VALOR DA ACÇÃO
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
Sumário

1-Na fixação do valor da acção dever-se-á atender ao valor dos pedidos cumulados (art. 297.º, n.º 2 do CPC).
2-Apenas deverá ser considerado o preceituado no art. 303.º, n.º 1 do CPC (relativo às acções sobre interesses imateriais) quando os pedidos formulados não têm expressão pecuniária.

Texto Integral

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:

I-Relatório
Na presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, que AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II (Comissárias/Assistentes de Bordo) movem contra “TAP Transportes Aéreos, SA”, foram formulados os seguintes pedidos:
« Deverá a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência:
a) Ser reconhecida a nulidade do termo aposto nos contratos de trabalho das AA., devendo todas elas ser consideradas providas com um contrato de trabalho sem termo desde a data da respectiva celebração;
Consequentemente,
b) Ser reconhecida a todas as AA. a integração no Escalão CAB 1 desde a data da celebração dos respectivos contratos de trabalho;
Consequentemente,
c) Deve a R. ser condenada a pagar a cada uma das AA. os seguintes montantes, a título de diferenciais entre o que as AA. receberam como Escalão CAB Início/CAB 0 e o que deveriam ter recebido, ab initio, como CAB 1, a título de vencimento base, vencimento de senioridade, subsídios de Natal e Férias e Retribuições Especiais PNC (Per Diem):
Nome Capital Juros vencidos Total
AA €. 29.655,32 €. 3.558,64 €. 33.213,96
BB €. 16.691,96 €. 883,53 €. 17.575,49
CC €. 17.230,55 €. 912,04 €. 18.142,59
DD €. 17.106,26 €. 905,46 €. 18.011,72
EE €. 17.727,71 €. 938,35 €. 18.666,06
FF €. 17.727,71 €. 938,35 €. 18.666,06
GG €. 30.373,96 €. 3.648,20 €. 34.022,16
HH €. 27.863,05 €. 3.346,62 €. 31.209,67
II €. 31.290,22 €. 3.758,26 €. 35.048,48
Subsidiariamente,
d) Deve ser reconhecido às AA. GG, HH e II, retroactivamente, o direito a receber as diferenças salariais entre os montantes efectivamente auferidos e os que deveria ter auferido como CAB 1, entre a data da sua “efectivação” - 15 de Novembro de 2019 – e a data a partir das qual passaram efectivamente a receber de acordo com o Escalão CAB 1, tudo de acordo com os cálculos anteriormente realizados.
Ademais,
e) Deve o Tribunal considerar as AA. como integrando o Escalão CAB 2 desde as datas em que completaram três anuidades sobre a sua contratação, tal como exposto no artigo 174º supra, com a posterior e consequente progressão na sua carreira daí em diante nos termos do AE.
Consequentemente,
f) Deverá ser reconhecido aos AA. o direito a receberem, desde as datas em que se verificou a condição para a sua progressão ao Escalão CAB 2 e aos Escalões subsequentes, os valores respeitantes às diferenças entre aquilo que receberam como CAB 1 e o que deveriam ter auferido de acordo com os Escalões em que, por decurso do tempo (períodos de 3 anos), as AA. deveriam estar integradas.
Pelo que,
g) Deve a R. ser condenada a pagar a cada uma das AA. os seguintes montantes, a título de diferenciais entre o que as AA. efectivamente receberam desde a data da sua contratação e o que deveriam ter recebido, nos termos supra expostos, a título de vencimento base, vencimento de senioridade, subsídios de Natal e Férias e Retribuições Especiais PNC (Per Diem):
Nome Capital
AA €. 63.144,61
BB €. 15.701,79
CC €. 15.701,79
DD €. 15.701,79
EE €. 15.701,79
FF €. 15.701,79
GG €. 14.546,16
HH €. 12.493,39
II €. 12.493,39
Subsidiariamente,
h) Caso, por mera hipótese de patrocínio, não se entenda que as AA., por força da nulidade do termo aposto no respectivo contrato de trabalho, deveriam integrar o Escalão CAB 2 e receber de acordo com esse Escalão desde a data em que completaram três anuidades sobre a sua contratação, então sempre deverá entender-se que essa progressão ocorreu pela assinatura das respectivas “Declarações de Efectivação”, que produziram os seus efeitos em 20 de Outubro de 2018 e em 15 de Novembro de 2019.
