FURTO QUALIFICADO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CRIME ÚNICO
CRIME CONTINUADO
MEDIDA DA PENA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
Sumário


I. Impugnando as penas parcelares e a pena única, recorre o arguido da decisão da 1.ª instância que aplicou penas parcelares inferiores a 5 anos e a pena única de 5 anos e 4 meses de prisão por três crimes de furto qualificado.
II. Estando em causa uma situação de concurso de crimes, pode o STJ conhecer de todas as questões de direito relativas à pena conjunta aplicada aos crimes em concurso e às penas aplicadas a cada um deles (penas parcelares), englobadas naquela pena única, inferiores àquela medida (AFJ n.º 5/2017).
III. Não procede a alegação de que os factos praticados constituem um único crime por terem sido praticados na mesma noite, num período de várias horas, com idêntico modus operandi e em execução de uma única resolução criminosa traduzida num plano previamente gizado entre os vários arguidos.
IV. Sendo a norma incriminadora do furto violada três vezes, sem que seja possível unificar o comportamento do arguido pela sua concentração espácio-temporal e conexão num só «pedaço de vida», na materialização de uma só resolução criminosa merecedora de um único juízo de censura (as ações de acesso aos diferentes locais e as condutas típicas tiveram lugar em espaços e tempos diferentes com renovação do processo de motivação, escolha do tempo, dos locais e das vítimas, e diferentes modos de execução, com adaptação do modus operandi às especificidades de cada situação), e excluídos os pressupostos do crime continuado (art.º 30.º, n.º 2, do CP), o arguido constituiu-se autor de três crimes de furto, em concurso efetivo, nos termos do art.º 30.º, n.º 1, do CP, a que corresponde uma pena única (art.º 77.º do CP).
V. Não se suscitam questões relativas à qualificação jurídica dos factos, que, num primeiro momento do processo de determinação das penas, fixa as respetivas molduras a partir das quais é determinada a medida concreta da pena (“dentro dos limites da lei” – artigo 71.º, n.º 1, do CP).
VI. Na apreciação da determinação das penas importa considerar as circunstâncias que, nos termos dos artigos 71.º e 77.º do CP, constituindo o respetivo substrato, a justificam, tendo presente que o recurso não se destina a proceder a uma nova determinação da pena, mas, apenas, a verificar o respeito por aqueles critérios, com eventual correção da medida da pena aplicada, se o caso a justificar.
VII. O comportamento anterior aos crimes, revelado pelos antecedentes criminais por factos da mesma natureza, ao longo de anos, que levaram ao cumprimento de pena de prisão durante 7 anos, a evidenciada incapacidade para posteriormente alterar esse comportamento, dominado pela toxicodependência, revelam uma personalidade desvaliosa, projetada em cada um desses factos, insensibilidade à pena e falta de preparação para manter uma conduta lícita
VIII. A confissão e o arrependimento não assumem relevo, tendo em conta a detenção em flagrante delito, que impediu a consumação de um dos crimes, e a não identificação de qualquer ato em que se tenha materializado o «arrependimento».
IX. As circunstâncias relativas aos factos e às condições pessoais do arguido à data dos factos militam severamente contra o arguido, por via da culpa, sendo elevado o grau de censurabilidade, e evidenciam acentuadas necessidades de socialização (prevenção especial) por via da aplicação da pena.
X. A conduta anterior aos factos e as condenações anteriores por crimes de idêntica natureza mostram indicações de tendência para a prática de crimes contra o património, que constitui particular fator de agravação na aplicação do critério especial de determinação da pena conjunta (art.º 77.º do CP).
XI. Em consequência, é o recurso julgado totalmente improcedente.

Texto Integral


Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA, arguido nos presentes autos, interpôs recurso do acórdão do Juízo Central Criminal de ... – Juiz ... – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga que o condenou nos seguintes termos, «pela prática, em coautoria, e concurso efectivo, e com a agravante da reincidência, de:

1.1. um crime de furto qualificado na forma consumada, p. e p. pelos art.ºs 75.º, 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão;

1.2. um crime de furto qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos art.ºs 75.º, 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. f), do Código Penal - para o qual se convola o crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), do CP, com a agravante da reincidência, de que vinha acusado - na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

1.3. um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, 23.º, 75.º, 203.º, 204.º, e n.º 2, al. e), todos do Código Penal, na pena de dois (2) anos e 9 (nove) meses de prisão.

2. Em cúmulo jurídico das penas parcelares atrás referidas, condenar o mesmo arguido AA, na pena única de 5(cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão

Pelo mesmo acórdão foram ainda condenados, por coautoria e sem reincidência nos mesmos crimes: o arguido BB, na pena única de 2 (dois) e 10 (dez meses) de prisão, especialmente atenuada nos termos do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.09 e suspensa na sua execução com sujeição a regime de prova; e CC, na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão, também suspensa na sua execução, com sujeição a regime de prova.

2. Discordando do decidido, quer quanto às penas singulares, quer quanto à pena única, apresenta motivação que termina com as seguintes conclusões (transcrição):

«1- O tribunal deu como provado, que em 3 situações distintas, o arguido praticou 3 crimes de furto qualificado, 2 deles na forma consumada e um na forma tentada, agravados pela reincidência, nos termos dos arts 22º, 23º, 75º, 203º, 204º, e n.º 2, al. e), todos do Código Penal.

2- A integração legal da sua conduta, tem subjacente a factualidade dada como assente nos pontos 1.1 a 1.27.

Que, em súmula descreve a conduta do arguido, AA, que em conjugação com os arguidos BB e CC, mediante um plano previamente gizado entre todos, decidiram durante o período da noite de D.M.2024, aceder a garagens de vários edifícios localizados em ..., com o propósito de se apropriarem de objectos ou valores que ali encontrassem, sem o conhecimento e autorização dos respectivos proprietários. E, nesse propósito, ocorrem 3 situações, a ocorrida no prédio dito na Avenida ..., n.º 296, no prédio dito na Avenida ..., n.º 296 e por último no prédio dito na Rua ... n.º 59, todas, na cidade de ....

3- Ora, face à factualidade dada como provada, não podemos cindir a atuação do arguido do plano previamente guizado com os demais arguidos, para naquela noite de D de M de 2024, acederem a garagens de vários edifícios localizados em ..., com o propósito de se apropriarem de objectos ou valores que ali encontrassem, designadamente, entre outros, volantes multifunções de marca BMW, sem o conhecimento e autorização dos respectivos proprietários.

4- Isto é, cada um dos assaltos, foi precedido do mesmo plano, utilizados os mesmos meios materiais para o sucesso da missão providenciados, sendo que, ocorreram na mesma noite, sequencialmente, em locais muito próximos entre si.

5- Então temos que concluir que existiu uma única resolução criminosa parte dos arguidos, no sentido de naquela noite, naquela zona, através do mesmo modus operandi, se apropriarem de bens de valor que ali encontrassem e não 3 resoluções para a prática do crime de furto.

6- Termos em que, a sua conduta deveria ser subsumida à prática de um único crime de furto qualificado, com a agravante da reincidência , p.p pelo arts.º 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e) e 75 do CP .

7- Violou-se o art 30 do C.P

Sem prescindir:

Vem arguir a inconstitucionalidade da interpretação que foi dada à norma do artigo 30 do C.P., quando conjugada com o artigo 32 da CRP, na interpretação que foi acolhida pelo Tribunal, no sentido de se entender que a conduta é subsumível à prática de 3 crimes de furto qualificado, um deles na forma tentada, agravados pela reincidência, p.p pelos arts 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e) e 75 e art.ºs 22º, 23º, 75º, 203º, 204º, e n.º 2, al. e), todos do Código Penal, e não um único crime de furto qualificado com a agravante da reincidência , p.p pelo arts.º 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e) e 75 do CP .

8 –A ser deferida a pretensão do recorrente, quanto à diferente qualificação jurídica o arguido deveria ser condenado pela prática de um único crime de furto p.p no art.º 204º, nº 2, al. e), do CP), agravado pela reincidência (art 75 do C.P)

9- Na determinação concreta da medida da pena, o julgador atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (art 71 do C.P.), ou seja, as circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a prevenção e para a culpa.

10- No caso concreto, e com relevo para a determinação da pena parcelar, entende o recorrente, levar a ponderação, os seguintes factos:

10.1- Os arguidos praticaram os factos dos autos, com a orientação de um terceiro, não identificado, que forneceu ao arguido AA os instrumentos que vieram a ser apreendidos no veículo Opel, e a quem os bens que os arguidos lograssem apropriar-se na madrugada do dia D.M.2024 se destinavam a ser entregues, mediante contrapartida económica ou outra

10.2- Os bens referidos em 1.5. e 1.9. foram recuperados pela autoridade policial,

Na situação descrita nos pontos 1.11 a 1.15, o furto não se ter logrado consumar.

10.3- O arguido confessou os factos e demonstrou arrependimento sincero

10.4- Das condições pessoais dadas como apuradas, releva, a circunstância, da conduta desviante, ter ocorrido numa altura, em que o mesmo recaiu, no consumo de estupefacientes, cocaína, sem que à data dos factos apresentasse qualquer retaguarda familiar e profissional.

