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CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENOVAÇÃO
LIMITAÇÃO TEMPORAL MÍNIMA
NATUREZA IMPERATIVA
Sumário
Sumário: (elaborado pelo Relator) A limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação (constante do artigo 1096º, nº 1 do Código Civil, na redacção resultante da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro), não assume natureza imperativa, podendo, por isso, ser reduzido esse período até um ano, por acordo das partes.
Texto Integral
Acordam os Juízes da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I. O relatório AA
interpôs a presente acção comum, contra BB
peticionando: Nestes termos e nos mais de direito aplicável deverá: a) A presente acção judicial ser julgada totalmente procedente, por provada, condenada a Ré nos pedidos formulados pela Autora e em consequência ser considerado revogado o contrato de arrendamento por oposição à renovação tempestiva do mesmo. b) Com a consequente obrigação de restituição do locado livre de pessoas e bens c) Assim como ao pagamento das rendas vencidas e vincendas até a efetiva entrega do imóvel, nos termos do disposto no artigo 1045° n.° 2 do CC, da quantia de € 2.000,00 (€ 1.000,00 x 2), por mês até à efectiva restituição do locado d) Fixando-se uma multa pecuniária compulsória por dia de danos morais, até a efetiva entrega do locado, não inferior a 1 UC. e) E ao pagamento de uma indemnização pelos danos morais não inferior a € 1.000,00 (mil euros) f) Acrescido do pagamento dos custos das obras de intervenção e reposição do locado no status quo ante, valor a apurar em execução de sentença, mas que se julga não inferior a € 3.000,00, o que desde já se reclama g) Mais custas e as de parte.
A ré contestou, impugnando motivadamente parte da factualidade vertida na petição inicial, propugnando pela improcedência total da demanda e deduzindo pedindo reconvencional, nos seguintes termos: Nestes termos, nos melhores e demais de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V/Ex.a deve a presente Contestação c Reeonvenção serem aceites e julgadas procedentes por provadas, e, cm consequência: (…) b- Condenar-se a A. na obrigação de realizar as obras necessárias à habitabilidade do locado; c- Condenar-se a A. a Indemnizar a R. pelas despesas e perturbações sofridas.
A autora replicou, propugnando pela improcedência da reconvenção e impugnando os factos alegados quanto à mesma, excepcionando a falta de indicação do valor e a ineptidão, da demanda reconvencional e alegando que o locado lhe foi entregue, em 20/1/2024, pela ré.
Por despacho de 16/6/2024, foi a ré reconvinte convidada a invocar separadamente os factos essenciais que constituem a matéria de excepção e da reconvenção e a declarar o valor da reconvenção, sob pena dos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação (quanto à matéria de excepção) e a reconvenção não ser atendida, sendo a reconvinda ser absolvida da instância.
A ré respondeu ao convite, explicitando os factos que entende consubstanciarem a sua demanda e atribuindo à mesma o valor de € 5.000,00.
Por despacho de 13/11/2024, foi decidido: Compulsados os autos, considera-se que os mesmos dispõem de todos os elementos necessários a conhecer, de imediato, a causa. De tal decorre que a audiência prévia apenas se destinaria ao fim previsto na alínea b) do n° 1 do artigo 591.° do CPC, motivo pelo qual, por razões de simplificação e agilização processual, se entende dispensar a sua realização, ao abrigo do disposto nos artigos 593°, n.°1, 591°, n.°1, al. d) e 595°, n.°1, al. b) do CPC. Assim, e antes de mais, ao abrigo do disposto nos artigos 3°, n° 3, 6°, n° 1, e 547° do CPC (neste sentido, cfr. o Ac. da Relação de Lisboa de 05.05.2015, proferido no processo 1386/13.2TBALQ.L1-7, disponível em www.dgsi.pt), notifique as partes para, em 10 dias, dizerem o que tiverem por conveniente quanto à realização ou dispensa de audiência prévia e usarem, por escrito, a faculdade prevista na mencionada alínea b) do n° 1 do artigo 591°.
