aos custos que alega ter suportado em razão do incumprimento da Apelante, sendo que, quanto a essa nessa parte, foi peticionada apenas a quantia de € 22.440,26: “... ser a A. condenada a pagar ao R. o valor de €22.440,26 relativos aos custos que a R. teve ....”
(…) EE) Consequentemente, se o tribunal, em face do pedido e da prova produzida não formou convicção suficiente para condenar a Apelante, só poderia ter julgado a reconvenção improcedente por não provada.
FF) Acresce que, a ser julgado parcialmente procedente o pedido reconvencional, a sentença não poderia ir além do valor peticionado de € 22.440,26.
(…) HH) Não peticionou a compensação de créditos em sede de reconvenção como lhe competia.
II) É hoje entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores que a defesa por compensação só é admissível em sede de reconvenção, conforme resulta da alínea c) n.º 2 do art.º 266.º do CPC.
(…) LL) A Apelada apresentou prova documental e testemunhal, ainda que sem correspondência com o seu pedido, competindo ao tribunal ad quo dar como provado ou não provada a quantia peticionada.
MM) Pelo contrário, delimita, de forma clara, o seu pedido, fixando-o no montante de “€18.244,11 + IVA, isto eì, €22.440,26”.
NN) Tal valor deverá, assim, ser entendido como o valor máximo de uma eventual condenação da Apelante.
OO) Assim, não estavam reunidos os pressupostos para a liquidação do montante da indemnização em sede de incidente de liquidação qualquer liquidação posterior.
PP) A razão que levou o tribunal ad quo a decidir numa condenação genérica, no caso concreto, só pode resultar da insuficiência da prova, e não por falta de determinação da espécie ou género da indemnização.
QQ) Veja-se que a Apelada alega que a quantia peticionada se refere a custos com a execução do contrato.
RR) Pelo que, a haver lugar a condenação da Apelante, o que apenas se concebe em benefício do patrocínio, só podia ocorrer em virtude: i) da prova dos custos peticionados; e ii) Até ao limite peticionado de € 22,440,26.
(…) VV) Pelo que, ao julgar parcialmente procedente a Reconvenção, condenando de forma genérica a Apelante o tribunal ad quo violou o regime do n.º 2 do art.º 609.º do CPC.
WW) Mesmo que assim não se entenda, a admitir-se uma condenação genérica da Apelante, a mesma teria de ser limitada pelo tribunal ao valor peticionado de € 22.440,26, sob pena de violação do princípio do dispositivo previsto nos arts. 264.º e 265.º do CPC, por condenação em valor superior ao peticionado
XX) Pelo que a sentença recorrida violou, também por aqui, o regime do n.º 1 do art.º 609.º do CPC.”
Ambas as partes apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso a que responderam.
O tribunal a quo indeferiu a nulidade arguida pela ré.
Foram admitidos ambos os recursos, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e efeito devolutivo (não obstante a dedução de incidente de prestação de caução pela ré, liminarmente indeferido, decisão esta da qual interpôs recurso que se encontra pendente).
Remetidos os autos a este tribunal, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.
II – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
Consequentemente, nos presentes autos, as questões suscitadas nos recursos são as seguintes:
- Nulidade da decisão recorrida;
- Impugnação da matéria de facto;
- Enquadramento jurídico da causa.
Acresce que a matéria de facto e a sua motivação apresentam deficiências não suscitadas pelos recorrentes que, sendo de conhecimento oficioso, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2, CPC, deverão ser apreciadas nos termos que se explanarão de seguida.
III – FUNDAMENTAÇÃO
A – Nulidades da sentença
Considerou a ré/recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia por não ter apreciado o pedido reconvencional por si deduzido. Mais concretamente, a recorrente alega ter produzido prova “mormente documental” que justificaria a integral procedência de tal pedido.
A recorrente aponta à sentença o fundamento de nulidade previsto no artigo 615º, nº 1, alínea d), CPC, com a seguinte redação:
“1. É nula a sentença quando:
(…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”
Apreciando o vício invocado, interessa salientar que, em rigor, constitui fundamento de anulabilidade da sentença, relacionado com os seus limites, ocorrendo quando o juiz não esgotou todas as questões que lhe incumbia conhecer ou conheceu de outras indevidamente – José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, Volume 2º, 3ª edição, página 735
Na realidade, ao juiz incumbe o conhecimento de todas as questões “que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada (…)” – cfr. artigo 608º, nº 2, CPC. Consequentemente, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção, reconduz-se ao apontado vício.