10.5- Actualmente, o arguido apresenta enquadramento familiar, social, com perspectivas de inserção laboral, mantendo-se abstinente do consumo de estupefacientes.

10.6- A adopção de comportamento assertivo, na execução das medidas de coacção que lhe foram impostas, sem registo de incumprimentos.

11- O arguido AA estava acusado da prática dos crimes imputados com a agravante da reincidência. No caso concreto, e pelas razões aduzidas no ponto 2.3 do Item 2- Pena Parcelares a aplicar, estão verificados os pressupostos do art 75 nº 1 do C.P,, pelo que, a condenação do mesmo teria que ser agravada pela reincidência.

12- Todavia, pelas razões elencadas, no ponto 10 das conclusões, e 4 do Item Medida da Pena, da motivação de recurso, a pena não deveria ultrapassar os 3 anos e 8 meses de prisão.

13- Caso, assim, não se entenda, e mantendo-se a qualificação jurídica operada pelo Tribunal de 1ª instância, pugna o recorrente, pela diminuição das penas parcelares que lhe foram aplicadas para cada um dos crimes pelos quais o arguido foi condenado, refletindo-se essa redução na pena única que llhe vier a ser fixada.

14- Sustenta a sua pretensão nos seguintes termos:

14.1- O arguido AA praticou os factos, sob a orientação de um terceiro, sendo este aquele que lhe forneceu os meios e instrumentos necessários à sua concretização. Terceiro, que era o grande beneficiário da actuação delituosa do arguido, uma vez que, ao mesmo caberia uma pequena contrapartida, utilizada pelo arguido, para a aquisição de estupefacientes para o seu consumo. Os factos ocorrem numa única noite, de forma sequencial, utilizando o mesmo modus operandi, na mesma área geográfica.

14.2- Os bens referidos em 1.5. e 1.9. foram recuperados pela autoridade policial, Na situação descrita nos pontos 1.11 a 1.15, o furto não se ter logrado consumar.

14.3- Admitiu os factos praticados e imputados na acusação, à excepção do que se refere ao modo de introdução nos prédios e nas garagens. Manifestou arrependimento, que se revelou sincero.

14.4- No que concerne á sua situação pessoal, é possível retirar que pese embora os comportamentos desviantes registados e sancionados, existe um denominador comum, a conduta desviante foi potenciada pela adição.

Ainda assim, o arguido apresenta hábitos de trabalho, ao longo do seu percurso de vida.

14.5- A sujeição do arguido nos presentes autos, inicialmente a prisão preventiva, posteriormente a OPHVE, permitiu ao mesmo, o despertar para a necessidade de mudança comportamental, em concreto, a abstinencia de consumo de drogas e o cumprimento das regras que lhe foram impostas.

Essa alteração de conduta, permitiu o reagrupamento familiar e a possibilidade de enquadramento laboral.

14.6- O agregado familiar onde está inserido, apresenta-se estruturado, com capacidade económica, suficiente, para lhe permitir essa reintegração social, num meio que não está associado a práticas marginais.

As dinâmicas familiares são descritas como afetivamente gratificantes e apoiantes.

15- Em desfavavor do arguido; o grau de ilicitude dos factos, a circunstância de ter agido em coautoria, de madrugada, e de forma planeada, tendo ao seu dispor os instrumentos que vieram a ser apreendidos no veículo Opel, o valor já relevante dos bens subtraídos e apropriados no que respeita os furtos consumados, e os danos provocados no furto consumado praticado na garagem do edifício sito na Avenida ... e na prática do crime de furto tentado.

Agiu em todos os ilícitos com dolo na sua forma mais intensa, dolo directo, com finalidade de obter contrapartidas económicas ou outras, pela entrega a um terceiro dos bens de que se apropriassem.

16- As necessidades de prevenção geral pela frequência de tais ilicitos e repúdio que suscitam na comunidade, assumem relevo, em particular, no caso concreto, dentro daquilo que já é pressuposto no que a crimes de furto concerne, pela forma concertada e planeada como os arguidos agiram.

As condenações anteriormente sofridas, e em concreto, por crimes da mesma natureza, todavia, no caso concreto, tais condenações ocorreram por factos praticados em em 21.02.2011 (processo sumário 13/11.7... do 1º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal ...) e 30.05.2013 (No processo comum colectivo 180/13.3... do Juízo Central Criminal de ... - Juiz ...).

17- Entende o recorrente que o tribunal não valorou suficientemente os factos supra descritos, nos pontos 10 e 14 das conclusões, circunstâncias que no seu modesto entendimento mitigam as necessidades de prevenção especial e geral que o caso demanda.

18- Em face das razes aduzidas, entende o recorrente que as penas parcelares que lhe foram aplicadas, com a agravante da reincidência, deveriam ser fixadas, nos seguintes termos:

– um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 75º, 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e) do CP, a pena de 3(três) anos de prisão;

– um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 75º, 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e) do CP, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão;

– um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22º, 23º, 75º, 204º, e n.º 2, al. e), todos do Código Penal, a pena de um (1) anos de prisão.

19- Em cúmulo, na pena única de 5 anos de prisão.

20- Violou-se o disposto nos arts 70, 71 e 77 do C.P

21 -No caso em apreço, a ser deferida a pretensão do recorrente no item medida da pena, encontra-se preenchido, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão (“o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos...” – artigo 50.º n.º 1, 1.ª parte, do Código Penal).

22 - Entende-se, por outro lado, que o pressuposto material de aplicação do instituto – o juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, atendendo-se às circunstâncias do facto (artigo 50.º n.º 1, 2.ª parte, do Código Penal) – também se verifica. Uma vez que, pese embora as condenações anteriormente sofridas, resulta que o arguido inverteu o seu comportamento, facto que se extrai, da postura assumida em sede de audiência de julgamento, bem como da identificação do factor que está subjacente à sua conduta delituosa. O seu problema de adição, que se encontra debelado.

23 – Esta circunstância conjugada com o apoio familiar que dispõe, perespectivas de enquadramento laboral, integração num meio que não se encontra associado a práticas criminais, e a assunção de comportamento normativo, no decurso da execução da medida de coacção imposta, permitem-nos concluir, que a simples ameaça da pena será suficiente para assegurar a sua ressocialização, desde que tal suspensão seja acompanhada da sujeição ao cumprimento de obrigações que permitam auxiliar o mesmo arguido nos seus esforços de reintegração social e, bem assim, manter sobre ele um controle apertado, de modo a assegurar que não reincide, no futuro, em comportamentos do género daqueles por que aqui responde. Em concreto, as identicadas no ponto 15 do Item B2, Com especial enfoque, para as direcionadas, ao tratamento e acompanhamento da sua problemática de adição e ocupação laboral, factores essenciais à não reiteração de comportamentos delituosos.

24 - A decisão recorrida violou, nessa parte, os arts 50, 52, 53, 54 do C. P

Sem prescindir

25 -Caso não seja este o entendimento, do Venerando Tribunal, para a determinação da medida das penas fixadas para cada um dos crimes praticados pelo arguido, haveria sempre que, e em obediência ao artigo 77 nº 1 e 2 do C.P.P, que proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares que lhe foram aplicadas.

26 – Considerando que os crimes ocorreram num período particularmente conturbado da vida do arguido e excepcionalmente reduzido – em apenas 1 dia , com todas as inerentes fragilidades da recaída nos consumos de estupefacientes, ausência de apoio familiar e laboral, decorrentes da sua adição, encontrou esta ‘solução’ em claras dificuldades em ultrapassar as adversidades com que se deparava e com as piores consequências.

Os bens foram recuperados, no imediato. A sua postura processual permite inferir uma alteração comportamental. O apoio familiar que dispõe e a possibilidade de integração laboral, permitem uma consolidação do percurso que vem a ser trilhado pelo arguido, no sentido da adopção de condutas conformes ao direito.

27- Pelo que, entende-se ser adequada a pena de 5 anos de prisão., que pelas razões descritas no Item B2, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, se deveria suspender na sua execução, ainda que sujeito a regime de prova e o cumprimento de regras de conduta

28 - Violou-se o disposto no artigo 77 nº 1 e nº 2, 50, 52, 53 e 54 do C. P

Pelo que, deve ser revogada nos termos sobreditos.»

3. O Ministério Público, pela Senhora Procuradora da República no tribunal recorrido, apresentou resposta defendendo a improcedência do recurso, em que conclui:

a) Quanto ao concurso de crimes:

Que «o essencial é averiguar se existe ou não uma pluralidade de sentidos autónomos de ilícito dentro do comportamento global do agente. Quer numa perspectiva quer noutra, cremos que no caso em apreço, atentos os factos provados, sempre seria de concluir nos termos em que o fez o Tribunal a quo, de que não estamos perante uma única resolução criminosa.». Pelo que o acórdão recorrido «não violou o disposto no artigo 30.º do Código Penal, tendo feito uma interpretação de tal norma consentânea com a Constituição da República Portuguesa.»

b) Quanto à medida concreta da pena e à não suspensão da execução da pena de prisão:

Que «ao contrário do defendido pelo recorrente foram atendidos pelo Tribunal a quo todos os critérios legalmente estabelecidos para a determinação da medida concreta da pena, e não foi violada qualquer norma nessa apreciação.