A ré respondeu, nos seguintes termos: (…) vem informar que dispensa a audiência, sendo que não aceita que seja A a considerar os factos dados como provados. Isso deverá salvo melhor opinião feito pelo tribunal no saneador que dará prazo as partes para se pronunciar pelo que a Ré aguardara esse momento processual
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Com data de 31/3/2025, foi proferida decisão por escrito, com os seguintes dispositivos: Nos termos do artigo 597.° do Código de Processo Civil, atenta a desnecessidade de fazer actuar o princípio do contraditório e a simplicidade da causa, dispensa-se a realização de audiência prévia. (…) Nestes termos, por falta de requisitos formais e substanciais, não se admite a reconvenção deduzida. (…) Em face do exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência: i) considero cessado o contrato de arrendamento celebrado entre autora e ré, por oposição à renovação, com efeitos a 31.08.2022; ii) condeno a ré, BB, na entrega à autora, AA, da fracção autónoma designada pelas letras ‘‘U’’ do prédio urbano sito na rua ...; iii) condeno a ré no pagamento à autora de indemnização correspondente ao valor da renda elevada ao dobro, desde 31.08.2022 até efectiva entrega do locado, a qual ascendia à data da entrada da acção em juízo, ao montante de €2.000,00 (dois mil euros); iv) absolvo a ré do demais peticionado. Custas a cargo de autora e ré, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 30% para a autora e 70% para a ré (artigo 527°, n.° s 1 e 2 do Código de Processo Civil). Fixo o valor da ação em €40.000,00 (artigos 298°, n.° 1, 299°, n.°2 e 306° do Código de Processo Civil).
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Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: A) O presente recurso visa a impugnação do Douta Sentença proferida no processo supra referenciado, na medida e na parte em que julga parcialmente procedente o pedido da autora A) Ora inexiste fundamentos para essa condenação B) Antes nulidades e erros de apreciação da lei e da prova d) Não foi realizada audiência de discussão e julgamento e) Impedindo a inquirição de testemunhas e as declarações de parte que são pedidas no inicio da audiência f) Violando principio básicos do CPC e da CRP g) Interpretação errada da lei pois a corrente certa e que e partilhada pela corrente entende que a lei impõe um limite mínimo de três anos à renovação do contrato, reduzindo-se a autonomia contratual das partes à possibilidade de arredamento da renovabilidade do contrato e à possibilidade de estipulação de prazos de renovação do contrato superiores a três anos. (cfr., na doutrina, Maria Olinda Garcia (“Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.° 12/2019 e pela Lei n.° 13/2019”, in Julgar Online, março de 2019 e, na jurisprudência, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11.02.2021, p. 1423/20.4T8GMR.G1; do Tribunal da Relação de Évora, de 10.11.2022, p. 983/22.OYLPRT.E1; e de 25.01.2023, p. 3934/21.5T8STB.E1, do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.09.2023, p. 3966/21.3T8GDM.P1.S1, in www.dgsi.pt h) A condenação as rendas em dobro e inaceitável i) Pois foram devolvidas pela A, pois haviam sido pagas j) Com o único objectivo de caso fosse vencedora poderia pedir as rendas em dobro, o que conseguiu L) Mas não pode ser validado por este tribunal M) A decisao proferida não pode ser validada Nestes termos, nos melhores e demais de Direito que V. Exa, Venerandos Desembargadores suprirão, deve o presente Recurso obter Provimento e, em consequência ser a decisão recorrida revogada e em seu lugar proferida outra que absolva a recorrida.
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A autora respondeu, concluindo: A. As questões levantadas em sede de recurso são as seguintes: a) se a falta de audiência de discussão e julgamento viola os princípios da CRP e o principio da igualdade e cooperação judiciária; b) se houve omissão na apreciação da matéria de facto; c) se houve cessação do contrato de arrendamento e a sua indemnização. B. Por despacho de 13.11.2024, o Tribunal a quo, informou que estava em condições de conhecer do mérito da causa, dando oportunidade às partes de se pronunciarem sobre a dispensa ou não da audiência prévia. C. O Tribunal a quo informou os motivos pelos quais dispensava a audiência prévia. D. A Recorrente dispensou a audiência prévia sabendo que iria ser proferido saneador-sentença. E. A Recorrente podia requerer a audiência prévia, apresentar as questões em litigio, discutir a matéria de facto e de direito e não fez. F. Face ao exposto, não houve violação dos direitos constitucionais, nem do principio de igualdade e cooperação. G. As questões a decidir foram definidas no relatório da sentença do Tribunal a quo e foram baseadas nos pedidos e nas causas de pedir. H. A Recorrida pediu a revogação do contrato de arrendamento por oposição à renovação, requerendo a restituição do locado livre de pessoas e bens, o pagamento das rendas vencidas e vincendas até a efetiva entrega do imóvel. I. A Recorrente defendeu-se por exceção e formulou um pedido reconvencional, sem separar os factos essenciais e identificar o valor da reconvenção, tendo sido convidada a aperfeiçoar o seu articulado e tendo apenas reconvindo no valor. J. Nos termos dos artigos 5.°, 423.°, 552.°, n°1, alínea d), 583.° n.° 1 do CPC, existe o ónus das partes alegarem os factos essenciais. K. Andou bem o Tribunal a quo a considerar que não foi alegado pela Recorrente que, o imóvel apresentava patologias, responsabilidade da senhoria que colocava em causa o gozo do locado e mesmo que tivesse alegado, não consubstanciava a recusa da cessação do contrato de arrendamento. L. O contrato de arrendamento foi celebrado a 31 de Julho de 2019, conforme provado. M. A Recorrida enviou uma carta registada à Recorrente, a 26 de Abril de 2022, cumprindo o prazo de 120 dias, a comunicar a oposição à renovação do contrato de arrendamento, conforme provado. N. A Recorrida solicitou a entrega do imóvel no dia 31.08.2022. O. Andou bem o Tribunal a quo a considerar que não foi alegado pela Recorrente que, o imóvel apresentava patologias, responsabilidade da senhoria que colocava em causa o gozo do locado e mesmo que tivesse alegado, não consubstanciava a recusa da cessação do contrato de arrendamento. P. E bem concluiu pelo pagamento de uma indemnização, nos termos do art. 1045 do Código Civil, uma vez que o imóvel foi entregue a 20 de Janeiro de 2024. Nestes termos, e nos demais de direito e com mui douto suprimento dos Excelentíssimos Desembargadores deve o recurso interposto ser considerado improcedente, por não provado e assim se fará a acostumada justiça.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, nos autos e efeito suspensivo.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir. *
II. O objecto e a delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
Da restituição do locado;
Da indemnização devida pelo atraso nessa restituição;
Da extinção do contrato, por oposição à sua renovação.