Donde,
i) Deve a R. ser condenada a pagar a cada uma das AA., a título de diferenciais salariais entre o que receberam e o que deveriam ter recebido, após a produção de efeitos das respectivas “Declarações de Efectivação”, o montante total de €. 4.962,40 (Quatro mil novecentos e sessenta e dois euros e quarenta cêntimos), tudo acrescido dos juros que se vencerem até integral liquidação das quantias em dívida o que, desde já e para todos os legais efeitos, se requer.
j) Deve a R. ser ainda condenada no pagamento acrescidos das retribuições vincendas e dos juros que se vencerem até integral pagamento de todas as quantas peticionadas.»
A R. contestou, pugnando pela improcedência da acção.
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No despacho saneador foi proferida a seguinte decisão : « Valor da causa – art. 306º, nº2, do Código de Processo Civil: € 224.556,19.»
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A R. recorreu do despacho que fixou o valor da acção e formulou as seguintes conclusões:
A. O recurso ora interposto tem por objeto o despacho saneador proferido no dia 12 de julho de 2024, na parte em que o mesmo fixou o valor da causa em € 224.556,19, como indicado pelas AUTORAS na petição inicial.
B. Nos termos dos artigos 296.º, n.º 1, e 297.º , n.ºs 2 e 3, do CPC, deve o valor da ação refletir a utilidade económica de todos os pedidos cumulativamente deduzidos; por outro lado, o artigo 303.º, n.º 1, do CPC determina que às ações sobre interesses imateriais seja fixado valor equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01.
C. O valor da causa fixado no despacho recorrido (€ 224.556,19) teve por aparente fundamento, única e exclusivamente, o valor que as AUTORAS atribuíram à causa na petição inicial, que corresponde ao somatório das quantias que as AUTORAS peticionaram na alínea c) do seu petitório, “a título de diferenças salariais entre o que as AA. receberam como Escalão CAB Início/CAB 0 e o que deveriam ter recebido, ab initio, como CAB 1, a título de vencimento base, vencimento de senioridade, subsídios de Natal e Férias e Retribuições Especiais PNC (Per Diem)”.
D. Deste modo, aquando da fixação do valor da causa, o Tribunal a quo não considerou, desde logo, o pedido cumulativo que as AUTORAS formularam na alínea g) do petitório e que totaliza o montante de € 167.484,71, o que sempre faria aumentar o valor da causa para € 392.040,90.
E. Para além dos pedidos suscetíveis de avaliação pecuniária expostos nas alíneas c) e g) do petitório – que totalizam o referido montante de € 392.040,90 –, o Tribunal a quo deveria ter levado em conta os pedidos que representam vantagens imateriais, correspondentes à requalificação da relação laboral e às implicações financeiras e económicas daí decorrentes.
F. Assim, tendo presentes os pedidos de declaração de nulidade dos termos apostos aos contratos de trabalho e de reclassificação [cfr. alíneas a), b), e e) do seu petitório], sempre deveria ter sido considerado na fixação do valor global da ação o valor individualizado – por cada ação coligada – de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), acrescendo ao valor que deveria ter sido fixado aos demais pedidos.
G. Em suma, no despacho recorrido, o Tribunal a quo errou na fixação do valor da presente causa, na medida em que:
i. não atendeu, em violação do disposto nos artigos 296.º, n.º 1, e 297.º, n.º 2, do CPC, ao pedido principal cumulativo formulado pelas AUTORAS na alínea g) do seu petitório e que ascende ao montante de € 167.484,71;
ii. não atendeu, em violação do disposto no artigo 303.º, n.º 1, do CPC, aos interesses imateriais subjacentes aos pedidos formulados pelas AUTORAS nas alíneas a), b), e e) do seu petitório, traduzidos na declaração de nulidade dos termos apostos aos contratos de trabalho e na requalificação da relação laboral.