Que «foram consideradas as exigências de prevenção geral como elevadas e foram devidamente consideradas as exigências de prevenção especial positiva ou de ressocialização do recorrente como significativas, atentos os seus consideráveis antecedentes criminais (para além daqueles que fundamentaram a agravação pela reincidência). Sob tal ponto não deixou, porém, o Tribunal a quo de sublinhar as atuais circunstâncias sociais e familiares do recorrente, sendo que relativamente a sua situação profissional foi considerado e bem numa situação precária.

Que «foram ainda consideradas todas circunstâncias atendíveis nos termos do disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal (…) quer as que favoreciam o condenado, quer as que o desfavoreciam.

Assim, todas as circunstâncias, designadamente, aquelas que o recorrente alude nas conclusões 10 e 14 das suas alegações de recurso, como seja:

- o facto de o recorrente ter praticado os crimes sob a orientação de terceiro não identificado – o que foi devidamente sopesado, na perspectiva de que desse modo o recorrente garantia o escoamento dos bens em troca de quantias monetárias para satisfazer o seu vício;

- a recuperação dos bens pela autoridade policial, tal como consta do trecho da decisão supra transcrito;

- a confissão ainda que parcial do recorrente e as circunstâncias pessoais do mesmo quer à data da prática dos factos quer desde que foi sujeito a medidade coação até ao julgamento, foram devidamente sopesadas.

Que «os mesmos critérios e circunstâncias foram ainda devidamente sopesados pelo Tribunal a quo para alcançar a pena única dentro da moldura abstracta, correspondente no limite mínimo à pena parcelar mais grave (3 anos e 10 meses) e no seu máximo à soma das penas parcelares aplicadas (9 anos e 1 mês de prisão). E neste ponto, entendeu e bem o Tribunal a quo como justa, adequada e proporcional a aplicação ao recorrente de uma pena de 5 anos e 4 meses de prisão, tratando-se, alias, de uma pena que pouco se afasta do limite mínimo.

Assim, ao decidir do modo como o fez, o Tribunal a quo não violou qualquer um dos referenciados dispositivos legais, designadamente, os artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal.»

Que «facilmente se constata não estarem preenchidos os requisitos legais estabelecidos pelo artigo 50.º do Código Penal para a determinação da suspensão da execução da pena de prisão, de que ressalta, o pressuposto formal da condenação em pena não superior a 5 anos de prisão.»

4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitido parecer de concordância com o Ministério Público no tribunal recorrido.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, foi apresentada resposta pelo arguido reafirmando a sua pretensão.

6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi apresentado à conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

II. Fundamentação

Factos provados

7. O tribunal coletivo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

«Da acusação:

1.1. Os arguidos AA, BB e CC, mediante um plano previamente gizado entre todos, decidiram durante o período da noite de D.M.2024, aceder a garagens de vários edifícios localizados em ..., com o propósito de se apropriarem de objectos ou valores que ali encontrassem, designadamente, entre outros, volantes multifunções de marca BMW, sem o conhecimento e autorização dos respectivos proprietários.

1.2. Os arguidos utilizaram o veículo ligeiro de passageiro, marca Opel, modelo Astra, cor branca, de matrícula V1, pertença de DD, filha do arguido AA, para se deslocarem aos locais previamente estabelecidos, bem como para efectuarem o transporte dos objectos subtraídos.

1.3. De acordo com o plano gizado, no dia D.M.2024, cerca da 1 hora da madrugada, os arguidos dirigiram-se ao prédio dito na Avenida ..., n.º 296, cidade de ..., com intuito de se apoderarem de bens de valor que ali encontrassem e, através de instrumento não concretamente apurado, abriram a fechadura/dispositivo de segurança da porta de acesso ao prédio, introduzindo-se no seu interior.

1.4. De seguida, acederam à zona das garagens e, através de instrumento não concretamente apurado, abriram a fechadura/dispositivo de segurança do portão da garagem da fracção pertencente a EE, a qual se encontrava fechado por dispositivo eléctrico, accionado por comando, e introduziram-se no seu interior.

1.5. Do interior da referida garagem, os arguidos retiraram e fizeram seus os seguintes objetos:

a. um volante multifunções “Pack M” do veículo de marca BMW, serie 4, de matrícula V2, no valor de cerca de € 5.000,00 (cinco mil euros);

b. moedas em dinheiro, num total de € 24,16, que estavam num saco colocado na consola central do referido veículo.

1.6. Os arguidos danificaram a grelha da frente do referido veículo, provocando danos no valor de cerca de € 180,00 (cento e oitenta euros).

1.7. Após, na mesma madrugada do dia D.M.2020, os arguidos AA, BB e CC dirigiram-se ao prédio sito na Avenida Dom ..., n.º 233, cidade de ..., com intuito de se apoderarem de bens de valor que ali encontrassem e introduziram-se no interior do prédio pela porta de acesso ao mesmo.

1.8. De seguida, acederam à zona das garagens e introduziram-se no interior da garagem n.º 20 da fracção pertencente a FF, a qual se encontrava com o portão corrido, mas não trancado.

1.9. Do interior daquela garagem, os arguidos retiraram e fizeram seus os seguintes objetos:

a. um motociclo, marca SYM, XH12W, cor preta, matrícula V3;

b. um capacete de marca AXXIS, cor preta;

c. as chaves do motociclo,

bens no valor total de cerca de 2 000, 00 € (dois mil euros).

1.10. No mesmo dia D.M.2024, cerca das 4 horas, os arguidos AA, BB e CC, trajados de roupas negras, com passa-montanhas e luvas, dirigiram-se ao prédio dito na Rua ... n.º 59, cidade de ..., com intuito de se apoderarem de bens de valor que ali encontrassem e, através de objecto não concretamente apurado, estroncaram a fechadura da porta de acesso ao prédio, introduzindo-se no seu interior.

1.11. De seguida, de forma não concretamente apurada, destruíram a fechadura da porta de acesso à zona colectiva das garagens e, procurando forma de nela entrar, os arguidos, através de instrumento não concretamente apurado, desbloquearam o mecanismo automático do portão da garagem pertencente ao apartamento do 2.º direito, propriedade de GG, que se encontrava devidamente trancado, abrindo-o e acederam ao seu interior.

1.12. No interior da referida garagem encontravam-se diversos bens, no valor de cerca de € 90.000,00 (noventa mil euros), mais concretamente: duas viaturas automóveis, marca BMW, óculos de sol, marca Hugo Boss, uma bicicleta de estrada, marca GIANT; uma moto, marca Triumph e várias garrafas de vinho e refrigerantes.

1.13. Nessa ocasião de tempo e lugar, os arguidos partiram o vidro ventilador da porta traseira do lado direito do veículo ligeiro de passageiros, marca BMW, modelo serie 1, matrícula V4, causando um prejuízo não concretamente apurado.

1.14. Os arguidos não lograram retirar e apropriar-se dos objectos que se encontravam na garagem referida porquanto foram interceptados, no local, por agentes da PSP.

1.15. No momento da detenção, encontravam-se no interior da viatura Opel referida em 1.2., os seguintes objectos, que foram apreendidos:

- uma pistola pneumática, cor preta, marca granit, black edition 18 w, com duas baterias;

- três chaves de impacto, cor preta, de 16, 17 e 19mm;

- um conjunto de chaves torx, cor preta, marca parkide;

- uma chave roquete, marca powerfix, cor vermelha;

- uma chave roquete, cor cinza, marca chrome vanadium, com aumento e chave de caixa de 16 mm;

- uma chave de fendas, marca powerfix, cor azul;

- uma chave inglesa, cor cinza, marca exploit;

- uma lanterna, marca Tab, profissional light;

- uma lanterna, cor azul, marca parkide;

- uma lanterna, cor verde, marca parkide;

- um par de luvas, cor preto, marca Panther, racing;

- um par de luvas, cor preta, marca Shima, air 2.0, pertencente a CC;

- um par de luvas, cor preto, marca Ipso;

- uma lanterna, cor preta;

- uma barra de madeira, para remoção do airbag sem o estragar;

- um IPAD, de cor cinza, marca Apple, de proprietário desconhecido;

- uma gola, cor preta;

- uma mochila, cor preta;

- dois sacos plástico, um do Continente e outro do Mercadona;

1.16. Nessa ocasião, foi apreendido um telemóvel marca Samsung, cor preto, pertencente a AA, que se encontrava na posse deste;

1.17. Foi também apreendido na posse de BB as chaves do motociclo referido em 1.10., um par de luvas, cor preto, marca Revit, female fit, e um telemóvel, marca iphone 13 pro, cor preto, estes dois últimos objectos pertencente a BB;

1.18. Foi ainda apreendido na posse do arguido CC a quantia, em moedas, de 24,16 €, referida em 1.5.b., bem como um par de luvas, cor preta, marca Shima e um telemóvel, marca Xiomi, cor cinza, estes dois últimos objectos pertencentes a CC.