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III. Os factos
Receberam-se da 1ª instância os seguintes factos provados: 1. Autora e a Ré celebraram, em 31 de julho de 2019, um contrato de arrendamento, relativo à fracção autónoma designada pelas letras ‘‘U’’, correspondente ao sexto andar esquerdo, destinado a habitação, com uma arrecadação no oitavo andar pertencente ao prédio urbano sito na Rua …, descrita na conservatória do registo predial de Lisboa n° ...,inscrita na matriz predial da indicada freguesia sob o art.°. ..., com licença de utilização n° ..., emitida a 22/12/1992, pela respetiva Câmara Municipal e com o certificado energético n° ..., válido até 04/11/2025. 2. Tal contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, com início em 01 de setembro de 2019 e termo em 31/08/2020. 3. Renovável por períodos com duração certa de um ano, nos mesmos termos e condições se não fosse denunciado nem houvesse oposição a renovação no seu termo. 4. Sendo devido em contrapartida uma renda mensal de € 1.050,00 (mil e cinquenta euros). 5. Entretanto a A aceitou reduzir a renda para € 1.000,00 (mil) por mês. 6. Mas, em 26 de abril de 2022, a aqui A., em cumprimento ao prazo de 120 (cento e vinte dias de antecedência) enviou uma missiva registada à R. a comunicar a sua oposição a renovação do contrato de arrendamento e solicitando a entrega do locado no dia 31/08/2022. (conforme doc. 2 que se junta para todos os efeitos legais) 7. Sendo tal missiva enviada por correio registado para a morada convencionada e recebida pela ré em 27 de Abril de 2022. 8. A ré fez foi a transferência, do valor da renda de € 1.000,00 em Setembro de 2022. 17. A autora procedeu, acto continuo, à devolução à R do valor depositado.
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IV. O Direito
Em causa no presente recurso encontra-se o dispositivo da sentença proferida que condenou parcialmente a ré nos pedidos formulados, quais sejam: a declaração de cessação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, por oposição à sua renovação, com referência a 31/8/2022; a condenação da ré à restituição do locado e a condenação da mesma ré no pagamento à autora da indemnização correspondente ao valor da renda elevada ao dobro, desde 31.08.2022 até efectiva entrega do locado, a qual ascendia à data da entrada da acção em juízo, ao montante de €2.000,00 (dois mil euros).
* Da restituição do locado.
Invoca a recorrente que não deveria ter sido proferida decisão por escrito, a este respeito, mas antes realizada audiência final, com produção de prova.
Sucede que não explicita a recorrente quais os factos que entende deveriam ter sido sujeitos a prova, impugnando a decisão da matéria de facto, nos termos permitidos pelo art. 640º do Código de Processo Civil.
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Sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o art.º 640º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Assim, os requisitos a observar pelo recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, são os seguintes:
- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;
- A especificação dos meios probatórios que no entender do recorrente imponham uma solução diversa;
- A decisão alternativa que é pretendida.
A este respeito, cumpre recordar duas restrições a uma leitura literal e formal destes ónus processuais inerentes ao exercício da faculdade de impugnação da matéria de facto.
Deve-se considerar a tendência consolidada da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de não se exponenciarem os efeitos cominatórios previstos no art. 640º e realçado a necessidade de extrair do texto legal soluções capazes de integrar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando prevalência aos aspectos de ordem material, na expressão de Abrantes Geraldes, ob. cit., pg. 171 (nota 279) e 174.