Ora, por via reconvencional, a ré solicitou a condenação da autora no pagamento das quantias de € 22.440,26 e de € 100.000,00, nas quais computou, respetivamente, os danos patrimoniais e não patrimoniais que considerou que lhe foram causados pelo seu incumprimento contratual. Tal pedido alicerça-se, essencialmente, no facto de, na tese da reconvinte, a autora não ter executado trabalhos incluídos no objeto do acordo com ela celebrado que eram prioritários, o que determinou que se visse forçada a executá-los ela própria, deslocando para o efeito meios que havia afetado a outras obras, contratando recursos humanos para os executar, com impacto patrimonial, e também ao nível da sua imagem perante a Câmara Municipal de Lisboa.
Sucede que, percorrendo os factos provados, constata-se que a factualidade que fundamentou o pedido reconvencional foi considerada parcialmente apurada, constando designadamente dos factos provados sob as alíneas Z, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH. Acresce que o pedido reconvencional foi expressamente apreciado na fundamentação de direito da sentença recorrida, ali se concluindo pela improcedência do pedido relativo a danos não patrimoniais e pela procedência do pedido deduzido a título de danos patrimoniais, embora “em quantia a apurar em liquidação”. É a tal decisão que a recorrente reagiu, arguindo a sua nulidade, dado que, como refere na conclusão IX, “absteve-se de apurar os mesmos [danos] apesar de toda a prova carreada para os autos”. Porém, o concreto apuramento dos danos decorrente da prova produzida constitui questão a apreciar em sede da impugnação da matéria de facto e eventualmente na apreciação da questão de direito, não se reconduzindo ao fundamento de nulidade invocado. Ou seja, o fundamento de recurso ora em análise inscreve-se na discordância quanto à decisão da matéria de facto e eventualmente de direito, designadamente na valoração dos meios de prova ponderados, não se reconduzindo ao vício da nulidade da sentença que se reporta a erro de atividade, “resultando da violação da lei processual civil pelo juiz aquando da prolação da decisão” - cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 23-04-2024 (proferido no processo nº 1011/19.8T8FNC.L1-1, disponível em www.dgsi.pt).
Acresce que também o facto de o tribunal recorrido não ter determinado a compensação dos créditos recíprocos que considerou existirem, nos termos do disposto no artigo 847º, CC, não constitui fundamento de nulidade da sentença. Efetivamente, a falta de declaração da compensação de créditos recíprocos não configura uma contradição lógica entre os fundamentos e a decisão geradora da sua nulidade, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1, do artigo 615º, CPC. Ao invés, trata-se de vício que se inscreve ao nível das consequências jurídicas a extrair do apuramento de créditos recíprocos na esfera de ambas as partes, que se reconduz a erro de julgamento, suprível por via de recurso e não de arguição de nulidade.
Também a autora, embora não arguindo expressamente a nulidade da sentença, lhe imputa tal vício, no segmento em que alega conter uma condenação superior ao pedido, com violação do estabelecido no artigo 609º, nº 1, CPC. Ou seja, para além de outras discordâncias cuja apreciação não se enquadra nesta sede, diz a autora que a sua condenação genérica (relativa ao pedido reconvencional) sempre teria que ser limitada ao valor de € 22.440,26, correspondente ao peticionado pela ré/reconvinte a nível de danos patrimoniais.
O vício que a autora aponta à sentença relaciona-se com os limites da condenação, considerando que foram excedidos ou seja que se cifram em “quantidade superior” à do pedido, o que se mostra sancionado pelo disposto no artigo 609º, nº 1, CPC e constitui fundamento de nulidade da sentença – cfr. artigo 615º, nº 1, alínea e), CPC. Na realidade, ao juiz incumbe o conhecimento de todas as questões “que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada (…)” – cfr. artigo 608º, nº 2, CPC. Consequentemente: “(…) o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (…) constitui (…), vício que também ocorre quando a sentença “(…) violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância (…) não observe os limites impostos pelo artigo 609º, nº1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do pedido” - Lebre de Freitas, ob. cit. pág. 737.
Como já se referiu, a ré (reconvinte) deduziu um pedido no valor global de € 122.440,26, correspondente à soma do valor que peticiona a título de danos não patrimoniais (€ 100.000,00) e de danos não patrimoniais (€22.440,26) que considera que lhe foram causados pelo incumprimento contratual da autora (reconvinda).
Da leitura da decisão recorrida resulta, de forma inequívoca, que a pretensão relativa aos danos não patrimoniais foi julgada improcedente por não provada. Já a pretensão relativa aos danos patrimoniais foi julgada parcialmente procedente, embora em montante a liquidar ulteriormente. De facto, outra não pode ser a conclusão a retirar do dispositivo, onde se refere: “Mais se julga a reconvenção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condena-se a autora a pagar à ré quantia a apurar em liquidação e relativa aos custos suportados pela ré com a realização dos trabalhos definidos como prioritários pela CML, em substituição da autora, acrescido dos juros, à taxa legal, a contar da citação.”