1.19. Foi de igual modo apreendido pela autoridade policial o automóvel ligeiro, de mercadoria, branco, marca Opel, modelo Astra, matrícula V1, cor branca, propriedade de DD, a quem o mesmo veículo foi posteriormente entregue na fase de inquérito.

1.20. Os bens referidos em 1.5. e 1.9. foram recuperados pela autoridade policial, e, depois de reconhecidos pelos respectivos proprietários, foram a estes entregues.

1.21. Os arguidos AA, BB e CC agiram em comunhão de vontades e conjugação de esforços, com o intuito de se apropriarem e fazerem seus os bens acima referidos, bem sabendo que os mesmos lhes não pertenciam e que agiam contra a vontade dos respectivos proprietários, tendo logrado alcançar os seus intentos, nas situações referidas em 1.3. a 1.6. e 1.7. a 1.9.

1.22. Para o efeito, acederam a espaços fechados – garagens individuais -, como sabiam e queriam, mais sabendo que agiam contra a vontade dos respectivos proprietários.

1.23. Acederam a tais espaços fechados, nas situações referidas em 1.3. a 1.5. e 1.10. a 1.14., através de estroncamento das fechaduras das portas de acesso ao prédio e da desactivação dos dispositivos que mantinham fechados os portões das garagens individuais, mediante uso de instrumentos que serviam para os abrir.

1.24. Procederam do modo acima descrito, bem sabendo que o faziam sem a autorização e contra a vontade dos respectivos proprietários.

1.25. Os arguidos não lograram apropriar-se dos bens existentes no interior da garagem referida em 1.11., por razões alheias à sua vontade.

1.26. As luvas apreendidas aos arguidos foram por estes usados na prática dos ilícitos e os demais objectos apreendidos referidos em 1.15. estavam destinados a servirem para a prática dos factos ilícitos.

1.27. Os arguidos agiram sempre de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

1.28. O arguido AA foi condenado:

a. No processo comum colectivo 108/10.4... do Juízo Central Criminal ..., por acórdão proferido em 27.02.2015, transitado em julgado em 27.11.2015, pela prática, entre Outubro de 2011 e Junho de 2013, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º do Dec-Lei 15/93, de 22.01, na pena de seis anos de prisão;

b. No processo comum colectivo 180/13.3... do Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., por acórdão proferido em 7.03.2016, transitado em julgado em 30.06.2013, pela prática, em 30.05.2013, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 203º, nº 1 e 204º, n.º 2 al. e) do CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.

c. No processo 180/13.3..., por acórdão transitado em julgado em 28.09.2016, foi efectuado o cúmulo jurídico da pena nele aplicada e da pena aplicada no processo 108/10.4... e condenado o arguido na pena única de 7 anos e 10 meses de prisão.

1.29. O arguido AA esteve ininterruptamente preso desde 7.06.2013 a 13.10.2020, à ordem dos seguintes processos: desde 7.06.2013 a 14.10.2016 à ordem do processo 108/10.4...; desde 14.10.2016 até à 5.05.2017 à ordem do processo 180/13.3... em cumprimento da pena única nele aplicada; de 5.05.2017 a 3.05.2017 à ordem do processo 18356/11.8... para cumprimento da pena de 12 meses de prisão aí aplicada; em 3.05.2017, voltou a ser ligado ao processo 180/13.3... e nessa situação se manteve até 13.10.2020, data em que lhe foi concedida liberdade condicional até 3.04.2022, sendo-lhe concedida liberdade definitiva nesta data.

1.30. Não obstante tais condenações, as mesmas não constituíram advertência suficiente para afastar o arguido AA da prática dos ilícitos ora em apreciação

1.31. Para além das condenações acima referidas, o arguido AA foi condenado:

a. No processo comum colectivo 4306/99.1... da 4ª Vara Criminal ..., por acórdão proferido em 15.02.2004, transitado em julgado em 12.01.2005, pela prática, em 18.10.2000, de um crime de ofensas à integridade física, p. e p. pelo art.º 143º do CP, na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, entretanto declarada extinta nos termos do art.º 57º do CP;

b. No processo sumário 788/06.5... do 1º Juízo do Tribunal da Pequena Instância Criminal ..., por decisão de 27.07.2006, transitada em 11.09.2006, pela prática, em 21.07.2006, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa, à taxa de 2,00 €, entretanto declarada extinta pelo pagamento;

c. No processo comum colectivo n.º 19/07.0... da 2ª Vara Criminal ..., por acórdão proferido em 30.10.2008, transitado em julgado em 5.12.2008, pela prática, em 14.03.2007, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º do Dec-Lei 15/93, de 22.01, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão efectiva;

d. No processo sumário 13/11.7... do 1º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal ..., por decisão de 4.03.2011, transitada em julgado, pela prática, em 21.02.2011, de um crime de furto na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22º, 23º, e 203º, nº 1 do CP, na pena de 9 meses de prisão substituída por 270 horas de prestação de trabalho, entretanto declarada extinta pelo cumprimento;

e. No processo sumário n.º 871/12.8..., do 3º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal ..., por decisão proferida em 19.09.2012, transitada em julgado em 9.10.2012, pela prática, em 19.08.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º do Dec-Lei 2/98, de 3.01, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.

Neste processo, por decisão transitada em 30.09.2016, foi revogada a suspensão da execução da pena e determinado o seu cumprimento.

f. No processo comum singular n.º 18356/11.8... do 3º Juízo Criminal ..., por decisão proferida em 27.02.2013, transitada em julgado em 8.04.2013, pela prática, em 2.02.2011, de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art.º 86º, nº 1, al. d) da Lei 17/2009, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.

Neste processo, por decisão transitada em 20.10.2016, foi revogada a suspensão da execução da pena e determinado o seu cumprimento.

No mesmo processo foi, por decisão transitada em 7.08.2017, efectuado o cúmulo jurídico da pena nele aplicada com a pena aplicada no processo 871/12.8... e condenado o arguido na pela única de 12 meses de prisão, pena essa entretanto declarada extinta pelo cumprimento.

g. No processo sumário nº 92/21.9... do Juízo de Pequena Criminalidade ... - Juiz ..., por decisão proferida em 2.03.2021, transitada em julgado em 5.05.2021, pela prática, em 8.02.2021, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º do Dec-Lei 2/98, na pena de 10 meses de prisão substituída pela prestação de 300 horas de trabalho, pena essa entretanto declarada extinta pelo cumprimento.

(…).

Mais se provou:

1.34. À data dos factos dos autos, AA tinha recaído no consumo de cocaína, tendo deixado recentemente, em 1.03.2024, o agregado familiar de sua mãe, com quem residia, por vontade desta, e virtude daquela sua recaída.

1.35. O arguido AA admitiu os factos praticados e imputados na acusação, à excepção do que se refere ao modo de introdução nos prédios e nas garagens. Manifestou arrependimento, que se revelou sincero.

1.36. Os arguidos praticaram os factos dos autos, com a orientação de um terceiro, não identificado, que forneceu ao arguido AA os instrumentos que vieram a ser apreendidos no veículo Opel, e a quem os bens que os arguidos lograssem apropriar-se na madrugada do dia D.M.2024 se destinavam a ser entregues, mediante contrapartida económica ou outra.

Arguido AA:

1.37. AA tem como habilitações literárias o 4º ano de escolaridade, apresentando, contudo, limitações na aquisição das competências de escrita e leitura.

1.38. Iniciou a sua vida laboral activa numa pequena empresa familiar de marroquinaria criada e gerida pela progenitora, registando irregularidade na sua colaboração por privilegiar um quotidiano pouco estruturado e o convívio com pares desviantes. Ainda trabalhou como ... de metais cerca de dois anos, tinha então 18 anos. Aos 21 anos de idade sofreu a sua primeira reclusão.

1.39. Após a sua colocação em liberdade em D.M.2020, AA residia com a progenitora, de 67 anos, empregada de limpeza, em casa arrendada, tipologia 2, em conjunto habitacional tipo “ilha”, com condições de habitabilidade, localizada em zona urbana.

1.40. Mantinha atividade de caráter informal de compra e venda de veículos automóveis em plataformas online, o que lhe proporcionava rendimentos variáveis, não concretamente apurados.

1.41. Entretanto recaiu no consumo de cocaína, tendo deixado de residir com a sua mãe, por vontade desta, em D.M.2024, passando a dormir no veículo Opel, propriedade de sua filha.

1.42. Deu entrada no estabelecimento prisional do porto em D.M.2024, em prisão preventiva à ordem destes autos, nele permanecendo até D.M.2024, data em que, na sequência de alteração da medida coacção, passou cumprir obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, situação coativa que mantém até ao presente.

1.43. Desde D.M.2024, em execução da medida coactiva acima referida, encontra-se provisoriamente integrado no agregado familiar da irmã, HH (45 anos, empregada de limpeza), composto pela própria, o marido desta (45 anos, operador de cargas e descargas), e o descendente do casal (21 anos, operador de cargas e descargas). O agregado familiar vive em apartamento propriedade da irmã e cunhado do arguido, tipologia 3, com condições de habitabilidade, localizado em bairro camarário, com residual incidência de problemáticas sociais e/ou criminais. As dinâmicas familiares são descritas como afetivamente gratificantes e apoiantes.