Em primeiro lugar, apenas se mostra vinculativa a identificação dos pontos de facto impugnados nas conclusões recursórias; as respostas alternativas propostas pelo recorrente, os fundamentos da impugnação e a enumeração dos meios probatórios que sustentam uma decisão diferente, podem ser explicitados no segmento da motivação, entendendo-se como cumprido o ónus de impugnação nesses termos.
No que tange à decisão alternativa, veja-se o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, de 17/10/2023, publicado no Diário da República nº 220/2023, Série I, de 14/11/2023, com o seguinte dispositivo: Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.
De forma evidente, a recorrente não identificou qualquer ponto da matéria de facto, provado ou não provado, nas suas conclusões recursórias.
Desse modo, conformou-se com a factualidade exposta na decisão recorrida.
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Contudo, a nossa discordândia relativamente à decisão que condenou a ré na restituição do locado, fundamenta-se noutro ponto: a desconsideração da declaração da autora, em sede de réplica, no sentido de que o locado lhe foi entregue, em 20/1/2024, pela ré.
Declaração essa que foi aceite pela ré.
Essa entrega do locado, na pendência da acção, consubstancia causa de inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido formulado na petição inicial, nos termos do disposto no art. 277º, e) do Código de Processo Civil: b) Com a consequente obrigação de restituição do locado livre de pessoas e bens.
As custas relativamente a esta demanda deverão ser suportadas pela ré, como foi decidido, mas nos termos do disposto no art. 536, nºs 3, in fine e nº 4 do mesmo Código.
Deve, pois, ser revogada a decisão recorrida, neste segmento e substituída por outra, que determine a extinção da instância quanto a esse pedido, por inutilidade superveniente da lide.
Procedendo, nessa parte, o recurso.
* Da condenação no pagamento das rendas, elevadas ao dobro.
Insurge-se a ré quanto à sua condenação no pagamento à autora da indemnização correspondente ao valor da renda elevada ao dobro, desde 31.08.2022 até efectiva entrega do locado, a qual ascendia à data da entrada da acção em juízo, ao montante de €2.000,00 (dois mil euros).
Desde logo, a decisão recorrida merece a nossa discordância, na medida em que nada impedia a Exma. Juíza a quo de proferir decisão líquida, nos termos do disposto no art. 609º, nº2, a contrario do Código de Processo Civil, pois encontra-se apurado nos autos que a autora não recebeu o valor das rendas vencidas a partir de Setembro de 2022 e até Janeiro de 2024.
Contudo, encontra-se provado o seguinte: 8. A ré fez foi a transferência, do valor da renda de € 1.000,00 em Setembro de 2022. 17. A autora procedeu, acto continuo, à devolução à R do valor depositado.
Ou seja, quanto à renda vencida em Setembro de 2022, a ré procedeu ao seu pagamento.
Desse modo, sempre inexistia fundamento para a condenação na sua restituição, em singelo ou elevada ao dobro, na medida em que foi a autora que procedeu à sua devolução, por motivos não apurados.
E quanto às restantes rendas, vencidas entre Outubro de 2022 e Janeiro de 2024?
Estabelece o Artº 17, nº 1 do NRAU, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27/2, que o arrendatário pode depositar a renda quando ocorram os pressupostos da consignação em depósito, quando lhe seja permitido fazer cessar a mora e ainda quando esteja pendente ação de despejo.
Por sua vez o art. 813º do Código Civil prescreve que o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.
Assim, se o senhorio se recusar a aceitar a renda, sem motivo que o justifique, incorre em mora, não sendo o arrendatário obrigado a depositá-la nem a voltar a oferecê-la, nem mesmo as posteriores enquanto o senhorio não demonstrar por um acto concreto o seu desejo de as receber.
A mora accipiendi mantém-se até à purgatio morae.
Porém, a consignação em depósito é facultativa – cfr. artº 841 nº 2 do Código Civil.
Veja-se, a este respeito, o Acórdão da Relação do Porto de 15/4/2004 (Fernando Baptista), disponível em www.dgsi.pt: I - Havendo mora do senhorio por se recusar a receber a renda preexistente (validamente) oferecida pelo inquilino (mora creditoris ou mora accipiendi, ut artigo 823, Código Civil), os depósitos de rendas, designadamente por via da consignação em depósito, são facultativos. II - Como tal, a falta de depósito, o depósito parcial, a sua extemporaneidade ou a sua eventual irregularidade nunca poderão constituir causa de resolução do contrato. III - E tal mora creditoris mantém-se em relação às rendas subsequentes, face a motivo (infundado) da recusa - até ao momento em que o senhorio manifeste a intenção de receber a renda no montante validamente oferecido pelo inquilino.