Ora, da circunstância de não se referir expressamente neste segmento decisório o limite máximo da condenação não pode extrair-se de forma automática que o tribunal o tenha ultrapassado. Na realidade, a liquidação a efetuar dos danos em causa – os únicos que se apuraram na perspetiva do tribunal recorrido – terá, de facto, de respeitar o limite do pedido reconvencional, não resultando do afirmado na sentença intenção contrária. Porém, como tem decidido maioritariamente a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, num pedido composto por diversas parcelas, o limite do pedido que restringe a condenação é o limite total (a soma de todas as parcelas), e não cada parcela de per si. Neste sentido, observe-se o decidido no Acórdão do S.T.J. de 29-10-2020 (proferido no processo nº 5/05.5TBPTS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt): “Quando o pedido se desdobra em várias parcelas, os limites da condenação referem-se ao pedido e não a cada uma das parcelas em que se desdobra”. No mesmo sentido encontramos, entre outros, o Acórdão da Relação de Coimbra de 21-03-2013 (proferido no processo nº 793/07.4TBAND.C1, disponível em www.dgsi.pt) e o Acórdão da Relação de Évora de 17-11-2016 (proferido no processo nº 472/13.3TBFAR.E1, disponível em www.dgsi.pt).
Conclui-se, pois, que não foi cometida qualquer nulidade, improcedendo a respetiva invocação.
Pelo exposto, indeferem-se as arguidas nulidades da sentença recorrida.
B – QUESTÕES PRÉVIAS DE CONHECIMENTO OFICIOSO (cfr. artigo 662º, nº 2, CPC)
Como supra se referiu, a matéria de facto e a sua motivação apresentam insuficiências que não foram expressamente suscitadas nas alegações de recurso, mas que são de conhecimento oficioso.
Tais questões a conhecer oficiosamente concretizam-se quer em deficiências na enunciação dos factos provados, quer na falta de motivação da decisão da matéria de facto.
Na sentença recorrida foram enunciados os seguintes factos provados:
A) A A. é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de conceção, construção, manutenção e conservação de espaços verdes.
B) A R. é uma sociedade comercial, que desenvolve, entre outras atividades, a conservação, manutenção, gestão e construção de jardins, campos de golf, campos desportivos e áreas verdes.
C) A A. e a R. foram inseridas no Acordo Quadro Celebrado com o Município de Lisboa, para aquisição dos serviços de manutenção e trabalhos de reabilitação de espaços verdes, no âmbito do Processo nº 07/CPI/DA/CCM/2017.
D) Por despacho, proferido em 18/07/2018, pelo Exmo. Sr. Vereador DD, foi adjudicado pela Câmara Municipal de Lisboa à R., a prestação de serviços manutenção e reabilitação de espaços verdes, no âmbito do concurso n.º 017AQ-PFM_Zona E_2018.
E) No seguimento do referido despacho, a R. e a CML, celebraram entre si um contrato de prestação de serviços de manutenção e reabilitação de espaços verdes, referente ao concurso n.º 017AQ-PFM_Zona E_2018, regulado pelo caderno de encargos junto a fls. 44 a 202 dos autos.
F) O referido contrato tinha por objeto a execução de trabalhos de manutenção e reabilitação de espaços verdes na designada ZONA E do Município do Lisboa, correspondente a uma área integrada no PARQUE FLORESTAL MONSANTO.
G) O referido contrato teve início em 10 de setembro de 2018, com uma duração de 10 meses.
H) O preço contratual era de € 164.738,50, acrescido de IVA à taxa de 23%.
I) Logo no início da execução do contrato, a A. e a R. acordaram entre si a cessão da posição contratual, da totalidade do Contrato da CML, mediante o pagamento, pela primeira à segunda, de uma contrapartida no valor de € 16.473,85, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, correspondente a 10% do preço contratual.
J) Nos termos do acordado entre a A. e a R., a primeira executaria a totalidade do contrato da CML, recebendo a totalidade do preço, sem prejuízo da remuneração devida à R., referida no artigo imediatamente antecedente.
L) A partir de setembro de 2018, a A. iniciou a execução do contrato da CML, prestando os serviços previstos no mesmo, nomeadamente, realizando as seguintes tarefas, entre outras:
• Abate de árvores da radial e da Vila galé;
• Recolha de lenha da Vila galé;
• Limpeza e recolha dos resíduos urbanos da área total abrangida pelo concurso;
• Limpeza da mata de S. Domingos;
• Limpeza, corte e remoção de lenhas da alameda do Guarda.
M) Estes serviços foram prestados em regime de subempreitada à ré no período compreendido entre 10 de setembro de 2018 e 10 de fevereiro de 2019.