1.44. Presentemente, decorrente da sua situação coativa, não mantém qualquer atividade laboral, tendo-lhe sido oferecido trabalho numa pastelaria nas proximidades da sua residência.

1.45. AA revela imaturidade, défices no que concerne à resolução de problemas e antecipação de consequências, bem como permeabilidade à influência de terceiros.

1.46. No âmbito do processo 148/23.3..., no qual se encontra indiciado por factos suscetíveis de consubstanciar crime de violência doméstica, beneficia de suspensão provisória do processo pelo período de dois anos, sujeito às injunções de não praticar factos da mesma natureza e frequentar o Programa para Agressores de Violência Doméstica – PAVD (dinamizado por esta DGRSP). Neste contexto o arguido tem sido colaborante, revelando, contudo, défices no que respeita a competências pessoais e sociais.

1.47. O arguido tem cumprido adequadamente a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, encontrando-se actualmente abstinente do consumo de estupefacientes, revelando-se bem integrado no agregado familiar de sua irmã, junto do qual cumpre a referida medida.

(…)».

Do direito

8. O recurso tem, pois, por objeto um acórdão proferido pelo tribunal coletivo que aplicou uma pena de prisão superior a 5 anos, diretamente recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 432.º, n.º 1, al. c), do CPP), e limita-se ao reexame de matéria de direito (artigo 434.º do CPP), não vindo invocados vícios ou nulidades a que se referem os n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º do CPP, de que cumpra conhecer [alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro].

O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo, se for caso disso, dos poderes de conhecimento oficioso, em vista da boa decisão de direito, dos vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro), que não se verificam.

Estando em causa uma situação de concurso de crimes (artigos 30.º, n.º 1, e 77.º do Código Penal), pode este tribunal conhecer de todas as questões de direito relativas à pena conjunta aplicada aos crimes em concurso e às penas aplicadas a cada um deles, englobadas naquela pena única, inferiores àquela medida, se impugnadas (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 5/2017, DR I, de 23.6.2017).

9. Em síntese, tendo em conta as conclusões da motivação do recurso, este Tribunal é chamado a apreciar e decidir:

(a) Da alegada não verificação de uma situação de concurso efetivo de crimes – conclusões 1 a 8; e

(b) Da adequação e proporcionalidade das penas parcelares e da pena única aplicada aos crimes em concurso – conclusões 9 a 28.

Quanto ao concurso de crimes [supra, 9. (a)]

10. Alega o recorrente ter sido violado o artigo 30.º do Código Penal, pois que, em síntese, tendo agido «em conjugação com os arguidos BB e CC, mediante um plano previamente gizado entre todos», «face à factualidade dada como provada, não podemos cindir a atuação do arguido do plano previamente gizado com os demais arguidos», isto é, tendo «cada um dos assaltos, [sido] precedido do mesmo plano, utilizados os mesmos meios materiais para o sucesso da missão providenciados, sendo que, ocorreram na mesma noite, sequencialmente, em locais muito próximos entre si», «temos que concluir que existiu uma única resolução criminosa [por] parte dos arguidos, no sentido de naquela noite, naquela zona, através do mesmo modus operandi, se apropriarem de bens de valor que ali encontrassem e não 3 resoluções para a prática do crime de furto», pelo que «a sua conduta deveria ser subsumida à prática de um único crime de furto qualificado, com a agravante da reincidência , p.p pelo arts.º 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) e 75.º do CP».

11. Quanto à qualificação jurídica dos factos provados, o acórdão recorrido, apreciando as condutas que se deram como provadas e procedendo ao seu enquadramento jurídico-penal, concluiu que o recorrente, em coautoria com os outros dois arguidos, praticou três crimes de furto qualificado, sendo dois na forma consumada e um na forma tentada «numa relação de concurso» (supra, 1), tal como o define o n.º 1 do artigo 30.º do Código Penal.

12. Nos termos deste preceito, “o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.

Por sua vez dispõem os n.ºs 2 e 3 deste mesmo dispositivo legal:

“2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

3 - O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”.

13. Como se considerou no acórdão de 21.06.2023, proferido no Proc. n.º 257/13.7TCLSB.L1.S1 (em https://www.dgsi.pt, que se segue de perto), de acordo com o artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, que transpõe para a lei o pensamento de Eduardo Correia, determinando-se o número de crimes pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente, o critério determinante da unidade ou pluralidade de crimes, de que deve partir-se, é o tipo legal de crime violado. Na dimensão que agora interessa, se a atividade do agente preenche várias vezes o mesmo tipo legal de crime, necessariamente se nega o mesmo valor diversas vezes, existindo, por conseguinte, uma pluralidade de infrações. O «número de vezes» que o mesmo tipo de crime foi preenchido dever contar-se pelo número de juízos de censura, o que deve reconduzir-se a uma pluralidade de processos resolutivos, de resoluções ou de decisões criminosas ou à renovação do mesmo processo. Esta pluralidade seria excluída, em regra, pela continuidade temporal das várias condutas, «sempre que, de acordo com as circunstâncias do caso, devesse aceitar -se que “o agente executou toda a sua atividade sem ter que renovar o respetivo processo de motivação”». Porém, na observação de Figueiredo Dias, embora a unidade ou pluralidade de processos de resolução constitua, em certos casos, um elemento importante para decidir da unidade ou pluralidade de crimes, a essência do facto punível que constitui o crime, reside no “substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico-penal, no ilícito-típico,” pois que é a “unidade ou pluralidade de sentidos (autónomos) de ilicitude típica”, “existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta aceção, de crimes” (Direito Penal, 3.ª ed., GestLegal, 2019, pp. 1150, 1170) (assim, o acórdão de 15.03.2023, Proc. 1310/17.3T9VIS.C1.S1, em https://www.dgsi.pt).

Haverá, pois, concurso de crimes, nos termos do artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, punível de acordo com o artigo 77.º, quando o comportamento do agente, independentemente do seu grau de identidade ou semelhança, preenche mais que uma vez o mesmo tipo legal de crime.

13.1. Afirma-se, a este propósito, no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2019 (DR 1.ª série, 23.12.2019):

“A consideração do bem jurídico e da pluralidade de juízos de censura, determinada pela pluralidade de resoluções, como referente da natureza efetiva da violação plural, tem sido indicada na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça como essencial para determinar se, em casos de pluralidade de ações ou pluralidade de tipos realizados, existe, efetivamente, concurso (…), na linha do pensamento de Eduardo Correia plasmado no artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, com a consideração de elementos da posição doutrinária de Figueiredo Dias. (…) «O critério da efetividade do concurso de crimes ("crimes efetivamente cometidos") do artigo 30.º do Código Penal é um critério teleológico, remetendo essencialmente ao critério do bem jurídico protegido em cada crime, do seu sentido e alcance. Como os tipos legais de crime protegem bens jurídicos, a confluência ou a pluralidade de proteção tem de revelar-se decisiva para reduzir a (aparente) pluralidade à (efetiva) unidade, sem o que seria afetado o princípio da proibição da dupla valoração» [acórdão de 13.10.2004 (Proc. n.º 3210/04), ECLI:PT:STJ:2004:04P3210.4D]. (…)

O recurso a este critério evidencia-se no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 10/2013, de 05.06.2013 (DR, Série I de 2013-07-10), em que se lê:

«O comportamento do agente tanto se pode consubstanciar num só facto ou numa só acção, como em vários factos ou acções. Na realidade, a partir de um só facto ou de uma só acção podem integrar-se diversos tipos legais, por violação simultânea de diversas normas incriminadoras, bem como o mesmo crime plúrimas vezes, por violação da mesma norma incriminadora; igualmente a partir de vários factos, ou de várias acções, pode realizar-se o mesmo crime plúrimas vezes, por violação repetida da mesma norma incriminadora, bem como diversos crimes, por violação de diversas normas incriminadoras. Qualquer uma destas hipóteses configura um concurso de crimes, uma vez que este sucede quando o mesmo agente cometa mais do que um crime, quer mediante o mesmo facto, quer mediante vários factos. (…)»

13.2. A jurisprudência deste Tribunal tem sublinhado a necessidade de ponderação do critério da unidade ou pluralidade de resoluções criminosas e de juízos de censura, ao lado do critério teleológico. Lê-se neste mesmo acórdão:

«A unidade de tipo legal preenchido não importará definitivamente a unidade das condutas correspondentes, na medida em que, sendo vários os juízos de censura que as ligam à personalidade do seu agente, outras tantas vezes esse mesmo tipo legal se torna aplicável, e deverá, por conseguinte, considerar-se existente uma pluralidade de crimes. Tais juízos de reprovação têm de ser desdobrados, e repetidos, sempre que uma pluralidade de resoluções, e de resoluções no sentido de determinações de vontade, tiver iluminado o desenvolvimento da actividade do agente. (…) O índice da unidade, ou pluralidade, de determinações volitivas apenas se pode consubstanciar na forma como o acontecimento exterior se desenvolveu, olhando, fundamentalmente, à conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente. A experiência, e as leis da psicologia, referem que, se entre diversos actos medeia um largo espaço de tempo, a resolução que, porventura, inicialmente os abrangia a todos, se esgota no intervalo da execução, de tal sorte que os últimos não são a sua mera descarga, mas supõem um novo processo deliberativo. Daqui resulta que se deve considerar existente uma pluralidade de resoluções sempre que se não verifique, entre as actividades efectuadas pelo agente, uma conexão de tempo tal que, de harmonia com a experiência normal e as leis psicológicas conhecidas, se possa e deva aceitar que ele as executou a todas sem ter de renovar o respectivo processo de motivação».