Desse modo, face à recusa da autora, em aceitar a renda vencida em Setembro de 2022, não se encontrava a ré obrigada ao pagamento das rendas vencidas a partir dessa data.
Contudo, o pedido de condenação no pagamento do valor correspondente ao dobro da renda mensal, desde 31/8/2022 até à efectiva restituição do locado assenta no disposto no art. 1045º, nº2 do Código Civil e não no incumprimento da obrigação do pagamento das rendas emergentes do contrato celebrado.
Com a carta em que comunicou a oposição à renovação, a autora solicitou expressamente à ré que procedesse à entrega do locado no dia 31/08/2022.
Prevê o art. 1045º do Código Civil: 1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida. 2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.
Pelo que, para apreciação deste pedido, sempre haverá que apreciar o primeiro pedido formulado: ser considerado revogado o contrato de arrendamento por oposição à renovação tempestiva do mesmo.
* Da extinção do contrato
Invoca a recorrente, a este respeito, que a decisão que considerou cessado o contrato de arrendamento, por oposição à sua renovação, com efeitos a 31/8/2022 merece censura, pela seguinte razão: g) Interpretação errada da lei pois a corrente certa e que e partilhada pela corrente entende que a lei impõe um limite mínimo de três anos à renovação do contrato, reduzindo-se a autonomia contratual das partes à possibilidade de arredamento da renovabilidade do contrato e à possibilidade de estipulação de prazos de renovação do contrato superiores a três anos. (cfr., na doutrina, Maria Olinda Garcia (“Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.° 12/2019 e pela Lei n.° 13/2019”, in Julgar Online, março de 2019 e, na jurisprudência, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11.02.2021, p. 1423/20.4T8GMR.G1; do Tribunal da Relação de Évora, de 10.11.2022, p. 983/22.OYLPRT.E1; e de 25.01.2023, p. 3934/21.5T8STB.E1, do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.09.2023, p. 3966/21.3T8GDM.P1.S1, in www.dgsi.pt
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Define o art. 1096º, nº 1 do Código Civil, na redacção actual resultante da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro, sob a epígrafe Renovação automática: 1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
A redacção anterior da norma, resultante da Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, era a seguinte: 1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
Da comparação entre as duas versões, conclui-se que a Lei 13/2019 limitou-se a aditar a expressão ou de três anos se esta for inferior à versão anterior, mantendo todo o restante preceito.
Ou seja e escalpelizando, em ambas as versões sucessivas, a regra é:
a) O contrato de arrendamento celebrado com prazo certo, renova-se automaticamente no seu termo;
b) Por períodos sucessivos de igual duração;
c) Constituem impedimento às duas regras anteriores, a estipulação distinta das partes
d) ou a circunstância de se enquadrarem os contratos celebrados em qualquer das situação previstas no art. 1095º, nº 3 do mesmo diploma (contratos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios, designadamente por motivos profissionais, de educação e formação ou turísticos, neles exarados).
Estas quatro conclusões são válidas perante qualquer uma das versões sucessivas do art. 1096º, nº1, de modo pacífico.
Ou seja e para o que agora releva, quer numa quer noutra das versões, se admite que as partes afastem a renovação automática do contrato celebrado ou prevejam período distinto (superior ou inferior) do inicial, após essa renovação.
A diferença encontra-se apenas no aditamento de uma limitação temporal à duração desse período de duração do contrato, após a renovação: não pode ser inferior a três anos, caso o período inicial de duração do contrato seja inferior a três anos.
Da letra da alteração legislativa de 2019 apenas se retira um efeito: nos contratos de arrendamento de duração inicial inferior a 3 anos, a renovação automática dos mesmos (quando opera), verifica-se por um período sucessivo de três anos (necessariamente maior do que o período inicial).
Trata-se de uma solução que «foge» à lógica da regra da renovação automática, fixando-se um período sucessivo extraordinário de três anos para um contrato de duração inicial inferior.
Mas foi a opção do legislador.
O passo seguinte constitui em apurar se a fixação por força de lei desse período sucessivo extraordinário de três anos constitui norma imperativa ou supletiva, ou seja, se as partes podem afastar tal regra, ao abrigo do princípio da liberdade de estipulação contratual.
Debalde encontramos resposta no seio da Lei 13/2019, pois da mesma apenas se retira que o seu objecto é o seguinte: A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.
A solução, na ausência de letra expressa, encontra-se na ponderação dos fins pretendidos com a alteração legislativa: a limitação imperativa à estipulação de períodos de renovação sucessiva inferiores a três anos corrige situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, reforça a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e protege arrendatários em situação de especial fragilidade?
Ora, parece-nos que a resposta há-de ser negativa, pois nesse caso, o legislador «esqueceu-se» de proteger ou prosseguir tais fins com igual intensidade no período de duração inicial do contrato.