N) A CML tinha conhecimento que a A. se encontrava a executar o contrato que em apreço, tendo, desde logo, informado às PARTES, que não se oporia à transmissão do contrato, uma vez que a A. já era uma entidade adjudicatária no Acordo Quadro.
O) O Acordo de Cessão da Posição Contratual apenas foi formalizado em 12.12.2018.
P) Entre setembro de 2018 e janeiro de 2019, todos os serviços prestados no âmbito do Contrato da CML foram faturados pela R. à CML.
Q) A R. faturou à CML a quantia de 82.940,91 euros acrescida de IVA, num mínimo de € 95.724,85.
R) Não obstante o acordado entre a A. e a R. quanto à remuneração devida a esta pela transmissão do contrato da CML, a verdade é que, por conta dos serviços prestados pela A., a R. apenas pagou a esta a quantia de € 12.584,95, correspondente à fatura n.º 9490, por esta emitida em 07/11/2018.
S) Para além da fatura referida na alínea anterior, e por conta de parte dos serviços por si prestados, a A. emitiu ainda à R., em 31/12/2018, a fatura n.º 9559, no valor de € 18.450,00 e com prazo de pagamento a 30 dias – doc. junto a fls. 25.
T) A R. recusou-se a pagar à A. os serviços por esta prestados até 11 de janeiro de 2019, com excepção para a quantia de € 12.584,95, correspondente à fatura n.º 9490, por esta emitida em 07/11/2018 e referida em S).
U) A ré devolveu a fatura emitida pela A., em dezembro de 2018, e identificada em T) referente a parte dos serviços até então prestados.
V) Teor do documento junto a fls. 28 dos autos.
X) Teor dos documentos juntos a fls. 204 a 214 dos autos.
Z) Perante os diversos avisos da Câmara Municipal de Lisboa, desde o início de outubro de 2018, e tendo em consideração a inércia da A., apesar de alertada para o facto, a R. desde logo viu-se obrigada a colocar trabalhadores, máquinas, e afins, tudo a seu cargo, na execução deste contrato.
AA) A própria A. que solicitou à R. para o reforço de meios, tudo como melhor consta do email datado de 16 de outubro de 2018, junto a fls. 230 e cujo teor se dá por reproduzido.
BB) A R. teve de intervir na execução desses trabalhos, referidos nos emails do Eng. AA como prioritários, como resulta dos documentos juntos a fls. 204 e 205 dos autos, disponibilizando meios seus que estavam noutras obras, contratando recursos humanos a outras empresas, e alugando equipamentos para uma boa execução dos trabalhos.
CC) Por via da não execução desses trabalhos definidos como prioritários no tempo indicado pela fiscalização camarária a Câmara Municipal de Lisboa aplicou uma penalização máxima à R., que de acordo com o caderno de encargos poderia cumulativamente ter a consequência grave de exclusão do Acordo Quadro. – documento junto a fls. 223 verso.
DD) Para realização dos trabalhos em causa no mês de outubro de 2018 a ré despendeu quantia não concretamente apurada em meios humanos e técnicos. EE) A Câmara Municipal de Lisboa é um cliente muito importante para a ré.
FF) A autora executou o abate de algumas das árvores referidas no plano de trabalhos do Sr. Eng. AA e referidos no documento junto a fls. 219.
GG) Tendo, para o efeito, contratado para a limpeza e recolha de biomassa, uma empresa externa - a TRANSOLELAS.
HH) Os serviços referidos em L) foram executados pela A., que afetou permanentemente os seus meios humanos e equipamentos à execução das tarefas previstas no contrato da CML.
II) Até janeiro de 2019, a R. fez a gestão administrativa do contrato, emitindo à CML as faturas mensais.
JJ) A partir de fevereiro de 2019, a A. passou a fazer a gestão administrativa do contrato da CML, o que se traduziu, a partir desse momento, na faturação direta à CML, referente aos serviços prestados a partir de janeiro de 2019;
LL) Durante o período de subempreitada a ré era para todos os efeitos a responsável pela prestação de serviços à CML.
E foram os seguintes os factos que o tribunal recorrido considerou não provados:
- (…) o alegado nos arts. 44º, 48º, 58º, 87º a 90º, 93º a 95º, 98º a 100º da contestação e 16º, 17º, 22º a 26º, 28º, 30º, 31º da réplica.