H. Por conseguinte, deve o despacho recorrido ser revogado na parte em que fixou o valor à presente causa, sendo substituído por outro que fixe o valor da causa de acordo com a utilidade económica de todos os pedidos das RECORRIDAS,
I. Isto é, fixando um valor da causa que englobe todos os pedidos principais suscetíveis de avaliação pecuniária - a que correspondem as alíneas c) e g) do petitório e que ascendem ao total de € 392.040,90 –, bem como os restantes pedidos principais imateriais – indicados nas alíneas a), b) e e) do petitório –, os quais sempre determinariam que o valor de cada uma das ações coligadas fosse fixado no montante de, pelo menos, € 30.000,01.
Nestes termos, requer-se respeitosamente a V. Exas. se dignem revogar o despacho recorrido na parte em que fixa o valor da causa e substituí-lo por Acórdão que fixe o valor global da causa nos termos supra expostos.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
A recorrente respondeu ao parecer do Ministério Público, pugnando pela procedência do recurso.
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II- Importa solucionar no âmbito do presente recurso se deve ser alterado o valor da causa.
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III- Apreciação
Sobre uma questão similar referiu o recente Acórdão desta Relação, de 30.04.2025 ( relatora Desembargadora Paula Santos e no qual interveio na qualidade de Juiz Adjunta a ora Juiz Desembargadora 1ª Adjunta )- www.dgsi.pt :
«Vejamos o que dispõe a lei, com interesse para a decisão da questão
Artigo 296º do CPC- Atribuição de valor à causa e sua influência –
“1. A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.
2. Atende-se a este valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.
(…)”
Artigo 297º - Critérios gerais para a fixação do valor
“1. Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.
2. Cumulando-se na mesma acção vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos.”
Artigo 299º - Momento a que se atende para a determinação do valor
“1. Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal.
(…)
Artigo 300º - Valor da ação no caso de prestações vincendas e periódica
1-Se na ação se pedirem, nos termos do artigo 557.º, prestações vencidas e prestações vincendas, toma-se em consideração o valor de umas e outras.
2 - Nos processos cuja decisão envolva uma prestação periódica, salvo nas ações de alimentos ou contribuição para despesas domésticas, tem-se em consideração o valor das prestações relativas a um ano multiplicado por 20 ou pelo número de anos que a decisão abranger, se for inferior; caso seja impossível determinar o número de anos, o valor é o da alçada da Relação e mais (euro) 0,01.
Artigo 301º - Valor da ação determinado pelo valor do ato jurídico
1 - Quando a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico, atende-se ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes.
2 - Se não houver preço nem valor estipulado, o valor do ato determina-se em harmonia com as regras gerais.
Artigo 303º - Valor das ações sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais ou difusos
1 - As ações sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais (euro) 0,01.(…)
Artigo 306º - Fixação do valor“1. Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes.
2.O valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que se refere o nº4 do artigo 299º e naqueles em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença.”
Artigo 308º - Determinação do valor quando não sejam suficientes a vontade das partes e o poder do juiz
“Quando as partes não tenham chegado a acordo ou o juiz o não aceite, a determinação do valor da causa faz-se em face dos elementos do processo ou, sendo estes insuficientes, mediante as diligências indispensáveis, que as partes requererem ou o juiz ordenar.”
Constitui jurisprudência firme do Supremo Tribunal de Justiça que no âmbito do CPT não há que atender ao critério subsidiário da imaterialidade dos interesses referido no artigo 303º nº1 do CPC.
Como, de forma esclarecedora, se diz no acórdão do STJ de 11-11-2020, “O artigo 312.º do Código de Processo Civil dispõe que «[a]s ações sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01».