Efectivamente, a mesma Lei 13/2019 estabeleceu, como limite mínimo dessa duração o período de um ano, na redação dada ao nº 2 do art. 1095º do mesmo Código, sob a epígrafe Estipulação de prazo certo: 1 - O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato. 2 - O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a um nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo.
E tal norma, pela sua própria natureza, assume força imperativa: a ampliação ou redução automática dos prazos mínimo e máximo de duração inicial para um e trinta anos, significa que esses limites mínimos e máximos não podem ser derrogados por estipulação das partes no contrato celebrado.
Ou seja e para o que agora releva, imperativo é que o contrato de arrendamento tenha a duração mínima de um ano.
Duração inicial ou sucessiva de um ano.
Não se antevendo da Lei 13/2019 qualquer intenção de conferir maior protecção ao arrendatário no período sucessivo daquela concedida no período inicial.
Desde logo, por não se demonstrar constituir o período sucessivo à renovação uma situação de maior desequilíbrio entre arrendatário e senhorio, de maior necessidade de segurança e estabilidade do arrendamento urbano e de maior fragilidade do arrendatário relativamente ao período inicial de duração do mesmo contrato de arrendamento.
Por fim, refira-se que o processo legislativo (disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42542) pouco esclarece a intenção do legislador, pois a alteração do art. 1096º tem origem em proposta de alteração do Grupo Parlamentar do Partido Socialista à Proposta de Lei nº 129/XIII/3, no seio da discussão na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação – sendo que a Proposta inicial do Governo em nada se referia a este preceito em concreto.
Ou seja, a alteração ao preceito surge no decurso da discussão parlamentar da Proposta de Lei, sem lograrmos apurar o fio condutor ou a intenção do legislador, no caso.
Não concordamos, pois, com Elsa Sequeira Santos, quando esta refere: Com a introdução, pela Lei n. ° 13/2019, de 12 de fevereiro, dos n.°s 3 e 4 do art. 1097.°, a liberdade de estipulação quanto à renovação automática parece ter ficado comprometida. A ratio daquela introdução é a de garantir ao arrendatário a duração efetiva do contrato pelo prazo mínimo de três anos, ao não permitir ao senhorio provocar a caducidade do contrato nesse período, por via da oposição à renovação., disponível em anotação ao artigo 1096.° do Código Civil, Código Civil Anotado, Vol. I, 2.a Edição Revista e Atualizada, Coord. Ana Prata, abril de 2019, Coimbra: Almedina, p. 1390.
Salvo melhor opinião, retira-se a conclusão de uma única premissa indemonstrada: a ratio da alteração não é garantir a duração efectiva do contrato pelo prazo mínimo de três anos, na medida em que se admite a estipulação pelas partes de uma duração inicial de um ano.
Concluir que a lei pretendeu garantir uma duração sucessiva à renovação de três anos, porque estabeleceu como imperativo esse limite mínimo terá tanto valor argumentativo como concluir que a lei estabeleceu como imperativo esse limite mínimo porque pretendeu garantir uma duração sucessiva à renovação de três anos.
Uma e outra acepção, encontrando-se por demonstrar.
Não se desconhecem decisões contrárias, no sentido da imperatividade da alteração legislativa da Lei nº 13/2019, nomeadamente do Tribunal da Relação de Guimarães, de 8/4/2021 (Rosália Cunha) e de 11/2/2021 (Raquel Tavares), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, a que aderiu a decisão recorrida.
Contudo, não concordamos com tal posição, com o maior respeito pela mesma, na medida em que a argumentação que as sustenta é construída sempre desta forma: a norma é imperativa, porque a lei pretendeu definir um limite mínimo de três anos ao contrato de arrendamento.
Ora, como se viu, nem a lei foi expressa nessa imperatividade nem a sua intenção terá sido constante, pois apenas se constata a imperatividade da duração do período inicial de um ano.
Não se demonstrando essa imperatividade, quer pela letra quer pelo espírito da Lei, vigora o princípio da liberdade contratual, estabelecido no art. 405º do Código Civil, no sentido de que as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, podendo inclusivamente reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.