- Utilizando os mesmos meios humanos e equipamentos referidos supra, inexistindo qualquer reclamação da CML quanto à execução dos serviços pela ré;
- Que a ré emitiu as faturas mensais, designadamente a seguintes:
• Fatura n.º 1129, emitida em setembro de 2018, no valor de € 13.214,21;
• Fatura n.º 1130, emitida em outubro de 2018, no valor de € 15.904,25;
• Fatura n.º 1255, emitida em novembro de 2018, no valor de € 18.877,44;
• Fatura n.º 1338, emitida em dezembro de 2018, no valor de € 18.877,44;
•Faturas n.º 81 e n.º 237, emitidas em janeiro de 2019, no valor global de € 28.851,51.”
Como se alcança da consulta dos articulados, a autora alega que por força de contrato de cessão de posição contratual celebrado com a ré (embora formalizado posteriormente), assumiu a execução de serviços de manutenção e reabilitação de espaços verdes no Parque Monsanto. Tal obrigação havia sido assumida pela ré no âmbito de “acordo quadro” celebrado com a Câmara Municipal de Lisboa. Porém, embora a autora tenha executado os referidos serviços e a ré tenha recebido o respetivo valor, contrariamente ao acordado, recusa-se a efetuar o pagamento devido. Com base em tal enquadramento, solicitou a autora o pagamento da quantia global de € 71.691,91, acrescida de juros.
A ré, embora aceitando a celebração de tal acordo, considera que a autora o incumpriu, dado que não afetou, atempadamente, aos referidos serviços os esquipamentos e meios humanos necessários, o que motivou reclamações por parte da Câmara Municipal de Lisboa e até a aplicação de penalizações. Consequentemente, a ré viu-se obrigada a deslocar para a obra funcionários e equipamentos, com vista à sua execução. Tal incumprimento gerou na sua esfera jurídica danos de natureza patrimonial e não patrimonial, nos valores de, respetivamente, € 22.440,26 e € 100.000,00, cujo pagamento requereu por via reconvencional.
A decisão proferida concluiu pela integral procedência do pedido formulado pela autora e pela parcial procedência da reconvenção e consequente condenação da autora “(…) a pagar à ré a quantia a apurar em liquidação e relativa aos custos suportados pela ré com a realização dos trabalhos definidos como prioritários pela CML, em substituição da autora (…)”.
Numa primeira análise, não poderá deixar de concluir-se que tal decisão se revela contraditória a insubsistente nos seus próprios termos, revelando-se incompatível o apuramento de que a autora realizou integralmente a sua prestação (todos os serviços previstos e “subcontratados”, utilizando a expressão das partes) e que também a ré a realizou (pelo menos parcialmente, ou seja, parte dos serviços previstos e “subcontratados”). Ou seja, o facto de ambas terem realizado (pelo menos em parte) os mesmos trabalhos, afastada que está a sua realização em duplicado (que além de inverosímil, não foi afirmada por qualquer das partes), implicará que a autora não realizou toda a sua prestação, ou então que foram realizados serviços para além dos previstos no acordo.
Percorrendo os factos provados que fundamentam o decidido, conclui-se que padecem de incompatibilidades e incongruências.
Efetivamente, em L) afirma-se que a partir de setembro de 2018, a autora iniciou a execução do contrato executando as tarefas ali discriminadas, o que se reitera no facto provado HH). Porém, em Z) afirma-se: “Perante os diversos avisos da Câmara Municipal de Lisboa, desde o início de outubro de 2018, e tendo em consideração a inércia da A., apesar de alertada para o facto, a R. desde logo viu-se obrigada a colocar trabalhadores, máquinas, e afins, tudo a seu cargo, na execução deste contrato”.
Tal intervenção da ré na execução dos trabalhos que deveriam ser executados pela autora terá resultado de solicitação desta, como se afirma no facto provado AA): “A própria A. que solicitou à R. para o reforço de meios, tudo como melhor consta do email datado de 16 de outubro de 2018, junto a fls. 230 e cujo teor se dá por reproduzido”.
Ora, a execução pela ré de parte dos trabalhos resulta ainda do facto enunciado em BB): “A R. teve de intervir na execução desses trabalhos, referidos nos emails do Eng. AA como prioritários, como resulta dos documentos juntos a fls. 204 e 205 dos autos, disponibilizando meios seus que estavam noutras obras, contratando recursos humanos a outras empresas, e alugando equipamentos para uma boa execução dos trabalhos”.
Porém, em sentido contraditório, afirma-se no facto enunciado em HH: “Os serviços referidos em L) foram executados pela A., que afetou permanentemente os seus meios humanos e equipamentos à execução das tarefas previstas no contrato da CML”.