No entanto, o atual Código de Processo do Trabalho contém disposição expressa sobre a matéria. Trata-se do artigo 79.º, segundo o qual, «[s]em prejuízo do disposto no artigo 678.º do Código de Processo Civil e independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação: a) [n]as ações em que esteja em causa a determinação da categoria profissional, o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa e a validade ou subsistência do contrato de trabalho; b) [n]os processos emergentes de acidente de trabalho ou de doença profissional; c) [n]os processos do contencioso das instituições de previdência, abono de família e associações sindicais.»
Dir-se-á que o preceito transcrito se limita a estabelecer os casos em que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação, permitindo que o referido artigo 312.º seja analogicamente coligido para garantir a admissibilidade do recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça.
Contudo, a evolução adjetiva laboral sobre a questão mostra que não é assim, conforme resulta da doutrina sufragada no acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de Novembro de 2001, Revista n.º 1959/01 da 4.ª Secção, recentemente retomada no acórdão deste Supremo Tribunal de 22 de março de 2007, Revista n.º 274/07 da 4.ª Secção, cuja exposição se passa a acompanhar muito de perto.
Com efeito, a tese dos «interesses imateriais» era largamente acolhida na vigência do Código de Processo do Trabalho de 1963, que guardava absoluto silêncio sobre essa questão.
Já o Código de Processo do Trabalho de 1979 consignava, expressamente, no seu artigo 46.º, n.º 3, que «[a]s ações em que esteja em causa o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa ou a validade do contrato de trabalho nunca terão valor inferior ao da alçada da Relação e mais 1$00».
Consagrou-se, assim, tese semelhante à do citado artigo 312.º.Porém, o Código de Processo do Trabalho de 1981 veio contemplar solução diversa, apenas assegurando o recurso para a Relação ao estabelecer que «[a]s ações em que esteja em causa o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa ou a validade do contrato de trabalho nunca terão valor inferior ao da alçada do tribunal da primeira instância e mais 1$00».
Esta inversão legislativa, que veio contemplar uma solução idêntica à adotada na alínea a) do artigo 79.º do atual Código de Processo do Trabalho, suscitou a Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho Anotado, 4.ª edição, 1996, p. 239), a anotação seguinte:
«De tudo isto resulta claro que, não obstante a natureza dos interesses em jogo nas ações em causa […], o propósito do legislador de 1981 foi o de assegurar sempre, em tais situações, recurso para a 2.ª instância. A partir daquele valor — alçada do tribunal da primeira instância e mais 1$00 — será de observar o regime geral das alçadas, especialmente o disposto nos artigos 305.º e 306.º do Código de Processo Civil e 74.º, n.º 4 do Código de Processo do Trabalho.
Se a vontade do legislador tivesse sido a de garantir sempre recurso para o Supremo, bastar-lhe-ia, ou nada dizer, deixando que a jurisprudência continuasse a socorrer-se, subsidiariamente, do artigo 312.º do Código de Processo Civil, ou, no seguimento deste normativo e do artigo 46.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho de 1979, dizer que naquelas ações o valor nunca seria inferior ao da alçada da Relação e mais 1$00.»
Fica assim demonstrado, como se afirma no citado acórdão de 14 de Novembro de 2001, «que o legislador de 1981 (e também o de 1999) se desligou da equiparação aos interesses imateriais do artigo 312.º do Código de Processo Civil, fazendo ele próprio a sua valoração dos interesses em causa para efeitos de recurso.
Deste modo, os interesses imateriais conexos com os litígios de natureza laboral não relevam no cálculo do valor das ações e por esse motivo são irrelevantes para a determinação do valor da sucumbência.
O decidido insere-se assim na linha de orientação estabilizada desta Secção, pelo que o despacho reclamado deve ser confirmado.”