Vejam-se, a este respeito, as palavras de Fernando Baptista de Oliveira, in A Resolução do Contrato no Novo Regime do Arrendamento Urbano, Almedina. página 21 e 22: “E por esta disposição (a do art.º 1080º) se fica sabendo que as normas contidas nessas bolsas mais resguardadas, facilmente localizáveis no percurso do regime da relação negocial locatícia, se impõem ao próprio acordo das partes em sentido contrário. Mas como, por outro lado, a intenção do legislador ao proclamar solene e abertamente a natureza imperativa destes pequenos condados normativos, não é positivamente a de criar tabus da lei ou de implementar dogmas em certas ilhas do instituto, antes é apenas, por via de regra, a de proteger de modo especial os interesses de uma ou outra das partes mais dignos de tutela, caberá naturalmente ao intérprete inquirir, junto de cada norma compreendida nesses pequenos santuários, qual o interesse que o legislador pretendeu salvaguardar (não se excluindo obviamente a possibilidade de uma ou outra norma proteger de modo especial interesses de terceiros ou até interesses gerais de contratação). E, uma vez feito esse levantamento, poder-se-á algumas vezes concluir com segurança pela nulidade das cláusulas contratuais que não respeitem a tutela mínima que a lei pretendeu conceder ao interesse visado, (…).
No caso da norma em análise, a sua letra permite – mais, apoia - a interpretação do seu carácter supletivo e o caracter imperativo não resulta dos interesses tutelados pela alteração legislativa, como se viu.
No sentido ora proposto, veja-se Jéssica Rodrigues Ferreira, in Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.° 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, Revista Eletrónica de Direito, fevereiro 2020, página 82, in https://ciie.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-iessica-ferreira 1584.pdf: Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes - e menores - dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise - cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas - um pacote de "pegar ou largar" (...).
Também Edgar Alexandre Martins Valente (Arrendamento Urbano - Comentários às Alterações Legislativas introduzidas ao regime vigente - Almedina - 2019, página 31, em anotação ao artigo 1096.° do Código Civil) entende que ...as partes, à semelhança do que já sucedia na redacção anterior da norma, podem definir regras distintas, designadamente estabelecendo a não renovação do contrato, ou a sua renovação por períodos diferentes dos referidos, atenta a natureza supletiva da norma em questão (...).
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Regressando ao caso dos autos, entre as partes foi estipulado o prazo inicial de duração do contrato de um ano, o qual teria o seu término em 31.08.2020. O contrato renovou-se automaticamente pelo período de um ano em 31.08.2020 e em 31.08.2021, pelo que teria o seu término em 31.08.2022.
No caso, a autora comunicou à ré a oposição à renovação, o que fez por carta registada, recebida em 27.04.2022, ou seja, com mais de 120 dias de antecedência.
Admitindo a natureza supletiva da nova redação do artigo 1096.° do Código Civil, mostra-se assim válida a oposição à renovação do contrato, a partir de 31/8/2022.
Bem como tempestiva, pois foi efectuada com a antecedência exigida pelo art. 1097º, nº1, b) do Código Civil.
A oposição à renovação validamente comunicada determina a cessação do contrato de arrendamento e consequentemente a obrigação de entrega do locado, livre e desocupado, pelo que procede, nesta parte, o peticionado pela autora, nenhuma discordância nos afastando da decisão recorrida.
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Regressando à condenação no pagamento da renda elevada ao dobro:
A mora na restituição do locado, a partir de 31/8/2022, consequencia efectivamente a obrigação de pagamento do dobro da renda estipulada por cada mês ou fracção que decorrer até à restituição, nos termos do disposto no art. 1045º do Código Civil, que, sob a epígrafe Indemnização pelo atraso na restituição da coisa, dispõe: 1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida. 2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro. A lei estabeleceu uma indemnização a forfait numa linha de algum modo proteccionista do arrendatário, mas também com o propósito de evitar a litigiosidade acrescida que sempre resultaria da determinação do apuramento do valor locativo do imóvel ocupado, como se decidiu no Acórdão desta Relação de 4/5/2006 (Salazar Casanova), disponível em www.dgsi.pt.
Continuando a citação deste aresto, A não ser assim, podia dar-se o caso de o locador, não obstante a ocupação, não receber qualquer indemnização por se provar, por exemplo, que o imóvel não seria arrendado, dadas as difíceis condições de mercado existentes no local, ou então receber indemnização inferior à renda que o locatário suportava por se provar que o valor locativo era afinal menor do que a renda suportada pelo arrendatário. Dir-se-á, portanto, que o artigo 1045º do Código Civil tem em vista a indemnização correspondente ao valor de uso do prédio, que fixa a forfait, impedindo o locupletamento à custa alheia por parte do arrendatário e, por isso, é-lhe indiferente a questão de saber se o locador, com o prosseguimento da ocupação causada pela não restituição do locatário, acaba por beneficiar ou sofre prejuízo.
Por outro lado, a indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada prevista no art. 1045 do Cód. Civil, abrange todos os danos resultantes desse atraso e, em princípio, está limitado pelo critério consignado nesse preceito, com exclusão das regras gerais dos art. 562º e seguintes do mesmo Código, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 8/7/2003 (Afonso Correia), disponível na mesma base de dados.