Nos aspetos supra enunciados, a decisão da matéria de facto apresenta-se contraditória, pois não faz sentido que a autora e a ré tenham – mesmo que só em parte – realizado a mesma prestação. Tal incongruência reflete-se na própria fundamentação jurídica da decisão, já que se conclui que a autora realizou, em substituição da ré, os serviços a que esta se obrigara perante a Câmara Municipal de Lisboa, o que, aliás, está na origem da integral procedência do pedido deduzido. Porém, de forma contraditória, também se refere na fundamentação jurídica da sentença que, perante a existência de trabalhos em atraso, que não estavam a ser realizados: “A ré resolve, então, intervir e fazer ela própria a parte dos trabalhos não realizados e que a CML entendia estarem atrasados. E fê-lo, disponibilizando meios humanos e máquinas o que não evitou que a CML lhe aplicasse uma penalização por incumprimento contratual, que a ré suportou.
Assim, temos de concluir, e resulta da matéria de facto apurada, que a autora não logrou realizar os trabalhos a que se obrigara em devido tempo e pela forma exigida pela CML, provocando a intervenção da ré que era, para todos os efeitos à data a responsável pelo cumprimento do contrato perante a CML.
Porém, esta intervenção da ré, que não se traduziu em realizar todos os trabalhos, mas apenas alguns deles até para evitar nova penalização que poderia acontecer (…)”.
Na tese do tribunal recorrido, a intervenção da ré na execução dos trabalhos resumiu-se àqueles que a Câmara Municipal de Lisboa definira como prioritários, o que justificou a parcial procedência do pedido reconvencional, referindo-se na fundamentação jurídica da decisão: “No que tange ao segmento do pedido reconvencional referido aos custos suportados pela ré por via dos trabalhos que teve realizar em substituição da autora, tem o mesmo que ser julgado procedente. Porém, como não foi possível apurar a quantia despendida pela ré a este título, terá a mesma que ser determinada em liquidação subsequente”
Conclui-se que nos factos L) e HH) afirma-se ter a autora executado a sua prestação contratual, mas dos factos Z), BB) e FF) resulta que perante a inércia da autora em executar a sua prestação contratual, a ré viu-se forçada a intervir na execução desses trabalhos que, consequentemente, apenas em parte foram realizados pela autora. Ou seja, afirmam-se duas realidades de facto incompatíveis entre si e o próprio enquadramento jurídico resulta contraditório dado que se a autora apenas parcialmente cumpriu a sua prestação nunca poderia ver integralmente reconhecida a pretensão de obter a totalidade do valor acordado.
Conclui-se, pois, que a matéria de facto se apresenta contraditória, vício que não pode deixar de ser sanado ou por iniciativa deste tribunal da Relação, ou mediante a anulação da decisão proferida em 1ª instância nos termos do disposto na alínea c), do nº 2 do artigo 662º, CPC.
Mas não só.
Importaria aferir, com objetividade, qual o conteúdo da obrigação assumida pela ré perante a Câmara Municipal de Lisboa, para, de seguida, se concluir se a autora executou ou não integralmente a sua prestação em moldes que viabilizem a integral procedência do pedido que deduziu nos autos.
Porém, percorrendo novamente os factos provados, conclui-se que essa obrigação não resulta clarificada. Efetivamente, no facto provado sob a alínea L refere-se: “A partir de setembro de 2018, a A. iniciou a execução do contrato da CML, prestando os serviços previstos no mesmo, nomeadamente, realizando as seguintes tarefas, entre outras:
• Abate de árvores da radial e da Vila galé;
• Recolha de lenha da Vila galé;
• Limpeza e recolha dos resíduos urbanos da área total abrangida pelo concurso;
• Limpeza da mata de S. Domingos;
• Limpeza, corte e remoção de lenhas da alameda do Guarda”.
Porém, desconhece-se qual o conteúdo concreto da obrigação assumida pela ré no âmbito do contrato celebrado com a Câmara Municipal de Lisboa e, designadamente, se os serviços definidos como “prioritários” que justificaram a intervenção da ré perante a “inércia” da autora, o integravam ou não. Ou seja, interessa definir claramente se tais serviços prioritários faziam parte do objeto do acordo celebrado (processo nº 07/CPI/DA/CCM/2017, cfr. facto provado sob a alínea E), ou corresponderam a serviços “a mais” assumidos pela ré perante a Câmara Municipal de Lisboa, em momento posterior ao acordo que celebrou com a autora. Tal questão mostrava-se francamente controvertida, dado que a autora, na petição inicial, alegou ter executado integralmente a sua prestação contratual (cfr. a título exemplificativo artigos 11º, 14º, 15º, 25º, 32º, 38º). Já a ré alegou na contestação que os trabalhos não foram executados pela autora como previsto pelo que se viu forçada a colaborar na execução do contrato (cfr. artigos 18º, 23º, 29º, 30º, 31º, 36º, 41º e 42º). Na réplica, a autora reiterou ter executado integralmente os serviços compreendidos no objeto do contrato, alegando que após a sua celebração, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa solicitou à Câmara o abate e a limpeza de árvores, numa grande dimensão, trabalhos esses que extravasaram o objeto do contrato e aos quais era alheia (artigos 8º, 16º, 17º, 21º, 22º, 25º a 31º da réplica).