E afirma-se em jurisprudência mais recente:

«Este preceito [artigo 30.º, n.º 1, do CP] consagra um critério teleológico, e não naturalístico, para distinguir entre unidade e pluralidade de crimes. (…) a várias condutas naturalísticas subsumíveis ao mesmo tipo legal pode corresponder um único crime. Neste último caso, o critério de distinção deve residir na existência de unidade ou pluralidade de resoluções criminosas. Sempre que exista uma única resolução, determinante de uma prática sucessiva de actos ilícitos, haverá lugar a um único juízo de censura penal, e portanto existirá apenas um crime. Caso haja sucessivas resoluções, estaremos perante uma pluralidade de juízos de censura, e portanto de infracções. A unidade de infracções pressupõe porém, em regra, uma conexão temporal forte entre as diversas acções naturalísticas. É este basicamente o critério vertido no n.º 1 do art. 30.º do CP, segundo a lição de Eduardo Correia.» (acórdão de 06.02.2019, ECLI:PT:STJ:2019:71.15.5JDLSB.S1.1B. Em idêntico sentido, o acórdão de 24.04.2019, ECLI:PT:STJ:2019:308.12.2TAABF.S1.FA).

13.3. Outra jurisprudência, inspirada predominantemente no pensamento de Figueiredo Dias, afirma que «é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes». (…)

Para Eduardo Correia o «número de vezes» que o mesmo tipo de crime foi preenchido deveria contar-se pelo número de juízos de censura, o que deveria reconduzir-se a uma pluralidade de processos resolutivos, de resoluções ou de decisões criminosas ou à renovação do mesmo processo. Esta pluralidade seria excluída, em regra, pela continuidade temporal das várias condutas, «sempre que, de acordo com as circunstâncias do caso, devesse aceitar -se que “o agente executou toda a sua actividade sem ter que renovar o respectivo processo de motivação”» (§§ 22, 28). Nesta linha de pensamento, a descontinuidade temporal tem constituído um elemento referencial de diferenciação e de autonomização de “pedaços de vida” diversos, com “pluralidade de sentidos de ilicitude” que constituem ilícitos típicos distintos configurando situações de concurso efetivo de crimes, na aceção do artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal (como se afirmou no acórdão de 08.06.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S1, em www.dgsi.pt).

Lê-se no acórdão de 18.01.2018, Proc. 534/16.5GALNH.L1. S1, (ECLI:PT:STJ:2018:534.16.5GALNH.L1.S1.20): «Figueiredo Dias (…) considera que “da pluralidade de normas típicas concretamente aplicáveis ao comportamento global é legítimo concluir, prima facie, que aquele comportamento revela uma pluralidade de sentidos sociais de ilicitude”, verificando-se um “concurso de crimes efectivo, puro ou próprio”. Acrescenta que merecem “exactamente o mesmo tratamento jurídico-penal os casos em que ao comportamento global é concretamente aplicável apenas uma norma típica, mas esta foi violada mais que uma vez pelo comportamento global”. Só não será assim quando “os sentidos singulares de ilicitude típica presentes no comportamento global se conexionam, se intercessionam ou parcialmente se cobrem de forma tal que, em definitivo, se deve concluir que aquele comportamento é dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social”, casos em que à pluralidade de violações típicas não corresponde “uma pluralidade de crimes efectivamente cometidos”». Idêntico entendimento encontra-se reflectido no acórdão de 12.07.2018, Proc. 72/17.9JACBR.S1 (ECLI:PT:STJ:2018:72.17.9JACBR.S1.AB).

13.4. Excluem-se da previsão do nº1 do artigo 30.º, nos termos do respetivo n.º 2, os casos de concretização plúrima do mesmo tipo de crime realizada por forma essencialmente homogénea e no quadro da mesma solicitação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente, que integrará um só crime, continuado, exceto se o mesmo tipo de crime perpetrado várias vezes ou os vários tipos de crime praticados violarem bens eminentemente pessoais (n.º 3), situação em que advirá um concurso efetivo de crimes (n.º 1).

O pressuposto do crime continuado revela-se na existência de uma relação que, de fora, e de modo considerável, facilita a repetição da atividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, de acordo com o direito, ou seja, que o facto seja praticado no mesmo quadro de solicitação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente (Eduardo Correia, Direito Criminal, II, p. 209).

Como se tem sublinhado, a diminuição sensível da culpa, exigida pelo artigo 30.º, n.º 2, só poderá ter lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete, sem que o agente tenha contribuído para essa repetição, já não quando o agente a provoca, nomeadamente escolhendo o tempo, o local, a vítima e o modo de execução dos crimes (assim, acórdão de 08.06.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S1, cit.), como sucede neste caso. A reiteração de condutas, a que correspondem várias resoluções criminosas separadas no tempo, não encontra justificação em qualquer circunstância ou solicitação externa capaz de diminuir a culpa.

14. Como resulta dos factos provados, «os arguidos AA, BB e CC, mediante um plano previamente gizado entre todos, decidiram durante o período da noite de D.M.2024, aceder a garagens de vários edifícios localizados em ... com o propósito de se apropriarem de objectos ou valores que ali encontrassem, designadamente, entre outros, volantes multifunções de marca BMW», e «de acordo com o plano gizado», dirigiram-se a três locais distintos e distantes uns dos outros, apropriando-se e tentando apropriar-se de bens pertencentes a diferentes proprietários – primeiro, por volta da 1 hora da madrugada, Avenida ..., n.º 296; depois, ao prédio sito na Avenida Dom ..., n.º 233, e finalmente, pelas 4 horas da manhã, ao prédio dito na Rua ... n.º 59, onde foram surpreendidos em flagrante delito. Em todas e cada uma das situações, ao acederem aos espaços fechados, «agiram sempre de forma livre, consciente e voluntária», «como sabiam e queriam», «através de estroncamento das fechaduras das portas de acesso ao prédio e da desactivação dos dispositivos que mantinham fechados os portões das garagens individuais, mediante uso de instrumentos que serviam para os abrir», «bem sabendo que o faziam sem a autorização e contra a vontade dos respectivos proprietários».

Embora realizadas em execução de um plano de ação organizado para essa noite, é evidente que as várias ações de acesso aos diferentes locais e as apropriações dos bens em questão que constituem as condutas típicas dos crimes de furto, com violação do mesmo bem jurídico, tiveram lugar em espaços e tempos diferentes com renovação do processo de motivação em cada um desses espaços e tempos, em concretização do propósito previamente formado. É na execução desse plano que o arguido cometeu os vários crimes, juntamente com os demais arguidos, escolhendo o tempo, os locais, as vítimas e os modos de execução dos crimes, adaptando o modus operandi às especificidades de cada situação.

Identifica-se no comportamento dos arguidos uma pluralidade de ações e processos resolutivos, materializando a renovação da vontade criminosa, um conjunto de três diferentes «pedaços de vida», com pluralidade de «sentidos de ilicitude», que suscitam e justificam diferentes e autónomos de juízos de censura na consideração das especificidades de cada um deles perante a norma incriminadora sucessivamente convocada.

Assim sendo, tendo em conta o que anteriormente se expendeu a propósito da interpretação do artigo 30.º do CP, sendo a norma incriminadora do furto violada por três vezes, sem que seja possível unificar o comportamento do arguido pela sua concentração espácio-temporal e conexão num só «pedaço de vida», na materialização de uma só realização criminosa, e excluídos que se mostram os pressupostos do crime continuado, impõe-se concluir que o arguido se constituiu autor de uma pluralidade de crimes de furto, efetivamente cometidos, nas formas de consumação e de tentativa, com decidido no acórdão recorrido.

Nesta conformidade se deve também concluir que improcede a pretensão de aplicação de uma pena singular, pela prática de um único crime. Como resulta do artigo 77.º do CP, que estabelece as regras de punição do concurso, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa «única pena» para que concorrem as várias penas singulares correspondentes a cada um dos crimes em concurso, em cuja medida são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

15. A este propósito, vem o arguido, sem explicitar as razões, «arguir a inconstitucionalidade da interpretação que foi dada à norma do artigo 30 do C.P., quando conjugada com o artigo 32 da CRP, na interpretação que foi acolhida pelo Tribunal, no sentido de se entender que a conduta é subsumível à prática de 3 crimes de furto qualificado, um deles na forma tentada, agravados pela reincidência, p.p pelos arts 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e) e 75 e art.ºs 22º, 23º, 75º, 203º, 204º, e n.º 2, al. e), todos do Código Penal, e não um único crime de furto qualificado com a agravante da reincidência , p.p pelo arts.º 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e) e 75 do CP .»