Continuando nesta decisão do Alto Tribunal: Trata-se de verdadeira obrigação de indemnização ("a título de indemnização") pelo incumprimento do dever de restituição da coisa locada e a circunstância de a lei prever um critério especial para a fixação do seu montante, baseado na renda, é incompatível com a aplicação das regras gerais previstas nos art. 562º e seguintes do Código Civil. O princípio da igualdade das partes exclui que o senhorio possa fazer a prova de dano superior, uma vez que o locatário também não é admitido a provar um dano inferior. (…) do confronto com a lei anterior, onde se previa a responsabilidade do locatário "por perdas e danos" (art.ºs 1616º do Cód. Civil de 1876 e 25º do Dec. nº 5411, de 17-4-1919), ou seja, em conformidade com os princípios gerais sobre indemnização, resulta que o legislador, com o cit. artº 1045, quis consagrar solução diversa e mais restritiva. A solução pode não ser porventura a mais rigorosa mas tem alguma razoabilidade: a indemnização baseia-se em montante que estava estipulado pelas partes; qualquer delas fica desonerada da prova dos danos efectivos; e está de harmonia com certa protecção tradicionalmente concedida ao arrendatário.
Ainda do Supremo Tribunal, veja-se o Acórdão de 27/4/2005 (Fernandes de Magalhães), na mesma base de dados : a razão de ser da norma do art.º 1045º C. Civ. é a de que o extinto contrato continua, apesar de tudo, a ser o referencial de equilíbrio entre as prestações da relação de liquidação. E isso com base na ideia de que a renda, tendo resultado da auto-regulação das partes, representa, em regra, o justo valor do lucro cessante derivado da indisponibilidade da coisa locada.
Esta interpretação do art. 1045º, no sentido de excluir a responsabilidade do locatário por indemnização superior ao valor das rendas ou em dobro, no caso de mora no cumprimento de obrigação de entrega do prédio, foi submetida ao escrutínio do Tribunal Constitucional, por assim se não garantir “o direito do senhorio à indemnização dos prejuízos nos termos gerais de direito, revertendo em desfavor do senhorio as consequências da mora imputável ao locatário, mesmo que a título de culpa grave ou grosseira, sempre que o montante dos danos exceda o dobro do valor da renda praticada na vigência do contrato”.
Porém, o Tribunal Constitucional, no seu Ac. nº 648/99 (Fernanda Palma) de 24/11/1999 (publicado in DR, II Série, nº 46 de 24/2/2000, pág. 3751) não encontrou nessa interpretação qualquer mácula de inconstitucionalidade: não ofendia nem o direito de propriedade consagrado no art. 62º nem o princípio da confiança do art. 2º, ambos da Constituição. E também não afrontava, de forma intolerável, o princípio da igualdade, antes colhia apoio na tutela do direito à habitação, justificativo de uma diferenciação em relação às situações gerais de responsabilidade civil.
Temos, pois, que o artigo 1045º do Código Civil, ao prever a indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada, limitou o cálculo da indemnização pelo critério consignado nesse preceito, com exclusão das regras gerais dos artigos 562º e seguintes do Código Civil.
O valor dos prejuízos está imperativamente fixado por lei, a forfait.
Os prejuízos efectivos podem – é certo - ser maiores ou menores do que o valor indemnizatório fixado naquele art. 1045º.
Todavia, não pode o locador, com base apenas na violação do dever de restituição que a lei impõe ao locatário, findo o contrato, ressarcir-se de danos superiores, tal como também não pode o locatário alegar que o locador não auferiria o valor da renda ou aluguer estipulados.
Daí a procedência do pedido de condenação da ré no pagamento à autora do montante correspondente ao dobro da renda estipulada por cada mês que decorrer entre 31/8/2022 até à restituição.
Tendo a restituição ocorrido em Janeiro de 2024, podemos já liquidar a condenação da ré no valor de € 34.000,00, correspondendo a 17 meses de atraso no cumprimento da obrigação de restituição do locado, à razão de € 2.000,00 por mês.
Procedendo parcialmente a apelação a este respeito, mas apenas no segmento que não procedeu à liquidação da obrigação de indemnização.
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V. A decisão
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na procedência parcial da apelação, substituir os pontos ii) e iii) da sentença recorrida pela seguinte decisão: i) Julga-se extinta, por inutilidade superveniente da lide, o pedido de condenação da ré na restituição do locado e ii) condena-se a ré no pagamento à autora da quantia de € 34.000,00 (trinta e quatro mil euros),
mantendo-se o restante decidido.
Custas nesta instância pela recorrente.
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Lisboa e Tribunal da Relação, 11 de Setembro de 2025
Nuno Luís Lopes Ribeiro
Vera Antunes
Elsa Melo