Ou seja, o artigo 79º do CPT, garantindo às partes o recurso para o Tribunal da Relação, nas acções aí identificadas, criou “um regime especial para este tipo de acções, afastando assim a aplicação às mesmas do disposto no nº1 do artigo 303º do NCPC”
Tal como o acórdão desta Secção, que citamos, também consideramos excessiva a afirmação de que o artigo 303º nº1 do CPC não tem aplicação subsidiária ao CPT, dado que, tal como ali referido “se nos afigurar que existirão ações de natureza laboral cujo objeto implicará a discussão de interesses imateriais como os previstos no artigo 303.º do NCPC (bastará pensar na violação dos direitos de personalidade do trabalhador e na ação especial dos artigos 186.º-D a 186.º-F do CPT) (…).” No entanto, no presente caso, em que está em causa a nulidade da aposição do termo nos contratos de trabalho a prazo celebrados entre as partes, a sua conversão num vínculo laboral por tempo indeterminado e a requalificação noutra categoria, e respectivas diferenças salariais, tem plena aplicação a jurisprudência que citamos, ou seja, não cumpre recorrer ao critério subsidiário vertido no artigo 303º nº1 do CPC.
Como determinar então o valor da causa?
Na presente acção cumulam-se pedidos.
Cumula-se o pedido de declaração de nulidade dos termos apostos nos contratos, o pedido de reintegração dos Autores no seu posto de trabalho com a categoria de CAB I e antiguidade nessa categoria, reportados à data de início dos seus contratos, e ainda os pedidos de pagamento das diferenças salariais que deixou de auferir fruto da sua errada integração nas categorias de CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus contratos de trabalho, dos subsídios de Natal e de férias, bem como nas retribuições vincendas, e ainda a integração nos diversos escalões de integração na carreira.
Quanto ao pedido de prestações vincendas, para efeitos de fixação do valor da causa, ele é previsto no artigo 297º nº2 e também no artigo 300º nº1 do CPC.
Como afirma Alberto dos Reis, não ocorre, no entanto, qualquer colisão entre ambos os preceitos, porquanto o seu domínio de aplicação é diferente.
O artigo 297º nº 2 “refere-se à hipótese de se pedirem, além dos juros vencidos, os que se vencerem durante a pendência da causa”. O artigo 300º nº1 “rege o caso de se pedir o pagamento de prestações periódicas que se vencerem enquanto subsistir a obrigação.”
Ou seja, o pedido a que se refere o artigo 297º nº2 é um pedido acessório de um pedido principal. Já quanto ao pedido a que se refere o artigo 300º nº1 aplica-se ao caso de o objecto próprio da acção ser o de um pagamento que se vence periodicamente.
Na base do artigo 297º nº2 “é esta ideia: na determinação do valor da acção só se atende aos juros vencidos à data da propositura; os que se vencerem posteriormente não contam para esse efeito, e não contam pela razão simples de que não pode saber-se , na altura em que se tem de fixar o valor, a quanto virão a montar tais juros, pois é incerto o momento em que a acção findará ou em que o credor será embolsado do capital.” É assim indiferente esse pedido, para efeitos da determinação do valor da acção.
Em casos em que a obrigação subsiste, como no exemplo nos casos que está em causa uma pensão de reforma, o credor pode propor a acção para “obter o pagamento da prestação em dívida; mas quer ficar com uma sentença de trato sucessivo, que o habilite a promover imediatamente a execução, se, de futuro, o devedor deixar de satisfazer outra prestação; pede, consequentemente, que o réu seja condenado a pagar a prestação vencida e as que se vencerem enquanto subsistir a obrigação.”. Estamos no domínio do artigo 300º nº1 do CPC.
Não é o que acontece no presente caso, em que o pedido de pagamento em quantia certa é acessório do pedido principal, pretendendo a Autora que a relação jurídica, ou relações jurídicas, subjacentes aos pedidos formulados, se extingam, e não que a sentença estenda os seus efeitos para além da acção, pelo que tem aplicação o disposto no artigo 297º nº1 e 2 do CPC.