Sem razão, porém.

Desde logo porque o preceito constitucional invocado respeita às «garantias de processo criminal», não se identificando nele qualquer norma de natureza substantiva que, pelo seu conteúdo, o artigo 30.º do CP deva respeitar.

Depois porque uma questão relacionada com um juízo de inconstitucionalidade sobre uma norma deste preceito não pode respeitar a uma questão de saber se as condutas do arguido são ou não subsumíveis a uma pluralidade de uma violação de um tipo legal de crime nem ao modo como devem ser interpretadas e aplicadas as normas infraconstitucionais respeitantes à teoria do concurso (de crimes e de normas penais), mas apenas se, ao atribuir a tal bloco normativo um sentido que leva a punir tais condutas em concurso efetivo, são violados os princípios constitucionais invocados pelo recorrente, o que só apresentaria alguma viabilidade face ao disposto no artigo 29.º, n.º 5 da Constituição (cfr. Acórdão do TC n.º 62/2012), segundo o qual ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime (proibição do ne bis in idem).

16. Pelo exposto, improcede o recurso nesta parte.

Quanto às penas [supra, 9.(b)]

17. Recordando o decidido, o acórdão condenou o recorrente «pela prática, em coautoria, e concurso efetivo, e com a agravante da reincidência, de:

1.1. um crime de furto qualificado na forma consumada, p. e p. pelos art.ºs 75º, 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e) do CP, na pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão;

1.2. um crime de furto qualificado, na foram consumada, p. e p. pelos art.ºs 75º, 203º, nº 1 e 204º, nº 1, al. f) do CP - para o qual se convola o crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e) do CP, com a agravante da reincidência, de que vinha acusado - na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

1.3. um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22º, 23º, 75º, 203º, 204º, e n.º 2, al. e), todos do Código Penal, na pena de dois (2) anos e 9 (nove) meses de prisão.

2. Em cúmulo jurídico das penas parcelares atrás referidas, condenar o mesmo arguido AA, na pena única de 5(cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.»

18. Não se suscitam questões relativas à qualificação jurídica dos factos, que fixa as molduras das penas a partir das quais é determinada a medida concreta da pena (“dentro dos limites da lei” – artigo 71.º, n.º 1, do CP), cujos fundamentos são expressamente referidos na sentença (artigo 71.º, n.º 3, do CP e 375.º, n.º 1, do CPP).

Na apreciação da determinação das penas importa considerar as circunstâncias que, nos termos dos artigos 71.º e 77.º do CP, constituindo o respetivo substrato, a justificam, tendo presente que o recurso não se destina a proceder a uma nova determinação da pena, mas, apenas, a verificar o respeito por aqueles critérios, com eventual correção da medida da pena aplicada, se o caso a justificar (assim, por todos, o acórdão de 17.12.2024, Proc. 77/12.6GTCSC.L2.S1, e outros nele citados, reafirmando jurisprudência reiterada, em particular, o acórdão de 21.12.2011, Proc. n.º 595/10.0GFLLE.S1, com exaustiva indicação de jurisprudência, todos em https://www.dgsi.pt).

19. A determinação da medida das penas parcelares e da pena única encontra-se fundamentada nos seguintes termos:

«Dentro das molduras penais que atrás se deixaram referidas, as medidas concretas das penas a aplicar a cada um dos arguidos, será determinada tendo como limite a culpa do arguido, em função das exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir – 71º, nº 1 do Código Penal.

A aplicação das penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – art.º 40º do Código Penal.

Neste normativo se condensam as três proposições fundamentais quanto à função e aos fins das penas: protecção dos bens jurídicos, reinserção social do agente do crime, a culpa como limite da pena.

A pena deve, assim, ser encontrada numa moldura penal de prevenção geral positiva – com o que se dá satisfação à necessidade comunitariamente sentida de reafirmação da confiança geral na validade da norma violada - definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, em caso algum, ultrapassar a medida concreta da culpa, que estabelece um limite inultrapassável às exigências de prevenção.

Passemos, então, à ponderação dos factores relevantes para a determinação da medida concreta da pena a aplicar aos arguidos, à luz dos normativos citados.

Relativamente o grau de ilicitude dos factos, assinale-se, em desfavor dos arguidos, a circunstância de terem agido em coautoria, de madrugada, e de forma planeada, tendo ao seu dispor os instrumentos que vieram a ser apreendidos no veículo Opel, o valor já relevante dos bens subtraídos e apropriados no que respeita os furtos consumados, e os danos provocados no furto consumado praticado na garagem do edifício sito na Avenida ... e na prática do crime de furto tentado;

Nesta sede, com relevo na atenuação do desvalor dos ilícitos, a circunstância de os bens subtraídos terem sido integralmente recuperados pelos respectivos proprietários, o que, assinale-se se deveu à intervenção da autoridade policial que os interceptou e deteve aquando da prática do último ilícito.

Pondera-se ainda que os arguidos agiram em todos os ilícitos com dolo na sua forma mais intensa, dolo directo, com finalidade de obter contrapartidas económicas ou outras, pela entrega a um terceiro dos bens de que se apropriassem.

As necessidades de prevenção geral pela frequência de tais ilicitos e repúdio que suscitam na comunidade, assumem relevo, em particular, no caso concreto, dentro daquilo que já é pressuposto no que a crimes de furto concerne, pela forma concertada e planeada como os arguidos agiram.

Ainda quanto ao arguido AA:

Releva a seu favor a admissão da generalidade dos factos e o arrependimento demonstrado, a circunstância de entre a data da sua libertação e a data da prática dos factos objecto destes autos não constar do seu certificado de registo criminal o averbamento de condenações por factos praticados nesse período temporal, período durante o qual se manteve afastado do consumo de estupefacientes, desenvolvendo actividade laboral, embora de fora não consistente nem enquadrada, a circunstância de actualmente não consumir estupefacientes, o seu adequado comportamento no cumprimento da medida de coação de obrigação de permanência na habitação a que está sujeito, bem como a inserção no agregado familiar da sua irmã, junto do qual cumpre a referida medida.

Pondera-se, ainda, que o arguido, à data dos factos, recaiu no consumo de estupefacientes, encontrava-se laboralmente inactivo, não dispunha da rectaguarda familiar que até então lhe era proporcionado por sua mãe e respectivo agregado familiar. Este circunstancialismo se bem que, em certa medida, contribua para compreender a motivação que esteve subjacente à pratica dos ilícitos, não deixa de acentuar as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir.

Necessidades de prevenção especial que, relativamente a este arguido, decorrem de igual modo das condenações anteriormente sofridas - não se tendo em conta nesta sede as que fundamentaram a verificação da agravante da reincidência - designadamente por crimes de idêntica natureza (furtos) ou a que estiveram subjacentes a mesma problemática aditiva (tráfico), pelos quais foi condenado em penas de prisão efectiva, que cumpriu. E ainda das fragilidades pessoais do arguido resultam da factualidade provada - cf. imaturidade, défices no que concerne à resolução de problemas e antecipação de consequências, bem como permeabilidade à influência de terceiros (cf. 1.48), bem como da ausência de um percurso e inserção laboral consolidada.

(…)

Encontrando-se os crimes praticados pelos arguidos numa relação de concurso, importa proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, sendo a moldura abstracta da pena única correspondente no seu mínimo à pena parcelar mais grave e no seu máximo à soma das penas parcelares aplicadas, sendo considerados na medida concreta da pena única , em conjunto, os factos e a personalidade do agente - cf. art.º 77º do Código Penal.

Os arguidos praticaram os três furtos em apreciação nos autos, na mesma madrugada, em coautoria e de forma planeada, executados de forma similar, sendo a sua acção interrompida pela circunstância de terem sido interceptados e detidos pela autoridade policial.

O número de crimes cometidos, numa mesma madrugada, e o seu modo de execução, revelam, numa apreciação do conjunto dos factos e da personalidade dos arguidos neles espelhada, uma ilicitude global já intensa e personalidades indiferentes aos bens jurídicos tutelados pelas normas infringidas.

Ponderadas estas circunstâncias, bem como as demais que acima se deixaram referidas quanto às penas parcelares, designadamente as anteriores condenações sofridas pelos arguidos e a suas condições pessoais ao tempo dos factos e actualmente, entende-se fixar as seguintes penas únicas:

- ao arguido AA a pena de 5 anos e 4 meses de prisão; (…).»

(cont.): Quanto às penas parcelares

20. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Como repetidamente se tem afirmado (por todos, o acórdão de 29.5.2024, Proc. n.º 600/22.8SXLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt, que se segue), a determinação da medida da pena, dentro da moldura abstrata da pena correspondente ao tipo de crime preenchido pelos factos provados, que corresponde ao primeiro momento de determinação da pena, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente (personalidade manifestada no facto) – fatores relativos à execução do facto, à personalidade e à conduta do agente, anterior e posterior ao facto –, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a seu favor ou contra ele considerando (artigo 71.º do Código Penal).