Porém, em rigor, os factos provados não esclarecem qual o objeto preciso do contrato celebrado entre a ré e a Câmara Municipal de Lisboa, assim como não esclarecem se os referidos trabalhos “prioritários” integravam o seu núcleo ou resultaram de uma estipulação adicional à qual a autora foi alheia. E embora a alegação contida na réplica a tal propósito tenha sido considerada não provada, a factualidade assente não permite esclarecer a latitude das obrigações assumidas. Consequentemente, não encontra suporte na fundamentação de facto a seguinte afirmação constante da fundamentação jurídica: “Não se apurou, ao contrário do defendido pela autora, que os ditos trabalhos não fossem contemplados no contrato celebrado entre a CML e a ré. O Sr. Eng. AA, que foi claro no seu depoimento, referiu que os trabalhos faziam parte do contrato, pois se assim não acontecesse ele não podia determinar a sua realização e, muito menos, penalizar a ré pela sua não realização”.
Nesse sentido, a decisão da matéria de facto, omitindo a clara identificação do objeto do contrato, e sobretudo a clarificação sobre se os serviços classificados como “prioritários” realizados pela ré o integravam ou não, padece de obscuridade, vício que importa corrigir nos termos do disposto na alínea c) do nº 2, do artigo 662º, CPC. Impõe-se, pois, que seja claramente enunciado nos factos provados qual o objeto do contrato, tanto mais que se trata de realidade expressamente alegada – em termos incompatíveis e conflituantes – pelas partes nos seus articulados.
Por outro lado, aos factos enunciados em V) e X), foi conferida a seguinte redação:
v) Teor do documento junto a fls. 28 dos autos.
X) Teor dos documentos juntos a fls. 204 a 214 dos autos”.
Ora, afigura-se que o “teor” dos documentos não pode alicerçar a decisão de facto do tribunal, dado que consistem em meios de prova que, quando credíveis e consistentes, poderão demonstrar os factos que documentam. Acresce ainda que a atual natureza digital dos processos judiciais (artigo 132º, nº 1, CPC – “O processo tem natureza eletrónica, sendo constituído por informação estruturada constante do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais e por documentos eletrónicos”) inviabiliza a enunciação dos factos provados por meio de referências à paginação do seu suporte físico, sem valor processual, falível e de difícil consulta e controlo, quer ao nível dos Tribunais da Relação, quer das próprias partes.
Deve concluir-se que os referidos factos (alíneas v e x) padecem de obscuridade, impondo-se a sua concretização, mesmo que sumária, por forma a que seja apreensível qual a realidade factual que o tribunal recorrido considerou resultar de tal documentação, tanto mais que a mesma, aparentemente, refere-se à definição das prestações assumidas pela ré e “transmitidas” à autora. Consequentemente, assume relevância significativa para o apuramento do (in)cumprimento contratual em debate nos autos.
Conclui-se, pois, que os vícios supra enunciados inviabilizam “(…) o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso” – expressão de Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 356) – impondo-se a sua supressão.
A tal propósito, mostra-se estabelecido na alínea c) do nº 2 do artigo 662º, CPC, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”: “2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Sucede que no presente caso não se revela viável a superação de tais vícios por este Tribunal da Relação com base na reponderação de todos os meios de prova produzidos e examinados, dada a constatação de que a decisão da matéria de facto padece ainda de deficiências de fundamentação.
Efetivamente, embora tenham sido enunciados todos os meios de prova, constata-se que o tribunal recorrido não procedeu à sua análise crítica, não fundamentando a prevalência que deu a uns em detrimento de outros. Nem esclareceu devidamente as contradições acima evidenciadas. Tal falta de fundamentação assume especial relevância na matéria relativa ao objeto do contrato, não permitindo inferir se os trabalhos executados pela ré a ele se reconduzem ou constituem trabalhos “a mais”, que aceitou realizar após a vinculação inicial, sem auscultar a autora.
Efetivamente, refere-se na motivação da decisão de facto, após enumeração e descrição de cada um dos meios de prova:
Quanto à matéria de facto tida como não provada resultou de não terem sido juntos documentos que a sustentassem, e no que tange particularmente aos gastos da ré com a execução dos trabalhos não são os documentos suficientemente elucidativos quanto aos gastos específicos reportados à obra 545.
No que tange à matéria dos danos reputacionais alegados pela ré não resultaram os mesmos provados pois, ao contrário do alegado pela ré, a própria arquiteta da CML referiu que a ré não foi prejudicada e continuou a trabalhar com a CML.