Veja-se na jurisprudência, a título de exemplo (transcrevem-se parcialmente os sumários):
- acórdão do STJ de 06-12-2017 1. Nas ações de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento, cujo pedido principal consiste no pedido de declaração de ilicitude do despedimento, como em todas as outras em que, como acessório ao pedido principal, se peticionam rendimentos já vencidos e vincendos, não tem lugar a aplicação do disposto no artigo 300º, n.º 2, do Código de Processo Civil, antes são aplicáveis as regras gerais constantes do artigo 297º, n.ºs 1 e 2.
- acórdão do STJ de 22-06-2017 - I - As retribuições vincendas pedidas numa ação de impugnação de despedimento não têm qualquer influência na fixação do valor da causa, que deve ser determinado atendendo aos interesses já vencidos no momento em que a ação é proposta.
- acórdão do STJ de 25-09-2014 – “2. Nas ações em que, como acessório ao pedido principal – in casu, a declaração de ilicitude do despedimento - se peticionam rendimentos já vencidos e vincendos, não tem lugar a aplicação do disposto no artigo 309.º, n.º 2, do CPC/2007 [Artigo 300.º, n.º 2, do CPC/2013], antes são aplicáveis as regras gerais constantes do 306.º, e que, na sua essência, correspondem ao atual artigo 297.º, n.ºs 1 e 2.”
Portanto, o valor a atender corresponderá à utilidade económica imediata do pedido (artigo 296º nº1 do CPC), e, pretendendo a parte obter, com a acção, uma quantia certa em dinheiro, será esse o valor da causa. Cumulando-se vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma de todos eles, atendendo-se, porém, apenas aos interesses já vencidos (artigo 297º nºs 1 e 2 do CPC).
Tudo visto, cumpre revogar a decisão recorrida, alterando-se o valor da causa para 260.361,61€, correspondendo aos valores peticionados em c) e).»
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Retornando ao caso em apreço, verificamos que a decisão recorrida apenas considerou os valores peticionados sob c) da petição inicial.
Foram, contudo, cumulados pedidos sob g) da petição inicial, cujo valor não foi considerado pelas autoras em sede de indicação do valor da acção. Os pedidos formulados sob g) também não foram ponderados pela Exª Juiz a quo aquando da fixação do valor da causa.
Não estamos perante uma cumulação aparente de pedidos, mas antes perante uma cumulação real e efectiva de vários pedidos, nos termos do disposto no art. 297.º, n.º 2, do CPC, uma vez que a cada um corresponde utilidade económica distinta e autónoma, pese embora ambos tenham na sua génese o também peticionado reenquadramento profissional das autoras.
Assim ao montante de €224 556,19 correspondente às prestações retributivas peticionadas, reportadas às diferenças entre a integração no escalão CAB 0 e ao reposicionamento no escalão CAB 1, deverá ser aditado o montante de € 181 186.50, correspondente às prestações retributivas peticionadas e que se reportam, depois de vencidas três anuidades, à evolução do escalão de CAB 1 para CAB 2, o que perfaz a quantia de €405 742,69.
Na senda do citado Acórdão desta Relação de 30.04.2025, também consideramos que a declaração de nulidade dos contratos e as peticionadas reclassificações profissionais não relevam para efeito de fixação do valor dos presentes autos já que a utilidade económica de ambos os pedidos se traduz, depois, nas diferenças salariais peticionadas.
Resulta do disposto no art. 303º, nº1 do CPC que as acções sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais €0,01.
Conforme refere Alberto dos Reis in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, pág. 625, « as acções sobre interesses imateriais correspondem às acções cujo objecto não tem valor pecuniário (…) visam à declaração ou efectivação dum direito extra-patrimonial.»
Ora, nos presentes autos, os pedidos em apreço têm uma expressão pecuniária e foram apurados nos termos acima indicados.
Procede, assim, parcialmente o recurso de apelação.
*
IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, fixar em € 405 742,69 (quatrocentos e cinco mil setecentos e quarenta e dois euros e sessenta e nove euros) o valor da acção.
Custas pelas recorridas.
Registe e notifique.

Lisboa, 10 de Setembro de 2025
Francisca Mendes
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Susana Silveira