Para a medida da gravidade da culpa, de acordo com o artigo 71.º, há que considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências e intensidade do dolo ou da negligência), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram e o grau de violação dos deveres impostos ao agente [als. a), b) e c)], bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade (condições pessoais e situação económica, conduta anterior e posterior ao facto, e falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [als. d), e), f)].

Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Aqui se incluem as consequências não culposas do facto (v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves, comportamento anterior e posterior ao crime (com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [als. a) e) e f)]. O comportamento do agente [als. e) e f)] adquire particular relevo em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização do agente, devendo evitar-se a dessocialização.

É na determinação e consideração destes fatores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação, constitucionalmente impostos (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição; neste sentido, entre muitos outros, mais recentemente, os acórdãos de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S1, 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, cit.).

21. Em síntese, o arguido recorrente, reconhecendo os fatores que militam a seu desfavor, funda a sua discordância na convocação, a seu favor, de fatores relacionados com o grau de participação, o modo de execução e as consequências do crime – coautoria, «orientação de um terceiro que forneceu ao arguido AA os instrumentos que vieram a ser apreendidos (…) e a quem os bens que os arguidos lograssem apropriar-se (…) se destinavam a ser entregues, mediante contrapartida económica ou outra», prática dos factos «numa única noite, de forma sequencial, utilizando o mesmo modus operandi, na mesma área geográfica», recuperação dos bens pela autoridade policial – confissão e arrependimento, as suas condições pessoais, económicas e familiares, em particular nas circunstâncias de a sua conduta «ter ocorrido numa altura em que recaiu no consumo de estupefacientes, cocaína, sem que à data dos factos apresentasse qualquer retaguarda familiar e profissional» e de atualmente apresentar «enquadramento familiar, social, com perspetivas de inserção laboral, mantendo-se abstinente do consumo de estupefacientes», e com o cumprimento dos deveres impostos pela medida de coação.

Estas circunstâncias encontram-se refletidas nos factos provados e na fundamentação da determinação da pena, relevando quer por via da culpa, quer por via da prevenção.

O comportamento anterior aos crimes, revelado pelos antecedentes criminais por factos da mesma natureza, ao longo de anos, que levaram ao cumprimento de pena de prisão desde 2013 até 2020, a evidenciada incapacidade para posteriormente alterar esse comportamento, dominado pela toxicodependência, revelam uma personalidade desvaliosa, projetada em cada um desses factos, insensibilidade à pena, e falta de preparação para manter uma conduta lícita, embora, pelas atuais condições familiares e pelo processo de afastamento do consumo de estupefacientes, se possa concretizar um quadro mais propício à evolução positiva no processo de integração.

A confissão e o arrependimento não assumem relevo de significado, tendo em conta a detenção em flagrante delito, que impediu a consumação de um dos crimes, e a não identificação de qualquer ato em que se tenha materializado o arrependimento.

As circunstâncias relativas aos factos e às condições pessoais do arguido à data dos factos militam severamente contra o arguido, por via da culpa, sendo elevado o grau de censurabilidade, e evidenciam acentuadas necessidades de socialização (prevenção especial), a prosseguir por via da aplicação da pena.

Assim sendo, na ponderação de todos estes fatores, e tendo em conta as molduras das penas aplicáveis e os termos da agravação da pena aplicável por virtude da reincidência (artigos 75.º e 76.º do CP), que constitui fator particularmente relevante na definição da medida das penas, não se identifica fundamento que justifique a conclusão de que as penas aplicadas se encontram fixadas em desconformidade com o estabelecido no artigo 71.º do CP, em violação dos limites impostos pela culpa (artigo 40.º do CP) e, em consequência, uma intervenção corretiva fundada em inobservância do critério de proporcionalidade constitucional e legalmente imposto.

Termos em que, nesta parte, improcede o recurso.

(cont.) Quanto à pena única

22. Realizando o cúmulo jurídico das penas aplicadas aos crimes em concurso, o tribunal a quo aplicou a pena única de 5 anos e 4 meses de prisão.

Fundamentou sumariamente a decisão de determinação da pena nos seguintes termos:

«Encontrando-se os crimes praticados pelos arguidos numa relação de concurso, importa proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, sendo a moldura abstracta da pena única correspondente no seu mínimo à pena parcelar mais grave e no seu máximo à soma das penas parcelares aplicadas, sendo considerados na medida concreta da pena única , em conjunto, os factos e a personalidade do agente - cf. art.º 77º do Código Penal.

Os arguidos praticaram os três furtos em apreciação nos autos, na mesma madrugada, em coautoria e de forma planeada, executados de forma similar, sendo a sua acção interrompida pela circunstância de terem sido interceptados e detidos pela autoridade policial.

O número de crimes cometidos, numa mesma madrugada, e o seu modo de execução, revelam, numa apreciação do conjunto dos factos e da personalidade dos arguidos neles espelhada, uma ilicitude global já intensa e personalidades indiferentes aos bens jurídicos tutelados pelas normas infringidas.

Ponderadas estas circunstâncias, bem como as demais que acima se deixaram referidas quanto às penas parcelares, designadamente as anteriores condenações sofridas pelos arguidos e a suas condições pessoais ao tempo dos factos e actualmente, entende-se fixar as seguintes penas únicas:

- ao arguido AA a pena de 5 anos e 4 meses de prisão;

(…)»

23. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir da moldura do concurso, para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção atrás mencionados (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, como critério especial, os factos e a personalidade do agente (n.º 1 do artigo 77.º, in fine). Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas e sociais, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, p. 248ss; por todos, o acórdão de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S, cit. e de 16.2.2022, Proc. 160/20.4GAMGL.S1).

Recordando jurisprudência constante deste Supremo Tribunal de Justiça e o que se tem consignado em acórdãos anteriores, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo seu conjunto, revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento. É o conjunto dos factos descritos na sentença que evidencia a gravidade do ilícito perpetrado (o “grande facto”, na sua complexidade), sendo importante, na avaliação, a conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos que constituem os tipos de crime em concurso.

Há que atender ao «fio condutor» presente na «repetição criminosa», às relações entre os factos praticados reveladas pelas circunstâncias destes e pelas circunstâncias pessoais relativas ao agente que permitam identificar caraterísticas da personalidade com projeção nos crimes praticados, levando-se em consideração, nomeadamente, a natureza destes e a identidade, semelhança e conexão entre os bens jurídicos violados, «tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto dos factos praticados é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a repetição emergirá antes e apenas de fatores meramente ocasionais» (assim, o acórdão de 26.6.2024, Proc. 14/22.0GBBRG.G1.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele mencionada).

«Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». «A personalidade do agente – se bem que não a personalidade no seu todo, mas só a personalidade manifestada no facto», – «é um factor da mais elevada importância para a medida da pena e que para ela releva, tanto pela via da culpa como pela via da prevenção» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 291).

24. No essencial, a favor da pretensão da redução da pena única, invoca o recorrente os argumentos já anteriormente indicados quanto às penas parcelares, na consideração de que a redução da pena única seria o reflexo das parcelares.

25. O conjunto dos crimes em concurso é, como se viu, constituído por três crimes de furto qualificado, dois consumados e um tentado.

De acordo com as regras de punição do concurso, a pena única deve fixar-se entre 3 anos e 10 meses (pena mais elevada) e 9 anos e 1 mês de prisão (correspondente à soma das penas aplicadas).

Identifica-se uma forte conexão entre os crimes praticados, num curto período de tempo, durante a mesma noite, em execução de um plano previamente preparado com recurso aos meios necessários, em violação de idênticos bens jurídicos, no mesmo contexto espacial e em função da prévia definição dos locais visados, com seleção dos objetos a transportar, em vista de obtenção de proveitos económicos ou outros, sob orientação de um terceiro indivíduo, não identificado, que forneceu os instrumentos necessários e ao qual se destinavam os bens objeto dos furtos.

O conjunto dos factos praticados revela, como se disse, uma personalidade desvaliosa, evidenciando insensibilidade do arguido às penas anteriormente aplicadas e falta de preparação deste para manter uma conduta lícita e, em consequência, elevadas necessidades de prevenção especial. A conduta anterior aos factos e as condenações anteriores por crimes de idêntica natureza mostram indicações de tendência para a prática de crimes contra o património que, como se disse, constitui particular fator de agravação na aplicação do critério especial de determinação da pena conjunta (artigo 77.º do CP).

Assim, tendo em conta a moldura da pena aplicável aos crimes em concurso, na consideração, em conjunto, da gravidade dos factos e da personalidade do arguido (artigos 71.º e 77.º, n.º 1, do Código Penal), também não se encontra fundamento que justifique a alteração da pena única, que se encontra fixada em medida não muito distante do seu limite mínimo, sem ofensa dos critérios de adequação e proporcionalidade que presidem à sua determinação.

Pelo que improcede também o recurso nesta parte.

26. A confirmação da pena única, de 5 anos e 4 meses de prisão, obsta à suspensão da sua execução, por a isso se opor o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, que apenas a admite relativamente a penas de medida não superior a cinco anos.

Quanto a custas

27. De acordo com o disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

III. Decisão

28. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso do arguido AA, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 10 de setembro de 2025.

José Luís Lopes da Mota (relator)

António Augusto Manso

Carlos Campos Lobo