Outros danos causados à imagem da ré também não resultaram provados.”
Ou seja, constata-se uma total ausência de fundamentação crítica quanto ao conteúdo da prestação assumida, factualidade essa que é determinante para a solução jurídica do caso e na qual radica verdadeiramente a controvérsia.
Ou seja, da leitura da matéria de facto não é possível concluir quais os meios de prova que prevaleceram na convicção do julgador, o que se reconduz ao vício enunciado na alínea d) do referido artigo 660º, nº 2: “Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Como refere Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 359 e 360): “Ligado ao poder de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto está o dever de fundamentação introduzido pela reforma operada em 1961 (…) A exigência legal impõe que se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respetiva apreciação crítica nos seus aspetos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 607º, nº 5), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos”.
Em síntese, impõe-se que o tribunal recorrido, após supressão das contradições e deficiência detetadas na matéria de facto, explicite os meios de prova em que assentou a sua convicção, pelo que se mostra inviabilizada a intervenção deste tribunal da Relação enquanto tribunal de substituição.
Pelo exposto, acorda-se em anular a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal a quo para que, nos termos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil:
- Seja concretizado o objeto do contrato celebrado entre a ré e a Câmara Municipal de Lisboa, de molde a que fique clarificado se os trabalhos que a ré desenvolveu em sua execução se reconduziram aos trabalhos acordados ou constituíram trabalhos “a mais”;
- Sejam concretizados os factos essenciais que o tribunal recorrido retira dos documentos que menciona nos factos enunciados em V) e X;
- Seja suprimida a aparente contradição entre os factos provados enunciados sob as alíneas L) e HH) por um lado e Z), BB) e FF) por outro;
- Seja reformulada a fundamentação de facto, com a identificação e análise crítica dos concretos meios de prova com base nos quais o tribunal recorrido formou a sua convicção quanto à execução pela ré de trabalhos compreendidos (ou não) no objeto do contrato em causa nos autos (mencionado nos factos D e E)., I e J).
Em face do acima exposto, mostra-se prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas nos recursos em apreço.
No que se reporta à responsabilização por custas, deverá ter-se presente que decorre do artigo 1º RCP a regra de que todos os processos se encontram sujeitos a custas (nº 1) e ainda que: “Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria” – cfr. nº 2.
Por outro lado, a tributação em custas, como decorre do nº 1 do artigo 527º, CPC, radica no princípio da causalidade, implicando que no seu pagamento seja condenada a parte que deu causa ao processo, ou seja, a parte vencida. Apenas nas hipóteses em que não há vencimento, opera o segundo princípio consagrado na norma em análise (subsidiário), determinando a condenação em custas do litigante que tirou proveito da ação (ou do incidente ou do recurso).
Porém, no caso presente e em rigor, nenhum dos recursos foi objeto de conhecimento, tendo sido determinada a anulação da decisão recorrida, por intervenção oficiosa deste tribunal da Relação.
Não se vê, pois, que possa operar a regra do vencimento ou a do proveito.
Assim, por estar em causa uma decisão interlocutória que não procede à apreciação de ambos os recursos deduzidos, opta-se por relegar a decisão sobre a responsabilidade tributária para a decisão final - neste sentido Acórdão da Relação do Porto de 12-09-2024 (proferido no processo nº 11158/15.4T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt).

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª Secção Cível em anular a decisão recorrida, determinando a sua substituição por outra que supra as apontadas deficiências ao nível da matéria de facto e da sua fundamentação, se necessário com a reabertura da audiência.
Custas a final – cfr. artigo 527º, nº 1, CPC.
D.N.

Lisboa, 11 de setembro de 2025
Rute Sobral
Arlindo Crua
Pedro Martins (com voto de vencido, conforme declaração infra)

Voto vencido quanto à parte das custas.
Com a anulação da sentença, nenhuma das partes ficou vencida no recurso, mas ambas retiraram o proveito de voltar à posição inicial e de poderem vir a conseguir o que pretendiam desde o início.
Assim sendo, autora e ré deviam ser condenadas nas custas de parte (não há outras), em partes iguais em ambos os recursos (e como cada uma das partes pagou o mesmo, ao fim e ao cabo nenhuma delas terá que pagar nada à outra).
A situação não se pode modificar com o desenrolar do processo, pelo que não se justifica a condenação a final, que não tem base legal.
A que propósito é que se vai onerar o colega da 1.ª instância com a decisão de proferir decisão quanto às custas de um recurso?
Note-se que custas de parte há sempre (ambas as partes pagaram taxa de justiça e constituíram mandatário para alegarem e contra-alegarem e, por isso, há que proferir decisão quanto a elas).